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Sistema para realização de medidas de luminescência com excitação por Raios X

System for X-Ray excited optical luminescence (xeol) measurements

Resumo

In this work is presented a versatile system for X-ray excited optical luminescence (XEOL) measurements. The apparatus was assembled from a sample holder connected to an optical fiber responsibly for the acquisition of the scintillation signal. The spectrum is registered with a CCD coupled in a spectrograph provided with diffraction gratings. The system performance was analyzed by exciting GdAlO3:Eu3+ 3.0 at.% with X-rays from a diffractometer and measuring the emission spectra. The system can be used to obtain precise and reliable spectroscopic properties of samples with various conformations without the loss of the required safety when dealing with ionizing radiations.

X-ray phosphors; scintillators; spectroscopy


X-ray phosphors; scintillators; spectroscopy

NOTA TÉCNICA

Sistema para realização de medidas de luminescência com excitação por Raios X

System for X-Ray excited optical luminescence (xeol) measurementS

Marco Aurélio Cebim* * e-mail: mcebim@iq.unesp.br ; Higor Henrique de Souza Oliveira; Nilso Barelli; Marian Rosaly Davolos

Departamento de Química Geral e Inorgânica, Instituto de Química de Araraquara, CP 355, 14801-907 Araraquara - SP, Brasil

ABSTRACT

In this work is presented a versatile system for X-ray excited optical luminescence (XEOL) measurements. The apparatus was assembled from a sample holder connected to an optical fiber responsibly for the acquisition of the scintillation signal. The spectrum is registered with a CCD coupled in a spectrograph provided with diffraction gratings. The system performance was analyzed by exciting GdAlO3:Eu3+ 3.0 at.% with X-rays from a diffractometer and measuring the emission spectra. The system can be used to obtain precise and reliable spectroscopic properties of samples with various conformations without the loss of the required safety when dealing with ionizing radiations.

Keywords: X-ray phosphors; scintillators; spectroscopy.

INTRODUÇÃO

Cintiladores são materiais capazes de absorver radiações ionizantes (raios X, raios γ, feixes de elétrons, etc.) e convertê-las eficientemente em radiação UV-VIS. Por essa razão, são materiais ópticos que podem ser aplicados em detectores e dosímetros, sendo utilizados em áreas que vão da física de alta energia à tecnologia de imagem médica, da inspeção industrial a procedimentos de segurança em fronteiras e aeroportos.

A demanda por materiais cintiladores pode ser associada ao crescimento da ciência e tecnologia relacionadas ao uso de raios X e raios γ. Atualmente, há uma tendência de desenvolvimento de matrizes energéticas de grande variedade. Fontes limpas e renováveis são desejadas, no entanto, permanecem incipientes. O uso da energia nuclear está consolidado e, no Brasil, é obtida e manejada nas usinas de Angra I, II e futuramente (prevista para 2013) a usina de Angra III.1,2 Com isso, em todos esses empreendimentos, há a necessidade de desenvolvimento de dispositivos de dosimetria e detecção de radiações ionizantes.

A física de alta energia também se beneficia dos materiais cintiladores. Recentemente foi inaugurado o Large Hadron Colider (LHC), um enorme acelerador circular de partículas construído entre a França e a Suíça, no qual os primeiros feixes de partículas foram acelerados com sucesso em 10/9/2008.3 A colisão de partículas gera grande quantidade de raios X e, principalmente, raios γ facilmente detectados por materiais cintiladores. Em termos de ciência aplicada também deve ser lembrada a construção de telescópios para a detecção de radiações ionizantes provindas de outras partes do universo. Tanto as medidas no LHC, quanto as medidas telescópicas são essenciais para o entendimento da origem do universo e, consequentemente, da vida.

Outra aplicação que tem crescido fortemente é a utilização de equipamentos de inspeção em aeroportos e fronteiras. Equipamentos que utilizam raios X para a varredura de objetos de dimensões grandes e varredura de corpo inteiro em pessoas4 são necessários para manutenção de níveis de segurança em locais de grande movimento. A detecção ou geração de imagens internas é facilmente estendida para a inspeção industrial de cargas, como na triagem de alimentos produzidos em grandes quantidades, para a identificação de corpos estranhos (principalmente metálicos).

Umas das aplicações mais antigas dos cintiladores que se renova ano após ano são as telas intensificadoras, muito usadas em medicina e odontologia. Um termo mais geral utilizado para essa aplicação é "raios X planar", no qual imagens são criadas em um filme fotográfico. A luz emitida pelo cintilador impressiona o filme após a excitação por raios X. A primeira imagem produzida dessa maneira foi obtida por Roentgen, o descobridor dos raios X.

Junto com a tecnologia de raios X planar, podem ser citadas as tecnologias de imagem médica utilizadas em tomógrafos. Atualmente estas técnicas são ferramentas importantíssimas de diagnóstico, de modo que representaram uma mudança irreversível na prática médica.5 As principais modalidades são a tomografia computadorizada (TC) e a tomografia de emissão de pósitron (Positron Emission Tomograph - PET). Na primeira, podem ser geradas imagens 3D de tumores e outras lesões. A segunda geralmente complementa a primeira e funciona na detecção indireta de um tumor devido à marcação de um metabólito do tumor (fluordesoxiglicose) com um isótopo radioativo do flúor (18F). Durante seu decaimento, há emissão de pósitron que, ao encontrar um elétron, gera dois fótons de raios γ diametralmente opostos, os quais podem ser detectados por materiais cintiladores. Assim, a combinação de TC com PET gera um mapa espacial associado a um mapa metabólico do tumor, resultando num diagnóstico mais completo.6-8

Novas aplicações surgem com a descoberta de novos materiais. Na área dos materiais cintiladores, o desenvolvimento de novos materiais e o entendimento do fenômeno de cintilação pode ser dividido em três períodos.9 O primeiro refere-se à descoberta do fenômeno de cintilação e ao surgimento dos primeiros materiais com essa propriedade luminescente. Um dos exemplos clássicos é o tungstato de cálcio (CaWO4).10,11 O segundo período da história dos cintiladores começa com a descoberta da cintilação do naftaleno e de óxidos inorgânicos com eficiência de cintilação elevada, além da introdução de lantanídeos na composição dos cintiladores. Finalmente, as últimas duas décadas marcam o terceiro período que encerra o entendimento do fenômeno de cintilação e a busca por materiais com alta eficiência de cintilação.

Atualmente, a classificação dos materiais cintiladores está intimamente ligada à aplicação do material, que leva em conta a eficiência global de cintilação, representada em número de fótons emitidos pela quantidade de energia depositada no material (nº de fótons/MeV) e, principalmente, o tempo de vida da emissão desses materiais. De forma simplificada, os materiais podem ser descritos como lentos ou rápidos. O limiar para esta classificação está em tempo de vida de 10-6 s (µs). Cintiladores com tempos de vida de emissão de ordem maior que 10-6 s são considerados lentos, enquanto aqueles com tempos da ordem de e/ou inferiores a 10-6 s são classificados como rápidos.12-14

Em geral, os materiais cintiladores são utilizados na forma de partículas (bulk) em aplicações de inspeção, dosimetria e tecnologia de raios X planar. Na forma de cristais ou cerâmicas transparentes com elevado grau de orientação, têm aplicação em física de alta energia e tecnologia de imagem médica. Quanto à natureza do material, a maior parte dos compostos é de haletos de metais (alcalinos, alcalino-terrosos e lantanídeos) e óxidos metálicos inorgânicos nominalmente puros ou dopados. Exemplos importantes de cintiladores com essas composições são o NaI e CsI (nominalmente puros ou dopados com Tl3+), BaF2, CeF3, CaWO4, PbWO4, Gd2O3 e Gd2O2S (dopados com Ce3+, Pr3+, Eu3+ ou Tb3+) e Lu2SiO5:Ce3+, que abrangem praticamente todas as aplicações citadas.9,10,15,16

Nanopartículas desses materiais são uma tendência, não especificamente para os cintiladores, mas para a química de materiais em geral. Como partículas entre 1 e 100 nm oferecem diversas possibilidades de aplicação como pós compactados, filmes e compósitos, o estudo da conformação (controle da forma e tamanho) é importante para modelagem das propriedades estruturais e ópticas de materiais.17

Filmes finos também podem ser considerados como promissores para a aplicação em dispositivos cintiladores. Em relação a cristais, cerâmicas ou materiais particulados representam uma diminuição considerável da quantidade de material utilizada na produção de dispositivos mantendo praticamente as mesmas propriedades de bulk. Soma-se também a dificuldade de crescimento de cristais, de tal forma que o emprego de materiais nanoparticulados ou filmes pode resultar na redução de custos na fabricação de dispositivos.

Devido à variedade de composições, forma, tamanho e conformações pelas quais os materiais podem ser considerados cintiladores em potencial, a caracterização espectroscópica de suas propriedades de cintilação requer um sistema versátil de análise, de grande sensibilidade e que mantenha os requisitos de segurança devido ao uso de radiações ionizantes. Assim, o objetivo desse trabalho foi a construção de um sistema para obtenção de espectros de emissão de materiais em diversas conformações, tais como pós, cristais, cerâmicas, filmes e compósitos utilizando raios X como fonte de excitação e a análise de seu desempenho mediante diferentes condições experimentais de medida.

INSTRUMENTAÇÃO

O sistema de medidas de luminescência com excitação por raios X (Processo FAPESP n°. 2007/55332-7) foi montado para funcionar independentemente da fonte de excitação. Os detalhes dessa montagem estão representados na Figura 1. Para tal, um suporte central feito em alumínio anodizado foi montado sob medida (Microtube), sendo composto de um cilindro de 1 cm de diâmetro e 5 cm de comprimento. Uma das bases circulares do cilindro é utilizada para a entrada do feixe de raios X e na base oposta é acoplado um porta-amostras circular com concavidade também cilíndrica de volume aproximado de 0,020 cm3 (espessura = 0,10 cm x diâmetro = 0,50 cm) onde é colocada a amostra. A parte exterior do porta-amostras é recoberta por uma lâmina de chumbo de 0,10 cm de espessura. Uma saída lateral com encaixe padrão para feixe de fibra óptica foi introduzida no cilindro. Tomando como referência o plano que contém a amostra, a saída para a fibra óptica encerra um ângulo de 22,5° com o feixe de radiações ionizantes, possibilitando a aquisição de espectros em modo front face. Essa montagem é suportada por uma haste trapezoidal sobre uma base quadrada, que é acoplada ao trilho do difratômetro de raios X utilizado como fonte de excitação.


Para exemplificar as medidas de luminescência com excitação por raios X, aqui serão utilizados raios X de baixa energia (1-20 keV), provindos de um catodo de cobre de um difratômetro Rigaku (Modelo 4032, Processo FAPESP n°. 70/1195). Há ainda a possibilidade de utilização de raios X provenientes de catodo de molibdênio. Esse equipamento tem duas saídas diametralmente opostas para o feixe de raios X, nas quais originalmente podem ser acoplados acessórios para medidas cristalográficas. Em uma das janelas é acoplado o sistema central contendo o porta-amostras, enquanto que a outra pode ser reservada para verificação da dose de radiação recebida pela amostra. O tubo de raios X é envolto por um anteparo de madeira revestido por lâmina de chumbo de 0,10 cm de espessura.

A luminescência da amostra é coletada através de um feixe de fibra óptica UV-VIS (SR-OPT-8050, da RoMack Inc., com diâmetro de caroço de 100 µm) de 6,0 m de comprimento, que é conectada a um espectrômetro (Andor Shamrock 303i) contendo acessório roda de filtros com filtros ópticos (tipo cut-off) e um adaptador tipo X-Y ajustável para fibra óptica. O espectrógrafo é munido de uma torreta contendo três grades de difração com diferentes resoluções, isto é, 150, 600 e 2400 linhas/mm. O sinal é registrado em uma câmera CCD Andor Newton USB DU940N-BV de 2048 x 512 pixels.

A roda de filtro permite a disposição de até 6 filtros. Uma das disposições está sem filtro, permitindo a abrangência de toda a região da resposta espectral do instrumento (200-1000 nm), útil em medidas de cintilação, uma vez que não há transmissão de raios X através da fibra óptica e a câmera CCD não detecta fótons nessa faixa de energia. Nas demais disposições, estão posicionados 5 filtros ópticos tipo cut-off, fornecidos pela Andor Technology (300, 400, 450, 500 e 550 nm), úteis em medidas de luminescência com excitação UV-VIS.

O funcionamento do equipamento foi demonstrado pelas propriedades de cintilação do composto GdAlO3:Eu3+ 3,0 at.%. Detalhes sobre a preparação e a caracterização estrutural desse material, além das propriedades de luminescência com excitação por UV podem ser obtidas em Oliveira et al..18 O material foi submetido aos raios X de Cu (1-20 keV) gerados no difratômetro variando-se a potência nominal de entrada no tubo na faixa de 100-700 W. Os espectros de emissão foram registrados na região de 550-750 nm utilizando a grade de difração de 600 linhas/nm. Foi verificada a influência da abertura da fenda de entrada da luminescência na grade de difração variando-se esse parâmetro de 50-500 µm. Também foi verificada a influência do tempo de aquisição do sinal da cintilação na câmera CCD, utilizando intervalos de tempo curtos (na ordem dos milissegundos) e longo (vários minutos). Por último, verificou-se a estabilidade do sistema com medidas de cintilação em função do tempo de irradiação (tempo total de irradiação de 4 h).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A montagem do sistema de luminescência com excitação por raios X foi escolhida dessa forma para não se limitar exclusivamente a esta fonte de excitação. A cintilação se revela com outras fontes, tais como raios γ, feixes de partículas alfa, nêutrons e feixes de elétrons (catodoluminescência). Portanto, eventualmente, o sistema pode ser utilizado com outras fontes de excitação. Além disso, deve ser ressaltado que também podem ser utilizadas fontes UV (VUV e UV-próximo), lasers, possibilitando a realização de medidas de luminescência convencionais e de conversão ascendentes.

O sistema central (Figuras 1a e 1b) e o porta-amostras (Figura 1c) foram concebidos dessa maneira para modular o diâmetro do feixe de excitação e cobrir toda ou apenas uma região disponível para excitação da amostra. Além disso, com essas dimensões, o porta-amostras permite utilização de materiais em diversas conformações, tais como pós, cristais, cerâmicas, filmes, compósitos, dentre outras. A parte externa que encerra o porta-amostras é revestida por chumbo, a fim de atenuar o feixe de raios X para fora do sistema central. O alumínio pouco atenua componentes de 8-15 keV do feixe de raios X, podendo ocorrer transmissão das radiações ionizantes se a lâmina de chumbo não for utilizada. Também cabe ressaltar que a saída da fibra óptica é feita a 22,5° para evitar o componente importante de reflexão dos raios X a 45°, evitando a irradiação da mesma por radiações ionizantes.

A parte do sistema responsável pela excitação da amostra, isto é, sistema central que contém o porta-amostras e difratômetro, foi isolado pelo anteparo revestido de chumbo para evitar vazamentos da radiação ionizante, já que a utilização do tubo de raios X é adaptada da utilização original (medidas cristalográficas). A espessura do revestimento de chumbo foi determinada em 0,10 cm; quantidade suficiente para atenuar o feixe de raios X e garantir doses inferiores às máximas permitidas pelo Ministério da Saúde para trabalhadores nessa situação. Outro ponto de segurança importante é o tamanho da fibra. Com os 6,0 m de comprimento, pode-se garantir isolamento dos sistemas de excitação e detecção. Olhando para outras aplicações, a fibra óptica também permite utilização como sonda, sem as restrições de confinamento impostas por equipamentos análogos sem acessório (ver material suplementar).

As três grades de difração (150, 600 e 2400 linhas/nm) são importantes porque permitem registrar o espectro de emissão em regiões espectrais com intervalos e resoluções diferentes. A Tabela 1 apresenta a resolução de cada grade e o intervalo espectral de comprimentos de onda no qual podem ser utilizadas para a aquisição de espectros. As de menor resolução cobrem intervalos espectrais maiores e podem ser utilizadas para uma primeira análise do espectro de cintilação. Além disso, materiais diferentes possuem emissões em regiões diferentes do espectro, muitas vezes com espaçamento entre as bandas de mais de 300 nm, como nos casos de compostos dopados com Pr3+ e Tb3+,18-20 ou no completo registro de bandas largas, que possuem largura a meia altura (FWHM) elevadas,21,22 como no caso de compostos dopados com Mn2+, Ce3+ ou, ainda, emissões de matrizes, como CaWO4 e GdTaO4. Deste modo, é possível registrar todo o espectro simultaneamente e isso é importante porque o perfil espectral pode variar com a quantidade de energia depositada na amostra, já que a excitação é constituída por radiações ionizantes. A grade de maior resolução pode registrar variações do perfil espectral em intervalos inferiores a 0,01 nm. Essa característica é importante para verificar alterações de ambiente químico em torno de dopantes como Eu3+, que é considerado uma sonda estrutural espectroscópica.23,24 A região de resposta espectral total do instrumento, levando em conta todos os componentes ópticos (fibra, filtros, grades de difração e sistema CCD de detecção), abrange a região de 200 a 1000 nm. É importante destacar que o intervalo no qual as medidas são realizadas é determinado pela grade de difração utilizada, como mostrado na Tabela 1, e que esse intervalo deve estar contido na região de resposta espectral total, ou seja, entre 200 e 1000 nm. Para ilustrar o funcionando do equipamento, aqui será utilizada a grade de 600 linhas/nm (resolução de 0,07 nm).

O GdAlO3:Eu3+ 3,0% foi escolhido para demonstrar as funcionalidades do equipamento pois se trata de um material com potencial aplicação em dispositivos cintiladores. Análogos desse material (LnAlO3:Ce3+, Ln = Y,Lu) na forma de cristais já foram estudados por essa técnica,25 visando sua aplicação em tomografia de emissão de pósitron. Aqui o material se apresenta na forma de pó, constituído por partículas em torno de 50-100 nm de diâmetro. A cristalinidade do material é alta, com temperaturas de tratamento térmico de 1100 °C, a fim de minimizar as perdas de energia por vias não radiativas devido à recombinação de pares e--h+ durante o processo de absorção de radiações ionizantes. Mais detalhes sobre o mecanismo de cintilação podem ser encontrados na literatura.10,14

A variação da potência de entrada no tubo de raios X na cintilação é importante, pois indica a forma como a emissão varia com o número de fótons de raios X que chegam à amostra (energia total depositada no material) e indiretamente pela variação da energia de excitação, pois é possível variar a razão de intensidades dos tipos de raios X que atingem a amostra: raios X contínuos (bremstralung) e raios X característicos do tubo de raios X (Kα e Kβ do cobre).

Por outro lado, radiações ionizantes causam danos permanentes ao material, influenciando a luminescência. O controle do tempo de aquisição é essencial, pois estabelece limites para a obtenção de espectros precisos com tempos pequenos em relação ao tempo total de irradiação. Com relação à precisão com que o espectro é registrado, cabe ressaltar a importância da fenda de entrada do sinal de luminescência. Há um compromisso entre o tempo de aquisição e a fenda utilizada, por isso, a variação desse parâmetro justifica a obtenção de espectros com resolução alta e relação sinal-ruído elevada.

Finalmente, tempos de irradiação prolongados podem indicar a estabilidade da potência do feixe de raios X. O tempo de irradiação pode indicar efeitos de aquecimento da amostra, já que várias etapas do processo de cintilação são influenciadas pela temperatura10,26 e ainda pode definir parâmetros de variação da emissão do material com a energia depositada (radiation damage). 26

O espectro de emissão do GdAlO3:Eu3+ 3,0 at.% está representado na Figura 2. O espectro foi obtido com raios X de cobre (1-20 keV) com potência no tubo de raios X de 700 W. O tempo de aquisição para registro do espectro foi de 60 s, enquanto que a fenda foi fixada em 50 µm. Como se trata de um composto dopado com Eu3+, foram observadas as emissões características desse íon, a partir do nível emissor 5D0, isto é 5D07FJ (J = 0,1,2,3,4). No espectro, estas transições são atribuídas como (0-J). A transição (0-0) é observada, mas como possui intensidade inferior às demais, não foi atribuída na Figura 2. As transições (0-5) e (0-6) não foram observadas neste caso. Nas condições em que o espectro foi obtido, é possível observar com precisão os desdobramentos previstos para o nível 7FJ (isto é, 2J+1), em alguns casos com o número máximo de componentes, considerando apenas um sítio de simetria ocupado pelo íon Eu3+.18


A potência de entrada (W) no tubo de raios X pode ser controlada variando-se a corrente (mA) de elétrons que atinge o alvo de cobre e a diferença de potencial (kV) que acelera os elétrons em direção ao alvo e é dada pelo produto da corrente pela diferença de potencial. A resposta da cintilação em função da potência está representada na Figura 3a. Também estão representadas (Figura 3b) as bandas (0-2) do GdAlO3:Eu3+ 3,0 at.% (610-640 nm) nas várias potências utilizadas (100-700 W). Os espectros foram registrados nas mesmas condições utilizadas na Figura 2. A intensidade integrada da banda (0-2) varia linearmente com a potência, uma vez mantida a corrente ou a diferença de potencial constante. No entanto, a inclinação das retas difere em cada caso. Por exemplo, para uma mesma potência de entrada (700 W), a intensidade de emissão é maior para o produto 20 mA x 35 kV que para o produto 35 mA x 20 kV. Isso se deve à natureza do feixe de elétrons que colide com o alvo de Cu em cada caso. No primeiro (20 mA x 35 kV), tem-se uma corrente menor de elétrons com maior energia cinética, enquanto no segundo caso (35 mA x 20 kV) tem-se uma maior corrente de elétrons com menor energia cinética. O resultado desse fenômeno é que, apesar da potência nominal ser a mesma, o número de fótons de raios X real produzido é diferente em cada caso, resultando nas diferenças de intensidade observadas nas duas curvas da Figura 3a.


Nas medidas do espectro de cintilação variando-se o tempo de aquisição do espectro, apesar de apresentados espectros com tempo de aquisição mínimo de 60 s, é possível realizar medidas com tempo de aquisição tão curto quanto 10 µs. Os espectros têm pouco ganho na precisão com aumento desse parâmetro de 60 para 300 s (Figura 4), sendo possível observar pelo menos cinco componentes para a transição 5D07F2. É importante notar que as intensidades aumentam de uma medida para outra (60 → 300 s), mas os espectros foram representados no gráfico com deslocamentos no eixo Y. O tempo de 60 s para a coleta de dados de cintilação foi estipulado por fornecer espectros com relação sinal-ruído elevada, com possibilidade de atribuição precisa de bandas de emissão de íons como Eu3+ (bandas finas).


Em relação ao tempo de exposição da amostra ao feixe de radiações ionizantes, foi construído um gráfico da intensidade integrada da banda (0-2) em função do tempo de irradiação (Figura 5). Novamente foi utilizada potência de entrada no tubo de raios X de 700 W, tempo de aquisição de 60 s e fenda de 50 µm. Pode ser observado um decréscimo da emissão integrada em função do tempo de irradiação da amostra nos primeiros 60 min. Esse efeito releva perdas de energia na forma de calor, isto é, parte da energia depositada na amostra é perdida por fônons de rede, que induzem o aquecimento da amostra. Como vários processos envolvidos no mecanismo de cintilação são dependentes da temperatura,10 pode ocorrer extinção da luminescência pelo aquecimento da amostra. Some-se a isso a formação de defeitos que podem extinguir a luminescência pelo aprisionamento de pares e recombinação sem transferência de energia aos centros luminescentes. A linha tracejada ajustada aos pontos é uma curva exponencial de primeira ordem. Apesar de todos esses efeitos, pode-se notar que a fonte de raios X é estável, fornecendo as condições adequadas para a determinação dos efeitos de extinção da luminescência para tempos de exposição prolongados.


Finalmente, cabe ressaltar a importância da fenda na aquisição dos espectros (Figura 6). Neste teste a potência de entrada no tubo de raios X foi fixada em 700 W com tempo de aquisição de 60 s. A fenda foi variada de 50-500 µm. Os espectros obtidos foram representados no gráfico com deslocamentos nos eixos X e Y para facilitar a visualização dos desdobramentos. Como esperado, há um ganho na precisão com que as componentes da transição (0-2) são obtidas, mas, em geral, como a intensidade de emissão do composto para as condições de excitação estabelecidas é elevada, praticamente não há alteração dos espectros, sendo observadas pelo menos cinco componentes para a transição observada.


CONCLUSÕES

Neste trabalho foi apresentado um sistema para obtenção de espectros de luminescência com excitação por raios X (X-rays excited optical luminescence - XEOL). O equipamento é baseado na aquisição do sinal de cintilação por fibra óptica utilizando uma câmera CCD acoplada a um espectrômetro contendo um conjunto de grades de difração com diversas resoluções. Todo o aparato foi montado a partir de um porta-amostras, que pode ser estendido para medidas espectrais com outras fontes de excitação. Além disso, é patente a versatilidade do sistema, podendo ser utilizadas amostras com diversas conformações (pós, cerâmicas, cristais, filmes), sem perder os requisitos de segurança quando utilizadas fontes de excitação com radiações ionizantes. A eficiência do sistema para a obtenção dos espectros de cintilação foi demonstrada usando o composto GdAlO3:Eu3+ 3,0 at.% na forma de pó. A resposta do material frente à excitação de raios X foi testada em função de diversos parâmetros relacionados com a excitação e a emissão, tais como a potência de entrada no tubo de raios X, o tempo de irradiação da amostra com raios X, o tempo de aquisição do espectro e a fenda de entrada do sinal da cintilação.

MATERIAL SUPLEMENTAR

Está disponível em http://quimicanova.sbq.org.br, na forma de arquivo PDF, com acesso livre. As fotos da montagem do sistema para medidas de luminescência com excitação por raios X estão na Figura 1S, onde são apresentados os detalhes do encaixe do porta-amostras na fonte de raios X, os detalhes do posicionamento da fibra óptica no porta-amostras e o sistema de detecção (terminal da fibra óptica, ajuste X-Y, filtros ópticos, espectrógrafo e câmera CCD).

AGRADECIMENTOS

À FAPESP pelo apoio financeiro (Processo n°. 2007/55332-7). M. A. Cebim (FASPEP n°. 2008/08256-6) e H. H. S. Oliveira (FAPESP n°. 2008/07599-7) agradecem a bolsa concedida. Agradecemos também o apoio de H. Vasconcellos e R. G. Mendes (Instrutécnica), além de F. C. Polachini (Microtube). Finalmente exprimimos satisfação pelo apoio de M. Ruiz (Dep. de Bioquímica e Tecnologia Química, IQCAr, UNESP) pela disponibilidade e atenção despendida.

Recebido em 11/5/10; aceito em 4/12/10; publicado na web em 18/2/11

MATERIAL SUPLEMENTAR


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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Ago 2011
    • Data do Fascículo
      2011

    Histórico

    • Recebido
      11 Maio 2010
    • Aceito
      04 Dez 2010
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