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Aplicação da casca de arroz na adsorção dos íons Cu2+, Al3+, Ni2+ e Zn2+

Utilization of rice husk to remove Cu2+, Al3+, Ni2+ and Zn2+ from wastewater

Resumo

The potential use of rice husk as biosorbent to remove Cu2+, Al3+, Ni2+ and Zn2+ ions from aqueous solutions was investigated under both noncompetitive and competitive conditions. The biosorbent was used in the form of particles with size smaller than 0.5 μm and in the concentration of 500 mg L-1 (dry weight). The experiments were performed using batch adsorption technique for concentrations of 10, 30 and 70 mg L-1 of metal ions at pH 4.0 and 5.0. The chemical speciation of metals in the experimental conditions used in this work was predicted by the software Visual MINTEQ 2.6.

rice husk; biosorption; metals adsorption


rice husk; biosorption; metals adsorption

ARTIGO

Aplicação da casca de arroz na adsorção dos íons Cu2+, Al3+, Ni2+ e Zn2+

Utilization of rice husk to remove Cu2+, Al3+, Ni2+ and Zn2+ from wastewater

Aparecida Maria Simões Mimura; Taciana Valéria de Almeida Vieira; Patrícia Benedini Martelli; Honória de Fátima Gorgulho* * e-mail: gorgulho@ufsj.edu.br

Departamento de Ciências Naturais, Universidade Federal de São João del Rei, Campus Dom Bosco, Praça Dom Helvécio 74, 36301-160 São João del Rei - MG, Brasil

ABSTRACT

The potential use of rice husk as biosorbent to remove Cu2+, Al3+, Ni2+ and Zn2+ ions from aqueous solutions was investigated under both noncompetitive and competitive conditions. The biosorbent was used in the form of particles with size smaller than 0.5 μm and in the concentration of 500 mg L-1 (dry weight). The experiments were performed using batch adsorption technique for concentrations of 10, 30 and 70 mg L-1 of metal ions at pH 4.0 and 5.0. The chemical speciation of metals in the experimental conditions used in this work was predicted by the software Visual MINTEQ 2.6.

Keywords: rice husk; biosorption; metals adsorption.

INTRODUÇÃO

Um dos grandes problemas do mundo moderno é a poluição de águas superficiais proveniente, na maioria das vezes, do descarte inadequado de resíduos industriais e agrícolas.1-3 Dentre os principais poluentes encontrados nestes resíduos, os metais na forma de íons metálicos dissolvidos em água se afiguram como extremamente nocivos ao ambiente e são, atualmente, uma das grandes preocupações dos órgãos de proteção ambiental.4 Dessa forma a água, que a princípio é um recurso renovável, como consequência da intensa poluição, passa a depender cada vez mais de novas tecnologias para poder ser reutilizada.

Os métodos para tratamento de efluentes industriais mais utilizados envolvem processos físicos e/ou químicos, como oxidação, troca iônica, adsorção por carvão ativado, separação por membrana, processos biológicos, eletroquímicos, fotoquímicos, neutralização/precipitação química, etc.5,6 Os procedimentos baseados na adsorção têm a vantagem de serem versáteis e acessíveis, entretanto o material adsorvente pode encarecer o processo. Além disso, muitos adsorventes não podem ser reutilizados e acabam se tornando outra forma de resíduo. No sentido de reduzir gastos e ampliar a utilização destes processos pela indústria, fontes alternativas de sorção têm sido investigadas, como os denominados biossorventes, os quais são adsorventes eficientes e de baixo custo.7-9 Os biossorventes de origem vegetal são constituídos basicamente por macromoléculas como substâncias húmicas, lignina, celulose, hemicelulose e proteínas, as quais possuem sítios adsortivos, tais como grupos carbonilas, carboxilas, aminas e hidroxilas, capazes de adsorverem as espécies metálicas por processos de troca iônica ou de complexação.10

O emprego de biossorventes torna-se ainda mais relevante quando são derivados de resíduos agroindustriais, os quais dependendo do volume produzido se tornam um problema ambiental. Um exemplo é a casca de arroz que tem se destacado como potencial biossorvente na remoção de muitas espécies metálicas.11-14 A produção mundial de arroz é aproximadamente de 80 milhões de toneladas por ano, sendo que o Brasil teve uma produção de 12,6 milhões de toneladas de arroz em 2009, um crescimento de 4,2% em relação à safra de 2007.15 Durante o processo de beneficiamento do arroz, a sua casca surge como subproduto, que representa cerca de 23% do peso, ou seja ~2,8 milhões de toneladas.

Dessa forma, dentre as vantagens deste material como biossorvente podemos citar sua abundância, baixo custo, facilidade de obtenção, estrutura granular, insolubilidade em água e estabilidade química. A casca de arroz pode ser usada como biossorvente na forma in natura, a qual envolve apenas a sua trituração e lavagem com água, ou modificada através do tratamento com reagentes específicos.12 O uso de solução de NaOH na lavagem da casca de arroz tem sido empregado para remoção de substâncias solúveis em meio alcalino, as quais estão presentes na superfície da fibra e interferem com o processo de adsorção. Alguns autores descrevem o aumento na adsorção de espécies metálicas por este biossorvente, quando previamente tratado com solução alcalina a quente.13,14

Apesar da comprovada eficiência do uso deste biossorvente na remoção de espécies metálicas presentes em meio aquoso, sua real aplicação no tratamento de efluentes é ainda muito restrita. Um dos problemas é a diversidade de contaminantes que podem estar presentes em efluentes industriais, os quais podem interferir na eficiência do adsorvente. Esta é uma característica de efluentes provenientes do beneficiamento de minérios, os quais podem causar sérios impactos ambientais. Entre as substâncias poluidoras se destaca o íon alumínio, que pode modificar sensivelmente a acidez dos solos e o nível de toxidade dos sistemas aquáticos.16 Assim, estudos que explorem o efeito da presença de várias espécies metálicas no mesmo efluente sobre a capacidade de adsorção da casca de arroz são importantes para potencializar o uso deste material como biossorvente.

Neste trabalho estudou-se o efeito da competitividade das espécies metálicas Ni2+, Zn2+, Al3+ e Cu2+ na capacidade de adsorção dos mesmos pela casca de arroz. Estas espécies metálicas foram escolhidas por estarem presentes em alguns efluentes de indústrias de beneficiamento da microrregião das vertentes, no estado de Minas Gerais. A capacidade de dessorção também foi explorada visando à possibilidade de reutilização do biossorvente e também das espécies metálicas.

PARTE EXPERIMENTAL

Preparação do biossorvente

A casca de arroz foi previamente limpa de impurezas sólidas e, em seguida, lavada alternadamente com água destilada, inicialmente na temperatura ambiente e depois aquecida a 100 °C, até que a água de lavagem saísse completamente límpida. Em uma segunda etapa, com base na metodologia utilizada por Kumar e Bandyopadhyay,14 a casca foi tratada com solução de NaOH 0,5 mol L-1 a 50 °C durante 4 h e posteriormente enxaguada com água destilada até atingir pH ~7,0. O material foi então seco a 60 °C em estufa com circulação de ar por 24 h e posteriormente triturada em micro moinho do tipo Willy, coletando-se a porção com diâmetro menor que 0,5 mm.

Caracterização do ponto de carga zero (PCZ) do biossorvente

O ponto de carga zero (PCZ) é definido como o pH em que a superfície do sólido possui carga neutra. A metodologia empregada neste trabalho para sua determinação é denominada "experimento dos 11 pontos".17 O procedimento consistiu em fazer a mistura de 25 mg do biossorvente em 50 mL de solução aquosa sob 11 diferentes condições de pH inicial, variando de 1,0 até 12 pelo ajuste com HCl e NaOH, e medir o pH após 24 h de equilíbrio. Os resultados são expressos por meio do gráfico de pH final versus pH inicial, sendo que o PCZ corresponderá à faixa em que o pH final se mantiver constante (independentemente do pH inicial), ou seja, a superfície comporta-se como um tampão.

Estudo da adsorção em função do pH e da concentração inicial das espécies metálicas

Baseado em experimentos preliminares, utilizaram-se para as medidas de adsorção individual e competitiva as concentrações iniciais de 10, 30 e 70 mg L-1 das espécies metálicas em temperatura ambiente. Os valores de pH estudados foram 4,0 e 5,0. Foram utilizados 0,5000 g do biossorvente para cada 100 mL de solução contendo os íons metálicos. O biossorvente e a solução foram misturados em um Erlenmeyer (vidro -Laborglass) de 200 mL. Os frascos foram mantidos em uma mesa agitadora (160 rpm) por 12 h. Posteriormente, a parte sólida foi separada da líquida através de filtração a vácuo utilizando-se papel de fibra de vidro. Em seguida, foram retiradas alíquotas das soluções para determinação das espécies metálicas. Utilizou-se como branco 100 mL de cada uma das concentrações estudas, o qual passou pelos mesmos processos das amostras. Todos os experimentos foram feitos em triplicata. A especiação das espécies metálicas nas condições experimentais usadas neste estudo de adsorção foi feita utilizando-se o programa Visual Minteq 2.6.18

Todas as determinações foram feitas em um espectrômetro de absorção atômica modelo Varian AA240.19 O espectrômetro foi operado com lâmpadas de catodo oco de Al ( λ= 309,3 nm, i = 10 mA), Cu (λ= 324,7 nm, i = 4 mA), Ni (λ= 232 nm, i = 4 mA) e Zn (λ= 213,9 nm, i = 5 mA). Todas as soluções foram preparadas com água deionizada, obtida pelo sistema Milli-Q (Millipore). Soluções analíticas de referência de Al3+, Cu2+, Ni2+ e Zn2+ em 0,014 mol L-1 de HNO3 foram preparadas após sucessivas diluições das soluções estoques de 1000 mg L-1 AlCl3, CuCl2, NiCl2 e ZnCl2 (Tritisol, Merck). Para as determinações de Al3+, Cu2+ e Ni2+ foram utilizadas curvas analíticas na faixa de concentração de 0,0 a 5,0 mg L-1. Para o Zn2+, empregou-se uma curva analítica na faixa de concentração de 0,0 a 2,0 mg L-1. Os limites de detecção e quantificação, calculados de acordo com a IUPAC para as curvas analíticas, foram, respectivamente: 6,2 e 20 μg L-1 para Al3+; 9,2 e 31 μg L-1 para Cu2+; 16 e 53 μg L-1 para Ni2+ e, 18 e 61 μg L-1 para Zn2+.20,21

Dessorção

O processo de dessorção foi realizado a partir da filtragem das soluções já utilizadas no estudo de adsorção. O biossorvente retido no filtro foi lavado com água destilada e seco em estufa. Posteriormente, este material foi pesado e colocado em agitação com 100 mL de solução de HCl 0,1 mol L-1 e mantido sob agitação por 12 h. Em seguida, após a filtração efetuou-se a determinação das espécies metálicas nas soluções.

Cinética de adsorção

As medidas de cinética foram realizadas para soluções das espécies metálicas com a concentração de 30 mg L-1, em pH 5,0. Massas de 0,25 g de biossorvente foram colocadas em 50 mL da solução do metal e mantidas sob agitação a 160 rpm, em temperatura de 25 ± 3 ºC. Foram coletadas alíquotas nos intervalos de tempo: 0, 30, 60, 90, 120, 180, 240, 360, 480, 600 e 660 min. Os modelos de utilizados no ajuste dos resultados de cinética foram baseados em estudos anteriormente relatados na literatura para biossorventes:22-24

Pseudoprimeira ordem

onde qe representa a quantidade adsorvida no equilíbrio, dada em mg g-1; qt é a quantidade adsorvida no tempo t (min), dada em mg g-1; K1 é a constante de velocidade de pseudoprimeira ordem, dada em (mg g-1) min-1, obtida da Equação 1.

Pseudossegunda ordem

onde K2 é a constante de velocidade de pseudossegunda ordem dada em (mg.g-1) min-1 obtida da Equação 2.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os mecanismos de biossorção ainda não são completamente compreendidos, pois envolvem vários processos de captura das espécies metálicas, os quais podem depender ou não do metabolismo celular.8 Entretanto, em geral, aceita-se que a superfície do biossorvente tem um importante papel qualquer que seja o mecanismo de biossorção envolvido.25 A casca de arroz representa um biossorvente que não envolve metabolismo celular no processo de adsorção, mas que tem sido relacionado com a capacidade de troca iônica, quelação e adsorção física.11,26,27 Estes mecanismos, de forma geral, envolvem grupos superficiais que em meio aquoso podem atuar na captura e retenção das espécies metálicas. Tais grupos podem ser modificados em meio aquoso pela variação do pH, o que afeta o processo de adsorção.28 Neste sentido, foi realizado estudo preliminar do comportamento ácido-básico da superfície da casca de arroz usada, em meio aquoso, através da determinação do PCZ. O resultado pode ser observado na Figura 1.


O patamar na região de pH 7,0 caracteriza o efeito tampão da superfície, o qual foi considerado o PCZ da casca de arroz. Em soluções com pH abaixo do PCZ, a casca de arroz apresentará predominância de carga superficial positiva e em pH acima do PCZ, a carga superficial líquida será negativa. A adsorção das espécies metálicas presentes em solução na forma positiva será favorecida no pH em que espécies negativas predominem na superfície do biossorvente, entretanto muitas espécies metálicas podem sofrer hidrólise e precipitarem tanto no meio da solução como na superfície do adsorvente.

As principais formas das espécies metálicas Al3+, Cu2+, Zn2+ e Ni2+ em solução aquosa foram verificadas utilizando-se o programa Visual Minteq 2.6, com o qual se obteve a porcentagem das espécies presentes em solução. Este procedimento foi feito tanto para diferentes concentrações em pH 4,0 e 5,0, como também em condições individuais e competitivas em que os estudos de adsorção foram conduzidos. Para as espécies metálicas Ni2+ e Zn2+ as espécies predominantes foram representadas pelos íons hidratados Ni(H2O)62+ e Zn(H2O)62+ para todas as concentrações estudadas, em pH 4,0 e 5,0, em meio individual e competitivo. Para o Cu2+ a espécie Cu(H2O)62+ representou aproximadamente 99,97% em pH 4,0, enquanto ao redor 0,03% foi encontrado como a espécie parcialmente hidrolisada CuOH+. Em pH 5,0 a contribuição das espécies hidrolisadas passou para ~0,31% na forma de CuOH+ e Cu2(OH)22+. O Al3+ em pH 4,0 encontra-se 92,94% na forma hidratada, a qual é reduzida ao valor de ~36,50% em pH 5,0, sendo que neste pH as principais espécies parcialmente hidrolisadas foram representadas por: de Al3(OH)45+, Al2(OH)24+ e AlOH2+. A maior tendência à hidrólise observada para os íons Cu2+ e Al3+ reflete a menor afinidade destes pelo solvente em relação às outras espécies metálicas estudadas.

Outra informação importante obtida dos resultados do estudo de especiação é a de que os íons metálicos estão presentes no meio aquoso na forma de cátions, como consequência, a adsorção destes íons dependerá da presença de grupos aniônicos na superfície do biossorvente. Considerando que a superfície da casca de arroz apresentou um PCZ igual a 7,0; deve-se esperar que para valores de pH muito menores que este os grupos superficiais ionizáveis estarão protonados gerando uma carga líquida positiva que pode causar a repulsão entre a superfície e os cátions em solução, desfavorecendo assim a adsorção. Ao contrário, para valores de pH mais altos, predomina a presença de grupos com carga negativa na superfície do biossorvente, favorecendo a aproximação dos cátions metálicos. Entretanto, como discutido anteriormente, nesta faixa de pH pode ocorrer a precipitação de hidróxidos metálicos insolúveis tanto na solução como na superfície do adsorvato. Neste caso não se pode avaliar apenas a adsorção do íon metálico em relação à natureza da superfície do biossorvente, que é o principal interesse deste trabalho. Além disso, o pH de efluentes gerados em indústrias de beneficiamento de minérios é ácido, podendo em algumas situações ficar entre 3,0 e 6,0.4,29 Dessa forma, foram escolhidos os valores de pH 4,0 e 5,0 para avaliar a adsorção das espécies metálicas na casca de arroz, para as concentrações de 10, 30 e 70 mg L-1. Nesta faixa de pH, apesar da superfície da casca de arroz possuir a maior parte de seus grupos superficiais protonados, ainda não há excesso de carga positiva o que favorece tanto os processos de troca iônica como a interação de natureza eletrostática. Os valores de concentração 10, 30 e 70 mg L-1 para as espécies metálicas Al3+, Cu2+, Zn2+ e Ni2+ foram escolhidos com base em dados da literatura e de testes de adsorção preliminares, com o objetivo de verificar o efeito da competitividade na adsorção em condições de baixa e alta saturação dos sítios de adsorção.30,31 Os resultados obtidos deste estudo foram semelhantes para as três concentrações estudadas. Pode-se observar na Figura 2 o comportamento geral da adsorção para a concentração de 10 mg L-1. De forma geral, o que se observa é que ocorre aumento na adsorção com o pH, o que também tem sido encontrado em outros estudos.11,32 Na Figura 2b verifica-se que para a concentração de 70 mg L-1 a casca de arroz já está saturada e a porcentagem de adsorção individual fica ao redor de 40% em pH 5,0. Os valores das concentrações das espécies metálicas adsorvidas individualmente para as três concentrações estudadas estão resumidos na Tabela 1. Observa-se que o íon cobre foi preferencialmente adsorvido em relação às outras espécies metálicas, o que, com exceção do Al3+, também tem sido verificado para outros biossorventes.23,33 Este comportamento tem sido relacionado com a menor afinidade deste íon com o solvente, o que pode ser verificado pela sua maior constante de equilíbrio (menor pKhidrólise) em comparação aos íons Ni2+ e Zn2+ (Tabela 2).34 No caso do Al3+, a maior carga positiva e a facilidade de formar espécies hidrolisadas têm efeito significativo na sua adsorção.



Como os resultados de adsorção foram mais significativos em pH =5,0, os estudos de adsorção simultânea das espécies metálicas foram feitos nesta condição. Os valores de adsorção obtidos estão resumidos na Tabela 1 para todas as concentrações estudadas. O resultado geral verificado é a redução da adsorção para os íons metálicos Cu2+, Ni2+ e Zn2+, enquanto a adsorção do Al3+ permanece aproximadamente invariável. Observações semelhantes foram feitas por Lee et al.,35 que estudaram a adsorção de várias espécies metálicas por algas na presença de Al3+. Este comportamento tem sido atribuído à propriedade do Al3+ ser adsorvido na forma de espécies polimerizadas como [Al6(OH)12(H2O)12] 6+ e Al13(OH)327+, formando um filme de óxido-hidróxidos na superfície do biossorvente, impedindo assim que íons de outras espécies metálicas tenham acesso aos sítios ligantes. Este filme interfere inclusive na adsorção do próprio Al3+ que fica praticamente constante, tanto em condições individuais como em competitivas. A Tabela 1 mostra que a presença de Al3+, mesmo para a concentração de 10 mg L-1, induz a redução na adsorção das outras espécies metálicas. Ou seja, mesmo uma pequena quantidade de alumínio adsorvida pode passivar a superfície da casca de arroz, impedindo a adsorção dos outros íons metálicos presentes em solução. O aumento da concentração (70 mg L-1) intensifica esse resultado, em especial para as espécies metálicas Ni2+ e Zn2+. O cobre é o metal menos afetado na adsorção competitiva em presença de Al3+, como observado na Tabela 1. Nota-se que o Cu2+ é o segundo íon a ser preferencialmente adsorvido pela casca de arroz, o que é concordante com a tendência examinada na adsorção individual.

Para se verificar qual o efeito das outras espécies metálicas na adsorção competitiva, o mesmo estudo de adsorção foi conduzido na ausência de Al3+. Os dados obtidos estão resumidos na Tabela 1. Os resultados confirmam a adsorção preferencial do Cu2+ em relação aos íons Ni2+ e Zn2+, apesar de que a redução na adsorção destes íons é menor do que observado na presença de Al3+.

Os fatores que favorecem a adsorção de uma espécie metálica em relação à outra têm sido principalmente relacionados à eletronegatividade, constante de hidrólise e raio iônico (Tabela 2). A tendência de sofrer hidrólise tem sido observada como o fator mais importante nos processos de adsorção envolvendo vários íons metálicos simultaneamente.8,24,25,34 Assim, a adsorção preferencial de Al3+ pode ser explicada não apenas pelo seu raio iônico menor (maior densidade de carga), mas também pela sua maior tendência a sofrer hidrólise nas condições em que o estudo de adsorção foi realizado.35 No caso do Cu2+, como observado pelo estudo de especiação, a formação de espécies parcialmente hidrolisadas na faixa de pH estudada pode ter sido fator determinante na sua adsorção preferencial em relação às espécies metálicas Ni2+ e Zn2+.36

O comportamento cinético destas espécies metálicas durante a adsorção foi estudado para a concentração de 30 mg L-1, considerando os modelos cinéticos de pseudoprimeira ordem e pseudossegunda ordem utilizados para biossorventes.22-25 Para o processo de adsorção individual das espécies metálicas pela casca de arroz, em pH 5,0, o modelo que melhor se ajustou foi o de cinética de pseudossegunda ordem. Este modelo é baseado no pressuposto de que a etapa determinante da velocidade envolve o mecanismo de interação do metal com o biossorvente, ou seja, depende das interações físico-químicas entre o sorvato e os grupos da superfície. Na Figura 3 pode-se observar os resultados do ajuste deste modelo para a adsorção das espécies metálicas individualmente. Os parâmetros obtidos deste ajuste, capacidade de adsorção e constante de velocidade para cinética de pseudossegunda ordem, estão resumidos na Tabela 3. Observa-se que a velocidade de adsorção de Cu2+ é maior do que observado para as outras espécies metálicas. Estudos envolvendo a adsorção dos íons Cu2+, Ni2+ e Zn2+ em diferentes adsorventes não mostram um comportamento comum para os valores de K2, o que é esperado considerando que este depende de fatores não apenas relacionados à natureza do biossorvente como também do meio reacional.23-25 Guzel et al.33 observaram a adsorção preferencial do íon Cu2+ em relação às espécies metálicas Ni2+, Co2+ e Mn2+ por biossorventes preparados a partir de resíduos agrícolas, estudados em concentração individual de 100 mg L-1 e em pH = 5,25. Resultados semelhantes foram obtidos por Bayramoglu e Arica,24 que observaram a adsorção preferencial do íon Cu2+ para a condição individual e competitiva em relação às espécies metálicas Ni2+, Cu2+ e Zn2+, na concentração de 100 mg L-1 e em pH = 5,0, por biossorventes preparados a partir de algas. Entretanto, outros estudos utilizando biossorventes à base de algas mostram resultados diferentes como, por exemplo, o citado por Liu et. al.,23 que verificaram a adsorção preferencial do íon Ni2+ em relação às espécies metálicas Cu2+, Cd2+ e Zn2+, na concentração de 250 mg L-1 em pH 4,0 e 6,0. No caso do presente trabalho o que se observa é a seguinte sequência para a cinética de adsorção individual Cu2+ > Al3+ > Ni2+ > Zn2+.


Para o ambiente competitivo, o comportamento destas espécies metálicas se modifica e apenas os íons Cu2+ e Al3+ se ajustam ao modelo cinético de pseudossegunda ordem, enquanto que Zn2+ e Ni2+ passam a ter cinética de pseudoprimeira ordem, como mostrado pelas Figuras 4 e 5. O modelo de cinética de pseudoprimeira ordem considera que a velocidade de adsorção é proporcional ao número de sítios livres. Assim, em ambiente competitivo o acesso destas espécies metálicas aos sítios disponíveis para ocupação seria a etapa mais lenta do processo de adsorção. Este comportamento pode ser atribuído à maior afinidade da superfície pelos íons Al3+ e Cu2+, os quais ocupariam preferencialmente estes sítios, bloqueando a aproximação de outras espécies metálicas. Entretanto, o Al3+ é o íon que mais afeta a cinética das espécies metálicas Zn2+ e Ni2+, pois o estudo cinético em ambiente competitivo, sem a presença do Al3+, mostra que o processo de adsorção se ajusta novamente à cinética de pseudossegunda ordem, como mostrado pela Figura 6. Os valores da constante de velocidade nesta condição seguem a ordem: Ni2+> Cu2+> Zn2+, como mostrado na Tabela 3.




O estudo de dessorção das espécies metálicas foi realizado utilizando-se solução de HCl 0,10 mol L-1. Nesta condição espera-se que os íons H+ possam substituir o cátion adsorvido pelo mecanismo de troca iônica. Os resultados mostraram dessorção entre 85-95% das espécies metálicas adsorvidas individualmente e em ambiente competitivo. Este resultado mostra que a adsorção das espécies metálicas pela casca de arroz ocorre principalmente de forma reversível.

CONCLUSÃO

Os resultados mostraram que a eficiência da casca de arroz como biossorvente no tratamento de efluentes líquidos contendo os íons Cu2+, Al3+, Ni2+ e Zn2+ é afetada pela competitividade entre os íons metálicos. A capacidade de adsorção da casca de arroz é principalmente modificada pela presença de Al3+, o que foi relacionado com a formação de filmes de óxido-hidróxidos na superfície do biossorvente. Verificou-se também que o biossorvente apresenta maior afinidade com as espécies metálicas que se caracterizam pela maior tendência à hidrólise, como os íons Cu2+e Al3+. O comportamento cinético dos íons Cu2+ e Al3+ se ajustou ao modelo de pseudossegunda ordem, tanto em meio competitivo como individual, enquanto para os íons Ni2 e Zn2+ esse comportamento foi dependente do ambiente.

AGRADECIMENTOS

Ao apoio financeiro das agências brasileiras FAPEMIG, CNPq e FINEP, e ao Sr. D. S. de J. Torquato.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Ago 2010
    • Data do Fascículo
      2010

    Histórico

    • Aceito
      08 Mar 2010
    • Recebido
      28 Ago 2009
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