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Quantificação sérica de vitamina C por CLAE-UV e estudo de estabilidade

Serum quantification of vitamin C by HPLC-UV and stability study

Resumo

Vitamin C, an exogenous antioxidant, is essential to human health. In this study, a method was validated to serum vitamin C quantification by HPLC-UV. Its stability with and without the use of tris [2-carboxy-ethyl] phosphine hydrochloride (TCEP), at -20 and -80 °C, in serum and supernatant were also evaluated. Analysis showed r² > 0.99, precision CV% < 15% and % bias < 15%, being linear, precise and accurate. The stability test revealed that using TCEP in serum storage at -20 and -80 °C or in supernatant at -80 °C the vitamin C levels remain stable for 30 and 12 days, respectively.

HPLC; vitamin C; stability


HPLC; vitamin C; stability

NOTA TÉCNICA

Quantificação sérica de vitamina C por CLAE-UV e estudo de estabilidade

Serum quantification of vitamin C by HPLC-UV and stability studY

Marília Baierle; André de Bairros; Ana Paula Moreira; Rachel Bulcão; Miguel Roehrs; Fernando de Freitas; Juliano Durgante; Natália Brucker; Mariele Charão; Solange Cristina Garcia* * e-mail: solange.garcia@ufrgs.br

Departamento de Análises, Faculdade de Farmácia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Av. Ipiranga, 2752, 90610-000 Porto Alegre - RS, Brasil

ABSTRACT

Vitamin C, an exogenous antioxidant, is essential to human health. In this study, a method was validated to serum vitamin C quantification by HPLC-UV. Its stability with and without the use of tris [2-carboxy-ethyl] phosphine hydrochloride (TCEP), at -20 and -80 °C, in serum and supernatant were also evaluated. Analysis showed r2 > 0.99, precision CV% < 15% and % bias < 15%, being linear, precise and accurate. The stability test revealed that using TCEP in serum storage at -20 and -80 °C or in supernatant at -80 °C the vitamin C levels remain stable for 30 and 12 days, respectively.

Keywords: HPLC; vitamin C; stability.

INTRODUÇÃO

A vitamina C (L-ácido ascórbico) é um dos nutrientes hidrossolúveis mais importantes da dieta humana,1 pois esta substância não é sintetizada pelo organismo do homem devido à ausência da enzima L-gulonolactona oxidase, a qual catalisa a etapa final da síntese de ácido ascórbico.2,3 Diante da incapacidade de síntese endógena de vitamina C, o organismo adquire esta substância através da dieta ou de suplementos vitamínicos.4-6

Os efeitos benéficos da vitamina C em humanos ocorrem devido a sua cofunção em processos enzimáticos7,8 e atividade antioxidante através da captura de ânions superóxido (-O2.) para formação do radical semideidroascorbato, o qual é reduzido pela glutationa reduzida (GSH).9,10 Já foi verificado que as concentrações de vitamina C no sangue são positivamente relacionadas à saúde, e inversamente com morbidade e mortalidade, pois esta vitamina está associada positivamente com os níveis de colesterol c-HDL11 e hemoglobina,5,7 além de contribuir com a regeneração da vitamina E oxidada, predizer o risco de acidente vascular cerebral,12 auxiliar na terapia da diálise13 e prevenir complicações gestacionais.14,15 Isso demonstra que a vitamina C pode ser um biomarcador tanto do estado de saúde, como também do status nutricional de um indivíduo.5,7,15-19 Entretanto, baixas ou elevadas concentrações desta vitamina no organismo apresentam ações oxidantes.20-22 Diante disso, a quantificação de níveis circulantes de vitamina C também é considerada um biomarcador do estresse oxidativo em humanos.18,23-26

Existem vários métodos para a quantificação dos níveis de vitamina C sanguíneos.27-32 Os métodos espectrofotométricos são baseados na derivatização da vitamina C ou no seu caráter redutor, apresentando como vantagens o seu baixo custo e rapidez de análise.33-35 Porém outras substâncias presentes em amostras biológicas, tais como íons de ferro ou cobre, açúcares ou ácido glicurônico, citrato e peróxido de hidrogênio, podem interferir significativamente na sua quantificação.36 Nesse sentido, o método padrão para quantificar a vitamina C é a cromatografia líquida de alta eficiência (CLAE), pois se trata de uma técnica mais sensível e específica que os métodos espectrofotométricos e não necessita de derivatização.32 Os principais detectores utilizados para quantificação desta vitamina são os detectores ultravioleta (UV) e eletroquímico (EC).8,16,32,37,38 A dosagem de vitamina C também pode ser realizada utilizando detectores de fluorescência ou, ainda, por espectrometria de massa, porém estes métodos não são muito difundidos devido ao alto custo da análise.32

Outro aspecto peculiar da vitamina C é a sua instabilidade. Em pH biológico, a principal forma desta substância é o ascorbato, o qual é rapidamente oxidado a de-hidroascorbato e, então, depletado no fluido biológico extracelular. A oxidação da vitamina C no plasma é influenciada pela temperatura, luz, pH, saturação de oxigênio, solventes e presença de enzimas oxidantes ou de íons ferro.8 Por isso, vários estudos indicam o uso de ditiotreitol (DTT),39 ácido meta-fosfórico (AMP),16,23 cisteína31 ou tris [2-carboxietil] hidrocloridrato de fosfina (TCEP)8,40 para evitar a oxidação da vitamina C ex vivo em amostras de sangue. Neste sentido, Lykkesfeldt40 demonstrou que o TCEP mantém os níveis de vitamina C em pH ácido melhor do que o DTT.

Portanto, o objetivo do presente estudo foi validar um método simples e rápido para a quantificação sérica de vitamina C através de cromatografia líquida de alta eficiência (CLAE) utilizando coluna de fase reversa com detecção ultravioleta (UV) e usando TCEP como agente redutor. Além disso, foi avaliada também a sua estabilidade em soro a -20 e -80 °C no decorrer de 30 dias, com e sem o uso de TCEP.

PARTE EXPERIMENTAL

Materiais e reagentes

L-ácido ascórbico, fosfato de sódio di-hidrogênio (NaH2PO4), azida sódica (NaN3), 2,4-dinitrofenil-hidrazina (DNPH), ácido perclórico (HClO4) e hidróxido de sódio (NaOH) foram adquiridos da Vetec® (Rio de Janeiro, RJ, Brasil). Tris [2-carboxietil] hidrocloridrato de fosfina (TCEP) foi adquirido da Sigma-Aldrich (St. Louis, MO, USA). Filtro de acetato de celulose 0,22 micra foi adquirido da Sartorius® (Alemanha). Soluções aquosas foram preparadas empregando água purificada através do sistema Milli-Q (Millipore, Bedford, MA, USA). Todos os demais reagentes utilizados foram de grau analítico.

Condições cromatográficas

O sistema de cromatografia líquida consistiu de uma bomba modelo K 1001, com injetor manual e amostrador de volume fixo de 20 µL, um degasser online modelo K 5004 e um detector UV/VIS modelo K 2501, Knauer® (Alemanha).

A separação cromatográfica foi realizada utilizando coluna de fase reversa C18 Eurospher-100® 250 x 4,6 mm com poro de 5 µm de diâmetro de partícula e pré-coluna Eurospher-100®, 5 x 4 mm, 5 µm de diâmetro de partícula. O controle cromatográfico e o processamento dos dados foram realizados usando o programa Eurochrom 2000 Software®, edição básica 2.05 para Windows, Knauer® (Alemanha).

A fase móvel contendo 25 mM de NaH2PO4 e 0,00125% de NaN3 foi ajustada a pH 2,5 com ácido orto-fosfórico e filtrada através de um filtro de 0,22 micra sob vácuo, previamente à sua utilização na cromatografia. As análises foram realizadas em temperatura ambiente, com fluxo de 1 mL/min, sendo a absorbância monitorada a 245 nm.

Soluções

As soluções de vitamina C e a curva de calibração foram preparadas diariamente com água purificada, sempre ao abrigo da luz. O TCEP foi diluído a 9% em água milli-Q e utilizado em todas as soluções. A solução estoque de vitamina C apresentava uma concentração de 1 g L-1 com adição de 10 µL de TCEP 9% em um balão de 50 mL. A partir desta solução, foi feita uma solução de trabalho de vitamina C com concentração final de 20 mg L-1, contendo também 10 µL de TCEP 9%.

A curva de calibração aquosa foi preparada em balões volumétricos de 5 mL com concentrações de 2, 4, 8, 16 e 20 mg L-1 de vitamina C, na qual todos os pontos receberam 10 µL de TCEP 9%. Posteriormente, 100 µL de cada ponto foram transferidos para o seu respectivo eppendorf âmbar contendo 10 µL de TCEP 9%. A análise foi feita em duplicata. O conteúdo dos eppendorfs foi homogenizado em vórtex por 10 s e, em seguida, incubados no gelo em ambiente escuro por 15 min.

Após esse período, as alíquotas de cada ponto da curva receberam 100 µL de uma solução de ácido perclórico 10% (v/v), que também continha em sua composição 10 µL de TCEP a 9%; todos os pontos foram novamente homogeneizados por 10 s e mantidos no banho de gelo até sua injeção no cromatógrafo (CLAE-UV).

Preparo das amostras

Amostras de sangue coletadas por venopunção em tubos Vacutainer® sem anticoagulante foram imediatamente centrifugadas a 1500 g por 10 min em uma centrífuga refrigerada a 4 °C (Minifuge Heraus®, Alemanha), sendo 100 µL de soro posteriormente separados em eppendorfs âmbar já contendo uma alíquota de 10 µL de TCEP 9%, em duplicata. Essa etapa foi realizada em ambiente parcialmente escuro, assim como todo o procedimento de análise da vitamina C. Em seguida, procedeu-se à homogeneização em vórtex por 10 s e os eppendorfs permaneceram em banho de gelo por 15 min. Então, para a desproteinização da amostra, foram adicionados em cada eppendorf 100 µL de ácido perclórico 10% (1:1), mantido em banho de gelo e, após ser realizada nova homogeneização em vórtex por 10 s, o material foi centrifugado por 4 min a 2800 g em uma centrífuga de eppendorfs (HT Centrifuge®, Taiwan). O sobrenadante foi separado e 20 µL foram injetados diretamente no sistema de CLAE, ou mantidos por até 2 h em banho de gelo ao abrigo da luz, até o momento da injeção no cromatógrafo.

Curvas de calibração com adição de padrão no soro

Curvas de calibração com adição de padrão foram preparadas com pool de soro humano, sendo a concentração de vitamina C encontrada no soro sem adição de padrão quantificada como nível basal. Soluções padrões foram feitas partindo-se de uma solução de trabalho de vitamina C com concentração de 250 mg L-1. Todos os pontos foram feitos em balões volumétricos (5 mL) nas seguintes concentrações: 20, 40, 80, 160 e 200 mg L-1, visto que houve uma diluição do padrão com o soro (1:10) resultando em concentrações finais de 2, 4, 8, 16 e 20 mg L-1em um volume final de 100 µL. A partir daí, procedeu-se como descrito no preparo das amostras.

Validação do método

Linearidade

A linearidade corresponde à capacidade do método em mostrar que os resultados são diretamente proporcionais às concentrações do analito na amostra, dentro de um intervalo.41 Para isso foram utilizadas 5 curvas analíticas aquosas de vitamina C com antioxidante TCEP nas concentrações 2, 4, 8, 16 e 20 mg L-1 e 5 curvas analíticas de soro com adição de padrão nas mesmas condições. O soro sem adição de vitamina C foi considerado como basal. As curvas foram preparadas em 5 dias diferentes, com pool de soro e a linearidade foi avaliada através da equação da reta e do coeficiente de regressão (r2) das curvas, o qual deve ser superior a 0,98.41,42

Precisão e exatidão

A precisão do método é determinada pelo grau onde múltiplas injeções de padrões se assemelham e a exatidão é o grau para o qual os resultados gerais se aproximam do valor real, podendo ser obtida pela relação entre a concentração média determinada experimentalmente e a concentração teórica correspondente.41,42 A exatidão e as precisões intra e interdia foram determinadas em 5 dias diferentes através da análise em triplicata de pool de soro com adição de vitamina C em concentrações na faixa de 2 a 20 mg L-1. As precisões intra e interdia foram calculadas através do coeficiente de variação (CV%) das áreas relativas obtidas, já a exatidão foi expressa pela tendenciosidade (% bias).

Recuperação

A recuperação foi relatada como a eficiência da desproteinização sem perdas do analito, sendo os resultados expressos em porcentagem. A recuperação foi guiada pela relação entre as áreas dos picos de replicatas de soro com adição de vitamina C (2-20 mg L-1) e as respectivas áreas de padrões aquosos.

Sensibilidade

O limite de detecção (LD) representa a menor concentração do analito que pode ser detectada, mas não necessariamente quantificada, já o limite de quantificação (LQ) representa a menor concentração do analito que pode ser medida, utilizando-se um determinado método analítico.41,42 Neste estudo, LD e LQ foram calculados com base em uma relação sinal-ruído de 3:1 e 10:1, respectivamente.42

Robustez

A robustez de um método mede a sua sensibilidade diante de pequenas variações;41,42 foi testada pela variação de parâmetros como analista, fluxo e uso de padrões de vitamina C de diferentes marcas.

Estabilidade

A estabilidade da vitamina C pelo método cromatográfico foi avaliada em pool de soro. Para isso, parte do soro foi separada em alíquotas de 100 µL em duplicatas com e sem adição de 10 µL de TCEP como antioxidante. Então, estas alíquotas foram previamente desproteinizadas com a adição de 100 µL de HClO4 10% (1:1) e homogeneização em vórtex por 10 s. Após esta etapa, os eppendorffs foram centrifugados por 4 min a 2800 g. O sobrenadante foi então separado e armazenado em um novo eppendorf âmbar para cada dia de análise. Outra parte do soro, aliquotada com e sem adição de 10 µL de TCEP, não foi previamente desproteinizada, sofrendo este procedimento apenas no dia de cada análise. A estabilidade foi avaliada imediatamente após a coleta (dia 0), 1 dia após (dia 1), 3 dias após (dia 2), 6 dias após (dia 6), 9 dias após (dia 9), 12 dias após (dia 12) e 30 dias após a coleta (dia 30). O material preparado nas diferentes condições descritas acima foi armazenado à -20 e à -80 °C, sendo descongelado somente momentos antes da injeção no sistema cromatográfico.

Análise estatística

A análise estatística foi realizada pelo software Statistica® 6.0 através de teste t de Student, sendo que valores de p < 0,05 foram considerados significativos. Os resultados foram expressos como média ± desvio padrão. Além disso, amostras com variação máxima de 15% foram consideradas estáveis, de acordo com a ANVISA.42

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A quantificação de vitamina C sérica é de interesse clínico, pois alterações em seus níveis podem refletir o acesso desta biomolécula aos tecidos.8,43 Além disso, é sabido que a vitamina C sérica é considerada um biomarcador do estresse oxidativo com suas concentrações alteradas em um grande número de patologias, tais como doença de Alzheimer e outras desordens neurológicas, especialmente aquelas relacionadas à cognição.12,18,24,44

A separação cromatográfica de vitamina C sérica foi satisfatória com a fase móvel contendo 25 mM de NaH2PO4 e 0,00125% de NaN3, pois apresentou uma boa separação em relação a outros componentes do soro como ácido úrico. Um típico cromatograma da quantificação de Vitamina C em nível basal de uma amostra de soro é mostrado na Figura 1. O tempo de retenção para vitamina C foi de 5,7 min e o tempo total de corrida cromatográfica foi de 18 min, devido ao ácido úrico que tem um tempo de retenção de 15 min, cujo pico é mostrado também na Figura 1. O método não apresentou interferências no tempo de retenção da vitamina C quando se compararam as análises de padrões aquosos com análises de pool de soro, além disso, os picos cromatográficos apresentaram-se simétricos e com excelente resolução da linha de base.


A equação da reta obtida para curvas com adição de padrão no soro (n=5) foi y = 0,6338x - 0,122 e para curvas aquosas (n=5) y = 0,597x - 0,0146, e os coeficientes de regressão (r2) foram 0,9989 e 0,9998 para as curvas com adição e aquosa, respectivamente. As curvas analíticas mostraram excelente linearidade e paralelismo no intervalo de concentração de 2-20 mg L-1, incluindo toda a faixa de concentração provável de vitamina C em um indivíduo, com um coeficiente de correlação > 0,995, estando de acordo com a literatura.41,42 Neste sentido, as curvas de soro com adição de padrão e aquosa apresentaram comportamento semelhante, o que indica que é possível determinar este analito sem a necessidade de matriz para eliminar prováveis resultados falso-positivos na sua quantificação.

As precisões intra e interdia (expressa por % coeficiente de variação) e a exatidão (% bias) estão representadas na Tabela 1. A precisão intradia foi menor que 7% e a precisão interdia de todas as concentrações foi menor que 15%. A exatidão expressa pela tendenciosidade apresentou valores satisfatórios segundo a literatura, inferiores a ± 15%.41,42 Como pode ser visto ainda na Tabela 1, a análise de recuperação demonstrou que a vitamina C foi preservada durante todos os procedimentos de pré-tratamento da amostra, pois os valores encontrados estão dentro da faixa preconizada que é de 100 ± 15%.41,42

O limite de detecção (LD) encontrado foi de 0,51 mg L-1 e o limite de quantificação (LQ) foi de 1,71 mg L-1. Os valores de referência para a vitamina C no soro variam de 6 a 16 mg L-1, concentrações na faixa de 2 a 6 mg L-1 indicam deficiência moderada e abaixo de 2 mg L-1 representam uma deficiência grave,45,46 sendo assim o limite de quantificação (LQ) do presente método mostrou-se adequado à análise de vitamina C nas amostras de soro.

O método mostrou ser robusto frente a diferentes condições como analista e uso de padrões de vitamina C de diferentes marcas. O fluxo variou de 0,9 a 1,1 mL/min e os resultados mostraram que quanto maior o fluxo, menor é o tempo de corrida, sem perda da vitamina.

Os parâmetros de especificidade, sensibilidade, linearidade, precisão e exatidão obtidos permitem a utilização do método analítico desenvolvido para quantificação de vitamina C em amostras de soro, o qual não incluiu o uso de solventes orgânicos como fase móvel, sendo esta composta apenas por NaH2PO4 e NaN3, tornando o método mais barato. O emprego de água e metanol na solução de limpeza previne danos no sistema cromatográfico após o trabalho. Além disso, de acordo com os resultados encontrados, apenas a desproteinização com ácido perclórico 10% é suficiente como tratamento pré-analítico, não sendo necessário o uso de solventes orgânicos ou outras etapas de extração, o que poderia aumentar o custo da análise e/ou prejudicar a quantificação de vitamina C.

A estabilidade da vitamina C é um problema chave na análise desta biomolécula, pois vários fatores atuam negativamente sobre a mesma, como luz, calor, pH elevado, presença de oxigênio ou íons metálicos, por isso é necessário diminuir a influência destas variáveis ao mínimo.32

A análise da estabilidade em amostras armazenadas a -20 °C, com e sem o antioxidante TCEP, previamente desproteinizadas (sobrenadante) e desproteinizadas somente antes da injeção cromatográfica (soro) pode ser vista na Figura 1S (material suplementar). Os resultados mostraram que houve diferença significativa entre as concentrações de vitamina C das amostras com e sem TCEP (p<0,05), sendo que as amostras sem TCEP não apresentaram quantidades quantificáveis no 30º dia, último dia de análise, o que indica a necessidade de antioxidante para evitar a queda brusca nos níveis de vitamina C, como descrito em outros trabalhos.8,40,47 Além disso, quando armazenado com TCEP, o soro demonstrou ser favoravelmente mais estável que o sobrenadante (p<0,05), mantendo sua concentração por 30 dias (variação < 15%) a -20 °C, resultado contrário às amostras armazenadas sem TCEP, as quais não se mostraram estáveis nem por 24 h (variação > 15% na área do pico já no 1º dia).

Na Figura 2 são apresentados os resultados da estabilidade em soro e em sobrenadante armazenados a -80 °C, ao longo de 30 dias. Mais uma vez foram encontradas diferenças significativas entre os níveis de vitamina C das amostras armazenadas com e sem TCEP (p<0,05).


As amostras sem TCEP apresentaram uma queda constante ao longo das análises realizadas em 30 dias, sendo que o soro não se mostrou estável e o sobrenadante permaneceu estável por somente 24 h (variação < 15%).

A adição de TCEP evitou a diminuição dos níveis de vitamina C, mantendo a concentração do analito no soro íntegro por todos os dias em que houve análise. Lykkesfeldt40 já havia demonstrado que TCEP mantém os níveis de vitamina C em baixo pH. Já o sobrenadante foi estável até o 12º dia (variação < 15%), ou seja, apenas após esse dia é que houve diferença estatística entre o soro e o sobrenadante.

Em resumo, com o uso de TCEP a concentração inicial de vitamina C em pool de soro encontrada imediatamente após a coleta foi de 4,04 ± 1,02 mg L-1, enquanto que após 30 dias, armazenado a -80 ºC, foi de 4,01 ± 0,38 mg L-1 e armazenado a -20 °C foi de 4,64 ± 0,11 mg L-1, confirmando a necessidade de antioxidante em ambas as temperaturas de armazenamento.

Alguns estudos já demonstraram que a prévia desproteinização da amostra biológica e posterior armazenamento, com a presença ou ausência de algum antioxidante, garantia uma relativa estabilidade da vitamina C,8,17,32 porém, os resultados encontrados aqui para o sobrenadante (soro previamente desproteinizado) demonstraram um comportamento similar ao soro sem desproteinização prévia somente na presença de TCEP e temperatura de armazenamento de -80 °C e, ainda assim foi estável por um número menor de dias se comparado ao soro. Já na ausência de TCEP, e também nas análises das amostras armazenadas a -20 ºC, a prévia desproteinização não favoreceu a estabilidade, não apresentando nenhuma vantagem. Conforme o exposto, a estabilidade da vitamina C parece estar relacionada à temperatura de armazenamento, ou seja, ela aumenta à medida que a temperatura diminui.48

Diante disso, foi possível verificar que as melhores condições de armazenamento de amostras para posterior quantificação de vitamina C por CLAE foram o soro com adição de TCEP tanto a -20 quanto a -80 °C. No entanto, ainda são necessários mais estudos relacionados à estabilidade da vitamina C em diferentes temperaturas e condições, uma vez que este analito pode ser afetado por diversos fatores, como mencionado anteriormente.

CONCLUSÃO

O presente método de quantificação de vitamina C por CLAE em material biológico mostrou excelente sensibilidade analítica, especificidade, precisão, recuperação e linearidade havendo suficiente separação da vitamina C dos demais constituintes do soro, ou seja, todos os parâmetros avaliados estão de acordo com as recomendações internacionais e com a legislação vigente no país.41,42

Em relação à estabilidade da vitamina C, conclui-se que é dependente da temperatura de armazenamento, porém se houver adição de TCEP 9% ao soro logo após a coleta, este pode ser armazenado tanto a -20 quanto a -80 °C, mantendo-se as concentrações ao longo de 30 dias. Isto demonstra que há necessidade de antioxidante para quantificação desta vitamina no soro sem a necessidade de prévia desproteinização para armazenamento da amostra. Enfim, o método proposto é simples, de baixo custo quando comparado a outros métodos por CLAE e aplicável à rotina laboratorial. Por outro lado, pode-se sugerir ainda que para trabalhos científicos utilizando amostras de soro de animais de laboratório onde a coleta é, normalmente, no mesmo período para todos os animais, o soro ou sobrenadante poderiam ser utilizados com pequenas perdas, mas praticamente constantes, até 30 dias, se mantidas a -80°C.

MATERIAL SUPLEMENTAR

O material suplementar, disponível gratuitamente na forma de arquivo PDF em http://quimicanova.sbq.org.br, apresenta a Figura 1S. Estabilidade da vitamina C em soro* e em sobrenadante armazenados a temperatura de -20 °C, com e sem adição do antioxidante TCEP, mostrada em dias. *As amostras de soro congeladas foram desproteinizadas somente no momento da quantificação cromatográfica.

AGRADECIMENTOS

À CAPES/DAAD (PROBRAL 352/10) e ao CNPq - Edital Universal 2009 (concedida à S. C. Garcia) pelo apoio financeiro. Ao CNPq pela bolsa de doutorado (cota do pesquisador) concedida à M. Baierle e pela bolsa de pesquisadora concedida à S. C. Garcia.

Recebido em 13/4/11; aceito em 4/7/11; publicado na web em 19/8/11

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Abr 2012
    • Data do Fascículo
      2012

    Histórico

    • Recebido
      13 Abr 2011
    • Aceito
      04 Jul 2011
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