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Hidróxidos duplos lamelares à base de escória de alto forno

Layered double hydroxides produced from blast furnace slag

Resumo

Hydrotalcite like compounds (HT) were prepared by co-precipitation (Mg/Al = 3.5), using an acid solution with blast furnace slag and MgCl2.6H2O and aqueous solutions of NaOH. The following synthesis variables were investigated: temperature (30 and 45 ºC) and pH (9 and 12). Depending of the temperature two systems were observed: Mg-Al-CO3 (T = 30 ºC); Mg-Al-Cl-CO3 (T = 45 ºC). An increase in the pH of synthesis and Mg2+ concentration produced HTs well-crystallized and with greater values of all cell parameters. The study showed the potentiality of BFS in the synthesis of well-crystallized LDHs without the presence of other crystalline phases.

blast furnace slag; layered double hydroxides (LDHs); syntheses


blast furnace slag; layered double hydroxides (LDHs); syntheses

ARTIGO

Hidróxidos duplos lamelares à base de escória de alto forno

Layered double hydroxides produced from blast furnace slag

Monaliza Maia Rebelo* * e-mail: monalizamaia@yahoo.com.br ; Márcia Valéria Porto de Oliveira Cunha; José Augusto Martins Corrêa

Instituto de Geociências, Universidade Federal do Pará, Av. Augusto Corrêa, 1, 66075-110 Belém – PA, Brasil

ABSTRACT

Hydrotalcite like compounds (HT) were prepared by co-precipitation (Mg/Al = 3.5), using an acid solution with blast furnace slag and MgCl2.6H2O and aqueous solutions of NaOH. The following synthesis variables were investigated: temperature (30 and 45 ºC) and pH (9 and 12). Depending of the temperature two systems were observed: Mg-Al-CO3 (T = 30 ºC); Mg-Al-Cl-CO3 (T = 45 ºC). An increase in the pH of synthesis and Mg2+ concentration produced HTs well-crystallized and with greater values of all cell parameters. The study showed the potentiality of BFS in the synthesis of well-crystallized LDHs without the presence of other crystalline phases.

Keyords: blast furnace slag; layered double hydroxides (LDHs); syntheses.

INTRODUÇÃO

A atual situação em torno da disposição de resíduos industriais tornou-se uma séria preocupação que ameaça o meio ambiente, a saúde e a qualidade de vida. Quando os resíduos industriais são dispostos de maneira inadequada, causam graves problemas ambientais como contaminação das águas subterrâneas por lixiviação de metais tóxicos e emissões de material particulado para áreas vizinhas. A reciclagem de resíduos mostra-se como uma alternativa capaz de minimizar os impactos ambientais negativos decorrentes do processo produtivo.1

A produção de aço gera uma série de resíduos industriais. Entre os vários tipos de resíduos, a escória de alto forno (EAF) tem atraído muita atenção, já que a sua produção ultrapassa a de qualquer outro resíduo.1 A indústria do aço no Brasil, representada por 14 empresas privadas, foi responsável pela produção, em 2010, de 32,9 milhões de toneladas de aço bruto, levando o país a ocupar a 9ª posição no ranking da produção mundial.2 De acordo com análises do Instituto Aço Brasil, a produção acumulada de janeiro a novembro de 2011 totalizou 34,9 milhões de toneladas de aço bruto e 27,3 milhões de toneladas de ferro-gusa, o que representa, em média, um volume total de 13,4 milhões de toneladas de escórias, oriundas do alto forno e da aciaria.2

A EAF é formada pela mistura entre a ganga do minério de ferro com as cinzas do coque ou carvão vegetal e do calcário, utilizado como fundente no processo de fabricação do ferro-gusa.3 Sua composição química é majoritariamente Ca, Si, Al e Mg, bem como uma pequena quantidade de Fe, Ti e Mn.3-5 O tamanho de suas partículas e estrutura variam em função da velocidade de resfriamento da EAF na água ou no ar. Ao ser resfriada bruscamente, a EAF adquire estrutura vítrea e forma granular, apresentando propriedades hidráulicas latentes; mas, se o processo empregado for o resfriamento lento, a escória cristaliza, formando um produto sem atividade hidráulica, constituído por silicatos e aluminossilicatos cálcicos. Nas escórias básicas (CaO/SiO2 > 1) há predominância de melilitas (akermanita e gehlenita) e merwinita, enquanto que nas ácidas (CaO/SiO2 < 1) ocorre principalmente wollastonita e anortita.4,6,7

A EAF é um material nobre por suas características físico-químicas que, moída a uma granulometria adequada e com adição de ativadores, adquire propriedades aglomerantes.6 A EAF tem sido reciclada principalmente como cimento hidráulico, concreto, agregado e materiais de pavimentação em trabalhos de engenharia civil.8,9 No entanto, a produção de ferro e, consequentemente, de EAF aumentou em todo o mundo, de tal forma que o volume de EAF produzido, em breve, ultrapassará a demanda e o consumo. É essencial, portanto, o contínuo desenvolvimento de processos de reciclagem de EAF novos e avançados.

O uso da EAF como produto de partida para a síntese de HDLs deve-se às suas características químicas, especialmente à presença de metais di e trivalentes, em particular o alumínio.

Os HDLs, também conhecidos como compostos do tipo hidrotalcita, possuem uma fórmula geral que é representada por M2+(1-x)M3+x(OH)2(Am-)x/m∙nH2O (abreviado como M2+-M3+-Am-), onde M2+ e M3+ são íons metálicos di e trivalentes, respectivamente, Am- é um ânion intercalado, x é a fração molar do cátion M3+ [x = M3+/(M2++M3+)] e n é o número de moléculas de água.10,11 São compostos que apresentam características estruturais onde cátions metálicos, geralmente, di e trivalentes, ocupam o interior de octaedros e estão ligados com íons hidroxila nos seus vértices, organizados em uma estrutura semelhante à da brucita (Mg(OH)2). Quando cátions divalentes são isomorficamente substituídos por trivalentes, gera-se um excesso de cargas positivas nas lamelas que é compensado por ânions interlamelares e moléculas de água.12

Os HDLs vêm recebendo uma crescente atenção por possuírem uma ampla variedade de aplicações, no campo ambiental, medicinal13-15 e na indústria de catálise,16-18 devido a sua: capacidade de troca aniônica; facilidade de acomodação de cátions metálicos na lamela e, elevada basicidade das lamelas superficiais.

A ocorrência natural dos HDLs é bastante limitada. Contudo, sua produção via síntese química pode ser alcançada em laboratório por rotas simples e de baixo custo, o que permite a obtenção de sólidos com elevada pureza de fase e com alto grau de ordem estrutural, com as mais variadas propriedades, ajustadas de acordo com a finalidade desejada. Apesar da expressividade em números de patentes e artigos científicos publicados sobre aplicações de EAF e sobre síntese de HDLs, não se encontra registro algum quanto à aplicação de EAF, como matéria-prima, para a preparação de HDLs com estruturas semelhantes à da hidrotalcita (Mg-Al-CO3).

Kuwahara et al.1 sintetizaram HDLs tipo hidrocalumita (Ca-Al-Cl), usando uma etapa de lixiviação ácida a partir da EAF, seguida de coprecipitação com hidróxido de sódio a 100 ºC. Seu produto de síntese mostrou unicamente a presença de hidrocalumita como fase cristalina, cujo grau de ordem estrutural foi maior na medida em que o pH e a temperatura de síntese foram elevados. As melhores condições de síntese para a formação de hidrocalumita foram pH (11,5), razão molar Ca/Al = 2,03 e principalmente temperatura (100 ºC). Foram também observadas quantidades de outros cátions metálicos (Mg, Fe, Mn, Ti, Si) na estrutura das hidrocalumitas.

Na patente de Hayaji et al.,19 os HDLs tipo hidrotalcita (Mg-Al-CO3) foram sintetizados a partir de escórias de alumínio e resíduo de cloreto de magnésio líquido. A escória de alumínio foi submetida a um processo de dissolução em diferentes ácidos (HCl, HNO3, H2SO4 e água régia) à temperatura ambiente. As hidrotalcitas foram formadas em pH = 10,5 constante, numa razão molar Mg/Al = 2,5, por gotejamento simultâneo das soluções dos cátions e de NaOH sobre a solução aquosa de Na2CO3.

Com base na composição química da EAF e considerando a estequiometria dos HDLs, este trabalho teve como objetivo sintetizar materiais tipo hidrotalcita sem a presença de outras fases cristalinas, por meio da coprecipitação a pH crescente. Para isso, utilizou-se somente NaOH como agente precipitante. A EAF foi digerida em ácido clorídrico (HCl) e a solução obtida foi misturada com quantidades suficientes de MgCl2.6H2O para estabelecer a razão molar Mg/Al = 3,5. Foram investigados os efeitos da temperatura e do pH de síntese nas características dos HDLs.

PARTE EXPERIMENTAL

Fontes de Al, Mg, Cl e CO3

Como fonte dos elementos utilizados na síntese dos HDLs tipo hidrotalcita foi utilizada escória de alto forno, proveniente de uma siderúrgica da cidade de Marabá/PA (Al, Mg) e reagentes de pureza analítica (MgCl2.6H2O, NaOH, HCl).

Processo de síntese

A EAF foi pulverizada em um moinho de almofariz, marca Retsch modelo RMO 30903, e em seguida digerida em ácido clorídrico (HCl) e filtrada a vácuo. O resíduo da digestão foi lavado com água deionizada e caracterizado por difração e fluorescência de raios X. A solução ácida obtida foi codificada como solução de EAF e usada para a síntese de HDLs.

OS HDLs foram preparados por coprecipitação a pH crescente.20 Foram preparadas duas soluções. A primeira, (solução A), composta da mistura entre a solução de EAF e MgCl2.6H2O, com valor teórico da razão molar Mg/Al igual a 3,5; a segunda, (solução B), composta somente por NaOH em meio aquoso.

O experimento consistiu em misturar as soluções A e B, sob vigorosa agitação. Utilizou-se um peagâmetro digital, marca Schott modelo Handylab 1, para medir o valor de pH final desejado. A suspensão formada foi agitada por mais 4 h e, em seguida, o gel de síntese foi submetido a um tratamento hidrotérmico a 100 ºC por 19 h, seguido de filtração, lavagem com água deionizada até atingir pH neutro e secagem a 100 ºC durante 12 h. Para estudar o processo de formação dos HDLs investigou-se o efeito da temperatura de síntese (30 e 45 ºC) e do pH final de síntese (9 e 12).

Caracterização dos materiais

A EAF teve a sua composição química e mineralógica determinada por fluorescência e difração de raios X. Os HDLs foram caracterizados por difração de raios X, método do pó – XRPD, espectrometria de energia dispersiva de raios X – EDS, microscopia eletrônica de varredura – MEV e espectroscopia vibracional na região do infravermelho – EIV. Os HDLs foram codificados com as iniciais da escória de alto forno (EAF) e do hidróxido duplo lamelar (HDL) e pelos valores de temperatura (T) e pH de síntese (pH), como: EAF-HDL-T-pH.

Fluorescência de raios X

A composição química da EAF foi determinada por fluorescência de raios X (FRX), utilizando-se um espectrômetro sequencial Axios Minerals, tubo de raios X cerâmico anodo de Rh de 2,4 kW, PANalytical. As concentrações dos elementos foram estabelecidas através do programa IQ+ Semiquant. A aquisição de dados foi feita com o software SuperQ Manager e o tratamento dos dados com o software IQ+, também da PANalytical, sendo o resultado normalizado para 100%.

Difração de raios X

As análises mineralógicas foram realizadas por difratometria de raios X, método do pó (XRPD). Utilizou-se um difratômetro, marca PANalytical modelo X'PERT PRO MPD (PW 3040/60), com goniômetro PW 3050/60 (Theta/Theta), modelo PW 3373/00, foco fino longo, 2200 W, 60 Kv e com tubo de raios X cerâmico de anodo de Cu (Kα1 1,540598 Å). A aquisição de dados dos registros foi obtida com o software X'Pert Data Colletor, versão 2.1a, e o tratamento dos dados com o software X'Pert HighScore, versão 2.1b, também da PANalytical. Os registros foram realizados no intervalo de 5 a 75 º2θ.

Microscopia eletrônica de varredura (MEV)

A morfologia das partículas e o tamanho dos cristais foram determinados por microscopia eletrônica de varredura (MEV), usando um equipamento modelo LEO-1430. As condições de análises para imagens de elétrons secundários foram: corrente do feixe de elétrons de 90 µA, voltagem de aceleração constante de 10 Kv e distância de trabalho de 12-15 mm. As amostras foram previamente metalizadas com uma fina camada de ouro ou platina. Concomitante às análises de MEV, foi determinada a proporção entre cátions metálicos, mais especificamente Mg2+:Al3+, através da microanálise por espectrometria de dispersão de energia de raios X/EDS.

Espectroscopia vibracional na região do infravermelho (EIV)

O ânion carbonato intercalado na estrutura dos HDLs foi determinado por EIV. Os espectros vibracionais das amostras foram registrados no intervalo de 4000-400 cm-1, com resolução de 4 cm-1 e 16 varreduras. Os espectros foram registrados em um aparelho de marca Thermo Electron Corporation, modelo IR 100. As amostras foram secas ao ar em estufa a 100 ºC por 24 h e, em seguida, colocadas em dessecador com sílica gel. Uma mistura de 200 mg de KBr grau espectroscópico e 1,5 mg de cada amostra pulverizada foram homogeneizadas e preparadas em pastilhas de 1 cm de diâmetro a uma pressão de 1,8 Kbar sob vácuo.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Escória de alto forno

Os principias minerais observados no difratograma de raios X da EAF (Figura 1S, material suplementar) foram a gehlenita (Ca2Al[AlSiO7]) com reflexões 3,06, 2,84, 1,75 Å e a pseudowollastonita (CaSiO3), com reflexões 3,23, 2,81, 1,98 Å. Estes valores são semelhantes aos encontrados nas fichas PDF 01-087-0968 (gehlenita) e PDF 01-074-0874 (pseudowollastonita).


A composição química da EAF, expressa em óxido, está listada na Tabela 1. A análise química, por FRX, mostrou como constituintes principais CaO, SiO2, Al2O3 e MgO. Eles representam aproximadamente 98% da massa total da EAF e a razão Mg/Al é 0,1. A EAF é considerada ácida por apresentar a razão CaO/SiO2 < 1. Os componentes Fe2O3, TiO2, MnO, K2O, Na2O, P2O5 e SO3 também estão presentes na EAF, porém em pequenas quantidades.

Resíduo da digestão ácida da EAF

O resíduo resultante da digestão da EAF em HCl foi analisado por meio de difração e fluorescência de raios X. Os padrões de difração do resíduo indicaram apenas a presença de substâncias amorfas. Sua composição química em base livre de umidade é fundamentalmente SiO2 (> 99%-massa) com apenas 0,24%-massa de outros componetes (CaO, K2O, e Al2O3). A concentração dos cátions (mmol) na solução de EAF é: Ca2+ = 7,40, Al3+ = 2,61, Mg2+ = 0,27, Fen+ = 0,05,K+ = 0,06, Na+ = 0,06 e Mnn+ = 0,06 (n = 2 ou 3).

Hidróxidos duplos lamelares à base de EAF

Os HDLs sintetizados em temperatura de 30 ºC (EAF-HDL-30-9 e EAF-HDL-30-12) mostram a intercalação do ânion carbonato (CO32-), formando, portanto, HDLs do sistema Mg-Al-CO3. A quantidade apropriada de CO32- para formação dos HDLs foi provavelmente introduzida através do sequestro de CO2 da atmosfera e da água deionizada, uma vez que no preparo das soluções de síntese não foi utilizada nenhuma substância contendo CO32-.

Quando os HDLs são sintetizados à temperatura de 45 ºC (EAF-HDL-45-9 e EAF-HDL-45-12), além da presença do carbonato, verifica-se a intercalação do íon cloreto. O cloreto é proveniente tanto do HCl, como do sal utilizado MgCl2.6H2O, adicionados no preparo da solução A. Portanto, os HDLs formados a 45 ºC são do sistema Mg-Al-Cl-CO3. Miyata21 sintetizou vários compostos do tipo hidrotalcita e observou que o CO32- também estava presente em todos os sistemas, inclusive no Mg-Al-Cl. A quantidade de CO32- contida nos HDLs foi incorporada nos produtos, porque o CO32- é o ânion que melhor estabiliza a estrutura destes compostos e possui eletronegatividade maior que aquela observada nos ânions monovalentes.

A presença dos ânions foi determinada por análises de EDS (Tabela 2) e confirmada por espectroscopia vibracional na região do infravermelho. Para as amostras do sistema Mg-Al-Cl-CO3, as análises por EDS indicam uma quantidade de cloreto entre 5,68 e 5,98%-massa e o carbonato estava abaixo do limite de detecção do aparelho. Esse último, entretanto, foi confirmado através da análise de EIV. Nas amostras do sistema Mg-Al-CO3, o CO32- pode ser confirmado tanto por espectroscopia vibracional na região do infravermelho como por EDS. Os valores observados estão entre 21,5 e 22,3%-massa.

Nos padrões de difração de raios X dos compostos sintetizados a 30 e a 45 ºC, em pH = 9 (Figura 1), observa-se que os HDLs EAF-HDL-30-9 e EAF-HDL-45-9 possuem espaçamentos basais d(003) iguais a 7,73 e 7,81 Å, respectivamente. As distâncias interplanares encontradas para os materiais sintetizados coincidem com os valores reportados na literatura para HDLs contendo carbonato22 e cloreto.23


A diferença entre os HDLs do sistema Mg-Al-CO3 e Mg-Al-Cl-CO3 é demonstrada através dos valores de espaçamento basal e da largura a meia altura (FWHM) da reflexão (003). Na Figura 1 verifica-se que os HDLs do sistema Mg-Al-Cl-CO3 mostram maiores valores de d e de FWHM = 0,40. Segundo Miyata,21 quando dois ânions com pequena diferença entre seus raios estão presentes no mesmo espaço interlamelar, o padrão de difração desse composto mostrará uma refleção basal (003) mais intensa/larga, como se as duas reflexões basais dos dois sistemas de ânios isolados estivessem sobrepostas.

Os HDLs sintetizados a 30 e a 45 ºC foram obtidos em diferentes valores de pH final de síntese (9 e 12). Verifica-se, nas Tabelas 2 e 3, que a razão molar entre Mg2+/Al3+, nos HDLs sintetizados, ficou entre 2,6 e 3,7, próximas da razão molar teórica da solução de síntese de partida (3,5). Os HDLs preparados em elevado valor de pH mostraram razões molares Mg/Al muito similares às razões molares teóricas. Este fato sugere que há uma correlação entre o teor de magnésio com o valor de pH final de síntese, além da influência da temperatura. Percebe-se uma tendência crescente da quantidade de Mg nos HDLs com o aumento do pH e da temperatura, o que pode indicar que nas condições de síntese, realizada em pH igual a 9, o magnésio continua solúvel, impossibilitando sua total precipitação. Cavani et al.20 ressaltam que cátions divalentes precipitam em valores de pHs mais elevados que os trivalentes.

A Tabela 2 mostra, ainda, a presença de outros elementos em menor percentagem. Estes apresentam comportamento contrário ao Mg em função do pH. De modo geral, há uma redução na sua concentração com o aumento do pH de síntese. Isto sugere que, além do Al, os cátions Mnn+ e Fen+ (n = 2 ou 3) foram provavelmente incorporados na lamela dos HDLs, ocupando alguns centros octaédricos. As espécies tetravalentes Ti4+ e Si4+ foram também observadas por Kuwahara et al.1 em seu trabalho sobre síntese de hidrocalumitas a partir de escória de alto forno. Segundo esses autores, estes elementos podem estar localizados sobre a superfície dos cristalitos dos HDL ou, ainda, podem formar oxiânions que são intercalados na estrutura dos HDLs, o que é corroborado por este trabalho.

Observa-se, ainda, que os HDLs preparados em baixo valor de pH têm menor razão molar Mg/Al e, portanto, maior densidade de carga positiva nas suas lamelas, o que de certa forma favorece um menor grau de ordenamento estrutural e/ou redução do tamanho dos cristalitos, verificado através do alargamento das reflexões basais dos compostos EAF-HDL-45-9, FWHM = 0,40, contra EAF-HDL-45-12, FWHM = 0,25 (Figura 2). Portanto, os HDLs sintetizados em pH = 9 apresentam menor grau de ordenamento estrutural que aqueles preparados em pH = 12. Estes resultados estão de acordo com as observações de Miyata21 e Kuwahara et al.,1 que mostraram que HDLs com diversos ânions intercalados e preparados em diferentes pH possuem a largura da reflexão (003) mais larga para cristalitos de menor tamanho, cujo pH de síntese também é menor.


Em todos os difratogramas de raios X dos compostos sintetizados, observam-se somente reflexões de estrutura lamelar, típica de hidrotalcita. Os resultados demonstram que os compostos apresentam pureza de fase e diferentes graus de ordenamento estrutural, com o maior ordenamento sendo obtido em pH = 12 (Figura 2). Percebe-se, também, que as intensidades dos picos se tornaram gradualmente mais intensas e agudas com o aumento do pH de síntese. Verificou-se que a intensidade do reflexo (003) do EAF-HDL-45-12, além de mais aguda, é mais intensa (cps = 5.256) do que aquela observada no EAF-HDL-45-9 (cps = 2.644).

Comparando-se o perfil de difração de raios X dos compostos analisados, percebe-se o alto grau de pureza de fase dos HDLs sintetizados a pH crescente, mesmo quando preparados em um grande intervalo de pH (9 a 12). A amostra EAF-HDL-30-12, sintetizada a pH = 12 e 30 ºC, foi a única que diferiu das demais. No seu difratograma verificou-se outra fase cristalina, com reflexões em 3,04; 2,29 e 2,10 Å, indicando a presença de calcita (CaCO3) (Figura 2S, material suplementar). A formação da calcita foi, provavelmente, favorecida pelas condições de síntese e pelo alto teor em CaO (41,42%-massa) na escória de alto forno. Estes resultados contradizem Cavani et al.,20 que consideram difícil a obtenção de HDLs puros por meio da coprecipitação a pH crescente.


Os dados de distância interplanar dhkl dos HDLs sintetizados estão listados na Tabela 1S (material suplementar), juntamente com os dados da literatura.22,23

As reflexões dhkl observadas nos difratogramas dos HDLs sintetizados foram comparadas com os padrões do banco de dados do programa da Philips (X-Pert High Score), que se utiliza de padrões difratométricos do JCPDS-ICDD. Foi constatado que os valores concordam razoavelmente com os atribuídos à hidrotalcita (Mg-Al-CO3), da ficha PDF (01-089-0460). Embora os HDLs EAF-HDL-45-9 e EAF-HDL-45-12 apresentem similaridade quando comparados com a ficha PDF de hidrotalcita, deve-se destacar que estes materiais apresentam, além do carbonato, o cloreto no seu espaço interlamelar.

Para uma análise estrutural mais precisa, os parâmetros cristalográficos da cela a e c foram calculados utilizando os dados de XRPD. O espaçamento basal d foi calculado utilizando-se a Equação de Bragg, a partir da reflexão de maior ordem possível, neste caso (003). Os valores dos parâmetros a e c foram obtidos segundo as Equações propostas por Debye-Scherrer.22-26 O parâmetro c foi calculado através da multiplicação de d(003) em Å pelo índice 3, ou seja, c = 3d003. O parâmetro a foi calculado por meio da multiplicação de d(110) em Å por 2, isto é, a = 2d110. Os resultados estão resumidos na Tabela 3, mostrando que os parâmetros estruturais concordam com os dados publicados para a hidrotalcita.27

Analisando a Tabela 3 é possível observar um aumento nos valores dos parâmetros a e c da cela unitária com o aumento dos valores da temperatura e do pH final de síntese. Os maiores valores de a e c observados comprovam que os HDLs sintetizados nestas condições apresentam um maior teor em Mg2+, cujo raio iônico é maior que o do Al3+. O aumento do parâmetro c pode ser explicado pela redução da força de atração eletrostática entre as lamelas e as espécies interlamelares, já que Mg2+ possui uma menor densidade de carga que o Al3+.28

A morfologia e o tamanho de partícula dos cristais dos HDLs sintetizados foram observados por microscopia eletrônica de varredura (MEV). A imagem de MEV do composto EAF-HDL-30-12 sintetizado a 30 ºC em pH = 12 pode ser vista na Figura 3. Nas micrografias das amostras, verifica-se uma morfologia homogênea, com cristalitos de tamanhos semelhantes, com hábito hexagonal, não muito bem desenvolvidos. Estes cristalitos estão aglomerados, mostrando nitidamente uma microporosidade. Na amostra EAF-HDL-30-12, além dos cristalitos de HDLs, observa-se a presença de romboédros de calcita (Figura 3S, material suplementar). Os HDLs com cristalitos de maior tamanho foram aqueles preparados em condições de síntese onde os valores de pH foram mais elevados.



Os resultados da análise dos HDLS por espectroscopia vibracional na região do infravermelho mostram bandas semelhantes àquelas observadas na hidrotalcita.29 Na Figura 4 observa-se a sobreposição dos espectros vibracionais na região do infravermelho dos HDLs do sistema Mg-Al-Cl-CO3, sintetizados a 45 ºC em pH 9 (EAF-HDL-45-9) e 12 (EAF-HDL-45-12). Observa-se uma banda larga e intensa que absorve a 3477-3577 cm-1, presente em todos os espectros, aqui atribuída às vibrações de estiramento da ligação O-H das moléculas de água extrínsecas (fisissorvidas na lamela), intrínsecas (interlamelares) e, também, dos grupos hidroxila das lamelas. A presença de um ombro próximo a 3000 cm-1, comum nos espectros dos HDLs do sistema Mg-Al-CO3, é típico de ligações de hidrogênio entre a água e o ânion carbonato. Há uma pequena banda comum aos espectros de HDLs do sistema Mg-Al-CO3 EAF-HDL-30-9 e EAF-HDL-30-12 (1645 cm-1) e do sistema Mg-Al-Cl-CO3 EAF-HDL-45-9 (1633 cm-1) e EAF-HDL-45-12 (1634 cm-1), atribuída à deformação angular H-O-H das moléculas de água. Nos espectros vibracionais dos HDLs dos dois sistemas Mg-Al-CO3 e Mg-Al-Cl-CO3 foram observadas três bandas de absorções ativas: 1369-1455, 850-880 e 615-665 cm-1, indicativas da presença do ânion carbonato em um ambiente simétrico, como no caso do CO32- livre. Verifica-se em todos os espectros a existência de uma banda bastante intensa a 1369 cm-1 (EAF-HDL-30-9) e 1455 cm-1 (EAF-HDL-30-12), nos HDLs do sistema Mg-Al-CO3, e bem menos intensa a 1370 cm-1 (EAF-HDL-45-9) e 1386 cm-1 (EAF-HDL-45-12) nos HDLs do sistema Mg-Al-Cl-CO3, que está relacionada às vibrações de estiramento C-O dos grupos CO32-. Em torno de 1400 cm-1, observa-se a presença de um ombro, principalmente nos HDLs do sistema Mg-Al-CO3 que, segundo Miyata,22 pode estar relacionado com o abaixamento da simetria do carbonato e à desordem no espaço interlamelar. Na região entre 850-880 cm-1, observa-se um ombro em todos os espectros apresentados, com aparecimento de uma banda fina a 877 cm-1 no espectro da amostra EAF-HDL-30-12. Em baixas frequências, a 615-665 cm-1 aparece uma banda larga, encontrada em todos os espectros, que é típica da deformação metal-oxigênio (M-O) das lamelas do HDL, possivelmente do óxido de magnésio e alumínio.


De modo geral, os perfis dos espectros vibracionais dos HDLs dos sistemas Mg-Al-CO3 e Mg-Al-Cl-CO3 são semelhantes. A diferença entre os perfis está na região entre 1369 a 1455 cm-1, onde a intensidade da banda correspondente às vibrações de estiramento C-O do grupo CO32- é menor para os HDLs do sistema Mg-Al-Cl-CO3, sugerindo que os íons cloreto substituem parcialmente os carbonatos. Pela intensidade das bandas nesta região, pode-se dizer que o íon cloreto, além de estar presente no espaço interlamelar dos HDLs, sintetizados a 45 ºC, está em maior quantidade nos HDLs preparados em altos valores de pH, como verificado pela menor intensidade desta banda para a amostra EAF-HDL-45-12 (Figura 4).

CONCLUSÕES

As informações aqui apresentadas mostram que é possível preparar uma variedade de hidróxidos duplos lamelares, com estruturas semelhantes à da hidrotalcita, utilizando-se EAF como matéria-prima. HDLs com elevada pureza de fase e grau de ordenamento estrutural foram sintetizados por meio da coprecipitação a pH crescente.

Os HDLs formados pertencem aos sistemas Mg-Al-CO3 e Mg-Al-Cl-CO3. As análises por meio de DRX revelaram que os HDLs sintetizados a 30 ºC em pH 9 e 12 são do sistema Mg-Al-CO3. A calcita foi observada somente quando o pH de síntese foi 12, estando ausente em valores mais baixos. A quantidade necessária de carbonato, nas soluções de síntese, para formação dos HDLs foi capturada da atmosfera e/ou da água utilizada. Nos difratogramas das amostras sintetizadas a 45 ºC, em pH 9 e 12, foram observados somente reflexos típicos de hidrotalcita e os HDLs são do sistema Mg-Al-Cl-CO3. Os íons cloreto intercalados nos HDLs se originaram do HCl e MgCl2.6H2O, usados no preparo das soluções de síntese.

Os HDLs sintetizados nos dois sistemas, quando preparados em pH 12, apresentaram-se com maior grau de ordem estrutural e com maiores valores de d e dos parâmetros a e c da cela unitária.

A razão molar Mg/Al nos HDLs foi influenciada pelo pH e temperatura de síntese. Os HDLs preparados em valores de pH e temperatura mais elevados mostraram razão molar Mg/Al próxima dos valores da solução de síntese. Os outros cátions metálicos (Mn, Fe, Ti, Si), que ocorrem em menor percentagem, estão provavelmente inclusos na estrutura dos HDLs. De modo geral, a quantidade destes cátions foi maior nas amostras preparadas a 45 ºC e em pH 9.

As análises de EIV confirmaram que em todos os espectros vibracionais há a presença de bandas características do ânion carbonato, com maior diferença na intensidade da banda na região entre 1369-1455 cm-1. Nos espectros vibracionais dos HDLs do sistema Mg-Al-Cl-CO3, a intensidade da banda nessa região é bem menos intensa que aquela observada nos HDLs do sistema Mg-Al-CO3. Isso confirma a presença do íon cloreto substituindo parcialmente o carbonato no espaço interlamelar.

Os cristalitos de HDLs dos dois sistemas apresentam hábito hexagonal e formam aglomerados que desenvolvem uma microporosidade.

Deve-se ressaltar que, apesar de haver relatos de síntese de HDLs a partir de escórias, este é o primeiro relato de processo de síntese de HDLs à base de escória de alto forno, com estruturas semelhantes à da hidrotalcita.

MATERIAL SUPLEMENTAR

A Figura 1S mostra a composição mineralógica da EAF; a Figura 2S apresenta os difratogramas das amostras sintetizadas a 30 ºC em pH 9 (EAF-HDL-30-9) e pH 12 (EAF-HDL-30-12). A Figura 3S apresenta uma micrografia destacando os romboedros de calcita da amostra EAF-HDL-30-12. Apresenta-se também a Tabela 1S, que mostra os dados de distância interplanar dhkl dos HDLs sintetizados.. Esse material está disponível em http://quimicanova.sbq.org.br na forma de arquivo PDF, com acesso livre.

AGRADECIMENTOS

Ao CNPq pela bolsa de doutorado de M. M. Rebelo e à CAPES e ao Programa de Pós- Graduação em Geologia e Geoquímica pelo apoio financeiro e uso dos laboratórios de Análises Químicas, Difração de raios X, Fluorescência de raios X, MEV e EIV. Os autores gostariam ainda de fazer um agradecimento especial ao Mc. N. Valente pelo apoio no laboratório de análises químicas do PPGG-UFPA.

Recebido em 14/4/11

Aceito em 8/11/11

Publicado na web em 13/1/12

Material Suplementar

O material suplementar está disponível em pdf: [Material suplementar]

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Jul 2012
    • Data do Fascículo
      2012

    Histórico

    • Recebido
      14 Abr 2011
    • Aceito
      13 Jan 2012
    • Revisado
      08 Nov 2011
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