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Estudo da eficiência de degradação de tetracloreto de carbono por plasma térmico e caracterização dos produtos formados

Study on the efficiency of carbon tetrachloride decomposition in argon thermal plasma and characterization of the formed products

Resumo

Decomposition of carbon tetrachloride in a DC thermal plasma reactor was investigated in argon atmosphere. The operational parameters such as plasma torch power and argon flow rate versus CCl4 conversion were examined. The CCl4 net degradation was determined by GC-FID, the chlorine produced was quantified by iodometric titration, the solid carbon was characterised by Raman spectroscopy and by BET analysis. The solid carbon collected inside de plasma reactor was submitted to solid/liquid extraction and the desorbed species were identified by GC-MS.

argon plasma torch; carbon tetrachloride; decomposition


argon plasma torch; carbon tetrachloride; decomposition

ARTIGO

Estudo da eficiência de degradação de tetracloreto de carbono por plasma térmico e caracterização dos produtos formados

Study on the efficiency of carbon tetrachloride decomposition in argon thermal plasma and characterization of the formed products

Péricles Inácio Khalaf; Ivan Gonçalves de Souza; Eduardo Carasek; Nito Angelo Debacher* * e-mail: debacher@qmc.ufsc.br

Departamento de Química, Universidade Federal de Santa Catarina, 88040-900 Florianópolis - SC, Brasil

ABSTRACT

Decomposition of carbon tetrachloride in a DC thermal plasma reactor was investigated in argon atmosphere. The operational parameters such as plasma torch power and argon flow rate versus CCl4 conversion were examined. The CCl4 net degradation was determined by GC-FID, the chlorine produced was quantified by iodometric titration, the solid carbon was characterised by Raman spectroscopy and by BET analysis. The solid carbon collected inside de plasma reactor was submitted to solid/liquid extraction and the desorbed species were identified by GC-MS.

Keywords: argon plasma torch; carbon tetrachloride; decomposition.

INTRODUÇÃO

Compostos organoclorados em geral são largamente empregados em vários processos industriais, devido a sua alta estabilidade e fácil obtenção por via sintética. Para as aplicações industriais a estabilidade é uma vantagem importante, entretanto isso implica em uma degradação natural muito lenta. Por outro lado, esses compostos são geralmente solúveis em meios lipofílicos, como óleos e gorduras acumulando-se em tecidos adiposos de animais interferindo na cadeia alimentar, causando vários problemas.1 Considerando sua estabilidade e as características negativas aliadas a estes compostos é necessário desenvolver métodos para a degradação eficiente, uma vez que a incineração pode conduzir à produção de dioxinas, substância ainda mais tóxica que o material de partida.1 O processo de degradação ou pirólise por plasma térmico,2 por outro lado, é muito promissor devido às altas temperaturas atingidas (~7000 K) em ambiente controlado, oxidante ou redutor, dependendo do gás ionizante usado na produção do plasma. A adição de gases oxidantes ao plasma, por exemplo, na degradação de hidrocarbonetos reduz a formação de carbono sólido (fuligem).3 Os oxidantes mais comuns utilizados são oxigênio ou vapor d'água, que gaseificam o carbono sólido a dióxido de carbono ou monóxido de carbono.3

O processo de degradação por plasma térmico segue basicamente duas etapas: na primeira, a alta temperatura em conjunto com o fluxo de elétrons gerados pela ionização do gás, formando o plasma, quebra as ligações químicas das moléculas formando radicais livres e/ou íons muito instáveis que, numa segunda etapa, no esfriamento da mistura gasosa, se recombinam espontaneamente formando novas substâncias em um processo entropicamente favorável.4

A tecnologia de plasma térmico aplicado à degradação química, apesar de muito promissora, requer ainda muito esforço para se entender a cinética e o mecanismo das reações que ocorrem no meio e, desta forma, predizer, identificar e quantificar os produtos preferencialmente formados para o total controle do processo.

Neste trabalho empregou-se uma tocha de plasma térmico de arco não transferido de corrente contínua (DC) à base de argônio visando estudar a eficiência de degradação do tetracloreto de carbono (CCl4) em ambiente inerte, caracterizar e quantificar os produtos formados. Também se propõe avaliar os parâmetros operacionais como a potência aplicada à tocha, a vazão de argônio como gás plasmogênico e vazão da amostra em relação à quantidade de CCl4 degradada.

PARTE EXPERIMENTAL

Materiais

Foi utilizado argônio de alta pureza (White Martins 99,998%) como gás plasmogênico, para a vaporização e arraste da amostra de tetracloreto de carbono (CCl4 Synth P.A.).

Tiossulfato de sódio penta-hidratado 0,03 mol L-1 (Na2S2O3.5H2 O Nuclear P.A.) de pureza analítica foi empregado na coluna de borbulhamento para absorção do cloro e outros subprodutos formados e como reagente na titulação iodométrica. Iodeto de potássio 0,3 mol L-1 (KI CRQ P.A.) foi utilizado na coluna de borbulhamento para quantificação do íon cloreto produzido e também para a titulação iodométrica.

Equipamentos

A Figura 1 mostra esquematicamente o sistema de pirólise por plasma térmico. O equipamento consiste de uma tocha de plasma,2,4,5 reator, vaporizador de amostra e a coluna de borbulhamento para a lavagem dos gases de exaustão. A tocha de plasma térmico de corrente contínua (DC) ioniza o gás, produzindo um jato de plasma dentro do reator onde ocorrem as reações de degradação.


O vaporizador da amostra consiste de um frasco lavador de gases com uma entrada para a inserção da amostra líquida por microsseringa através de um septo. A amostra é vaporizada e arrastada juntamente com o gás plasmogênico usado para produzir o jato de plasma cujo fluxo era controlado com auxílio de um fluxímetro.

A coluna de borbulhamento para lavagem dos gases consiste de um tubo de polipropileno em forma de U de 4 m de comprimento por 1,6 cm de diâmetro, contendo 1 L de solução eletrolítica ou de iodeto de potássio ou tiossulfato de sódio, para retenção e conversão do cloro em íons cloreto. A coluna é conectada à saída dos gases do reator e a um equalizador de pressão com saída de gases para o sistema de exaustão do laboratório.

Condições experimentais

Os experimentos foram realizados em duas etapas: na primeira manteve-se a potência aplicada na tocha constante em 0,9 kW variando-se a vazão do gás plasmogênico (argônio) entre 5 a 30 L min-1 em incrementos de 5 L min-1. Na segunda etapa manteve-se constante a vazão de argônio em 10 L min-1 variando-se a potência aplicada entre 0,3 a 1,8 kW.

Para cada ponto experimental, exceto o branco, injetou-se no vaporizador de amostra 400 μL de CCl4, com a tocha de plasma ligada e desligada, respectivamente. Os gases efluentes da degradação passavam através da coluna lavadora para a retenção do cloro gasoso e dos eventuais subprodutos organoclorados.

Análises cromatográficas

As análises da quantidade de tetracloreto de carbono degradado pelo processo a plasma foram feitas por cromatografia a gás, usando um cromatógrafo a gás, GC 14B Shimadzu, equipado com detector por ionização em chama (FID) e injetor tipo split-splitless. Utilizou-se uma coluna capilar de sílica fundida DB-1 de 25 m x 0,25 mm d.i., com fase de recobrimento de 0,25 μm de espessura e nitrogênio como gás de arraste. O programa de temperatura utilizado foi: temperatura inicial de 40 ºC mantida por 3 min, seguida pela elevação da temperatura até 210 ºC a uma taxa de 10 ºC min-1. A temperatura foi mantida em 210 ºC por 2 min, sendo que o tempo total de cada corrida foi de 22 min. As temperaturas do injetor e do detector foram de 250 e 280 ºC, respectivamente. As amostras foram injetadas no modo splitless em todas as análises.

A pré-concentração dos analitos foi feita pela exposição de uma fibra de microextração em fase sólida de polidimetilsiloxano (PDMS, Supelco), com espessura de recobrimento de 100 μm, ao headspace da amostra.

Para proceder à análise por microextração em fase sólida, 10 mL da solução contida na coluna de borbulhamento de cada experimento foram transferidos para frascos de 16 mL, os quais foram hermeticamente fechados logo em seguida. O tempo de exposição da fibra no headspace da amostra foi de 30 min sob agitação magnética contínua. Após a extração à temperatura ambiente os analítos foram dessorvidos termicamente durante 5 min no injetor do cromatógrafo.

Os limites de detecção (LD) e quantificação (LQ) do CCl4 foram determinados através do método baseado em parâmetros da curva analítica. Os mesmos procedimentos de extração e análise descritos anteriormente foram empregados para calcular LD, que foram determinados através das relações 1 e 2.6

A faixa dinâmica linear utilizada para calcular os limites de detecção e quantificação do CCl4 por cromatografia foi de 0,8 a 7,0 μg mL-1 e a linearidade superior a 0,998. Os valores de LD e LQ obtidos experimentalmente através das Equações 1 e 2 foram de 0,109 e 0,33 μg mL-1, respectivamente. A sensibilidade do detector FID a compostos organoclorados é baixa, por isso os valores de LD e LQ são relativamente altos

onde s é o desvio padrão do ruído de cinco medidas e S (slope) se refere ao coeficiente angular da curva analítica de calibração.

A eficiência de degradação do tetracloreto de carbono foi calculada com base nos padrões do EPA 7 (United States Environmental Protection Agency) para resíduos perigosos. A determinação da quantidade do tetracloreto de carbono degradado foi relacionada à eficiência, de acordo com a Equação 3:

onde Aoff e Aon são as áreas dos picos cromatográficos obtidos com o plasma desligado e ligado, respectivamente.

Determinação do cloro

A determinação do cloro produzido pela degradação foi feita usando 400 μL de amostra de CCl4 injetados no vaporizador, empregando-se uma microsseringa com o plasma ligado. Este procedimento foi repetido no mínimo cinco vezes para determinar a média e o desvio padrão dos valores. O cloro gasoso produzido no reator foi convertido em íons cloreto segundo a Equação 4 e retido na coluna de borbulhamento. A coluna de borbulhamento era previamente preenchida com solução de iodeto de potássio (KI, 50 g L-1), em excesso, segundo a estequiometria da reação, para transformar todo cloro gasoso gerado em íons Cl-. De acordo com a Equação 5, o meio gera tri-iodeto, que pode ser determinado diretamente por titulação volumétrica utilizando-se tiossulfato de sódio (Na2S2O3) 0,01 mol L-1 como titulante.8 A quantidade de cloro formada no processo foi relacionada com a concentração de tri-iodeto através da relação estequiométrica mostrada nas Equações 4 e 5, onde a constante de equilíbrio da Equação 4, K4 = 8,3 x 1025 a 298 K.

Para a padronização do tiossulfato de sódio (padrão secundário), foi adicionado ao meio 0,4 g de KI, 2 mL de solução de ácido clorídrico 3,5 mol L-1, 5 mL de solução padrão de KIO3 e 10 mL de água destilada. Após a mistura das soluções procedia-se à titulação iodométrica, agindo-se com rapidez para minimizar a formação de tri-iodeto através da oxidação do iodeto pelo oxigênio do ar. A reação de tiossulfato com tri-iodeto ocorre de acordo com a Equação 6.

A precisão das determinações foi verificada através da estimativa do desvio padrão relativo (RSD), também conhecido como coeficiente de variação.6 Para os resultados da quantificação do cloro n = 5 e na determinação da eficiência de decomposição n = 3

onde s é o desvio padrão e é a média dos valores.

Caracterização do carbono sólido

Amostras do carbono sólido proveniente da degradação do CCl4 foram coletadas das paredes resfriadas no interior do reator e armazenadas em um tubo Eppendorf à temperatura ambiente para posterior análise.

A caracterização do carbono sólido foi feita utilizando-se um espectrômetro Raman modelo Renishaw System 3000 com laser de He-Ne com radiação monocromática de 632,8 nm. As determinações da área superficial e porosidade do carbono sólido foram feitas num aparelho modelo Autosorb 1 Quantachrome utilizando-se gás nitrogênio como adsorbato.

Determinação de substâncias adsorvidas no carbono sólido

A determinação de substâncias adsorvidas no carbono sólido produzidas na degradação do CCl4 foi feita através da extração sólido/líquido, utilizando 4 mL de diclorometano de alta pureza para 0,1 g de carbono sólido. A mistura foi submetida a um banho de ultrassom por 1 h e a suspensão foi filtrada em filtro Millipore de 0,22 μm. O filtrado foi concentrado até cerca de 1 mL através de evaporação por fluxo N2 de alta pureza a temperatura ambiente. A análise foi realizada por CG-MS em um cromatógrafo Shimadzu modelo GC-17 A, acoplado ao espectrômetro de massas Shimadzu modelo QP 5050 A, com coluna CP-SIL 8CB-MS, em condições previamente otimizadas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Caracterização do carbono sólido

A Figura 2 mostra o espectro Raman do sólido formado na decomposição do CCl4. O espectro mostra duas bandas, em 1582,5 cm-1 (banda G) e em 1330,9 cm-1 (banda D), o que indica a produção de carbono amorfo tipo fuligem e negro de carbono,9,10 variações microcristalinas da grafite.


O aparecimento dessas bandas no espectro Raman pode ser explicado através da simetria do cristal de grafite.11 A partir das propriedades simétricas do grupo pontual do espectro, a seguinte representação irredutível (Γopt) pode ser decomposta para a grafite 3D:

Γopt2E2g + E1g + A2u + 2B1g

Destas representações, apenas os modos E2g são ativos no Raman; as representações E1g e A2u são ativas no infravermelho e o modo B1g é opticamente inativo. O modo E2g1 corresponde ao estiramento no plano rígido tipo tesoura que ocorre a uma frequência bem baixa (42 cm-1), devido às camadas adjacentes serem rígidas sofrendo estiramento mútuo contra uma fraca força restauradora entre camadas. Por causa de sua baixa intensidade e frequência, o modo normalmente não aparece nos espectros de amostras de grafite. Já o modo E2g2 representa o estiramento no plano que ocorre em uma frequência mais alta (Figura 2, 1582 cm-1, banda G), devido aos átomos vizinhos em cada camada planar sofrerem estiramento contra uma forte força restauradora no plano.11

A área superficial e o tamanho dos poros foram obtidos experimentalmente por análise de adsorção de nitrogênio por BET, sendo a área superficial de 30,13 m2 g-1 e o tamanho dos poros de 13,04 nm. Bolouri et al.12 obtiveram uma área superficial para o negro de carbono produzido pela decomposição do CH4 por plasma térmico, valores entre 70 e 100 m2 g-1. Segundo os autores, a temperatura do reator foi o parâmetro determinante nas características do material produzido.

A área superficial do carbono amorfo obtida neste trabalho mostra que o material possui capacidade de adsorção suficiente para adsorver cloro gasoso e outras espécies formadas no processo. A presença de gás cloro adsorvido no carbono sólido foi confirmada através da extração sólido/líquido em uma solução de iodeto de potássio contendo amido como indicador. O cloro reage com excesso de iodeto como mostrado nas Equações 4 e 5, tornando a solução azulada em presença de amido. Estudos de adsorção de cloro em carvão ativado13 mostraram que o processo obedece à Equação de Wheeler-Jonas modificada (Equação 8), normalmente aplicada à fisiossorção de vapores orgânicos, com uma capacidade de adsorção estática (we) de 0,13 g g-1

onde tb é o tempo de passagem, M o peso da camada de carbono, cin a concentração inicial do vapor, Q a vazão volumétrica, ρb a densidade do interior da camada de carbono, kV o coeficiente geral de transferência de massa e cout a concentração de passagem escolhida.

Determinação das substâncias adsorvidas no carbono sólido

A Tabela 1 mostra a estrutura molecular dos compostos identificados por CG-MS a partir da extração sólido/líquido de amostras de carbono sólido e pré-concentração dos analitos. A quantificação destas substâncias não foi possível, pois se trata de espécies produzidas no processo em quantidades muito reduzidas. A detecção só foi possível devido a grande capacidade de retenção por adsorção do carbono amorfo produzida no reator.

Cubas et al.5 investigaram os produtos gasosos produzidos na decomposição do CCl4 por plasma térmico, usando a técnica de microextração em fase sólida de amostras gasosas coletadas na saída do reator. Os compostos identificados por esta técnica foram: tetracloreto de carbono (CCl4), tetracloroeteno (C2Cl4), hexacloroetano (C2Cl6), 1,1,2,3,4,4-hexaclorobuta-1,3-dieno (C4Cl6), 1,2,3,4,5,5-hexaclorociclopenta-1,3-dieno (C5Cl6) e octaclorocilopenteno (C5Cl8).

Apenas o C4Cl6 foi encontrado em comum nos dois trabalhos usando técnicas diferentes de detecção de subprodutos formados na degradação de CCl4 por plasma térmico em atmosfera inerte. No trabalho de Cubas et al.5 a maioria das espécies detectadas possui peso molecular inferior às encontradas neste trabalho. Os subprodutos de menor peso molecular foram encontrados preferencialmente nas amostras coletadas na fase gasosa, enquanto que as de maior peso molecular foram detectadas a partir da extração do material adsorvido. Isso mostra que preferencialmente os compostos de maior peso molecular se adsorvem ao carbono amorfo formado no interior do reator durante o processo de degradação.

Em outros trabalhos14 relacionados à caracterização dos subprodutos da decomposição do CCl4 por plasma térmico foram encontradas substâncias em comum às encontradas neste trabalho. Os autores sugerem que estes compostos (na maioria, aromáticos) são formados a partir da cloração de estruturas microcristalinas do carbono amorfo. O mecanismo sugerido na formação dos produtos é a degradação dos reagentes em radicais e átomos e a recombinação destas espécies. Os principais radicais que participam na recombinação são: :CCl2 e :C=Cl. Estas espécies podem formar alcenos (dienos) e o processo de recombinação acontece no resfriamento da fase gasosa. Os compostos cíclicos podem ser produzidos também por estes radicais via reação sólido/gás na superfície do carbono amorfo depositado no interior do reator.14

A formação apenas de moléculas contendo carbono e cloro (Tabela 1) se deve à utilização de argônio puro na formação do plasma e CCl4 como material de partida, proporcionando uma atmosfera inerte e livre de outras espécies.

Outros autores15-17 estudaram a cinética da degradação de organoclorados por pirólise usando forno tubular em atmosfera inerte, em temperaturas entre 570 a 1470 K, conforme mostrado na Tabela 2. Vários compostos identificados foram comuns aos encontrados no presente trabalho, embora os reagentes de partida fossem diferentes.

Os dados destes autores15-17 indicam que há uma interconversão destes compostos na faixa de temperatura estudada. Os intermediários radicalares formados na temperatura do plasma são provavelmente os mesmos, porém em concentrações diferentes, o que explica as diferentes proporções dos produtos formados.

Eficiência de decomposição do CCl4

A decomposição do CCl4 foi determinada cromatograficamente a partir da quantidade não degradada de CCl4, em função da vazão de argônio, conforme Equação 3, mantendo-se a potência aplicada à tocha em 0,9 kW.

A Figura 3 mostra que a eficiência de decomposição decresce com o aumento do fluxo de gás plasmogênico, passando de 96,11 ± 3,60% em 5 L min-1 para 78,39 ± 3,79% em 30 L min-1. A redução na porcentagem de CCl4 degradado com o aumento da vazão de argônio observada na Figura 3 deve-se à redução do tempo de residência da amostra no interior do reator próxima ao jato de plasma, região de alta temperatura. Quanto maior o fluxo, maior a diluição da amostra dentro do reator, reduzindo a eficiência do processo de quebra das ligações químicas das moléculas formando radicais livres e/ou íons instáveis que, numa segunda etapa, no esfriamento da mistura gasosa, se recombinam espontaneamente formando majoritariamente carbono amorfo e gás cloro. Resultados similares foram observados por Chang e colaboradores18 na degradação de CClF3 usando tocha de plasma por micro-ondas.


O tempo de residência do CCl4 no interior da câmara de plasma, estimado a partir do fluxo do gás plasmogênico e do volume do reator, diminui de 19,3 s com um fluxo de QAr = 5 L min-1 para 3,2 s com um fluxo de QAr = 30 L min-1. Isso mostra a relação entre o tempo de residência da amostra na região de alta temperatura proporcionada pela tocha de plasma e a eficiência de decomposição, reduzida em aproximadamente 15% no intervalo de variação de fluxo estudado.

A Figura 4 mostra a eficiência de decomposição em função da potência aplicada com a vazão de argônio mantida em 10 L min-1. A degradação do CCl4 aumenta com o aumento da potência aplicada à tocha de plasma passando de 91,4 ± 2,59% em 0,35 kW para 99,4 ± 0,03% em 1,78 kW.


O aumento da potência aplicada na tocha de plasma térmico DC é diretamente relacionado ao aumento da temperatura do jato de plasma19 aumentando a energia disponível para a quebra das ligações. Este efeito desloca o equilíbrio para a formação dos produtos da degradação diminuindo, portanto, a velocidade de reconstituição do CCl4 na reação reversa, que ocorre em temperaturas inferiores a 1000 K.

Quantificação do cloro

A Figura 5 mostra a porcentagem de Cl2 produzida no reator de plasma térmico usando-se uma vazão do gás de arraste de 10 L min-1, variando-se a potência aplicada de 0,35 a 1,78 kW. O cloro gasoso produzido no reator foi convertido em íons cloreto e retido na coluna de borbulhamento segundo a Equação 4 e determinado diretamente por titulação volumétrica segundo a Equação 5. Conforme mostrado na Figura 5, a degradação do CCl4 produz quantidades de Cl2 aproximadamente constantes neste intervalo de potência aplicada.


Os dados apresentados na Figura 4 indicam um aumento da eficiência de degradação do CCl4 com o aumento da potência, no entanto, a quantidade de cloro formada se manteve constante neste intervalo de potência aplicado. Resultados similares foram obtidos por Foglein et al.14 através de modelo termodinâmico de decomposição do CCl4 por plasma térmico. Segundo o modelo proposto pelos autores, os radicais Cl- começam a se recombinar abaixo de 4000 K. Neste modelo a faixa de temperatura na qual a concentração de Cl2 produzida é aproximadamente constante estende-se de ~830 a ~1590 K.

O modelo sugere que o CCl4 degradado por plasma térmico em nosso sistema foi submetido a temperaturas nesta faixa.

Devido ao experimento ser conduzido em atmosfera inerte, apenas compostos que contêm carbono e cloro são formados. Portanto, a formação de cloro gasoso é sempre acompanhada pela produção de carbono sólido através da reação global:

Como discutido anteriormente, a quantidade de cloro produzido foi aproximadamente constante no intervalo de potência aplicada para o sistema estudado, porém a eficiência de decomposição do CCl4 aumenta com o aumento da potência aplicada, conforme mostrado na Figura 4. Este comportamento pode ser explicado através do equilíbrio termodinâmico das espécies estáveis versus temperatura, pois diminuindo-se a potência aplicada (e consequentemente o gradiente de temperatura dentro do reator) há um aumento na recombinação de espécies radicalares para formar o CCl4, enquanto que a quantidade de cloro produzida permanece aproximadamente constante no intervalo de temperatura entre 830 a 1590 K.14

Michael et al.20 estudaram a cinética de decomposição térmica do CCl4 na faixa de temperatura entre 1084 e 2186 K. Segundo estes autores, ao menos dois átomos de cloro são produzidos para cada molécula de CCl4 que se decompõe. Porém, o segundo átomo de cloro é produzido bem mais lentamente do que o primeiro, sendo a constante de velocidade desta reação aproximadamente 10 vezes menor do que a constante de velocidade do equilíbrio primário.

O modelo cinético da decomposição do CCl4 por plasma térmico proposto por Kovács et al.3,21 sugere que o mecanismo de decomposição do CCl4 contém em sua maioria reações de degradação térmica não envolvendo espécies iônicas. Esta parece ser uma boa aproximação, pois à pressão atmosférica, a concentração de espécies iônicas e de elétrons é pequena e as constantes de velocidade de reações iônicas e de impacto de elétrons3,21 são muito menores comparadas às de espécies não iônicas.

O estudo das densidades de íons e radicais gerados por plasma térmico em diferentes proporções de argônio e amônia (NH3) 22 mostrou que a densidade total de todos os íons presentes é de aproximadamente 3,5 x 1013 cm-3 em argônio puro e decresce exponencialmente com o aumento da vazão de NH3. Por outro lado, a densidade de radicais NH3 aumenta com o aumento da vazão de NH3 injetada, atingindo uma densidade máxima de 9 x 1014 cm-3. A densidade de outras espécies radicalares, tais como NH2, NH e N, assume valores na ordem de 1012 cm-3, o que confirma a hipótese de uma concentração de espécie radicalares maior do que a concentração de espécies iônicas no meio.

Kovács et al 3,21 propuseram um modelo teórico para a decomposição do CCl4 por pirólise em atmosfera de argônio, considerando que em temperaturas próximas a 7000 K a etapa dominante é a decomposição térmica seguindo as reações:

CCl4 + Ar → CCl3 + Cl + Ar ou C2Cl2 + Ar → 2CCl + Ar

Em temperaturas menores a reação inversa CCl3 + Cl + Ar → CCl4 + Ar compete com a reação direta e torna-se também importante.

CONCLUSÃO

O processo de degradação de CCl4 por plasma térmico DC em atmosfera inerte demonstrou ser bastante eficiente. Os dados experimentais obtidos neste trabalho nos levam às seguintes observações: os principais produtos da degradação do CCl4 por plasma foram carbono sólido e gás cloro.

O carbono sólido produzido no processo possui estrutura amorfa, porosidade de 13,04 nm e área superficial de 30,13 m2 g-1. Possui características de adsorvente demonstradas pela adsorção de substâncias produzidas na degradação, principalmente as de maior peso molecular formadas no processo.

A eficiência de degradação do CCl4 diminui com o aumento da vazão de argônio devido à redução do tempo de residência da amostra no interior da câmara de plasma, que diminui de 19,3 s (QAr = 5 L min-1) para 3,2 s (30 L min-1).

O aumento da eficiência de degradação com o aumento da potência aplicada deve-se ao aumento da temperatura interna do reator, aumentando o fluxo de elétrons gerados pela ionização do gás formando o plasma.

A potência aplicada à tocha de plasma mostrou ser um parâmetro importante no controle do processo de degradação e recombinação das espécies, sendo de fundamental importância para o controle das espécies formadas.

AGRADECIMENTOS

À CAPES pela bolsa concedida a P. I. Khalaf; ao INCT de Catálise em Sistemas Moleculares Nanoestruturados; à empresa Carbonobrasil pelo apoio financeiro concedido.

Recebido em 22/5/09; aceito em 28/7/09; publicado na web em 11/1/10

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  • *
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Mar 2010
    • Data do Fascículo
      2010

    Histórico

    • Recebido
      22 Maio 2009
    • Aceito
      28 Jul 2009
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