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Processamento e caracterização de espumas vitrocerâmicas do sistema sncp (Sio2-Na2o-Cao-P2 O5)

Processing and characterization of sncp (Sio2-Na2o-Cao-P2o5) glass-ceramic foams

Resumo

Glass-ceramics foams prepared from glasses of the SiO2-Na2O-CaO-P2O5 by replication process were obtained and characterized in terms of their chemical and physical properties by X-ray fluorescence, X-ray diffraction, laser diffraction, thermal analysis, density, mechanical strength, microstructural and cytotoxic analysis. The results showed that it is possible to produce glass-ceramic foams by the replication method with optimized properties but cytotoxic analysis indicates that the glass-ceramic foams are not bioactive materials. Mechanical strength values varying from 0.5 to 1.0 MPa and from 0.8 to 2.3 MPa were reached for mean particle sizes of 10 and 6 µm, respectively.

glass ceramics foams; ceramics; replication method


glass ceramics foams; ceramics; replication method

ARTIGO

Processamento e caracterização de espumas vitrocerâmicas do sistema sncp (Sio2-Na2o-Cao-P2 O5)

Processing and characterization of sncp (Sio2-Na2o-Cao-P2o5) glass-ceramic foams

Karoline Bastos MundstockI,* * e-mail: mundstock@yahoo.com.br ; Elizangela Guzi de MoraesI; Dachamir HotzaI; Antonio Pedro Novaes de Oliveira; Cristina SiligardiII; Sizue Ota RogeroIII

IDepartamento de Engenharia Mecânica, Universidade Federal de Santa Catarina, CP 476, 88040-900 Florianópolis - SC, Brasil

IIDipartimento di Ingegneria dei Materiali e dell'Ambiente, Università degli Studi di Modena e Reggio Emilia, Modena, Itália

IIIInstituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares, Química e Meio Ambiente, 05508-000 São Paulo - SP, Brasil

ABSTRACT

Glass-ceramics foams prepared from glasses of the SiO2-Na2O-CaO-P2O5 by replication process were obtained and characterized in terms of their chemical and physical properties by X-ray fluorescence, X-ray diffraction, laser diffraction, thermal analysis, density, mechanical strength, microstructural and cytotoxic analysis. The results showed that it is possible to produce glass-ceramic foams by the replication method with optimized properties but cytotoxic analysis indicates that the glass-ceramic foams are not bioactive materials. Mechanical strength values varying from 0.5 to 1.0 MPa and from 0.8 to 2.3 MPa were reached for mean particle sizes of 10 and 6 µm, respectively.

Keywords: glass ceramics foams; ceramics; replication method.

INTRODUÇÃO

Os biovidros são compostos que podem ser utilizados como material de preenchimento para o reparo de defeitos ósseos. O primeiro biovidro, utilizado comercialmente, foi desenvolvido por Larry L. Hench nas décadas de 1960 e 70, o chamado Bioglass 45S5, cuja composição é 45% SiO2, 24,5% Na2O, 24,5% CaO, 6% P2O5 (% mássica).1 É importante salientar que o Bioglass desenvolvido por Hench e seus colaboradores é considerado um material não citotóxico e, além disso, é considerado um material bioativo, ou seja, além de não lesar as células induz a regeneração do tecido ósseo. Quando implantado, o biovidro possui a capacidade de interagir com o tecido ósseo proporcionando uma forte ligação química. A ligação formada entre o biovidro implantado e o tecido ósseo evita o afrouxamento, que é um problema comum em outros implantes. A ligação do material implantado com o tecido ocorre a partir da formação de uma camada de fosfato de cálcio biologicamente ativo (hidroxiapatita) sobre a superfície do implante, por meio de reações de troca iônica, de dissolução e precipitação.2,3

Biovidros que apresentam características semelhantes ao Bioglass 45S5 são considerados bioativos, ou seja, podem propiciar a recuperação do tecido danificado através da atuação em metabolismos intra e extracelulares, responsáveis pela reprodução celular e propagação dos tecidos em crescimento.4,5 Para que esse processo de recuperação do tecido ósseo ocorra de forma efetiva, o implante deve apresentar uma estrutura porosa com diâmetro de poros entre 100 e 500 µm para permitir a entrada, o ancoramento e a proliferação das células promovendo, assim, a regeneração do tecido.6

Vários métodos vêm sendo estudados para desenvolver estruturas porosas, em especial o método da réplica, patenteado por Schwartzwalder e Somers em 1963.7 O método da réplica é um processo simples e de baixo custo que consiste basicamente na impregnação de uma espuma polimérica ou natural por uma suspensão cerâmica seguida de tratamento térmico, que inclui a degradação da parte orgânica e a sinterização do material cerâmico, resultando na réplica da espuma original. Os primeiros pesquisadores que empregaram o método da réplica visando a obtenção de uma estrutura porosa adequada para ser utilizada como substituto do tecido ósseo foram Callcut e Knowles (2002). Tais espumas eram reforçadas com hidroxiapatita e utilizavam como precursor um vidro baseado no sistema Na2O-CaO-P2O5.8 Em 2006, o método da réplica também foi utilizado por Chen e seus colaboradores para produzir espumas a partir do Bioglass desenvolvido por Hench.9 Em 2008, Bretcanu e seus colaboradores prepararam estruturas porosas pelo método da réplica com gradiente de porosidade.10 Entretanto, em nenhum dos trabalhos citados foram feitas análises de citotoxicidade para verificar a compatibilidade destes materiais com o meio biológico. De acordo com Li e seus colaboradores (1992), o problema do Bioglass desenvolvido por Hench é que ele cristaliza quando tratado termicamente, formando a fase Na2Ca2Si3O9 que inibe a formação da camada de hidroxiapatita. Mas, o tratamento térmico é necessário tanto para pirólise da espuma polimérica quanto para sinterização da estrutura vitrocerâmica, para que ela fique mecanicamente estável e é provável que ocorra a cristalização da fase Na2Ca2Si3O9 .9,11

É importante salientar que as propriedades das espumas vitrocerâmicas podem ser controladas por meio da modificação da composição química, tamanho de partícula do pó precursor, tipo de espuma polimérica usada como substrato, viscosidade e quantidade de suspensão impregnada e, ainda, controlando-se o tempo e temperatura de tratamento térmico da espuma. Assim, é possível obter diferentes tipos de espumas que podem ser adequadas para serem utilizadas não só como materiais para implantes ósseos, mas também como filtros, suportes catalíticos, isolantes térmicos, membranas, sensores de gás, material estrutural leve, entre outros.7,12

Sendo assim, o objetivo deste trabalho foi desenvolver uma espuma vitrocerâmica, pelo método da réplica, que possa ser aplicada como implante, mais precisamente, como suporte para o crescimento do tecido ósseo. O principal requisito para que o material possa ser aplicado no meio biológico é a biocompatibilidade e, quanto à morfologia, é a existência de porosidade aberta (interconectada) com diâmetros de poros superiores a 100 µm para permitir uma vascularização adequada. Para preparar este tipo de material foi utilizado como precursor vitrocerâmico um vidro baseado no sistema SiO2-Na2O-CaO-P2O5 dos biovidros desenvolvidos por Hench.

PARTE EXPERIMENTAL

O vidro SNCP foi obtido por meio de uma mistura de reagentes contendo 37,5 g de SiO2 (>99%, Sigma-Aldrich), 33,5 g de Na2CO3 (PA, Nuclear), 18 g CaCO3 (PA, Nuclear), 11 g de (NH4)2HPO4 (PA, Vetec). Os reagentes foram homogeneizados, a seco, em moinho tipo periquito (Servitech, modelo CT-242) por 20 min e, então, fundidos em cadinho de alumina a 1200 ºC em forno elevador (Schaly, FAB-S56) por 2 h. Após a fusão, o material fundido foi vazado em água. Uma porção da frita obtida foi moída por 72 h e outra foi moída por 168 h, em moinho com revestimento de alumina contendo bolas de alumina e água. O tamanho médio de partículas, determinado por difração laser (Cilas, modelo 1064L), foi de aproximadamente de 10 e 6 µm.

A partir dos pós de vidro obtidos foram preparadas suspensões aquosas contendo 30% vol. do pó de vidro (SNCP), 5% vol. de bentonita (plastificante) e 1% vol. de silicato de sódio (dispersante, 3,4% Na2O/SiO2, Merck). Primeiramente, a mistura contendo pó vítreo SNCP e bentonita foi desaglomerada em moinho de bolas tipo periquito (Servitech, modelo CT-242) durante 20 min. Em seguida, o silicato de sódio foi adicionado à mistura e esta foi novamente desaglomerada no mesmo moinho por mais 10 min.

Amostras de espumas de poliuretano (Scotch - Brite, 3M) com 48 ppi, 15 mm de espessura e 9 mm de diâmetro foram imersas nas suspensões preparadas e o excesso foi removido em um sistema de calandras. Depois de impregnadas, as espumas foram secas, primeiro à temperatura ambiente por 24 h e, em seguida, em estufa (Servitech, CT-035) por 2 h a 100 ºC e então tratadas termicamente.

O tratamento térmico foi realizado em forno elétrico (Nannetti, 86 V). Em uma primeira etapa, as amostras foram aquecidas até 450 ºC por 60 min com taxa de aquecimento de 0,5 ºC/min para eliminação dos compostos poliméricos. Subsequentemente, as amostras foram sinterizadas em diferentes temperaturas (665, 700 e 725 ºC), por 180 min com uma taxa de aquecimento de 5 ºC/min. O resfriamento seguiu-se inercialmente.

A análise química do vidro foi realizada por fluorescência de raios X (FRX) utilizando-se um equipamento Philips, modelo PW 2400 com tubo de 3 kW e alvo de ródio. Para confirmar a natureza amorfa do vidro obtido por fusão e para determinar a(s) fase(s) presente(s) na espuma vitrocerâmica após tratamento térmico foi empregada difratometria de raios X (DRX). As medidas foram realizadas em um difratômetro Philips, modelo PW 1830, com radiação CuKα (λ = 1,5418 Å) com passo de 0,02º no intervalo 2θ entre 5 e 100º. Para determinação do coeficiente de dilatação térmica linear e da temperatura de transição vítrea foi feita a análise de dilatometria de contato em um equipamento da BP Engenharia, modelo RB-115. Para fazer esta análise foram preparadas amostras de vidro, na forma de barras com dimensões nominais de 25 x 3 x 5 mm, que foram submetidas ao aquecimento com taxa de 10 ºC min-1 em um intervalo de temperatura entre 15 e 500 0C. Também foi feita a análise de dilatometria óptica em um equipamento Expert, Misura, a uma taxa de 10 ºC min-1 entre 15 e 1236 ºC, para verificar a influência da temperatura na expansão volumétrica do vidro. Para realizar essa análise foram preparados compactos de pós, com dimensões de 10 x 5 x 5 mm, em matriz de aço a uma pressão de 50 MPa.

As medidas reológicas foram feitas em reômetro Haake RheoStress, modelo RS150, equipado com um sistema de cilindros coaxiais (rotor DG41). Um banho termostatizado, Haake K20-DC 50, foi usado para o controle da temperatura de ensaio (25 °C). A taxa de deformação variou de 0,01 até 500 s-1. As amostras foram mantidas durante 300 s no sistema para cada temperatura com aquisição de 50 pontos. Os reogramas foram gerados utilizando software RheoWin Pro (versão 2.1, 1996).

A seleção da espuma polimérica e a avaliação da porosidade do produto final foram feitas por meio de microscopia eletrônica de varredura (MEV, Philips, XL-30). A densidade real foi medida por meio de um picnômetro a hélio (Micromeritics, Accupyc 1330) e a densidade aparente foi determinada aplicando-se o princípio de Arquimedes a 20 ºC. Levando em consideração as medidas de densidade real e aparente, foi calculada a densidade relativa. Os ensaios de resistência mecânica à compressão foram feitos usando uma máquina universal de ensaios (EMIC, DL 2000), segundo a norma ASTM C133-9413 utilizando uma célula de carga de 5000 N, com velocidade de deslocamento de 1,3 mm/min e limite de deformação de 4 mm.12,14

Também foram feitos ensaios em SBF (Simulated Body Fluid, Fluído Corpóreo Simulado) preparado de acordo com a metodologia descrita na norma ISO FDIS 23317-2005.15 As amostras foram imersas em SBF, individualmente, por 7, 14, 21 e 28 dias a 37 ºC e posteriormente foram analisadas por MEV.16

A citotoxicidade do pó vítreo e da espuma vitrocerâmica foi verificada em ensaio in vitro pelo método de incorporação do vermelho neutro, de acordo com a norma ISO 1099317 e metodologia apresentada na literatura.18 Diluições do extrato preparado pela imersão da amostra em meio de cultura celular foram colocadas em contato com uma cultura de células de tecido conectivo de camundongos da linhagem NCTC (National Collection of Type Cultures) clone 929 da ATCC (American Type Culture Collection) em microplacas de 96 poços. A citotoxicidade foi verificada pela viabilidade celular (sobrevivência das células) utilizando-se a capacidade das células vivas de incorporar e armazenar o corante vital. A medida da sobrevivência foi feita no final do ensaio através da densidade óptica em espectrofotômetro (Organon Teknika Reader 530, version 1.24) com leitor ELISA (Enzyme-linked immunosorbent assay) com filtro de 540 nm.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A análise de FRX indica que o vidro contém 56,02% de SiO2, 21,12% de Na2O, 12,47% de CaO, 7,44% de P2O5, 2,73% de Al2O3 e < 0,1% (em massa) de ZrO2, SrO, SO3, Fe2O3, K2O e TiO2. Esses valores são coerentes com o percentual em massa calculado, isto é, 51,31% de SiO2, 26,8% de Na2O, 13,8% de CaO e 8,09% de P2O5. A presença de Al2O3 em maior concentração e a presença dos óxidos ZrO2, SrO, SO3, Fe2O3, K2O e TiO2 em menor concentração resultam da contaminação do vidro pelo refratário durante o processo de fusão. Esse problema poderia ser solucionado usando-se um cadinho de platina para fazer a fusão do vidro. As variações nas porcentagens calculadas e medidas podem ser atribuídas a perdas por volatilização durante a fusão.

O difratograma resultante da análise de DRX do vidro é típico de materiais vítreos, amorfos, nos quais não há ordenamento estrutural periódico de longo alcance, pois os vidros são obtidos por resfriamento rápido e não há tempo para os átomos formarem uma estrutura organizada. O difratograma da espuma vitrocerâmica indica a presença de uma grande quantidade de fase amorfa e apresenta indícios de formação da fase cristalina Na2Ca2Si3O9 , descrita no cartão JCPDS 77-2189, os picos principais que evidenciam a presença desta fase são destacados na Figura 1, entretanto outros picos característicos desta mesma fase ou até mesmo de outra fase presente podem estar sendo encobertos pela larga banda característica da fase vítrea (amorfa).


A distribuição de partícula medida por difração a laser do vidro moído durante 72 h apresentou uma curva de distribuição de frequência monomodal, indicando que as partículas apresentam tamanhos similares e um diâmetro médio (d50) de ~10 µm. O vidro submetido à moagem durante 168 h também apresentou uma curva de distribuição de frequência monomodal, mas, com um tamanho médio de partículas (d50) de ~6 µm. Espera-se que quanto menor o tamanho de partícula, melhor a qualidade dos filamentos da estrutura porosa devido à melhor sinterabilidade. Durante a sinterização observa-se a presença de um líquido viscoso, o qual molha as partículas sólidas, penetra nos estreitos canais entre as partículas e resulta em uma substancial pressão de capilaridade que auxilia na densificação. Partículas menores apresentam maior energia de superfície disponível para densificação do que partículas mais grosseiras.7,19,20

De acordo com a análise de dilatometria de contato, o coeficiente de dilatação térmica linear do vidro é 145 x 10-7 ºC-1 e a temperatura de transição vítrea é 402 ºC. Esse coeficiente representa a dilatação do material devido ao aumento da amplitude das vibrações térmicas moleculares por efeito do calor. A temperatura de transição vítrea representa o ponto onde ocorre um aumento da mobilidade atômica e uma redução da viscosidade. A Figura 2 apresenta a curva de retração térmica linear (RL) do vidro SNCP em função do tempo e da temperatura e a curva da primeira derivada de RL em relação ao tempo e à temperatura. Para fazer a leitura da temperatura deve-se traçar uma reta paralela ao eixo y do ponto em que deseja saber a temperatura até a linha pontilhada (na diagonal) e uma outra reta do ponto de intersecção com a linha pontilhada, perpendicular ao eixo y, até a escala onde é feita a leitura da temperatura, conforme é mostrado na Figura 2.


De acordo com a curva de RL até 274 ºC ocorre uma retração de 2,0% que é resultante da perda de água. Em aproximadamente 358 ºC tem início o processo de expansão linear do material. Esse ponto também coincide com a temperatura de transição vítrea. Essa expansão ocorre até 515 ºC onde ocorre o início da cristalização; nessa temperatura a expansão do material é máxima (9,8%). A partir deste ponto as moléculas começam a se organizar e ocorre uma densificação da amostra. A retração linear máxima é de 15,95% onde se localiza a temperatura máxima de cristalização (721,4 ºC). Entre 515 e 721,4 ºC também há uma competição entre o processo de cristalização e sinterização da amostra. A partir de 721,4 ºC o material começa a expandir devido à formação de fase líquida decorrente do início da fusão do material. A primeira derivada da curva de RL, também mostrada na Figura 2, mostra a temperatura em que a taxa de retração linear é máxima. Esse valor é indicativo da temperatura ideal para o patamar de sinterização, ou seja, 650 ºC.

A curva de variação volumétrica do vidro SNCP, também resultante da análise de dilatometria óptica do vidro com tamanho médio de partícula de 10 µm é semelhante à curva de variação linear. Acima de 300 ºC o vidro começa a expandir. A 500 ºC a expansão volumétrica é máxima (30%). A 550 ºC começa a ocorrer uma retração do material e em 665 e 725 ºC a amostra retorna ao seu volume inicial. A retração a 665 ºC é devida ao processo de sinterização com formação de fase líquida viscosa e a 725 °C a retração é decorrente da cristalização do vidro. De acordo com o resultado dessa análise, as espumas devem ser tratadas termicamente a 665 ou 725 ºC para que mantenham o seu tamanho e forma originais caracterizando, assim, uma excelente estabilidade dimensional.

Outro fator importante no preparo de espumas vitrocerâmicas pelo método da réplica é o comportamento da suspensão que será impregnada na esponja polimérica. A suspensão deve ser fluida o suficiente para penetrar, preencher e recobrir uniformemente a rede polimérica. A suspensão também deve apresentar uma viscosidade adequada para que, sob condições estáticas, permaneça na esponja polimérica. Desta forma, é recomendado o uso de uma suspensão com comportamento tixotrópico, o qual é comumente observado em suspensões pseudoplásticas.21 A Figura 3 mostra o reograma da suspensão preparada com o vidro com tamanho médio de partícula de 6 µm que é semelhante ao reograma da suspensão preparada com o vidro com tamanho médio de partícula de 10 µm. As duas suspensões apresentam comportamento não-newtoniano, pois a viscosidade depende da taxa de cisalhamento na qual é feita a medida, numa dada temperatura. O modelo de Herschel-Bulkley descreveu adequadamente o comportamento das suspensões, com os valores de R próximos de 1 e resultados de x2 próximos de zero. A suspensão preparada com tamanho médio de partícula de 6 µm apresentou uma tensão de cisalhamento inicial (τ0τ0) de 12,79 Pa, índice de consistência (KK) igual a 0,309 Pa sn e índice de comportamento de fluxo (n) igual a 0,543 (adimensional). Para a suspensão preparada com tamanho médio de partícula de 10 µm: τ0τ0 é 6,57 Pa, K é 21,2 Pa sn e n é 0,078. A suspensão preparada com um tamanho médio de partícula de 6 µm apresenta uma viscosidade um pouco inferior à suspensão preparada com tamanho médio de partícula de 10 µm, o que facilita a impregnação da esponja polimérica. Esse comportamento, provavelmente, é decorrente de uma maior quantidade de partículas finas. Ambas as suspensões apresentam um comportamento pseudoplástico que pode ser resultante da existência de aglomerados na suspensão, os quais, quando submetidos ao cisalhamento, quebram liberando água aprisionada em seu interior. Além disso, a suspensão apresenta comportamento tixotrópico, caracterizado por uma histerese das curvas ascendentes e descendentes devido à diminuição da viscosidade com o tempo. Esses dois comportamentos, como mencionado anteriormente, são ideais para preparação de espumas cerâmicas pelo método da réplica.7,22


A estrutura celular da esponja polimérica analisada por microscopia eletrônica de varredura (MEV), antes da impregnação com a suspensão, apresenta uma distribuição homogênea de células abertas e interconectadas com forma dodecaedro pentagonal. A espessura média da aresta da esponja é de 57 µm e o comprimento é de aproximadamente 258 µm. O diâmetro de poro varia entre 800 e 1000 µm, a densidade relativa é 0,052 e a porosidade é de 94,8%.

Para confirmar a temperatura de tratamento térmico e o tamanho de partícula adequados para fabricação das espumas vitrocerâmicas, as espumas foram preparadas a partir dos vidros com tamanhos médios de partícula de 10 e 6 µm e tratadas termicamente a 650, 665, 700 e 725 ºC durante 1, 2 e 3 h sendo, em uma etapa posterior, analisadas por MEV.

Das espumas preparadas com pós de tamanho médio de partícula de 10 µm apenas as tratadas termicamente a 700 e 725 ºC, durante 3 h, apresentaram resistência mecânica suficiente para serem manuseadas. Por outro lado, todas as espumas preparadas com pós de tamanho médio de partícula de 6 µm e tratadas nas temperaturas selecionadas apresentaram resistência suficiente para serem manuseadas.

A espuma preparada com pó de vidro com diâmetro médio de 6 µm e tratada termicamente a 665 ºC por 3 h foi a espuma vitrocerâmica que melhor reproduziu a estrutura da espuma polimérica usada como suporte/molde, também foi a que apresentou o maior número de poros abertos e interconectados, além de um maior diâmetro de poro. A micrografia dessa espuma (6 µm, 665 ºC) é mostrada na Figura 4.


O gráfico de variação da densidade e da porosidade em função da temperatura de tratamento térmico das espumas preparadas com tamanho de partícula de 6 µm é mostrado na Figura 5. Com o aumento da temperatura de tratamento térmico, é observado um aumento na expansão da espuma e, consequentemente, ocorre um aumento da porosidade e uma redução da densidade. A diminuição da densidade relativa com o aumento da temperatura, acima de 700 ºC, está associada com o aumento da cristalinidade do material (crescimento dos cristais) que, por sua vez, produz um aumento na porosidade.


Os valores médios de resistência mecânica à compressão das espumas vitrocerâmicas sinterizadas (a diferentes temperaturas, por 3 h) SNCP, preparadas com tamanho médio de partícula de 10 µm, são 0,5 ± 0,2 MPa (700 ºC), 1,0 ± 0,4 MPa (725 ºC) e das espumas preparadas com tamanho médio de partícula de 6 µm são 0,8 ± 0,3 MPa (665 ºC), 1,3 ± 0,6 MPa (700 ºC) e 2,3 ± 0,5 MPa (725 ºC). Durante a deformação sob compressão das espumas vitrocerâmicas preparadas neste trabalho, ocorreram três estágios básicos: linear elástico, correspondendo à flexão da aresta da célula ou estiramento da face; um patamar de tensão, correspondendo ao colapso progressivo da célula por fratura frágil e, densificação, correspondendo ao colapso das células por todo o material e, subsequentemente, carregamento das arestas das células e faces, umas sobre as outras.23

A resistência mecânica pode ser correlacionada com a temperatura de sinterização, assumindo que a resistência dos materiais porosos é definida pela resistência da fração sólida (parede celular). Quando a temperatura de sinterização passa de 700 ºC se observa um aumento da resistência mecânica, porém a partir dessa temperatura também ocorre uma deformação das paredes das células de maneira mais significativa até ocorrer uma completa densificação das paredes. Esse comportamento está relacionado a uma maior formação de fase líquida em uma temperatura mais elevada.14

Quando um material é imerso em SBF e ocorre a deposição de fosfato de cálcio sobre ele, supõe-se que o material possa ser biocompatível. Como o fosfato de cálcio é o principal constituinte do tecido ósseo, ele servirá como uma superfície biocompatível na interface osso-implante evitando a adesão de células indesejáveis. De acordo com a análise em MEV das espumas vitrocerâmicas, não foi possível observar a deposição de fosfato de cálcio sobre o material depois de imerso em SBF durante 7, 14, 21 ou 28 dias. Isso indica que a espuma vitrocerâmica não constitui um material bioativo. Este resultado não inviabiliza a sua aplicação no meio biológico, mas é necessária a realização de ensaios de citotoxicidade para ver se o material não é tóxico ao organismo. Mesmo o material não sendo bioativo, se não apresentar comportamento citotóxico poderá ser aplicado no meio biológico.

Para avaliação citotóxica do vidro e da espuma vitrocerâmica foi calculada a porcentagem de viabilidade celular (sobrevivência das células) em cada diluição do extrato com as medidas de densidade óptica obtidas, em relação a células de controle do ensaio, consideradas como 100%. A Figura 6 mostra as curvas de viabilidade celular resultantes da projeção da porcentagem de sobrevida em função da diluição do extrato, onde pode ser obtido o índice de citotoxiciadade (IC50%) do material. O IC50% indica a concentração do extrato que mata ou lesa 50% das células no ensaio. O controle negativo, alumina, mostrou a curva de viabilidade celular acima da linha do IC50%, demonstrando não-citotoxicidade. O controle positivo, látex de borracha natural, comprovadamente tóxico, apresentou IC50% de 40, ou seja, o extrato desta amostra na concentração de 40% lesou metade da população celular no ensaio, portanto, demonstrou citotoxicidade. A espuma vitrocerâmica apresentou IC50% de 28, portanto, uma citotoxicidade maior do que o próprio controle positivo.


A toxicidade do vidro e da espuma preparada neste trabalho pode ser atribuída à presença da fase Na2Ca2Si3O9 que inibe a formação de HAp na superfície do material. Se a fase Na2Ca2Si3O9 não estivesse presente e ocorresse a precipitação de HAp na superfície do material essa camada poderia servir como uma membrana protetora, que impediria o contato do vidro com o meio biológico. Isso não quer dizer que o material possa ser utilizado no meio biológico, testes in vivo também devem ser realizados, pois mesmo quando ocorre formação da camada de HAp esta pode ser degradada e reabsorvida pelo organismo, deixando o vidro exposto depois que o material é implantado. A toxicidade também pode ser atribuída à troca dos íons Na+ presentes no vidro e na espuma por íons H+ do meio biológico. Com esta troca, os íons H+ do meio são consumidos e o meio se torna muito básico, o que acaba lesionando as células.24 Para comprovar este fato, tanto o vidro como a espuma foram imersos em água durante 28 dias a 37 ºC em estufa. Foi possível observar um aumento no valor de pH de 10 para 12,4, o que comprova o consumo de H+ do meio.

CONCLUSÕES

Foi possível obter espumas vitrocerâmicas a partir de um vidro do sistema SiO2-Na2O-CaO-P2O5 (SNCP) pelo método da réplica. A suspensão contendo 30% de vidro SNCP, 5% de bentonita e 1% de silicato de sódio apresentou comportamentos pseudoplástico e tixotrópico, que são adequados para uma boa impregnação da espuma polimérica. As espumas produzidas com menor tamanho médio de partícula (6 µm), sinterizadas a 665 ºC/3 h, foram as que melhor reproduziram a estrutura da espuma polimérica utilizada como substrato, pois nestas condições a quantidade de fase líquida viscosa foi menor durante a sinterização. Acima desta temperatura o processo de expansão do vidro torna-se mais evidente e ocorre a formação de microporos nas paredes dos poros e uma redução do diâmetro de poro, porém ocorre uma melhora na resistência mecânica à compressão da espuma. Através de MEV foi possível observar a presença de uma estrutura com células abertas semelhantes à do seu precursor. A microestrutura da espuma vitrocerâmica é adequada para que ela seja aplicada como implante, pois apresenta poros interconectados maiores que 100 µm, mas como a espuma mostrou ser citotóxica de acordo com a curva de viabilidade celular, não pode ser utilizada como material de implante. A citotoxicidade dos materiais pode resultar da formação da fase Na2Ca2Si3O9 e da troca dos íons Na+ por íons H+ do meio. Apesar de não poder ser aplicada no meio biológico, a morfologia da espuma faz com que seja de grande interesse em outras aplicações como, por exemplo, filtros, suportes catalíticos, isolantes térmicos, membranas, sensores de gás, material estrutural leve, entre outros.

AGRADECIMENTOS

Ao CNPq, pelo suporte financeiro. À aluna R. P. dos Santos, do Instituto Adolfo Lutz, pela preparação das células em microplacas.

Recebido em 31/3/09; aceito em 25/8/09; publicado na web em 8/1/10

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Abr 2010
    • Data do Fascículo
      2010

    Histórico

    • Recebido
      31 Mar 2009
    • Aceito
      25 Ago 2009
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