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Fitoprodutos e desenvolvimento econômico

Phytoproducts and economic development

Resumo

Natural products have been, historically, very important for Brazil. Coffee, sugar and soy were some examples that prove this economical significance. A project that involves phytoproducts should be guide by three main axis: agriculture management for the plants; pharmaceutical; support the national industry and academy. In Brazil, pharmaceutical products contribute negatively to the commerce balance showing an enormous technological dependence in this economical sector. The consolidation of the phytoproduct's chain in Brazil could contribute for the development of the pharmaceutical sector in order to help all domains in natural products area.

phytotherapics; economic development; natural products


phytotherapics; economic development; natural products

ASSUNTOS GERAIS

Fitoprodutos e desenvolvimento econômico# # Conferência convidada, proferida na 32ª RASBQ, Fortaleza, Brasil, 2009.

Phytoproducts and economic development

José Angelo S. Zuanazzi* * e-mail: zuanazzi@farmacia.ufrgs.br ; Paulo Mayorga

Faculdade de Farmácia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Av. Ipiranga, 2752, 90610-000 Porto Alegre - RS, Brasil

ABSTRACT

Natural products have been, historically, very important for Brazil. Coffee, sugar and soy were some examples that prove this economical significance. A project that involves phytoproducts should be guide by three main axis: agriculture management for the plants; pharmaceutical; support the national industry and academy. In Brazil, pharmaceutical products contribute negatively to the commerce balance showing an enormous technological dependence in this economical sector. The consolidation of the phytoproduct's chain in Brazil could contribute for the development of the pharmaceutical sector in order to help all domains in natural products area.

Keywords: phytotherapics; economic development; natural products.

IMPORTÂNCIA HISTÓRICA DE PRODUTOS VEGETAIS PARA O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO BRASILEIRO

Produtos vegetais têm, historicamente, sido de grande importância econômica para o Brasil, país que coincidentemente tem seu nome derivado a partir de uma planta, caso raro, senão único, no mundo. Exemplos como a cana-de-açúcar, o café e a soja podem ser suficientes para corroborar esta afirmação.

Embora a primeira atividade econômica existente no Brasil pré-colonial tenha sido a extração de pau-brasil (Caesalpinia echinata Lam., família Leguminosae/Fabaceae), que ocorreu de 1500 a 1530, o cultivo da cana-de-açúcar pode ser considerado a primeira atividade econômica de grande relevância no país. A cana-de-açúcar (Saccharum spp., família Poaceae) é uma planta originária da Ásia, sendo importante matéria-prima para a produção de açúcar e de etanol. Os primeiros registros de obtenção do açúcar (sacarose obtida da cana-de-açúcar) aparecem na Índia séculos antes de Cristo, sendo denominado inicialmente de "sal indiano". A palavra açúcar tem sua origem primitiva no termo sânscrito sharkara que significa "grão" ou "areia grossa". Chegou à língua portuguesa provavelmente pelo árabe al zukkar. O cultivo da cana-de-açúcar iniciou com a fundação do primeiro engenho por Martim Afonso de Souza em São Vicente (em 1532), sendo posteriormente construídos engenhos em Pernambuco (1535) estendidos ao litoral da Bahia e Rio de Janeiro (região de Campos), até hoje grandes produtores. A cana-de-açúcar foi o produto responsável pela sustentação econômica brasileira nos séculos XVI e XVII e pela colonização do país. A escolha desta planta pelos portugueses está relacionada ao fato de que apresenta crescimento rápido (em 2 anos ocorre o primeiro corte) e à adaptação ao solo brasileiro (massapê) perfeito para este cultivo. O local escolhido, nordeste brasileiro, facilitaria o escoamento da produção para a Europa, na época o grande consumidor. Havia muitas dificuldades na implantação deste negócio no Brasil: falta de mão-de-obra (a população nativa não trabalhava nos engenhos), não havia dinheiro para implantação da cadeia e o transporte para a Europa era caro e precário.

Neste contexto, surgem os holandeses como financiadores, transportadores (participavam do comércio de escravos no mundo) e negociadores do açúcar no mercado europeu. A interdição do comércio portuário na América por parte da Espanha (de quem a Holanda se emancipou em 1581) está na origem da invasão dos holandeses ao Brasil, inicialmente em Salvador (1624-1625) e em 1630-1654 em Recife e Olinda, a maior região produtora de açúcar à época. A destruição dos engenhos, devido à invasão, provocou queda na produção, que foi retomada após a expulsão dos holandeses (em 1654, quando deslocaram sua produção para as Antilhas, posteriormente concorrente do Brasil na produção mundial de açúcar), consolidando a economia deste produto em Pernambuco e Bahia e implementando a produção em outras áreas já instaladas, como Rio de Janeiro e São Paulo.

Na moenda (espécie de indústria de cana-de-açúcar da época), a planta era moída, sendo o caldo escorrido para os tachos por meio de calhas. Dos tachos, o caldo era retirado em vasilhas de cobre e levado para a caldeira, onde era fervido e mexido pelos escravos, que tiravam as impurezas e a espuma. Em consequência, extensivas lavouras de cana-de-açúcar surgiram para alimentar os engenhos. Estes eram instalados à beira-mar ou nas proximidades dos rios por necessidade não só de seu funcionamento como também para facilitar o transporte do produto. Ao lado do canavial, nascia a agricultura de subsistência, para atender a crescente necessidade de alimentos para a casa grande, a senzala e a pequena parcela de assalariados livres. Estes foram os primeiros passos do desenvolvimento da economia brasileira.

O fim do chamado "Ciclo do Açúcar" no Brasil tem início em decorrência do bloqueio dos navios ingleses, por Napoleão Bonaparte, transportadores de açúcar de nosso continente para a Europa e, também, ao aparecimento do açúcar de beterraba ("açúcar-alemão"). Assim, a partir de meados do século XVIII e durante todo o século XIX, o preço do açúcar foi reduzido substancialmente. É importante ressaltar que esta atividade econômica estava baseada no comércio de um produto beneficiado pela indústria da época (o açúcar), ainda que rudimentar, e não a planta como fora o pau-brasil, alguns anos antes. Sem recursos próprios para conter a desvalorização do açúcar, o governo de Portugal e os produtores portugueses mudaram a atenção da cana-de-açúcar para o café.

A utilização do etanol como biocombustível, associado à possibilidade de uso como fonte energética desenvolvida com tecnologia brasileira, coloca atualmente a cana-de-açúcar em um novo patamar de importância na economia mundial. Após as diversas crises mundiais de fornecimento de petróleo, a possibilidade de escassez deste produto e, principalmente, aspectos ambientais decorrentes da utilização de combustíveis fósseis abrem uma perspectiva futura de emprego do etanol difícil de dimensionar no presente, tendo o Brasil, indubitavelmente, papel de destaque mundial neste cenário. Além deste emprego como combustível, este vegetal tem, ao longo da história, sido extremamente importante para nossa economia. Em 2008, o açúcar e o álcool alcançaram a 9ª posição nas exportações brasileiras, o que correspondeu a 4% do total (7,8 bilhões de dólares/ano - Tabela 1).

Assim como a cana-de-açúcar, o café é outra planta ligada à nossa história e, também, a aspectos culturais e econômicos. O café (Coffea spp., família Rubiaceae) tem sua origem controversa, para alguns autores sendo originário da Etiópia (há evidências botânicas para isso) e para outros do Iêmen (chamado à época Arábia), estando todos de acordo que era utilizado muitos anos antes de sua descoberta pelos europeus, o que ocorreu na segunda metade do século XVII. Já no início do século XVIII, os "Cafés" tornaram-se centros de encontro e reunião elegante de aristocratas, burgueses e intelectuais. Precedido pela fama de "provocar ideias", o café conquistou, desde logo, o gosto de escritores, artistas e pensadores. Segundo afirmação atribuída à Lord Bacon, "costuma dar espírito aos que não tem". Os enciclopedistas eram consumidores vorazes de café, o que permitiu a alguns historiadores ligarem a Revolução Francesa ("raio luminoso de 1789") ao "fundo das taças negras de café". Os holandeses foram os primeiros a iniciar o cultivo comercial no Sri Lanka, em 1658, depois em Java (palavra que significa café), em 1699, e por volta de 1706 já o exportavam desta ilha, estendendo a produção para outras partes da Indonésia. A Europa vivia a época do Barroco e das monarquias absolutas, e a expansão do comércio internacional enriquecia a burguesia. Em 1714 os holandeses presentearam Luis XIV, rei da França, com mudas de café que foram cultivados em estufa nos jardins do Palácio de Versalhes. Destas mudas o café foi cultivado na Guiana Francesa, ligando de forma insólita a introdução do café em nosso país, conforme descrito a seguir.

O café foi introduzido no Brasil em 1727 pelo jovem oficial português Francisco de Mello Palheta, o qual trouxe as primeiras mudas da Guiana Francesa. Estas foram presente (em segredo) de Madame d'Orvilliers, esposa do governador de Caiena que tinha ordem expressa do Palácio, em Paris, de não conceder mudas à colônia de Portugal. As primeiras mudas foram plantadas no Pará, onde floresceram com grande facilidade. Não foi, contudo, nesta região que o cultivo e consequente importância econômica se desenvolveu em larga escala. Devido ao grande interesse pelo café, sobretudo na Europa, em 1781, João Alberto de Castello Branco iniciou o cultivo desta planta no Rio de Janeiro, inaugurando um novo ciclo de prosperidade econômica no Brasil, contribuindo para o progresso do Império e da Primeira República. As lavouras de café espalharam-se, além do Rio de Janeiro, para São Paulo, Espírito Santo, Paraná e Minas Gerais, tendo contribuído, também, para esta expansão, a decadência do Ciclo da Mineração do Ouro (talvez, por isso, tenha sido o café chamado inicialmente de "ouro-verde") e da crise nas culturas do açúcar e do algodão, ultrapassadas no mercado internacional pela produção das Antilhas e dos EUA. O interesse internacional pelo café brasileiro também foi favorecido pelo colapso dos cafezais em Java (desenvolvimento de uma praga no período) e no Haiti (revolta dos escravos em 1791 e a independência em 1804). Outros fatores decisivos foram os regramentos e a estabilização do comércio internacional ocorrido após as guerras napoleônicas (Tratado de Versalhes, 1815). Em consequência, a exportação do café brasileiro começou a crescer a partir de 1816 e em 1840 o país tornou-se o maior produtor mundial.

As exportações representavam cerca de 60% do volume exportado no Brasil, recebendo o nome de "Ciclo do Café", que duraria até 1930, com a quebra da Bolsa de Nova Iorque, em 1929. Este Ciclo teve repercussões econômicas e sociais importantes para o Brasil. A expansão da lavoura levou à ampliação das vias férreas, principalmente em São Paulo; os portos do Rio de Janeiro e de Santos foram modernizados para sua exportação; a necessidade de mão-de-obra trouxe imigrantes de outros continentes, principalmente em decorrência do fim da escravatura (1888). O café foi o primeiro produto de exportação controlado principalmente por brasileiros, possibilitando o acúmulo de grande soma de capitais no país. Foi, então, criado um mercado interno importante, principalmente no Centro-Sul, sendo este o suporte para um desenvolvimento sem precedentes das atividades industriais, comerciais e financeiras. O café, sobretudo, consolidou a hegemonia política e econômica do Centro-Sul, transformando-o na região brasileira onde o desenvolvimento capitalista foi pioneiro e mais acentuado. Em 2008, este produto fez ingressar 4,7 bilhões de dólares de divisas para o Brasil, o que representa 2,4% das exportações do país (Tabela 1). Somos ainda o maior produtor mundial de grãos e de café in natura. Desde o final da década de 50 o Brasil passou a produzir também café solúvel, agregando valor ao produto.

Outro vegetal importante para a economia brasileira, a soja, de introdução bem mais recente, pode ser comparada em importância sócio-econômica à cana-de-açúcar e ao café. A soja (Glycine max (L.) Merrill) família Leguminosae/Fabaceae) é originária da China, tendo sido relatado seu cultivo há mais de 5 mil anos. Planta rica em proteínas, muito difundida no Oriente, é difícil entender o motivo pelo qual só foi adquirir importância no Ocidente a partir de meados do século XX. No Ocidente, os Estados Unidos é o país pioneiro no cultivo desta planta inicialmente como forrageira e posteriormente como grão, já na década de 40. Os Estados Unidos continuam sendo o maior produtor mundial de soja, tendo o Brasil em 2º lugar. O primeiro relato de cultivo de soja no Brasil data de 1882, feito pelo Prof. Gustavo Dutra, da Escola de Agronomia da Bahia, plantando e estudando cultivares trazidas dos Estados Unidos. Em 1891, no Instituto Agronômico de Campinas (SP), foi iniciado estudo de adaptação de cultivares de soja sendo distribuídas sementes a produtores paulistas. Neste período já há relatos de cultivo desta oleaginosa em Santa Rosa, no Rio Grande do Sul, onde a planta encontrou excelentes condições de desenvolvimento. Em 1914, nesta mesma região do Rio Grande do Sul foi feita colheita ainda sem grande expressão de impacto econômico, o que só foi alcançado em 1940 tendo, então, aparecido pela primeira vez no Anuário Agrícola do Rio Grande do Sul, no ano seguinte. Em 1949 foi instalada a primeira indústria de beneficiamento da soja no Brasil, na cidade de Santa Rosa (RS), período em que o Brasil passa a aparecer nas estatísticas internacionais de produção. O grande salto se deu no final dos anos 60 quando a produção aumentou em cinco vezes. Na década seguinte, a produção de soja aumentou de 1,5 milhões de toneladas (1970) para mais de 15 milhões de toneladas (1979), sendo 80% originárias dos estados do sul do Brasil, quando a soja se torna a principal cultura do agronegócio brasileiro. Isto é decorrência de diversos fatores: internos - como incentivos públicos ligados a parcerias privadas, aumento do maquinário (subsídios para aquisição) para a agricultura, escala de produção envolvendo cultura do trigo alternado com soja (otimização de equipamentos no manejo agrícola), entre outros; e externos - como mercado internacional em alta, em resposta à frustração da safra de grãos na Rússia e China (década de 1970), assim como a diminuição da atividade de pesca da anchova no Peru, cuja farinha era, à época, amplamente utilizada como componente proteico na fabricação de rações para animais, sendo então substituída pelo farelo da soja. Aliado a isto há, no período, uma crescente substituição das gorduras animais (banha e manteiga) por óleos vegetais, considerados mais saudáveis ao consumo humano, induzindo o aumento da demanda pelo produto.

Em 1996 foi introduzida nos Estados Unidos a soja conhecida como transgênica e já na safra de 1997 agricultores argentinos a cultivaram. Neste período, há relatos de introdução desta variedade no Brasil a partir dos estados do Sul do Brasil. Trata-se de planta modificada através de técnicas biotecnológicas. Um gene extraído de uma bactéria do solo (Cepa C4 de Agrobacterium) foi patenteado com o nome CP4-EPSPS, pela empresa Monsanto. Este gene foi inserido no genoma da soja, tornando-a resistente à aplicação do herbicida sistêmico não seletivo Rondup [glifosato N-(fosfonometil) glicina] desenvolvido para matar ervas, principalmente perenes que, neste caso, não ataca a soja, facilitando o cultivo do vegetal. O glifosato (contração de glicina + fosfato) é um aminofosfonato análogo ao aminoácido glicina, participando da síntese proteica. O glifosato mata as plantas inibindo a enzima 5-enolpiruvoil-chiquimato-3-fosfato sintetase (EPSPS), que sintetiza os aminoácidos aromáticos: fenilalanina, tirosina e triptofânio. Como a via do chiquimato (afetada por este herbicida) não está presente em animais, alguns autores defendem que não haveria risco direto para a saúde humana. O tema da soja transgênica foi, e é, alvo de discussões ainda não conclusas acerca da segurança de uso desta técnica para a saúde humana (sendo, para alguns autores, responsável pelo desenvolvimento de alguns tipos de câncer) e/ou meio-ambiente, tendo também os embates tidos forte apelo ideológico.

Na década de 1980, o cultivo da soja expandiu-se do Sul para a região Centro-Oeste do país. Em 1970, a região central do Brasil respondia por cerca de 2% do cultivo, em 1980 passou para 20%, em 1990 para 40% e em 2003 já respondia por 60% da produção nacional, com tendência de crescimento, transformando o estado do Mato Grosso no maior produtor de soja no país. Semelhante ao que ocorreu com a cana-de-açúcar no Brasil Colônia, com o café no Brasil Império/República, a soja tem comandado o comércio exterior nos últimos anos. O cultivo deste vegetal abriu grandes fronteiras no Brasil, sendo responsável direto pelo início de inúmeras cidades e a expansão de pequenos municípios já existentes, implantando uma nova civilização principalmente no Brasil Central, região então despovoada e de pouco valor econômico. Além destas consequências, a soja, que teve seu cultivo aumentado em 260 vezes em 4 décadas, auxiliou o crescimento da avicultura e suinocultura no Brasil, e ainda poder-se-ia acrescentar que contribuiu para melhorar a qualidade da dieta dos brasileiros. A soja e derivados respondem hoje pela receita de 17,9 bilhões de dólares anuais advinda de sua exportação, o que equivale a 9,1% do total, colocada em 5º lugar entre as exportações brasileiras (Tabela 1), sendo que de 2007 a 2008 houve aumento de quase 60% no valor das exportações deste item (foi o de maior aumento verificado).

Além destas três plantas relevantes do ponto de vista histórico e de desenvolvimento econômico para o Brasil, poderíamos ainda citar outras, como o algodão, a seringueira, o arroz, o cacau, o tabaco, a laranja, o guaraná etc., corroborando o forte argumento de que a agricultura é um dos pilares mestres do desenvolvimento econômico de nosso país.

IMPORTÂNCIA DE PRODUTOS VEGETAIS PARA A ÁREA DA SAÚDE

É notável a importância histórica do uso de plantas em saúde no Brasil, especialmente na área farmacêutica. Isto pode ser justificado ao considerarmos a origem de nossa indústria farmacêutica, voltada inicialmente ao emprego de diversos insumos vegetais. Esta realidade se mantém atualmente com grande parte da indústria nacional utilizando plantas como insumo básico. Todavia, o impacto na economia brasileira não é significativo. Isto é contrastante em um país de grande potencial em biodiversidade e dado às excelentes condições climáticas, edáficas e potencial hídrico, onde é possível aqui adaptar inúmeras espécies vegetais (aliás, esta constatação não é nova: "... e em tal maneira é graciosa que (a terra) querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem..." - Pero Vaz de Caminha, "Carta do Achamento", enviada à D. Manuel (Rei de Portugal) em 1º de Maio de 1500).

Muitos dos insumos farmacêuticos vegetais utilizados por indústrias brasileiras não são fornecidos a partir de plantas cultivadas, sendo obtidas principalmente por extrativismo e, não raro, tendo origem em material importado. O extrativismo produz mais problemas do que soluções para o setor. Apresenta vegetais com grande heterogeneidade de constituintes, adulterações por equívocos na correta identificação da espécie botânica e, não menos grave, representa ameaça de extinção de espécies por colheitas indiscriminadas. Outro complicador para a área é o emprego de algum vegetal, que eventualmente rende grande retorno econômico, sendo resultado de procura sazonal fortemente ligada a apelos midiáticos sem comprovações científicas. Situações como esta podem gerar problemas de credibilidade em relação a este recurso terapêutico. Neste caso, há um afastamento da avaliação científica e, portanto, torna difícil sua aceitação por parte dos profissionais em saúde e, consequentemente, de empreendedores que possam vislumbrar neste campo uma oportunidade de negócio. É importante afirmar que o uso empírico não está tendo aqui nenhum juízo de valor desfavorável, pois é descrito e sabido que um grande número de plantas são empregadas pela população brasileira por conhecimento autóctone, entre outros. Entretanto, em que pese a importância do uso tradicional e a busca de sustentabilidade no novo cenário da economia solidária, pretende-se afirmar nesta reflexão a potencial contribuição de plantas medicinais e fitoterápicos (ou fitoprodutos) para o desenvolvimento sócio-econômico do Brasil. Isto significa dizer que é não apenas viável, mas necessário, identificar oportunidades de agregação de valor através da organização e desenvolvimento de cadeias produtivas orientadas para o mercado, aqui entendido como um conjunto de demandas em saúde.

É possível, então, responder afirmativamente à pergunta: - As plantas medicinais podem contribuir para o crescimento econômico do Brasil? Acreditamos que sim. Entretanto, algumas condições fundamentais devem ser levadas em conta como, entre outras, um modelo que apresente uma cadeia agrícola estruturada, preparo dos insumos atendendo práticas adequadas de farmacotecnia, controle da qualidade de todo o processo, técnicas modernas de gestão empresarial e incorporação da cultura da inovação. A possibilidade de desenvolvimento de uma indústria brasileira robusta do ponto de vista econômico tem sido discutida de forma direta ou indireta em diversos fóruns ligados à área de fitoprodutos e alguns artigos científicos têm abordado o tema.2,3

Três eixos principais deveriam dirigir um projeto que implique satisfatório desenvolvimento econômico envolvendo Produtos Naturais: o eixo agricultura (para diversos produtos), o eixo industrial (obtenção de produtos intermediários ou finais) e o eixo regulador. Desta forma, projetos nesta área deveriam: atender demandas da atividade agrícola, especialmente no manejo das culturas selecionadas, no monitoramento da qualidade da matéria-prima ofertada, bem como na criação de novas oportunidades para o agronegócio; desenvolver produtos inovadores, eficazes e seguros para os consumidores, buscando sua efetiva inserção no mercado, em consonância com as prioridades nacionais em saúde; apoiar a indústria e os órgãos reguladores na diminuição de desvios de qualidade, na qualificação técnica e no próprio fortalecimento do setor e, finalmente, participar intensamente da formação de recursos humanos em diferentes níveis de qualificação enquanto estratégia de médio e longo prazo.

OBTENÇÃO DE FITOMEDICAMENTOS (UM POUCO DE FARMACOGNOSIA)

O interesse por vegetais destinados à área farmacêutica pode seguir dois caminhos diferentes, de certa forma associados. Em um deles (A), podemos investigar plantas visando o isolamento de produtos químicos que, por apresentarem relevante atividade farmacológica, são retirados do vegetal e utilizados como fármacos. Uma vez estabelecida a síntese química deste composto (fármaco), preconiza-se, geralmente, o abandono da extração passando-se a utilizar o composto sintético, ficando a sua origem natural como curiosidade histórica. Isto pode ocorrer com algumas moléculas de origem natural, mas não é prática comum, sobretudo porque a síntese total de um composto fitoquímico é, em grande número de casos, tarefa árdua e nem sempre possível. Além disso, por razões econômicas, mesmo existindo uma síntese total do fármaco em laboratório, podemos optar por obtê-lo a partir da matéria-prima vegetal quando os insumos para a síntese são mais dispendiosos que a flora local abundante e/ou de fácil cultivo. Em outro caminho (B) utilizamos as plantas inteiras ou extratos padronizados das mesmas. Embora tratemos aqui da mesma matéria-prima, ou seja, plantas com atividade biológica pronunciada, neste caminho não é possível o isolamento do fármaco em elevado grau de pureza ou a melhor atividade se dá por ação sinérgica dos princípios ativos, sendo, tecnicamente preconizado o uso do farmacógeno ou extrato padronizado. Ambos os caminhos podem resultar em interessantes resultados econômicos para um empreendimento nesta área.

ASPECTOS IMPORTANTES PARA A IMPLANTAÇÃO DE PROJETO ESTRUTURANTE NA ÁREA DE PRODUTOS NATURAIS

No âmbito da Saúde, o emprego de produtos de origem vegetal está inexoravelmente relacionado à indústria farmacêutica. Neste particular, unem-se dois campos com inúmeras complexidades no Brasil, a saber: as dificuldades de produção de medicamentos à base de plantas e, o próprio setor farmacêutico brasileiro. Em documento elaborado pelo Fórum de Competitividade da Cadeia Produtiva Farmacêutica (2007)4 foram relatadas importantes informações sobre o panorama dos fitoterápicos e plantas medicinais, quanto a aspectos políticos, econômicos e técnicos, conforme apresentado a seguir.

Aspectos políticos

A Resolução nº 17/2000 da ANVISA regulamenta os fitoterápicos, e segundo este instrumento legal, os fitoterápicos são medicamentos que possuem como substâncias ativas apenas plantas. Além disso, existem dois tipos de fitoterápicos: o tradicional e outro, que não se enquadrando nesse tipo deverá apresentar testes clínicos e toxicológicos que atestem sua segurança e eficácia. Entre os tradicionais, com registros facilitados pela ANVISA, foram selecionados: alcachofra, alho, babosa, boldo-do-chile, calêndula, camomila, gengibre, hortelã-pimenta, melissa, maracujá e sene, entre outros.

No esforço de construir uma política para utilização de plantas medicinais e medicamentos fitoterápicos, no âmbito do SUS, o Ministério da Saúde realizou, em setembro de 2003, um Seminário Nacional sobre o tema. As recomendações propostas pelo evento apontaram para a necessidade de ações para o fomento à pesquisa e desenvolvimento tecnológico e o estímulo à produção de medicamentos fitoterápicos, com vistas à ampliação ao seu acesso, entre outras deliberações.

O plano de gestão do atual governo estabelece como prioritária a área de fármacos e medicamentos. Esta definição possui, além da sua importância estratégica, um caráter desafiador, no sentido de estabelecer condições favoráveis para a formulação de políticas facilitadoras do processo de geração e transferência de tecnologia no contexto do mercado de produtos farmacêuticos, principalmente de medicamentos.

De acordo com as Diretrizes da Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (2003),5 a retomada do desenvolvimento deve estar baseada em crescimento econômico sustentável, com a melhoria do bem-estar e da distribuição de renda da população. Desta forma, o estabelecimento de uma nova trajetória de desenvolvimento e a superação dos desequilíbrios internos e externos enfrentados pela economia brasileira nas últimas duas décadas requer, igualmente, políticas públicas e reformas que aumentem a eficiência da atividade produtiva e estimulem o aumento da taxa de investimento e de poupança como fração do PIB.

A Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (2003) tem como objetivo o aumento da eficiência econômica e do desenvolvimento e difusão de tecnologias com maior potencial de indução do nível de atividade e de competição no comércio internacional. Ela está focada no aumento da eficiência da estrutura produtiva, aumento da capacidade de inovação das empresas brasileiras e expansão das exportações. Esta é a base para uma maior inserção do país no comércio internacional, estimulando os setores onde o Brasil tem maior capacidade ou necessidade de desenvolver vantagens competitivas, abrindo caminhos para inserção nos setores mais dinâmicos dos fluxos de troca internacionais.

O mesmo documento estabelece que o Brasil precisa estruturar um Sistema Nacional de Inovação que permita a articulação de agentes voltados ao processo de inovação do setor produtivo, em especial: empresas, centros de pesquisa públicos e privados, instituições de fomento e financiamento ao desenvolvimento tecnológico, instituições de apoio à metrologia, propriedade intelectual, gestão tecnológica e gestão do conhecimento, em instituições de apoio à difusão tecnológica. Para isso, é importante a criação e fortalecimento de instituições públicas e privadas de pesquisa e serviços tecnológicos, inclusive visando à difusão de tecnologias e a extensão tecnológica. Para tal é preciso organizar sistemas setoriais de inovação e difusão tecnológica, isto é, redes de instituições especializadas em temas, setores e cadeias produtivas. É necessário estruturar laboratórios nacionais que possam reunir infraestrutura de porte e criar sinergia de pesquisa e desenvolvimento, organizar os estágios iniciais de pesquisa empresarial e transferir tecnologia e gestão para o setor produtivo.

Aspectos econômicos

Dados da OMS dão conta que de 252 fármacos essenciais para a saúde humana, 11% são exclusivamente de origem vegetal.6 Outro dado relevante é que no mercado mundial de medicamentos, estimado em cerca de 300 bilhões de dólares, aproximadamente 40% destes são oriundos direta ou indiretamente de fontes naturais (sendo 75% de origem vegetal e 25% de origem animal e de micro-organismos).7,8 Até março de 2008 haviam 512 medicamentos fitoterápicos registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), sendo 80 fitoterápicos associados e 432 simples. Esses medicamentos são produzidos a partir de 162 espécies vegetais.9 Em consequência da alteração na legislação brasileira, há um constante crescimento das monodrogas no mercado em detrimento dos complexos fitoterápicos. Estima-se que o mercado mundial de fitoterápicos movimente cerca de USD 22 bilhões por ano.10 O mercado nacional de fitoterápicos é composto por 119 empresas que possuem registro de seus produtos junto à ANVISA,9 sendo encontradas informações de movimentação de cerca de 1,8 milhão de reais ao ano (aproximadamente 120.000 unidades).9,11 Em muitos casos, especialistas interessados em conhecer o Setor têm se servido de dados de exportação/importação para compreender e prever os impactos do comércio de plantas medicinais na economia brasileira.

No atual contexto competitivo do setor farmacêutico brasileiro, com um mercado dominado por grandes empresas, observa-se que, em prol de incremento de competitividade, empresas de pequeno e médio porte começam a se movimentar em busca de novos produtos ou de novas tecnologias. É importante lembrar que a maior parte das empresas farmacêuticas instaladas no país não opera nas etapas de desenvolvimento, por não possuir cultura, infraestrutura e recursos humanos capacitados para as atividades de P&D, adotando o papel de simples usuária de tecnologia.

No plano internacional, as indústrias farmacêuticas têm adotado uma estratégia de ação baseada na centralização da produção de medicamentos em locais altamente especializados, localizados em países estratégicos, e com capacidade de fornecimento da mercadoria em nível mundial. As plantas fabris, no caso dos medicamentos com alto valor tecnológico agregado e sob proteção patentária, o que lhes agrega também valor econômico, se encontram nos países desenvolvidos. Já para os medicamentos tradicionais, fora do regime de proteção patentária, essas plantas fabris se encontram nos países em desenvolvimento. Com isso, o Brasil que já apresenta uma dependência elevada de insumos farmacêuticos, passa também a depender da importação de uma parcela considerável de medicamentos essenciais para o sistema nacional de saúde, comprometendo o acesso aos medicamentos e à regulação de mercado, além de gerar um impacto negativo ainda maior na balança comercial do setor.

O setor farmacêutico que pode ser considerado um sub-setor tanto do setor saúde, quanto do setor químico, apresenta uma taxa de crescimento acima de 5% ao ano e por isso se encontra entre os setores mais dinâmicos da economia.12 No setor saúde, o déficit da balança comercial brasileira em 2001 foi de USD 3,4 bilhões, e dá a dimensão da dependência externa existente no país por parte do complexo industrial da saúde - que, além de fármacos e medicamentos, inclui vacinas, equipamentos, materiais de uso médico-hospitalar, hemoderivados, reagentes para diagnósticos, soros e toxinas.13

O setor químico, que compreende a indústria de química fina (na qual se insere a maioria das indústrias de fármacos), a indústria química de base, a indústria petroquímica, dentre outras, representa cerca de 21% da indústria de transformação brasileira e influencia direta e intensamente toda a economia brasileira.14 Especificamente em relação a fármacos e medicamentos, o déficit da balança comercial é preocupante, refletindo mais uma vez a dependência tecnológica em que se encontra o setor. Em 2002, por exemplo, face às exportações, as importações de fármacos foram responsáveis por um déficit de cerca de USD 700 milhões (correspondendo a 77% das necessidades), ao passo que com os medicamentos (produto acabado) este valor foi superior à cifra de USD 1 bilhão.15

O déficit em relação aos medicamentos apresenta o agravante da indústria farmacêutica brasileira ser majoritariamente transformadora de matéria-prima, atuando apenas nos últimos estágios da cadeia produtiva do medicamento. Assim, chama-se a atenção para o fato de que no Brasil uma parte considerável destes insumos de saúde provém de importações.15

De outra parte, a cadeia produtiva de plantas medicinais é altamente agregadora de valor. Esta cadeia produtiva apresenta um preço médio de USD 41,10 por kg no comércio exterior, enquanto que um bom referencial, que é a soja e derivados, tem valor de USD 0,23 por kg. Um método comparativo de potencial do setor, empregado em economia, é o coeficiente de agregação de valor na cadeia, que medido para estes dois itens, mostra que para plantas medicinais este valor é de 16,24 contra 2,22 da cadeia da soja.8

Aspectos técnicos

Existem diversas estratégias para diminuir a defasagem tecnológica e, consequentemente, a vulnerabilidade e dependência em relação aos fármacos e medicamentos. Entre elas destacam-se: as estratégias da verticalização (quando a empresa reúne várias etapas da cadeia na sua estrutura), eficiente mas demandante de recursos financeiros volumosos; o estímulo à fusão de empresas, o que traz à tona o fantasma de demissões, além de contribuir com a lógica da concentração e do monopólio tecnológico e, finalmente, o fomento aos chamados habitats de inovação capazes de desenvolver e transferir tecnologia ao setor produtivo e de propiciar a identificação e exploração de oportunidades de negócios com alto valor agregado. Esta última alternativa é amplamente compatível com o perfil da indústria farmacêutica nacional, na medida em que, por serem na sua maioria empresas de pequeno e médio porte, possuem grande potencial de incorporação de novas tecnologias, caso contrário, a tendência de concentração de mercado será acentuada, com o possível fechamento de empresas menos competitivas. Da mesma forma, a exploração de oportunidades de negócio permite vislumbrar um cenário positivo em termos da geração de renda, emprego e crescimento econômico.

A participação das Instituições de Pesquisa Pública pode apresentar importante contribuição, tornando possível a redução de custos das atividades de pesquisa e desenvolvimento, o acesso a instalações qualificadas, a programas de treinamento, além de demandar investimento reduzido, sendo uma estratégia atraente face às barreiras de entrada de novas empresas no setor. Desta forma, tanto as pequenas e médias empresas já estabelecidas, quanto as novas empresas ligadas à cadeia, as quais nascem dentro de uma concepção impregnada de inovação tecnológica, qualidade e gestão qualificada, possuem elevado potencial para incorporar novas tecnologias e explorar nichos de mercado que tenham valor comercial e impacto financeiro no sistema de saúde. Isto assume maior importância ao considerarmos que o mercado brasileiro de medicamentos é deficitário em sua relação produção/demanda. Conforme Relatório da CPI-Medicamentos, de 2000, 56% da população brasileira não tem acesso aos medicamentos de que necessita.

Especificamente em relação aos produtos naturais de plantas, o fortalecimento desse segmento industrial pode criar condições que permitam, a médio e longo prazo, investir na exploração da biodiversidade brasileira para o desenvolvimento de novos fármacos, uma vez que o país já apresenta uma razoável base técnico-científica.2,10 Cabe destacar que existe no Brasil um acúmulo de conhecimento científico interessante na área da Química de Produtos Naturais, contemplando áreas complementares como fitoquímica, tecnologia farmacêutica, farmacologia, controle de qualidade, toxicologia e biotecnologia, entre outras.

Dos três aspectos citados, sem dúvida, o aspecto técnico é aquele que se encontra mais desenvolvido. Isto pode ser atestado pela quantidade e qualidade de trabalhos científicos produzidos pelos cientistas brasileiros na área de Química de Produtos Naturais, em escala crescente ano a ano, bem como a formação de mestres e doutores aptos a desenvolverem seus conhecimentos no setor produtivo.2,10

Em 2006, o Brasil aprovou a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, cujo objetivo maior é o de garantir à população brasileira o acesso seguro e o uso racional de plantas medicinais e fitoterápicos, promovendo o uso sustentável da biodiversidade, o desenvolvimento da cadeia produtiva e da indústria nacional. Parece claro que para o sucesso dessa política ser alcançado deverá ser implementada uma sinergia entre a esfera governamental, o setor produtivo e as instituições de pesquisa científica e tecnológica.

A PARCERIA COM O SETOR AGRÍCOLA

Uma vez que a matéria-prima dos fitomedicamentos são plantas, a primeira parceria que se pode esperar na implementação de um projeto ligado a este Setor é com a área agrícola. Farmacêuticos e químicos, muitas vezes, não têm a dimensão dos problemas que este setor parceiro enfrenta para realizar com sucesso as demandas de manejo das plantas ditas medicinais. Inicialmente, observa-se um contingente muito pequeno de agrônomos interessados em produzir nesta área. Os motivos podem ser diversos, todavia, dificilmente um deles não seja a falta de mercado para a matéria-prima produzida. Isto contrasta fortemente com a carência que o setor farmacêutico possui em obter insumos de qualidade. Poderíamos nomear a este fato de "O Paradoxo da Cadeia de Fitoterápicos no Brasil". Das plantas comercializadas atualmente, grande parte é obtida a partir de extrativismo. O cultivo de um vegetal envolve a escolha e otimização de métodos adequados, os quais podem, eventualmente, demandar muito tempo. Algo pouco discutido nesta área de produtos naturais é de que muitos vegetais interessantes para o setor farmacêutico ainda não são domesticados, sobretudo as plantas nativas. Aqui, mais uma vez, é necessária a participação de pesquisadores que devem, assim, tentar o emprego de técnicas de cultivo adequadas para as plantas escolhidas. É provável que métodos convencionais de manejo agrícola não possam ser aplicados com plantas medicinais, tendo-se necessidade de cultivos associando diversas plantas, tentando reproduzir o ambiente biodiverso em que a mesma se encontra naturalmente. É sabido que para um vegetal se desenvolver na sua plenitude há necessidade de estabelecer simbiose com outras plantas em uma rizosfera apropriada. Outro obstáculo, ainda, é que uma vez domesticada uma planta, com o manejo otimizado, há necessidade de avaliar se esta nova planta mantém os princípios ativos originais ou, ainda, se mantendo a mesma constituição química, mantém teores aceitáveis para sua utilização.

Sabe-se que pela dificuldade em utilizar grandes quantidades de defensivos agrícolas (em muitos casos, nenhum), o cultivo de plantas medicinais tende a ser feito em pequenas extensões territoriais, dificultando a mecanização da lavoura. Desta forma, as plantações para este tipo de empreendimento destinam-se às pequenas propriedades com forte uso de mão-de-obra. Completa-se aqui mais uma cadeia interessante, tendo a área de fitoprodutos a possibilidade de produzir crescimento econômico com distribuição de renda na origem. Também fica bastante claro que o agricultor envolvido neste negócio deverá possuir um bom grau de escolaridade para atender às idiossincrasias deste setor. Desta forma, algumas etapas iniciais das operações unitárias da cadeia, podem (deveriam) ser realizadas já na produção de cultivo como, por exemplo, a secagem e algum processamento mais elementar, conforme o caso.

Acabamos de acrescentar mais um desafio interessante para o setor de fitoprodutos. A questão agrária no Brasil é tema de inúmeras discussões e algumas propostas de utilização da terra esbarram não somente em questões de ordem técnica, mas política e filosófica, que um empreendimento nesta área irá enfrentar indubitavelmente. A posse territorial brasileira reproduz com perfeição a desigualdade que é a marca registrada de nossa civilização onde, por exemplo, 3% das propriedades brasileiras ocupam 56,7% das terras agriculturáveis no Brasil. Possuímos empreendimentos agrícolas tão diversos, opondo extremos que vão desde fazendas que empregam alta tecnologia (eletrônica) e mecanização até lavouras de subsistência utilizando técnicas de cultivo rudimentares. Esse tema passa também pela frágil demarcação territorial do país, onde, por exemplo, de 850 milhões de hectares de fronteiras, 152 milhões não possuem registro formal, constituindo-se em ocupação ilegal. Ainda, 82 milhões de hectares de terra no Brasil são ocupações de terras públicas, herança ainda viva de um passado feudal.16 Associa-se ao tema o crescente êxodo rural, tornando as cidades grandes conglomerados de qualidade de vida cada vez mais duvidosa, propiciando discussões sociológicas intermináveis. É neste universo que iremos interagir quando for necessário o cultivo em escala comercial de alguma planta de interesse farmacêutico.

É evidente que para manter funcionando uma indústria beneficiadora de matéria-prima vegetal, é necessária uma estrutura agrícola que forneça o insumo de forma bastante planejada. Para cultivo de plantas medicinais, onde é difícil a mecanização e o emprego de defensivos agrícolas, projetos associados a pequenas propriedades rurais, com mão-de-obra da chamada agricultura familiar, uma vez treinada, pode ser adaptada à perfeição para projetos desta natureza.

FITOTERAPIA NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

Visando a implementação de ações capazes de promover melhorias na qualidade de vida da população brasileira, o Governo Federal instituiu a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, PNPMF, por meio do Decreto Presidencial 5.813 de 22/6/2006.17 Nos fundamentos desta nova política está prevista a melhoria do acesso da população aos medicamentos, ampliando as opções terapêuticas e melhoria da atenção à saúde dos usuários do Sistema Único de Saúde - SUS (Portaria nº 971 do Ministério da Saúde, de 03/5/2006),18 inclusão social e regional, desenvolvimento industrial e tecnológico, promoção da segurança alimentar e nutricional, além do uso sustentável da biodiversidade brasileira e da valorização do conhecimento tradicional associado das comunidades tradicionais e indígenas. Igualmente é objetivo desta Política o fortalecimento da agricultura familiar e o crescimento de emprego e renda, redutor das desigualdades regionais.

O Governo Federal tem estimulado, nos programas de saúde pública, o atendimento primário através do Programa de Saúde da Família (PSF), sob o enfoque da prevenção de estados patológicos. Neste contexto, a utilização de terapias tradicionais, como o emprego de plantas medicinais, poderá representar uma importante contribuição ao Sistema.

O setor farmacêutico tem uma grande oportunidade a partir das definições tanto da Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior, quanto da Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, para ser implementado no SUS, a qual deve ser um elo entre diversos setores, estimulando de forma direta uma boa parte da malha produtiva do país.

Outro fator limitante para uma maior utilização de vegetais pelas indústrias é a escassa descrição em códigos oficiais (formulários e farmacopeias) da maioria das plantas em uso. Dentro deste restrito número pode-se citar que 324 estão descritas na Farmacopeia Alemã, 60 na Cooperativa Europeia Científica de Fitoterapia, 13 na Farmacopeia Norte Americana, registrados como suplementos dietários, 60 na Organização Mundial da Saúde e 47 na Farmacopeia Brasileira 4ª ed., sendo 10 monografias de plantas medicinais no primeiro fascículo (1996), 10 no segundo (2000), 7 no terceiro (2001), 8 no quarto (2002), 7 no quinto (2003) e 5 no sexto e último fascículo (2006).

A qualidade exigida e a disponibilidade de matérias-primas para a fabricação de fitoterápicos, em sua maior parte proveniente de extrativismo, são fatores de estrangulamento para a indústria farmacêutica, fato que não é observado em relação aos produtos sintéticos, sendo, contudo, exigida a mesma padronização pela agência reguladora.

Para a definição dos parâmetros necessários na padronização de métodos para a avaliação da qualidade da matéria-prima vegetal e de medicamentos fitoterápicos, é de extrema importância a determinação dos constituintes químicos, principalmente do marcador químico das espécies vegetais. Este trabalho nem sempre é tarefa simples. Segundo a RDC n° 48 da ANVISA,19 marcador é o "componente ou classe de compostos químicos (ex: alcaloides, flavonoides, ácidos graxos, etc.) presente na matéria-prima vegetal, idealmente o próprio princípio ativo, e preferencialmente que tenha correlação com o efeito terapêutico".

A análise da grande maioria das plantas inscritas em códigos oficiais necessita padrões e substâncias de referência. Das 155 monografias da Farmacopeia Britânica, apenas 30 não dependem de substâncias de referência para a sua análise. Da relação de 31 plantas medicinais consideradas de uso tradicional pela ANVISA, todas demandam substâncias de referência para a sua análise.

De acordo com as diferentes políticas públicas apresentadas para o Setor de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, todas convergentes, em fevereiro de 2009 o Ministério da Saúde publicou, através do Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, uma lista contendo 71 plantas medicinais que apresentam potencial para gerar produtos de interesse ao SUS (Relação Nacional de Plantas Medicinais de Interesse ao SUS-RENISUS).20 Algumas destas espécies possuem escassos dados científicos que validam sua utilização, tanto do ponto de vista farmacológico quanto químico. Estes conhecimentos estão na base para o desenvolvimento de fitoterápicos que agreguem qualidade com o desenvolvimento de produtos utilizando tecnologias avançadas na área farmacêutica.

CONCLUSÕES E PERSPECTIVAS

Apresentamos aqui um panorama da área de produtos naturais voltado à área farmacêutica com perspectivas de contribuição ao desenvolvimento econômico de nosso país. Também sugerimos que este desenvolvimento só será possível se estabelecidas redes efetivas de colaboração, integrando as várias etapas da cadeia. Encontramos diversos estrangulamentos para a implementação de empreendimentos neste setor. No campo científico, pode-se afirmar, a partir de parâmetros numéricos de avaliação, que os pesquisadores da área de Química de Produtos Naturais já se encontram em um estado adequado de progresso. Acompanhamos diversos trabalhos científicos neste tema, tendo sido observada a incorporação de novas tecnologias farmacêuticas e métodos modernos de análises quanti e qualitativas. No meio industrial, ligado à saúde, verificamos um crescente interesse quanto à utilização de produtos de origem vegetal a fazer parte de seu portfólio de produtos.2 No âmbito de Políticas Públicas também vemos paulatinamente uma maior compreensão da importância estratégica da área de produtos naturais (farmacêutica) para o Brasil.

Por certo, existem outras áreas a serem chamadas a participar desta construção, multidisciplinar por excelência, como a Agrícola, a Economia, a Administração, entre outras. Devido ao enfoque, neste trabalho, ter sido limitado à produção do medicamento, não foi discutida a participação de outros profissionais da área da saúde, como médicos, enfermeiros e odontólogos, principalmente, de presença fundamental para o sucesso de um projeto desta natureza.

Muitas das plantas empregadas em terapêutica atualmente no Brasil não são de origem brasileira como, por exemplo, hipérico, palmeto, equinácea, cratego, tanaceto entre outras, podendo, eventualmente, serem cultivadas em nosso país. A propósito, a cana-de-açúcar, o café e a soja não são originários do Brasil. Ressalta-se, também, que nosso país é um tradicional importador líquido em todos os segmentos da cadeia produtiva de plantas medicinais. Desta forma, podemos inferir que o que faz o desenvolvimento da cadeia não é o fato de possuirmos uma grande biodiversidade, mas sim a capacidade de utilizá-la. Por isso, para obtenção de retorno econômico com fitoprodutos, parece não importar tanto a quantidade de plantas que possuímos ou a capacidade de cultivá-las, mas sim, mais fundamental, é contar o número de empreendedores dispostos e capazes de enfrentar este desafio dentro de uma lógica que incorpore a cultura da inovação e a profissionalização da gestão.

Como proposta de viabilizar um projeto com fitoprodutos, entendemos ser adequada a consolidação de uma indústria primária que consiga organizar uma cadeia com vegetais de cultivo relativamente fácil, ajustando e ligando os elos da cadeia desde o produtor até a obtenção final do fitoterápico, passando pelas operações e processos inerentes a ela. Após o fortalecimento destas etapas iniciais e capitalização das empresas associadas, acreditamos ser possível o aumento paulatino da complexidade da cadeia, incorporando mais e mais tecnologia aos produtos.

Por fim, entendemos que os atores estão uns já treinados e praticamente prontos, outros em treinamento e com vontade de atuar. Falta uma peça fundamental para a implementação dos projetos em larga escala: os organizadores da cadeia. Este é o amalgamador do processo, aquele que reúne todas as áreas em um objetivo comum, em uma cadeia estruturante, com projetos bem elaborados e alvos definidos, empregando rigor científico na análise das ações e avaliações pertinentes do processo e correções quando necessário. Fechada esta cadeia, o Brasil pode implementar uma verdadeira revolução no setor farmacêutico, empregando vegetais para a utilização em saúde, com uso no mercado interno e, pelo tamanho potencial de nosso país na área, ser um exportador privilegiado, acabando por gerar crescimento econômico e saúde para a população, um binômio poderoso justificador desta ideia.

AGRADECIMENTO

J. A. S Zuanazzi agradece ao CNPq a concessão de bolsa de Produtividade em Pesquisa.

Recebido em 18/1/10; publicado na web em 21/5/10

  • 1
    Tabela montada pelos autores a partir de dados obtidos no site da Secretaria de Comércio Exterior/Ministério da Indústria e Comércio, http://www2.desenvolvimento.gov.br/sitio/secex/secex/competencia.php, acessada em Abril 2009.
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  • 5
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  • 16
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  • 17
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    » link
  • #
    Conferência convidada, proferida na 32ª RASBQ, Fortaleza, Brasil, 2009.
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Ago 2010
    • Data do Fascículo
      2010

    Histórico

    • Recebido
      18 Jan 2010
    • Aceito
      21 Maio 2010
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