Acessibilidade / Reportar erro

Descoloração de corantes industriais e efluentes têxteis simulados por peroxidase de nabo (Brassica campestre)

Descoloration of industrial dyes and simulated textile effluents dyes by turnip peroxidase

Resumo

The removal of important textile dyes by turnip peroxidase (TNP) was evaluated. The textile effluents besides the residual dyes contain also chemical auxiliaries such as salts, dispersing and wetting agents. The effect of these was evaluated in the removal of the dyes reactive blue 21 and reactive blue 19 by TNP in synthetic effluents. A decrease of the efficency decolorization was observed. The action of the enzyme on colour removal of dye mixture was equivalent to the dyes alone. The chemical demand of oxygen in the effluent after enzymatic treatment had a significant increase in relation to the untreated effluent.

turnip peroxidase; synthetic effluent; decolorization


turnip peroxidase; synthetic effluent; decolorization

ARTIGO

Descoloração de corantes industriais e efluentes têxteis simulados por peroxidase de nabo (Brassica campestre)

Descoloration of industrial dyes and simulated textile effluents dyes by turnip peroxidase

Maria Cristina SilvaI,* * e-mail: crisiria@yahoo.com.br ; Angelita Duarte CorrêaI; Juliana Arriel TorresI; Maria Teresa Sousa Pessoa AmorimII

IDepartamento de Química, Universidade Federal de Lavras, CP 3037, 37200-000 Lavras - MG, Brasil

IIDepartamento de Engenharia Têxtil, Universidade do Minho, 4800-058 Guimarães, Portugal

ABSTRACT

The removal of important textile dyes by turnip peroxidase (TNP) was evaluated. The textile effluents besides the residual dyes contain also chemical auxiliaries such as salts, dispersing and wetting agents. The effect of these was evaluated in the removal of the dyes reactive blue 21 and reactive blue 19 by TNP in synthetic effluents. A decrease of the efficency decolorization was observed. The action of the enzyme on colour removal of dye mixture was equivalent to the dyes alone. The chemical demand of oxygen in the effluent after enzymatic treatment had a significant increase in relation to the untreated effluent.

Keywords: turnip peroxidase; synthetic effluent; decolorization.

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, o nível de compostos xenobióticos nos ecossistemas aquáticos tem aumentado de forma alarmante, como resultado da atividade antropogênica sobre o meio ambiente. Neste contexto, o setor têxtil merece destaque, sendo responsável por 15% do consumo industrial de água. Este fato, associado ao baixo aproveitamento dos insumos (especialmente corantes), faz com que a indústria têxtil seja responsável pela geração de grandes volumes de resíduos, com elevada carga orgânica e forte coloração.1

Estima-se que aproximadamente 20% da carga de corantes seja liberada nos resíduos de tingimento durante o processamento têxtil.2 Além de corantes residuais, os efluentes têxteis contêm também auxiliares químicos, como surfactantes, sais, óleos e graxas. Estes auxiliares químicos utilizados no processo de tingimento contribuem para a complexidade do tratamento destes efluentes.3 Substâncias como detergentes e dispersantes podem interromper a remoção do nitrogênio por bactérias nitrificantes em processos de lodo ativado.4,5

O tingimento com corantes reativos baseia-se na formação de ligações covalentes com os grupos hidroxila ionizados da celulose, em pH alto e temperaturas elevadas. Nestas condições, a hidrólise do corante ocorre como uma reação secundária, impossibilitando que este se ligue covalentemente à fibra, uma vez que o corante hidrolisado não mais reage com a celulose. Parte do corante hidrolisado pode ainda ser absorvida pela celulose como se fosse um corante direto, por meio de interações de van der Waals,2 mas o restante acaba por ser liberado para o efluente.6 Portanto, banhos de tingimento contendo corantes reativos além dos auxiliares químicos e sais contêm também corantes hidrolisados.

Além da interferência estética, quando não tratados adequadamente, e lançados em águas naturais, os efluentes provenientes da indústria de corantes ou de processos envolvendo tingimento de fibras têxteis podem interferir na absorção da luz pelos vegetais e animais do ambiente aquático, provocando modificações nas atividades fotossintetizantes da biota aquática.7

Uma combinação de processos físicos, químicos e biológicos tem sido proposta para a remoção da cor, entretanto, geralmente, são processos de custo elevado.8,9 Dentro deste contexto, e tendo em vista a implementação de normas cada vez mais rigorosas em relação ao descarte de resíduos no meio ambiente, o desenvolvimento de processos alternativos e de alta eficiência para a remoção da cor em efluentes industriais é de extrema importância.

Cada vez mais é reconhecido o uso das enzimas em processos de remediação para tratamento de poluentes específicos. Estas podem atuar em compostos recalcitrantes, para removê-los por precipitação ou transformação em outros produtos inócuos.10 Podem também mudar as características de um determinado rejeito para aumentar sua biodegradabilidade, ou auxiliar na bioconversão dos rejeitos em produtos de maior valor agregado.11

As principais oxirredutases, lacases e peroxidases apresentam potencial no tratamento de uma variedade de compostos orgânicos, incluindo corantes12,13 e seu uso pode ser uma prática interessante para a descoloração de corantes sintéticos. Estas enzimas podem catalisar a transformação/degradação de corantes aromáticos, tanto por precipitação como pela ruptura do anel aromático.14

As peroxidases podem ser classificadas em três superfamílias: planta peroxidase, animal peroxidase e catalase peroxidase. A superfamília planta peroxidase está ainda subdividida em três classes: a classe I, que inclui as peroxidases intracelulares; a classe II, que consiste em peroxidases fúngicas extracelulares e a classe III, que compreende as classes vegetais, sendo a isoenzima C da horsehadish peroxidase o exemplo mais estudado.14,15

O uso de enzimas na remoção da cor de efluentes industriais apresenta limitações devido ao baixo rendimento e o alto custo de produção destes biocatalisadores. Entretanto, a redução do custo de produção dessas enzimas pode ser obtida pela utilização de vegetais contendo alta atividade enzimática, que podem ser aplicados diretamente com a mesma eficiência que a enzima purificada.16

Neste contexto, foi feita a avaliação do potencial de descoloração de vários corantes utilizados na indústria têxtil por peroxidase extraída do nabo (PEN). A enzima bruta extraída foi utilizada diretamente nos ensaios de oxidação, ou seja, não foi feito nenhum processo de purificação, para diminuir os custos do processo.

A remoção destes corantes pela PEN foi avaliada também no efluente têxtil sintético que simula as etapas de pré-tratamento e tingimento e apresenta em sua constituição sais e auxiliares químicos. Uma vez que os efluentes reais normalmente incluem mais de um componente de cor, a descoloração de uma mistura de três corantes reativos pela PEN também foi avaliada.

PARTE EXPERIMENTAL

Os experimentos foram desenvolvidos no Laboratório de Investigação de Química e Ambiente do Departamento de Engenharia Têxtil da Universidade do Minho, na cidade de Guimarães, Portugal.

Corantes

Foram utilizados os corantes reativos: turqueza remazol G 133% (C. I. reactive blue 21), remazol brilliante blue R (C. I. reactive blue 19), remazol brilliant orange 3R (C. I. reactive orange 16) e o remazol vermelho ultra RGB, gentilmente cedidos pela Dy Star e levafix brilliant green E 5BA (C. I. reactive green 21), adquirido da Levafix. Os corantes ácidos tellon blue RR (C. I. acid blue 62) e metil orange (C. I. acid orange 52) da Analyticals também foram utilizados nos ensaios de descoloração.

Obtenção do extrato enzimático

A fonte enzimática utilizada foi proveniente das raízes do nabo (Brassica campestre ssp. Rapifera). As raízes (com a casca) foram lavadas em água corrente e picadas em pequenos pedaços uniformes. Uma massa de 25 g do tecido vegetal foi homogeneizada em um liquidificador com 100 mL de tampão fosfato 0,05 mol L-1, pH 6,5, por 30 s. O homogenato foi filtrado em tecido organza e centrifugado, a 10.000 x g, durante 15 min, a 4 ºC.17

Ao extrato bruto enzimático (proveniente de 12 extrações) foi adicionada acetona gelada, até atingir 65% (v/v). Após repouso de 12 a 14 h, a -18 ºC, o homogenato foi centrifugado, a 11.000 x g, por 15 min, a 4 ºC. O sobrenadante foi recolhido e a acetona foi posteriormente recuperada, pelo Laboratório de Gestão de Resíduos Químicos da UFLA, por destilação simples em um rotaevaporador, à temperatura controlada de 56 ºC. Após a remoção dos resíduos de acetona, o precipitado foi ressuspendido em 15 mL de tampão fosfato de sódio 0,05 mol L-1, pH 6,5. A solução obtida foi utilizada nos ensaios de descoloração.

Determinação da atividade enzimática

A atividade enzimática do extrato enzimático foi determinada segundo Khan e Robinson,18 utilizando-se como meio de reação: 1,5 mL de guaiacol (Vetec; 97% v/v) 1% (v/v); 0,4 mL de H2O2 (Vetec, PA) 0,3% (v/v); 0,1 mL de enzima (mantida em banho de gelo) e 1,2 mL de tampão fosfato 0,05 mol L-1, pH 6,5. A reação foi acompanhada, durante 5 min, a 30 ºC, em espectrofotômetro Spectrovision, em 470 nm, acoplado a um banho termostatizado.

Uma unidade da atividade da peroxidase representou a oxidação de 1 µmol de guaiacol em 1 min nas condições de ensaio e foi calculada utilizando-se dados relativos à porção linear da curva.

Ensaios de descoloração

Corantes isolados

As reações de oxidação enzimática dos corantes têxteis foram conduzidas a 30 ºC, em tampão fosfato 0,05 mol L-1, pH 7,0 (1,2 mL), contendo: (1) H2O2 100 µmol L-1 (0,4 mL), (2) os corantes isoladamente (1,5 mL) e (3) 0,1 mL de extrato enzimático. Nos ensaios controle foram empregados todos os reagentes mencionados com exceção para o H2O2 que foi substituído por água destilada.

A mistura reacional foi incubada em espectrofotômetro acoplado a um banho termostatizado e a absorbância dos corantes foi medida em diferentes tempos, durante os experimentos. O acompanhamento da oxidação foi feito no comprimento de onda máximo de cada corante: turqueza remazol G 133% - CTR (624 nm); remazol brilliant blue R - RBBR (596 nm), levafix brilliant green E 5BA – RG21 (596 nm), remazol vermelho ultra RGB - RVU (517 nm), remazol brilliant orange 3R (490 nm) – RBO3R; acid orange 52– AO52 (452 nm) e 600 nm para o acid blue 62 (AB62). Os ensaios foram realizados em triplicata. Os corantes estudados, cujas estruturas químicas são conhecidas, estão apresentados na Figura 1.


Corantes hidrolisados

Os corantes reativos turqueza remazol G 133% (CTR) e remazol brilliant blue R (RBBR) foram hidrolisados dissolvendo-se o corante (50 mg L-1) em água destilada sob agitação e aquecimento. Em seguida, 2,0 g L-1 de NaOH foram adicionados à solução do corante, que foi mantida em aquecimento e fervura à 100 ºC durante 20 min. Após o arrefecimento, foi feito a correção do pH para 7,0 e do volume total.19

Os corantes hidrolisados foram submetidos aos ensaios de descoloração em triplicata, a fim de se avaliar a atuação da enzima após a hidrólise dos mesmos.

Efluentes sintéticos

A preparação do efluente simulado com os corantes reativos CTR (50 mg L-1) e RBBR (50 mg L-1) foi feita de acordo com Santos,6 com algumas modificações: aquecimento, em agitação, de 125 mL de água da torneira contendo 6,25 g de NaCl; adição de 125 µL de agente molhante e 107 µL de agente sequestrante; adição do corante reativo (50 mg L-1), mantendo-se a solução a 55-60 ºC, por 10 min, para a completa dissolução; adição de 0,25 g de NaOH e 1,25 g de Na2CO3 e conservação da temperatura constante por mais 1 h; arrefecimento, neutralização e diluição para 1 L de solução. Durante o período de 1 h de hidrólise, foram feitas algumas adições de água, de modo a evitar uma redução significativa de volume que pudesse provocar a precipitação do corante em função do aquecimento.

Os efluentes simulados contendo CTR e RBBR foram submetidos ao tratamento enzimático com a PEN, a fim de avaliar o efeito da presença de sais e auxiliares químicos de tingimento na atuação da enzima. Os ensaios de descoloração foram realizados em triplicata.

Mistura de corantes

Os corantes foram misturados em igual proporção, resultando numa solução com concentração final de 50 mg L-1. Os corantes utilizados na tricomia foram: remazol brilliant blue R (RBBR); remazol vermelho ultra (RVU) e remazol brilliant orange 3R (RBO3R).

A descoloração da mistura de corantes pela PEN foi determinada monitorando-se o decréscimo da absorbância no comprimento de onda máximo de cada corante. A quantificação da cor total foi avaliada a partir do valor da área abaixo da curva, obtida mediante uma varredura espectral na faixa de 450 a 650 nm. A avaliação da descoloração total foi feita por meio da diferença entre a área inicial e a área final.

Demanda química de oxigênio

A determinação da demanda química de oxigênio (DQO) foi realizada em três repetições, de acordo com o método descrito no Standard Methods.20 O método para amostras com baixo valor de DQO foi utilizado, após diluição adequada, quando o excesso de cloretos excedia o máximo permitido pelo procedimento convencional.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Ensaios de descoloração com CTR

Corantes isolados

A porcentagem de descoloração e a taxa de degradação ocorreram com velocidades diferentes, variando com o corante em estudo, o que indica que a especificidade da enzima obtida depende da estrutura de cada corante. Na Tabela 1 está apresentada a classificação dos corantes estudados quanto ao modo de fixação à fibra e quanto à estrutura química.

Os resultados obtidos quanto ao potencial de descoloração dos corantes estão sumarizados na Tabela 2. Como pode ser observado, os corantes turqueza remazol G133% e levafix brilliante green E 5 BA (reactive green 21) foram mais susceptíveis ao tratamento enzimático, seguidos dos corantes remazol brilliant blue R, metil orange e acid blue. Portanto, a PEN parece ter maior afinidade com corantes ftalocianínicos, antraquinona e triarilmetano e baixa eficiência na remoção de corantes azo, como o remazol brilliant orange 3R.

Liu, Huang e Zhang21 demonstraram o potencial de oxidação do corante RBBR por birulin oxidase (EC 1.3.3.5, de Myrothecium verrucaria). A descoloração do corante foi de 40%, com 4 h de contato, entretanto, na presença de um mediador redox ABTS (ácido 2,2-azino-bis-3-etilbenzotiazolina-6-sulfônico) a descoloração obtida foi de 91,5%, aos 25 min. Portanto, a PEN apresentou maior potencial de oxidação do corante RBBR, quando comparada à birulin peroxidase, exceto na presença do mediador redox ABTS.

Existem vários estudos na literatura quanto à descoloração enzimática do RBBR, especialmente por fungos produtores de degradação branca, como Stereum rugosum, Pleurotus ostreatus e Bjerkandera adusta.22

A descoloração obtida para os corantes azo remazol brilliant orange 3R (RBO3R) e remazol vermelho ultra (RVU) não foi satisfatória. A baixa degradabilidade destes corantes pode estar relacionada à especificidade da enzima em relação aos mesmos e a outros fatores que influenciam na velocidade da reação como concentração de enzima, proporção substrato: H2O2, concentração do corante ou a presença de mediadores. Vários estudos relatam a influência destes fatores em processos de descoloração catalisados enzimaticamente. Por exemplo, Mohan e colaboradores23 avaliaram a descoloração do corante azo acid black 10BX por horsehadish peroxidase, em que a eficiência do catalisador se mostrou dependente do tempo de reação, concentração de corante e de enzima, concentração de H2O2 e pH da solução aquosa. Ainda, a adição do mediador redox 1-hidroxibenzotriazol aumentou a taxa de remoção dos corantes direct red 28 (azo) e acid blue 74 (indigoide) e corantes antraquinona por lacases fúngicas.24

A relação entre a biodegradabilidade e a estrutura molecular dos corantes depende do tipo, da quantidade, da posição dos grupos substituintes no anel aromático e do peso molecular dos corantes. A presença de grupos substituintes em diferentes posições no anel aromático pode acelerar ou reduzir a taxa de descoloração ou provocar sua completa inibição. No caso dos corantes azo sulfonados, a posição e o número de grupos SO3H, entre outros, afetam a velocidade de degradação da molécula do corante.25,26

Observou-se que o corante acid blue 62 (AB 62) apresentou uma rápida cinética de degradação, uma vez que a descoloração obtida foi de 47% em apenas 3 min de contato com a enzima (Tabela 2).

A descoloração do corante AB62 por lacase de Cerrena unicolor apresentou também uma rápida cinética de degradação. A remoção da cor foi observada após 12 min da adição da enzima.27

É interessante notar ainda que os corantes AB62 e RBBR são ambos antraquinonas, mostrando, entretanto, cinéticas de degradação muito distintas, o que pode ser atribuído à presença de grupos substituintes diferentes no anel aromático.

Conforme descrito anteriormente, as peroxidases catalisam a transformação/degradação de corantes, por precipitação ou ruptura do anel aromático. Para entender melhor este mecanismo, as reações que compõem o ciclo catalítico da enzima são:

No primeiro estágio do processo catalítico ocorre a reação do sítio ativo com o peróxido de hidrogênio. O peróxido de hidrogênio é reduzido produzindo água e o composto I, uma forma intermediária reativa que apresenta um estado de oxidação mais alto em comparação com a enzima nativa. No segundo estágio, o composto I oxida uma molécula de substrato (AH2), neste caso o corante aromático, gerando um substrato radicalar e o composto II. Finalmente, o composto II é reduzido por uma segunda molécula de substrato, fazendo com que a enzima retorne a sua forma inicial.28 Os radicais livres formados durante o ciclo (AH·) difundem-se do sítio ativo da enzima para o meio da solução. Estes radicais livres são reativos e tendem a iniciar uma reação espontânea, em cadeia, em que as moléculas aromáticas são ligadas formando um produto poliaromático com solubilidade reduzida (2AH•A2H2(s)↓),29 o que explicaria a precipitação do corante pela ação de peroxidases.

Embora, vários estudos relatem a ação de peroxidases na remoção de uma série de corantes, o mecanismo de degradação e os possíveis metabólitos formados a partir da oxidação enzimática desses compostos nem sempre são conhecidos. Silva30 analisou os produtos de degradação do corante turqueza remazol G 133% por peroxidase de nabo por HPLC/MS/ESI e foi proposto um mecanismo de oxidação envolvendo a clivagem das ligações de nitrogênio no interior do anel e a liberação dos íons Cu2+ do complexo metálico.

Corantes hidrolisados

A descoloração do CTR hidrolisado pela PEN (17,5 U mL-1) foi de 47,0 ± 0,79% após 1 h de contato com a enzima e 53,0 ± 0,5%, após 2 h, enquanto a descoloração do RBBR hidrolisado foi de 69,5 ± 0,99%, após 85 min (Figura 2).


Os espectros de absorção dos corantes hidrolisados antes e após o tratamento enzimático estão apresentados nas Figuras 3 e 4. Em cada caso, o pico do grupo cromóforo decresceu após a reação enzimática (a 624 nm para o CTR e 596 nm para o RBBR), o que indica a transformação do corante pela enzima. Entretanto, a degradação completa do corante não foi observada, visto que algum corante não degradado ainda está presente na solução. No caso do RBBR, houve um aumento do pico entre 300 e 350 nm após o tratamento enzimático, indicando a formação de produtos de oxidação que absorvem nesta região do espectro.



Efluentes sintéticos

O efeito da presença de sais e auxiliares químicos de tingimento no potencial de descoloração dos corantes reativos CTR e RBBR pela PEN foi avaliado, submetendo-se o efluente sintético ao tratamento enzimático.

A utilização do efluente têxtil simulado é de extrema importância para se avaliar a aplicabilidade do processo de descoloração para uma situação real.31

A descoloração obtida para o efluente sintético contendo o CTR foi de 37%, em 95 min de contato com a enzima, enquanto para o efluente contendo o RBBR foi de 58%, em 90 min (Figura 5). A enzima utilizada em ambos os ensaios apresentava uma atividade enzimática de 17,5 U mL-1. Em relação ao corante hidrolisado, houve um decréscimo na remoção da cor quanto aos efluentes simulados.


Esse decréscimo pode ser atribuído à presença de auxiliares químicos de tingimento (agente dispersante e sequestrante) e de sais que são adicionados no processo de tingimento à base de corantes reativos.

A eficiência do tratamento enzimático é menor neste caso porque pode ocorrer a formação de ligações químicas fortes com as espécies envolvidas no meio reacional (enzima, auxiliares químicos e sais) como, por exemplo, a hidrólise do corante, podendo influenciar de forma direta a especificidade enzima-substrato,6 a formação de produtos ou a desativação da enzima.31

Cristóvão et al.31 observaram um decréscimo de 68,23 para 42,04% na descoloração do corante reactive red 239 por lacase comercial de Aspergillus na presença de auxiliares químicos de tingimento.

Merpol, um surfactante aniônico usado como agente molhante e detergente no processo de tingimento, inibiu a descoloração do corante RBBR por depleção do substrato; por análise espectrofotométrica foi demonstrado que o merpol interage com o corante. A presença de cloretos também promoveu a inibição da descoloração.32

A PEN mostrou ser eficiente na remoção do CTR e RBBR em solução aquosa, porém, esse potencial diminui na presença de auxiliares químicos de tingimento. Estes resultados mostram que a PEN pode ser eficiente no tratamento de efluentes têxteis, particularmente como um processo de polimento de reciclagem da água, desde que o impacto de sais e auxiliares químicos na atividade da enzima seja atenuado, por exemplo, pela imobilização da enzima em suportes sólidos e por combinação com outros processos que possibilitem a remoção destes do banho de tingimento.

A PEN pode apresentar melhor desempenho para a remoção de corantes ácidos como o acid blue 62 e o metil orange de banhos de tingimento, visto que, em tingimentos com corantes ácidos, a necessidade de auxiliares químicos, como agentes molhantes e dispersantes, é menor, em função das propriedades das fibras que são tingidas com esse tipo de corante, como, por exemplo, as poliamidas.

Mistura de corantes

O potencial de descoloração de uma mistura de três corantes pela peroxidase de Brassica campestre ssp. Rapifera foi avaliado (Tabela 3).

A mistura reacional foi incubada com a PEN por 120 min e a remoção dos corantes RBBR, RVU e RBO3 ocorreu após 30, 40 e 90 min da adição da enzima, respectivamente. A porcentagem de remoção da cor para os corantes RVU e RBO3R foi baixa, conforme esperado, visto que o potencial de degradação da enzima para estes corantes em solução aquosa foi baixo. Entretanto, a taxa de descoloração foi maior para ambos na mistura.

O tempo de reação necessário para a máxima remoção da cor dos corantes foi menor na mistura. Resultados semelhantes foram encontrados por Cristóvão et al.,33 em que a cinética de degradação dos corantes isolados "Reactive Black 5", "Reactive Yellow 15" e "Reactive Red 239" por lacase comercial foi diferente quando comparada à degradação dos corantes misturados.

A mistura dos corantes reativos estudados não teve efeito sobre a ação da enzima, no que diz respeito à remoção de cada corante separadamente, o que é favorável para a aplicação da enzima, visto que um efluente real geralmente contêm vários corantes. A remoção da cor total, quantificada pela diferença entre a área inicial e a área final obtida mediante uma varredura espectral na faixa de 450 a 650 nm, foi de 49%.

Os espectros de absorção da mistura de corante antes e após tratamento enzimático mostram a diminuição dos picos cromóforos de cada corante após o tratamento enzimático, no entanto, na região entre 350 e 450 nm, aproximadamente, observa-se um aumento da intensidade da absorbância. Isso significa que os produtos que estão sendo formados durante a reação enzimática absorvem nesta região do espectro (Figura 6).


Demanda química de oxigênio

O conteúdo orgânico residual da solução tratada deve ser avaliado, uma vez que a técnica envolve a adição de um extrato vegetal com alto conteúdo de carbono. Além disso, o corante residual e os subprodutos solúveis da reação também contribuem para o aumento da demanda química de oxigênio (DQO), o que implica em impactos adversos ao meio aquático.

Na Tabela 4 encontram-se os valores obtidos para a determinação da DQO das amostras antes e após o tratamento enzimático.

A adição de produtos auxiliares de tingimento contidos no efluente sintético contribui para o aumento da DQO. Neste caso, houve um acréscimo de DQO de 36,73 mg L-1 O2 em relação à solução do corante. Um acréscimo de 4,23 vezes na DQO também foi observado no efluente tratado enzimaticamente.

Este aumento da DQO pode ser atribuído à presença de matéria orgânica adicionada na forma de extrato enzimático de Brassica campestre ssp. Rapifera. A DQO final também é atribuída ao corante residual na solução e à formação de produtos de baixo peso molecular durante o processo enzimático.

Cristóvão et al.31 também observaram um aumento significativo da DQO de um efluente simulado (contendo corantes reativos) de 394 para 3.383 mg L-1 O2, após o tratamento enzimático com lacase.

A aplicação da técnica enzimática para o tratamento de efluentes têxteis industriais deve ser visualizada em conjunto com processos convencionais, com o objetivo de torná-lo mais ameno para o tratamento biológico. Dessa forma, a DQO da fonte enzimática acrescida ao efluente, composta basicamente por proteínas e fibras solúveis biodegradáveis, pode ser facilmente abatida no tratamento biológico.

Outra estratégia que deve ser considerada, não apenas com o objetivo de preservar a DQO do sistema, mas com uma série de outras vantagens operacionais, é o emprego da fonte de enzima imobilizada em uma matriz suporte.34

CONCLUSÃO

A peroxidase do nabo (PEN) mostrou-se eficiente na remoção da cor de importantes corantes industriais em fase aquosa. Entretanto, a porcentagem de descoloração e a taxa de degradação ocorreram com velocidades diferentes, de acordo com a estrutura do corante.

A eficiência de descoloração é reduzida pela hidrólise química dos corantes estudados (CTR e RBBR) e pela adição de auxiliares químicos contidos no efluente sintético.

A DQO residual aumenta no efluente sintético contendo CTR após o tratamento enzimático, o que pode ser atribuído à presença de matéria orgânica adicionada na forma de extrato vegetal (enzima), devido à presença de corante residual na solução e produtos de baixo peso molecular formados durante o processo oxidativo.

Portanto, a utilização da PEN na descoloração de corantes e efluentes têxteis, aliada aos tratamentos microbianos convencionais, pode ser uma alternativa eficiente e de baixo custo. O processo enzimático pode ser também utilizado diretamente na remoção da cor dos banhos de tingimento, para que possa ser reutilizado e recirculado para o processo produtivo.

AGRADECIMENTOS

À CAPES e FAPEMIG pelas bolsas de estudos concedidas no Brasil e no exterior.

Recebido em 21/4/11

Aceito em 11/11/11

Publicado na web em 23/1/12

  • 1. Kunz, A.; Peralta-Zamora, P.; Moraes, S. G.; Duran, N.; Quim. Nova 2002, 25, 78.
  • 2. Guarantini, C. C. I.; Zanoni, M. V.; Quim. Nova 2000, 23, 71.
  • 3. Wang, C.; Yediler, A.; Lienert, D.; Wang, Z.; Kettrup, A.; Chemosphere 2002, 46, 339.
  • 4. Bohm, B.; Water Sci. Technol 1994, 30, 169.
  • 5. Vandevivere, P. C.; Bianchini, R.; Verstraete, W.; J. Chem. Technol. Biotechnol.1998, 72, 289.
  • 6. Santos, S. C. R.; Dissertação de Mestrado, Universidade do Porto, Portugal, 2009.
  • 7. Zanoni, M. V.; Carneiro, P. A.; Ciência Hoje 2001, 29, 61.
  • 8. Hai, F. I.; Yamamoto, K.; Fukushi, K.; Crit. Rev. Environ. Sci. Technol 2007, 37, 315.
  • 9. Robinson, T.; Mcmullan, G.; Marchant, R.; Nigam, P.; Bioresour. Technol 2001, 77, 247.
  • 10. Durán, N.; Esposito, E.; Appl. Catal., B 2000, 714, 1.
  • 11. Karam, J.; Nicell, J.; J. Chem. Technol. Biotechnol 1997, 69, 141.
  • 12. Bhunia, A.; Durani, S.; Wangikar, P.; Biotechnol. Bioeng 2001, 72, 562.
  • 13. Yang, Q. X.; Yang, M.; Pritsch, K.; Yediler, A.; Hagn, A.; Schloter, M.; Kettrup A.; Biotechnol. Lett 2003, 25, 709.
  • 14. Hussain, Q.; Rev. Environ. Sci. Biotechnol 2009, 9, 117.
  • 15. Passardi, F.; Bakalovic, N.; Teixeira, F. K.; Penel, C.; Dunand, C.; Genomics 2007, 89, 567.
  • 16. Dec, J.; Bollag, J. M. Biotechnol. Bioeng.1994, 44, 1132.
  • 17. Fatibello-Filho, O.; Vieira, I. C.; Quim. Nova 2002, 25, 455.
  • 18. Khan, A. A.; Robinson, D. S.; Food Chem 1994, 49, 407.
  • 19. Figueiredo, S. A. R. C.; Tese de Doutorado, Universidade do Porto, Portugal, 2002.
  • 20. APHA; Standart methods for the examination of water and wastewater, 19th ed., Washington, 1995.
  • 21. Liu, Y.; Huang, J.; Zhang, X.; J. Biosci. Bioeng 2009, 108, 496.
  • 22. Novotny, C.; Rawal, B.; Bhatt, M.; Patel, M.; Sasek, V.; Molitoris, H. P.; J. Biotechnol 2001, 89, 113.
  • 23. Mohan, S. V.; Prasad, K. K.; Rao, C. N.; Sarma, P. N.; Chemosphere 2005, 58, 1097.
  • 24. Claus, H.; Faber, G.; König, H.; Appl. Microbiol. Biotechnol. 2002, 59, 672.
  • 25. Dawkar, V. V.; Jadhav, U. U.; Telk, A. A.; Govindwar, S. P.; Biotechnol. Bioprocess Eng 2009, 14, 361.
  • 26. Shaffiqu, T. S.; Roy, J. J.; Nair, R. A.; Abraham, T. E.; Appl. Biochem. Biotechnol 2002, 102, 315.
  • 27. Michniewicz, A.; Ledakowicz, S.; Ullrich, R.; Hofrichter, M.; Dyes Pigm 2008, 77, 295.
  • 28. Hiner, A. N. P.; Hernandez-Ruiz, J.; Willians, G. A.; Arnao, M. B.; Garcia-Canovas, F.; Acosta, M.; Arch. Biochem. Biophys .2001, 392, 295.
  • 29. Nicell, J. A.; J. Chem. Technol. Biotechnol.1994, 60, 203.
  • 30. Silva, M. C.; Tese de Doutorado, Universidade Federal de Lavras, Brasil, 2011.
  • 31. Cristóvão, R. O.; Tavares, A. P. M.; Loureiro, J. M.; Boaventura R. A. R.; Macedo E. A.; Bioresour. Technol 2009, 100, 6236.
  • 32. Champagne, P.; Tese de Doutorado, Queen's University, Kingston, 2009.
  • 33. Cristóvão, R. O.; Tavares, A. P. M.; Ferreira L. A.; Loureiro, J. M.; Boaventura R. A. R.; Macedo E. A.; Bioresour. Technol 2009, 100, 1094.
  • 34. Wilberg, k. Q.; tese de Doutorado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil, 2003.
  • *
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Jul 2012
    • Data do Fascículo
      2012
    Sociedade Brasileira de Química Secretaria Executiva, Av. Prof. Lineu Prestes, 748 - bloco 3 - Superior, 05508-000 São Paulo SP - Brazil, C.P. 26.037 - 05599-970, Tel.: +55 11 3032.2299, Fax: +55 11 3814.3602 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: quimicanova@sbq.org.br