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Capacidade de oxidação como índice de estabilidade da matéria orgânica de sedimentos de acordo com gradiente fluvial-estuarino do rio Paraíba do Sul

Oxidation capacity as an index of organic matter stability from sediments of the Paraíba do Sul river-estuarine gradient

Resumo

The hummus composition and it redox properties have been used to evaluate the organic matter quality from natural systems. The objectives of this study were the fractionation of the organic matter and the determination of the oxidation capacity of humic acids to evaluate the organic matter quality of sediments from a gradient fluvial-estuarine in the Brazilian Southeast. The carbon/nitrogen and humic acid/fulvic acid relationships of the organic matter and of the oxidation capacity of humic acids were positively correlated and followed the order: estuarine bordered mangroves ≅ fluvial bordered urban center and pasture > estuarine bordered pasture ≅ marine.

redox index; oxidation capacity; humic substances


redox index; oxidation capacity; humic substances

ARTIGO

Capacidade de oxidação como índice de estabilidade da matéria orgânica de sedimentos de acordo com gradiente fluvial-estuarino do rio Paraíba do Sul

Oxidation capacity as an index of organic matter stability from sediments of the Paraíba do Sul river-estuarine gradient

Marihus Altoé BaldottoI, * * e-mail: marihus@ufv.br ; Luciano Pasqualoto CanellasII; Raul Castro Carriello RosaIII; Thiago Pessanha RangeIII; Marcos Sarmet Moreira de Barros SalomãoIII; Carlos Eduardo RezendeIII

IUniversidade Federal de Viçosa, Campus de Florestal, Rod. LMG, 818, km 6, 35690-000 Florestal - MG, Brasil

IICentro de Ciências e Tecnologias Agropecuárias, Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Av. Alberto Lamego, 2000, 28013-602 Campos dos Goytacazes - RJ, Brasil

IIICentro de Biociências e Biotecnologia, Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Av. Alberto Lamego, 2000, 28013-602 Campos dos Goytacazes - RJ, Brasil

ABSTRACT

The hummus composition and it redox properties have been used to evaluate the organic matter quality from natural systems. The objectives of this study were the fractionation of the organic matter and the determination of the oxidation capacity of humic acids to evaluate the organic matter quality of sediments from a gradient fluvial-estuarine in the Brazilian Southeast. The carbon/nitrogen and humic acid/fulvic acid relationships of the organic matter and of the oxidation capacity of humic acids were positively correlated and followed the order: estuarine bordered mangroves ≅ fluvial bordered urban center and pasture > estuarine bordered pasture ≅ marine.

Keywords: redox index; oxidation capacity; humic substances.

INTRODUÇÃO

A maior parte da matéria orgânica de solos, águas e sedimentos encontra-se na forma de substâncias húmicas (SH), uma mistura heterogênea de compostos orgânicos agregadas por interações fracas de natureza hidrofóbica e por pontes de hidrogênio.1 As SH podem ser classificadas, operacionalmente, em função da solubilidade em meio aquoso, em ácidos fúlvicos (AF) ou ácidos húmicos (AH).2 Os AF apresentam quantidade de grupos hidrofílicos suficientes para permanecerem solúveis em qualquer valor de pH e os AH, mais hidrofóbicos, apresentam agregação e precipitação em meio fortemente ácido. O aumento da concentração de AH em relação aos AF indica que o sistema possui matéria orgânica mais estável.1,2

A estabilidade química dos AH pode ser estimada pelo aumento da policondensação e da conjugação de estruturas insaturadas em sua estrutura. Grupamentos fenólicos formados durante o processo de decomposição da matéria orgânica são convertidos em quinonas, via reações de oxidação. A redução dessas quinonas resulta em radicais livres semiquinonas nos AH. O aumento da concentração de radicais livres do tipo semiquinonas (CRLS) nessas substâncias, determinado por meio da ressonância paramagnética eletrônica (RPE), está intimamente relacionado a incrementos de aromaticidade e pode resultar em maior estabilidade nos sistemas naturais.3-7 Tossel verificou que espécies de quinonas oxidadas e reduzidas participam da agregação das SH de forma estável,8 convergindo para a teoria dos arranjos supramoleculares destas substâncias apresentada por Piccolo,1 possibilitando inferir que a atração entre quinonas doadoras e receptoras de elétrons possa ser computada entre as forças que mantêm tais associações.

As titulações redox de AH permitem estimar a sua capacidade de oxidação (COx), definida como a quantidade de carga por unidade de massa que um composto é capaz de transferir a um oxidante (molc kg-1).9 Conforme demonstraram Struyk e Sposito9 e Baldotto e colaboradores6,7 os radicais livres do tipo semiquinonas dos AH são grupos doadores de elétrons e podem ser oxidados pelo iodo (I2) nas titulações redox iodimétricas.

A COx vem sendo usada como indicador qualitativo da matéria orgânica de solos, adubos orgânicos e sedimentos.6,7,9-13 Assim, os valores da COx para diferentes AH variaram na faixa entre 0,5 a 11,5 molc kg-1 a pH 7,0, aumentaram diretamente com a concentração de radicais livres tipo semiquinonas.6,7,9-12

Baldotto e colaboradores6,7 verificaram relação inversa entre a COx e a acidez carboxílica e direta entre a COx e a acidez fenólica e as relações C/N e AH/AF, ligadas a aumentos de condensação e aromaticidade das SH. Por meio de reações de metilação e acetilação, monitoradas por espectroscopia de infravermelho, atribuíram a maior parte da COx de AH a grupos tipo quinonas. A relação entre a COx e tais grupos foi verificada por espectroscopia de ressonância paramagnética de elétrons. A aromaticidade, a hidrofobicidade e as relações C/N e AH/AF dos estoques de carbono do solo aumentaram com a COx dos AH.7 Assim, os AH contendo maiores proporções dessa aromaticidade seletiva apresentam mais elevada COx e, simultaneamente, tendem à mais prolongada persistência ou estabilidade no solo ou nos sedimentos.6,7,9-13

Contudo, trabalhos envolvendo o fracionamento e a determinação da COx de materiais orgânicos de sedimentos em gradiente flvuial-estuarino são ainda escassos, embora importantes para o entendimento dos mecanismos do balanço de carbono nos sistemas naturais. Tal escassez torna-se uma dificuldade adicional para a estimativa das trocas de carbono entre as geosferas.14 Adicionalmente, a relação entre os aspectos químico-estruturais e de conformação dos AH e as suas reações redox no ambiente são fundamentais para o estudo das forças de agregação entre os seus componentes8 sob a teoria da estrutura supramolecular1 e, também, para o monitoramento e manejo de ecossistemas impactados. A maioria dessas perturbações envolve reações de transferência de prótons e/ou elétrons.6,7,9-14,16,17 Nesse contexto, as titulações redox de AH podem gerar informações úteis para a compreensão das suas interações com metais e pesticidas3,4 em solos e sedimentos de águas interiores e oceânicas.6,7,9-14-17

A bacia do Rio Paraíba do Sul abrange uma área de aproximadamente 57.000 km2 e uma extensão de 1.145 km, banhando os estados de São Paulo (24%), Minas Gerais (40%) e Rio de Janeiro (36%) onde deságua no Oceano Atlântico.12,18,19 O rio corre no sentido oeste-leste numa altitude média de 370 m e seus afluentes originam-se das Serras da Mantiqueira e do Mar. Na região do Norte Fluminense, o Rio Paraíba do Sul é frequentemente castigado por receber os produtos de desastres ambientais em suas porções interioranas, cujas margens foram ocupadas por indústrias, sendo alguns deles de grande magnitude, como o vazamento de soda cáustica em 2003 ou de organoclorados em 2008. Em função da sensibilidade às perturbações e da persistência no ambiente, modificações estruturais e de reatividade nos AH podem servir, além de indicadoras de estabilidade da matéria orgânica, para monitorar essas poluições e auxiliar na sua avaliação e remediação.12,18,19

Este estudo teve como objetivos o fracionamento da matéria orgânica de sedimentos retirados de várias partes do leito no trecho final do Rio Paraíba do Sul e a determinação da capacidade de oxidação dos AH isolados para relacioná-los com dados de suas ambiências, visando o monitoramento da qualidade da matéria orgânica num gradiente continente-oceano com estações de amostragem em ambientes de deposição fluviais, estuarinos margeados por manguezal ou por pastagem e marinho.

PARTE EXPERIMENTAL

Ambiente em estudo e amostragem

As amostras da água superficial do Rio Paraíba do Sul foram coletadas em sua porção final, no estado do Rio de Janeiro, iniciando-se a navegação a partir do centro do município de Campos dos Goytacazes até o estuário/oceano situado entre as cidades de São Francisco do Itabapoana e São João da Barra. As coordenadas dos locais de amostragem e a caracterização físico-química de suas ambiências estão apresentadas na Figura 1 e na Tabela 1, respectivamente. Os sedimentos foram coletados em 11 unidades de amostragem. Em cada uma delas, foram coletadas 5 amostras simples em um raio de 10 m, sendo estas integradas em uma amostra composta. A coleta de sedimento foi realizada por meio de um coletor do tipo van Veen. Os sedimentos foram congelados para posterior liofilização antes das análises descritas a seguir.


Fracionamento da matéria orgânica, isolamento e purificação dos ácidos húmicos

O fracionamento da matéria orgânica dos sedimentos foi realizado com a extração das SH alcalino solúveis com NaOH 0,1 mol L-1 sob atmosfera de N2, na relação 1:10 (massa:volume).6,7 Após agitação por 24 h, o material foi centrifugado a 5.000 g por 30 min. Esse procedimento foi repetido até que o extrato sobrenadante estivesse incolor, verificada ausência de absorbância em 250 e 465 nm (Hitashi - UV-Vis 2000, Tokyo, Japan). O resíduo da extração foi seco em estufa de ventilação forçada a 60 ºC até peso constante para dosagem de C (Huminas). Coletou-se o sobrenadante e ajustou-se o pH do extrato, imediatamente, a 1,5 com H2SO4. Depois de 18 h, o sobrenadante contendo a fração AF foi separado por centrifugação e seguiu para a dosagem de C. O material remanescente, precipitado contendo a fração AH, foi solubilizado em NaOH 0,05 mol L-1 para a dosagem de C.

Os AH foram isolados dos sedimentos usando-se NaOH 0,1 mol L-1 sob atmosfera de N2, na relação solo:extrator de 1:10 (massa:volume). Após agitação por 24 h, o material foi centrifugado a 5.000 g por 30 min.6,7 O sobrenadante foi coletado e o pH do extrato foi imediatamente ajustado a 1,5 com HCl 6 mol L-1. Depois de 18 h, a fração ácidos fúlvicos foi sifonada e descartada. O material remanescente (precipitado de AH) foi solubilizado em NaOH 0,1 mol L-1 e centrifugado a 5.000 g por 10 min e o sobrenadante descartado. A dissolução e a reprecipitação dos AH foi repetida por mais duas vezes. A seguir, o precipitado de AH foi solubilizado e permaneceu em HF+HCl 5% por 48 h, visando a remoção de resíduos de minerais de argila e de íons paramagnéticos, sendo a seguir centrifugado a 5.000 g. Os AH foram lavados com 200 mL de HCl 0,01 mol L-1, centrifugados a 5.000 g e o precipitado foi lavado com água destilada até teste negativo para Cl- usando-se AgNO3 0,1 mol L-1 e, depois, transferido para membranas de diálise de 10 mL (cut-off 14 kDa, Thomas Sci.). Após a diálise, até a obtenção de condutividade elétrica análoga à da água destilada (1,0 µS cm-1), os AH foram liofilizados e armazenados em dessecador.

As amostras de AH foram caracterizadas quanto aos teores totais de C, H e N, determinados utilizando-se um analisador de elementos Perkin Elmer (2400 Series II).

Titulações redox

As titulações redox consistiram da oxidação dos AH com I2 (iodimetria), sob atmosfera inerte.9 O sistema de titulação foi montado utilizando-se um frasco termostatizado e fechado com uma tampa adaptada para conter um eletrodo combinado de pH (pHmetro Quimis Q400A), um eletrodo redox combinado (Analyser 6A05-GK AgCl, Ag || Pt), além de um tubo para entrada de gás argônio e uma microbureta de 2 mL (Gilmont® GS-1200-A, com subdivisões de 2 µL).6,7,12 O sistema foi termostatizado através de um banho em recirculação mantido a 25 ºC (Microquímica® Banho MQBCT 99-20).

No preparo do titulado, adicionaram-se ao frasco de titulação 125 mL de solução tampão de fosfatos (Na2HPO4 0,05 mol L-1 e NaH2PO4.H2O 0,05 mol L-1) contendo KCl 0,05 mol L-1 e, em seguida, ajustou-se o pH com HCl ou NaOH para pH 7,00. A solução foi agitada magneticamente e borbulhada com argônio por 60 min para a depleção de O2. Acrescentou-se AH à solução para obtenção de uma concentração em suspensão de 50 mg L-1. Agitou-se e borbulhou-se a suspensão com argônio durante outros 30 min. Em seguida, dada a adição de AH na preparação do titulado, ajustou-se novamente o pH da suspensão para 7,00 com HCl ou NaOH para o início da titulação. Para comparar as diferentes amostras do gradiente fluvial-estuarino, todas as titulações foram realizadas a pH 7.

Para cada titulação, calibrou-se o pHmetro utilizando soluções tampões a pH 4 e 7. O eletrodo redox foi testado com solução tampão redox férrico-ferrosa, preparada com sulfato ferroso amoniacal 0,100 mol L-1, sulfato férrico amoniacal 0,100 mol L-1 e H2SO4 1,00 mol L-1. A leitura da f.e.mcela em 439 ± 2 mV indicou o correto funcionamento do eletrodo.20 Padronizou-se a solução de I2, para cada titulação, utilizando tiossulfato de sódio.

Nas titulações, utilizaram-se incrementos de 2 µL de solução 0,025 mol kg-1 de I2 (mol kg-1 = molinidade, ou seja, o número de mols de I2 por kg de solução)9 com densidade conhecida e, após cada incremento de titulante, a solução foi agitada e borbulhada com argônio por mais 30 s para facilitar a homogeneização do sistema. Em seguida, registrou-se a leitura da f.e.m.cela após cada adição de titulante, sempre quando a variação no aparelho foi menor ou igual a 2,0 mV min-1. O ponto final da titulação redox de AH foi atingido quando valores constantes de f.e.m.cela foram registrados após a adição de oxidante.

As curvas de titulação redox foram obtidas relacionando-se num gráfico os valores de f.e.m.cela (eixo das ordenadas) em função da COx dos AH (eixo das abscissas). No ponto de inflexão, de posse do volume de solução de I2 gasto em cada curva de titulação redox, determinou-se o valor da COx (molc kg-1), consistindo no número de mols de I2(aq) reduzidos a I-(aq) na reação por unidade de massa de AH.

Adicionalmente, realizaram-se titulações de amostras em branco, sem adição de AH.

Análises estatísticas

Estimaram-se o desvio-padrão das médias experimentais e o coeficiente de correlação linear entre as variáveis estudadas. Foi realizada a análise multivariada dos dados,21 obtendo-se o teste de agrupamento, usando a distância euclidiana, uma medida da dissimilaridade entre as amostras, determinada a partir das variáveis de um conjunto de dados. O resultado final da análise multivariada dos dados foi um dendograma, no qual quanto mais distantes as amostras, menor é a sua semelhança. Para as análises estatísticas foi usado o Programa SAEG 9.0.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os sedimentos estudados ao longo do gradiente fluvial, estuarino e marinho apresentaram diferenças na sua composição granulométrica (Tabela 1). A região fluvial foi dominada pela fração arenosa, exceto as estações 2 e 4 (Figura 1), enquanto a fração fina composta por silte e argila foi mais abundante nas regiões estuarina e marinha, à exceção da estação 6. Os teores de CTotal e NTotal variaram de 14,8 a 45,0 e 1,0 a 3,1 g kg-1, respectivamente, sendo os maiores valores encontrados na região estuarina, indicando a contribuição da vegetação marginal inundada como, por exemplo, banco de gramíneas e manguezais. A relação C/N, por massa, foi relativamente conservativa (12,3 a 23,4) em todas as estações, mas ressaltam-se os valores encontrados na estação 2, no ambiente fluvial, que tipificam a contribuição de detritos orgânicos vasculares provenientes das ilhas fluviais que ocorrem nesta localização do Rio Paraíba do Sul.

A Tabela 2 mostra a composição relativa da matéria orgânica humificada por meio da participação de cada fração na distribuição total do carbono orgânico: ácidos fúlvicos (CAF), ácidos húmicos (CAH) e huminas (CH). Nota-se que as frações alcalino-solúveis (CAF + CAH) constituem a menor parte do carbono humificado (não excedendo, em média, 2%) sendo o restante composto pela fração residual (humina). Os resultados do fracionamento da matéria orgânica dos sedimentos revelaram também que, em média, a fração AF foi cerca de 4% superior à fração AH, resultando em relação AH/AF variando entre 0,29 e 1,51, de acordo com a origem da amostra. Variações semelhantes foram observados por Ribas et al., fracionando amostras de sedimentos lacustres, que se relacionaram negativamente com a solubilidade e positivamente com a estabilidade da matéria orgânica.15

No presente trabalho, a estabilidade da matéria orgânica estimada pelas relações C/N e AH/AF da matéria orgânica não apresentou correlação com o teor de argila dos sedimentos. Outros trabalhos, usando amostras de solos, mostraram aumento de estabilização da matéria orgânica diretamente proporcional ao teor de argila.7,10,11,13,15 Contudo, para os sedimentos de águas fluviais e estuarinas deste estudo tais resultados não foram verificados, indicando que em sistemas aquáticos outros fatores estariam mais estreitamente envolvidos na permanência da matéria orgânica, como será discutido adiante.

Os valores da COx dos AH isolados dos sedimentos do gradiente fluvial-estuarino do Rio Paraíba do Sul (Tabela 3), apresentados em termos de massa de AH, variaram com a origem das amostras, de 1,89 a 3,79 molc kg-1.

Os valores da COx dos sedimentos do leito do Rio Paraíba do Sul foram superiores aos encontrados por Baldotto e colaboradores12 no material em suspensão, isolado pela ultrafiltração das águas coletadas em Campos dos Goytacazes, distribuídas sazonalmente nas quatro estações do ano, por 2 anos consecutivos. Naquelas amostras, a COx da matéria orgânica variou de 0,76 a 1,15 molc kg-1 e foi relacionada positivamente com a pluviosidade e a vazão do rio. Assim, comparativamente a tais sedimentos em suspensão, os resultados do presente estudo indicaram maior estabilidade dos AH isolados dos sedimentos de fundo (maior COx), de forma coerente com sua maior hidrofobicidade e menor solubilidade, dada a mais ampla relação AH/AF, uma vez que os AH apresentam maior concentração de domínios hidrofóbicos e são menos solúveis que os AF.1,2,17

Struyk e Sposito9 e Peretyazhko e Sposito10,11 encontraram valores entre 3,30 até 11,50 molc kg-1 para AH isolados de amostras padrão da IHSS de turfas, rios e diferentes solos. Baldotto e colaboradores6,7 verificaram COx de 5,35 a 7,89 molc kg-1 para AH obtidos de adubos orgânicos, de 1,64 a 6,44 molc kg-1 para solos cultivados por 55 anos usando-se ou não a queima do canavial por ocasião da colheita e Matthiessen,16 em amostras de AH sintético, encontrou valores médios de 10,5 molc kg-1.

No presente estudo, a COx dos AH relacionou-se positivamente com as relações C/N (r = 0,71P<0,05) e AH/AF (r = 0,77P<0,01) da matéria orgânica dos sedimentos. O aumento de componentes hidrofóbicos na matéria orgânica resulta em maior resistência à degradação.1,7,17 Desta forma, nas estações de amostragem com presença de AH com maior COx, poder-se-ia esperar maior contribuição das formas mais estáveis de carbono orgânico.6,7 Sposito17 apresentou, para diversas amostras, resultados indicando que o aumento da relação C/N na matéria orgânica está relacionado ao empobrecimento em N e à concentração em C, resultando maior condensação e aromaticidade. Esse aumento de aromaticidade acompanhando a relação C/N foi também observado por métodos espectroscópicos.

Pela comparação dos dados do presente trabalho com os das referências consultadas,6,7,9-13,16 observaram-se maiores valores da COx para AH isolados de solos em relação àqueles obtidos de sistemas aquáticos e, dentre estes, os AH de sedimentos de fundo apresentaram mais alta COx que os sedimentos em suspensão. Nessa mesma ordem, ocorreu diminuição da hidrofobicidade e aumento da solubilidade do material orgânico, ou seja, menor participação da fração AH em relação à AF. A tendência, portanto, é que ordem análoga seja esperada para a estabilidade da matéria orgânica nos sistemas naturais, conforme a fundamentação apresentada.6,7,9-13,17

Adicionalmente, a COx dos AH foi projetada para a sua massa de carbono (Tabela 3). Ambos os resultados seguiram tendências análogas. Como a definição de substâncias é operacional, ainda desvinculada do conceito de massa molar, optou-se pelo registro dos dados corrigidos para os teores de carbono como uma forma normalizada para estudar tais substâncias visando, entre outros casos, oportunamente, estudos preditivos da atividade redox com fins de modelagem. Assim, corrigindo tais valores da COx para a massa de carbono de cada AH (em média 442 g kg-1 de C), suas magnitudes oscilaram de 4,36 a 9,25 molc kg-1, ficando aqui registradas. O dendograma (Figura 2), obtido por meio da análise multivariada de todos os dados, indicou que o conjunto de amostras pode ser dividido em dois grupos mais distantes, que foram representados pelas estações de coleta no ambiente fluvial, mais próximas a Campos dos Goytacazes, onde o Rio Paraíba do Sul apresenta curso único, e outro posterior, no qual se iniciam as bifurcações características de seu estuário, até o contato marinho. Dentro do subgrupo contendo as amostras coletadas na porção fluvial, o dendograma revelou que a amostra 1 separou-se das amostras 2, 3 e 4. Estas últimas, por sua vez, são mais semelhantes entre si. Seguindo esse mesmo raciocínio, as amostras 7, 8 e 9 e, também, as amostras 5, 6, 10 e 11 são mais semelhantes dentro de seus subgrupos. As amostras coletadas em ambientes classificados22 como fluviais (CE < 0,100 mS cm-1) e estuarinos (3 < CE < 9 mS cm-1) sob influência de deposição dos manguezais apresentaram, em média, COx semelhante, de 6,5 e 7,0 molc kg-1, respectivamente (Figura 2). A amostra 5 marca a divisão das porções fluviais e estuarinas, agrupando-se junto a estas últimas amostras, cujos AH, em média, apresentaram os mais baixos valores de COx. Já as amostras estuarinas, advindas do entorno ocupado por pastagens, sem a influência dos manguezais, agruparam-se com a amostra da estação de maior contribuição marinha (CE > 26 mS cm-1)22, resultando na mais baixa média da COx, de 4,9 molc kg-1.


Finalmente, conforme o teste de agrupamento, as estações de amostragem fluvial e de estuário cortando o manguezal revelaram substâncias orgânicas de maior COx e mais hidrofóbicas (maior relação AH/AF). Buscando explicar esses resultados, algumas inferências podem ser enunciadas de acordo com as ambiências das amostras:

i) na porção fluvial, mais próxima ao centro urbano de Campos dos Goytacazes, os maiores valores de COx e de hidrofobicidade (maior relação AH/AF) podem estar associados à maior poluição e, também, às contribuições da vegetação sobre as ilhas, mais comuns neste trecho do rio;18,19

ii) a estação estuarina com entorno de manguezais, fontes constantes de matéria orgânica e atividade biológica, geralmente sob menor vazão,18,19 também tendeu a favorecer o acúmulo de AH em relação a AF, resultando em aumento da relação AH/AF e mais alta COx em relação ao estuário sob maior influência de pastagens;

iii) a vegetação gramínea dos pastos tende a aportar, relativamente ao manguezal, material orgânico menos diversificado,15 resultando em menor atividade biológica. Assim, os mais baixos valores de AH/AF e COx deste sistema se assemelharam aos do ambiente de maior influência marinha e,

iv) a influência do mar é caracterizada pelos aumentos de pH, força iônica e condutividade elétrica do meio, os quais podem ter favorecido a dispersão entre as subunidades orgânicas das SH, resultando na mais baixa estabilidade da matéria orgânica estudada.

CONCLUSÕES

As reações envolvendo transferência de elétrons são fundamentais para o ambiente, envolvendo desde a respiração até a formação de complexos com poluentes orgânicos e inorgânicos. O fracionamento e a determinação da capacidade de oxidação vêm sendo usados para avaliar a matéria orgânica em sistemas naturais. Contudo, dados como estes são ainda escassos e importantes para o entendimento dos mecanismos do balanço de carbono entre as geosferas, pois tal escassez resulta em dificuldade adicional para a sua estimativa. Além disso, as reações redox são significativamente presentes entre as forças que mantêm as subunidades húmicas agregadas sob a teoria do arranjo supramolecular, contribuindo também para o entendimento químico e estrutural dessas substâncias, ainda pouco consensual.

O presente estudo realizou o fracionamento da matéria orgânica de sedimentos do Rio Paraíba do Sul, o isolamento dos ácidos húmicos e a determinação, por meio de titulações redox iodimétricas, da sua capacidade de oxidação para relacioná-la com seus ambientes deposicionários, visando estimar e comparar sua estabilidade. A capacidade de oxidação por massa de ácidos húmicos variou de acordo com o local de amostragem, assumindo valores de 1,89 a 3,79 molc kg-1, com média de 2,7 molc kg-1. Corrigindo tais valores da capacidade de oxidação para a massa de carbono dos ácidos húmicos (em média de 442,46 g kg-1 de carbono), observou-se que as suas magnitudes oscilaram de 4,36 a 9,25 molc kg-1 e o valor médio foi de 6,1 molc kg-1. Os resultados da capacidade de oxidação dos ácidos húmicos e das relações entre os teores de carbono e nitrogênio (12,3 a 23,4) e de ácidos húmicos e ácidos fúlvicos (0,29 a 1,51) da matéria orgânica correlacionaram-se positiva e significativamente. Assim, o fracionamento da matéria orgânica e a capacidade de oxidação dos ácidos húmicos descreveram tanto o comportamento redox dessas substâncias como a sua qualidade dentro do gradiente de amostragem estudado, revelando, portanto, que as estações de amostragem fluvial e as estuarinas com entorno de manguezais se assemelharam, com formas de carbono mais estáveis em relação às estuarinas entre pastagens e marinha, refletindo as deposições das diferentes fontes de carbono e a formação das substâncias húmicas em cada subsistema.

AGRADECIMENTOS

M. A. Baldotto agradece ao Prof. A. C. X. Velloso pelo seu incentivo ao estudo da Química das Geosferas e por todos os diálogos mantidos sobre outros temas. Este trabalho contou com auxílios dos projetos: Bolsa de Pós-Doc./Auxílio CNPq/CTHidro (Proc. 556160/2006-1/151856/2007-9), Instituto do Milênio Estuários CNPq (Proc. 420050/2005-1), da Cooperação Brasil-Alemanha POLCAMAR CNPq/BMBF (Proc. 590002/2005-8) e Bolsa de Pós-Doc./Auxílio FAPERJ (Proc. E-26/153.086/2006 e E-26/110.633/2007).

Recebido em 23/8/10; aceito em 12/1/10; publicado na web em 1/4/11

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Ago 2011
    • Data do Fascículo
      2011

    Histórico

    • Recebido
      23 Ago 2010
    • Aceito
      02 Jan 2010
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