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Sorção de Diuron em minerais da fração argila

Diuron sorption onto clay mineral fractions

Resumo

The objective of the present study was to evaluate the adsorption of the herbicide Diuron onto smectite and Fe oxides minerals. Ninety mg of each mineral, 1 mL of 0.15 mol L-1 CaCl2 and 8 mL of Diuron (0.25-10.00 mg L-1) were used in triplicates. These materials were shaken, ultra centrifuged and the supernatant collected and analysed on a UV-Vis spectrophotometer. The Diuron presented low adsorption onto clay mineral fractions. Adsorption was greater onto Fe oxides at pH 7.0, possibly due to proximity to the point of zero charge of these minerals.

smectite; Fe oxides; herbicides


smectite; Fe oxides; herbicides

ARTIGO

Sorção de Diuron em minerais da fração argila

Diuron sorption onto clay mineral fractions

Izabel Cristina Leinig AraujoI;Vander de Freitas MeloI,* * e-mail: vanderfm@ufpr.br ; Gilberto AbateII; Rafael Garrett DolattoII

IDepartamento de Solos e Engenharia Agrícola, Setor de Ciências Agrárias, Universidade Federal do Paraná, Rua dos Funcionários, 1540, 80035-050 Curitiba - PR, Brasil

IIDepartamento de Química, Universidade Federal do Paraná, Centro Politécnico, CP 26077, 81531-990 Curitiba - PR, Brasil

ABSTRACT

The objective of the present study was to evaluate the adsorption of the herbicide Diuron onto smectite and Fe oxides minerals. Ninety mg of each mineral, 1 mL of 0.15 mol L-1 CaCl2 and 8 mL of Diuron (0.25-10.00 mg L-1) were used in triplicates. These materials were shaken, ultra centrifuged and the supernatant collected and analysed on a UV-Vis spectrophotometer. The Diuron presented low adsorption onto clay mineral fractions. Adsorption was greater onto Fe oxides at pH 7.0, possibly due to proximity to the point of zero charge of these minerals.

Keywords: smectite; Fe oxides; herbicides.

INTRODUÇÃO

Ao longo dos anos, o elevado crescimento das atividades agrícolas sempre foi acompanhado pelo intenso uso de pesticidas1-3 principalmente no Brasil, que é considerado o maior consumidor do mundo.4 Dentre os pesticidas, a classe dos herbicidas - que matam ou suprimem o crescimento de plantas invasoras específicas - é responsável pela maior parte das vendas e do consumo em nível mundial.5,6

Embora sejam insumos agrícolas de reconhecida importância, a utilização inadequada e sem conhecimento da ação e dos efeitos secundários pode acarretar danos ambientais, o que reforça a necessidade de estudos sobre o seu destino final: o solo. O comportamento de herbicidas no solo é bastante complexo e resulta de vários fatores, dentre os quais, destaca-se o processo de sorção, que denota a interação entre o soluto e a fase sólida do solo.7 Esta depende das características químicas da molécula do herbicida1,8,9 e das propriedades e dos constituintes do solo.1,9

O herbicida Diuron [3-(3,4 diclorofenil)-1,1-dimetilureia] (Figura 1), do grupo químico das fenilureias10-12 é parcialmente polar, não ionizável e tem solubilidade em água de 42 mg L-1.11,13 No Brasil é um dos mais utilizados no controle de plantas invasoras da cana-de-açúcar.8,10 Além disso, pode ser usado de forma isolada ou combinada com outros herbicidas em culturas de citros, algodão, café, abacaxi, cacau, banana, entre outras.11 De acordo com o grau de toxicidade e periculosidade ambiental, é considerado moderadamente tóxico e muito perigoso para o meio ambiente.11,14 O coeficiente de partição ou sorção (Kd) do Diuron, que representa a relação entre a concentração do herbicida sorvido ao solo e a concentração do herbicida encontrada na solução de equilíbrio, é de 400 L kg-1.15 A persistência deste pesticida no ambiente pode ser de 3 meses11 a 1 ano.16


Na literatura há uma ampla diversidade de trabalhos que abordam a sorção de Diuron em solos e minerais da fração argila.8,10,12,17-19 Entretanto, poucos trabalhos sobre Diuron dão enfoque aos minerais encontrados naturalmente nos solos, principalmente usando resíduos concentrados após o tratamento da fração argila com extrações sequenciais. A maior parte dos estudos relaciona a sorção à matéria orgânica. Nos estudos de sorção com o solo (terra fina), há controvérsias sobre os mecanismos de sorção, por se tratar de uma matriz composta, com constituintes coloidais com cargas positivas e negativas e superfícies apolares.20,21 Dentre os minerais da fração argila, as esmectitas e os óxidos de Fe apresentam mecanismos distintos quanto à natureza de formação das cargas (permanentes ou estruturais e dependentes de pH ou variáveis, respectivamente) e de predomínio do sinal das cargas (negativas e positivas na faixa normal de pH dos solos de 4 a 7).

O grupo das esmectitas, que tem como principal representante nos solos a montmorilonita, é formado por argilominerais 2:1 expansíveis, que apresentam alta área superficial específica (ASE), podendo atingir valores de até 700 m2 g-1, devido principalmente à área interna, e alta capacidade de troca catiônica (CTC) com valores próximos a 100 cmolc kg-1. A formação dessa alta carga negativa é resultante, principalmente, da substituição isomórfica de Al3+ por Mg2+ na lâmina octaédrica.20,21

Já os óxidos de Fe são formados por uma estrutura básica octaédrica, constituída de Fe e O. Estes octaedros são polimerizados em arranjos compactos, unidos por vértices, faces ou arestas.22,23 Esses minerais apresentam menor ASE (90 a 200 m2 g-1) e baixa CTC (menor que 10 cmolc kg-1). A carga é dependente do pH do meio, com predomínio de cargas positivas de superfície (CTA - capacidade de troca aniônica) para a faixa normal de pH dos solos (entre 4 e 7). O valor de pH onde se tem a igualdade de cargas nos óxidos de ferro (CTC = CTA) é denominado ponto de carga zero e oscila em torno de 8,0.23

O presente trabalho teve como objetivo estudar a sorção do herbicida Diuron em dois minerais concentrados da fração argila de solos (esmectita e óxidos de Fe) por representarem ambientes de formação distintos em termos de área superficial específica e predomínio de cargas negativas (CTC) e positivas (CTA).

PARTE EXPERIMENTAL

Preparação dos minerais

Os óxidos de Fe foram obtidos da fração argila de uma amostra de Latossolo Vermelho Distroférrico húmico (LVDf - horizonte BW1), que tem como material de origem o basalto e foi coletado em Cascavel, PR por Ghidin et al..24 Estes autores descreveram a textura do solo como muito argilosa e encontraram teores de óxidos de Fe de 280 g kg-1 na fração argila (extração com ditionito-citrato-bicarbonato).

Já a esmectita teve como fonte uma amostra moída de Argilito da Bacia Sedimentar de Curitiba, coletada em Pinhais, PR. Esta bacia tem formação geológica proveniente do Período Quaternário, a qual é conhecida como Formação Guabirotuba e é composta de depósitos pouco consolidados de argilitos, arenitos e arcóseos.25

As amostras de LVDf e de Argilito foram secas ao ar, moídas e tamisadas em peneira de 2 mm para obtenção da terra fina seca ao ar (TFSA). Estes materiais foram tratados com peróxido de hidrogênio a 30% (v/v) em banho-maria a 70 ºC para remoção da matéria orgânica e, posteriormente, com NaOH 0,2 mol L-1 para a dispersão das partículas.26,27 A fração areia foi retida em peneira com malha de 0,053 mm e as frações silte e argila foram recolhidas em provetas de 1000 mL e separadas por sedimentação, com base na Lei de Stokes.28 A secagem desta fração foi feita em liofilizador para preservar a estrutura dos minerais.29

A fração argila do argilito foi submetida a três extrações sequenciais com ditionito-citrato-bicarbonato (DCB),30 seguidas de uma extração com NaOH 1,5 mol L-131 para solubilizar os óxidos de ferro e caulinita, respectivamente, e concentrar esmectita.

A argila do LVDf foi tratada com NaOH 5 mol L-1 a quente com a finalidade de extrair caulinita e gibbsita e concentrar óxidos de Fe.32 Foi adicionado silício na forma de metassilicato de sódio (Na2SiO3.5H2O) de modo que a concentração na solução fosse 0,2 mol L-1, evitando assim a dissolução de óxidos de Fe com alta substituição isomórfica em Al.33 A sodalita [Na4Al3Si3O12 (OH)] formada foi removida por duas lavagens com HCl 0,5 mol L-1,32 com tempo de contato de 10 min para cada lavagem.34

As amostras concentradas dos minerais de argila supracitados foram homogeneizadas e ajustadas em pH 3,5 (óxidos de Fe) e 7,0 (óxidos de Fe e esmectita) com soluções diluídas de HCl e NaOH.

A análise mineralógica das frações naturais e concentradas em óxidos de Fe e de esmectita foi realizada através de Difratometria de Raios X (DRX) (Figura 2). Foram montadas lâminas de vidro com amostras em pó (óxidos de Fe - varredura de 2 a 50º 2θ) e orientadas (esmectita - varredura de 2 a 22º 2θ). Os difratogramas foram obtidos com goniômetro vertical Philips, modelo PW 1050/70, equipado com tubo de Cu e filtro de Ni, operado com 20 mA e 40 kV, com velocidade angular de 0,5º 2θmin-1.



Experimento de sorção

O experimento de sorção foi conduzido em laboratório, utilizando-se o herbicida Diuron (Figura 1) grau técnico, com 98% de pureza e procedente da Sigma Aldrich®, nas seguintes concentrações: 0; 0,25; 0,50; 0,75; 1,00; 2,00; 3,00; 4,00; 6,00; 8,00; 10,00 mg L-1. A sorção de Diuron nas amostras de esmectita concentrada foi realizada em pH 7,0 e nos óxidos de Fe concentrados em pH 3,5 e 7,0.

Para a preparação das soluções-estoque de Diuron foram pesados 10 mg do herbicida, os quais foram dissolvidos em 4 mL de álcool etílico. Estas soluções foram transferidas para balões de vidro com capacidade para 1000 mL e o volume dos frascos foi completado com água ultrapura. O pH da solução foi ajustado para 3,5 e 7,0 com auxílio de soluções diluídas de HCl e NaOH. A partir das soluções-estoque foram realizadas diluições seriadas para a obtenção das demais concentrações, ajustando-se sempre o pH para 3,5 e 7,0 e a concentração de álcool etílico para 4 mL L-1.

Foram preparadas suspensões em tubos de centrífuga, contendo 90 mg de cada mineral (massa obtida em balança analítica após secagem da amostra a 40 ºC por 24 h), 8,00 mL de solução de Diuron (nas diferentes concentrações e valores de pH) e 1,00 mL de CaCl2 0,15 mol L-1. Provas em branco (sem adição de Diuron) foram preparadas em paralelo para cada um dos argilominerais, adicionando-se 8,00 mL de água ultrapura. A solução de CaCl2 foi utilizada para auxiliar na decantação da argila, a fim de se retirar posteriormente apenas o sobrenadante. Todos os tratamentos foram realizados em triplicata.

As suspensões foram agitadas em agitador orbital a 120 osc min-1 por 24 h - tempo ideal para alcançar o equilíbrio da solução12 - e temperatura ambiente, com média de 22 ºC. Depois de agitadas, as soluções foram ultracentrifugadas por 30 min a 20.000 rpm em ultracentrífuga da marca Sigma, mantendo-se a temperatura do aparelho em 22 ºC. Em seguida, as fases sobrenadantes obtidas foram filtradas em membrana de 0,45 µm. O filtrado foi analisado em espectrofotômetro da marca Femto, 700 Plus, sendo a leitura realizada na região do ultravioleta (UV), no comprimento de onda de 248 nm, onde se observa maior absorbância do herbicida Diuron.19

Partes das mesmas soluções usadas nos ensaios de sorção foram tomadas para calibração e obtenção das curvas analíticas do espectrofotômetro (leitura 248 nm): 11 concentrações de Diuron (0 a 10 mg L-1), 2 valores de pH, álcool etílico 4 mL L-1 e CaCl2 0,15 mol L-1.

A partir da curva analítica obtida (padrões do herbicida), os valores obtidos no espectrofotômetro em absorbância foram convertidos para concentração em equilíbrio (Ce - mg L-1). A análise dos dados foi realizada através da isoterma de Freundlich. A Equação de Freundlich é dada pela expressão:35,36

em que: Q = razão entre a massa em mg do soluto adsorvido (Diuron) pela massa em kg do mineral adsorvente; Kf = constante de Freundlich que equivale à capacidade de sorção; Ce = concentração em equilíbrio, após 24 h de contato do mineral com o herbicida (mg L-1); 1/n = expoente de Freundlich.

A utilização de diferentes unidades para expressar os valores de Ce e Kf dificulta a comparação entre os estudos de sorção.37 Para se obter a forma linear da isoterma de Freundlich, foram tomados os valores logaritmos de cada parâmetro por meio da equação: log Q = log Kf + 1/n log Ce.

Dessa forma, ao plotar log Q versus log Ce, é obtido o log Kf como a interseção da linha e 1/n como a inclinação da reta,35,36,38 parâmetros amplamente utilizados para comparar os mecanismos de sorção.36 É importante ressaltar que para o cálculo de Kf, todos os valores de Ce da curva são utilizados, sendo que esse valor é dependente da temperatura (usualmente mantida a 25 ºC). No presente estudo a faixa de temperaturas se situou entre 18 e 25 ºC.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Caracterização das amostras de minerais da fração argila

Nos difratogramas de raios X fica evidente o predomínio de esmectita e óxidos de Fe (hematita - Hm e goethita - Gt) nas frações argila concentradas (Figura 2).

A pequena ocorrência de caulinita na amostra do Argilito (Figura 2a) é devida à resistência de algumas partículas do mineral à extração com NaOH 1,5 mol L-1. Mesmo com essa limitação, optou-se pelo emprego de solução menos concentrada em relação ao método padrão (NaOH 5 mol L-1 a quente, que promove a remoção total da caulinita e da gibbsita).32 Melo et al.31 trabalharam com dois perfis de Cambissolos Háplicos formados de Argilito da Formação Guabirotuba e observaram que a solução de NaOH 1,5 mol L-1 foi mais eficiente na concentração de esmectita na fração argila do horizonte mais profundo (C4 - 4,2 a 4,5 m). A solução mais concentrada de NaOH 5 mol L-1 a quente também removeu parte da esmectita, principalmente as partículas da fração argila fina.

Melo et al.31 identificaram, por testes específicos (saturação com Li), a estrutura básica do mineral 2:1 como montmorilonita e beidelita, ambas esmectitas dioctaedrais.

Na fração argila de Latossolo Vermelho distroférrico húmico (Figura 2b) as reflexões de óxidos de Fe são majoritárias, com pequena ocorrência de gibbsita, que não interfere no predomínio de CTA da amostra nos valores de pH do experimento de sorção (PCZ da gibbsita superior a 7,0).39

Na amostra concentrada de óxidos de Fe foram determinadas as características cristalográficas da hematita (Hm) e da goethita (Gt) a partir do difratograma de raios X (Tabela 1) seguindo os procedimentos descritos por Melo et al..40 A relação Gt/(Gt+Hm) igual a 0,11 indica o predomínio de hematita na amostra. Os principais fatores que favorecem a Hm em detrimento à Gt no solo e, portanto, contribuem para diminuir a relação Gt/(Gt+Hm) são os maiores teores de Fe no material de origem, as altas temperaturas, o menor grau de umidade, o maior teor de matéria orgânica e valores de pH mais altos.33,41,42 O maior diâmetro médio do cristal (DMC) da Gt na direção (111) que na direção (110) pode indicar formato acicular do material.43 Já para Hm, a proximidade dos valores de DMC sugere o formato isodimensional do mineral.44 A exposição de grupos funcionais com predominância de CTA em amostras concentradas desses minerais é dependente do tamanho e do formato das partículas (características que definem a ASE).

Sorção de Diuron

De acordo com os tratamentos - esmectita em pH 7,0 e óxidos de Fe em pH 3,5 e 7,0 - foi possível observar a sorção do herbicida em três condições distintas: com alto predomínio de cargas negativas (esmectita), com alto predomínio de cargas positivas (óxidos de Ferro em pH 3,5) e próximo ao ponto de carga zero (óxidos de Fe em pH 7,0).

O percentual médio de remoção em relação à concentração adicionada (%) de Diuron seguiu a ordem (Tabela 2): óxidos de Fe pH 7,0 > esmectita pH 7,0 > óxidos de Fe pH 3,5. A redução da porcentagem de sorção de Diuron com o aumento da concentração da solução foi mais consistente na matriz com maior sorção (óxidos de Fe pH 7,0). Este fato deve-se à diminuição dos sítios de sorção disponíveis. Liu et al.,17 ao estudarem a cinética da sorção de Diuron em solos (terra fina) em função do tempo de contato, observaram rápida sorção de herbicidas apenas nos estágios iniciais, em função da grande quantidade de sítios disponíveis.

A remoção máxima de Diuron pela esmectita foi apenas 18,8% (Tabela 2), valor bem próximo ao verificado por Rezende et al.,19 que encontraram remoção de até 20% em montmorilonita intercalada com K, na concentração do herbicida de 2,5 mg L-1. Isso demonstra a baixa interação do herbicida não ionizável e de baixa polaridade com uma matriz de elevada CTC e ASE. Rezende et al.19 observaram que para a ametrina, herbicida iônico base fraca com predomínio de cargas positivas para valores de pH inferiores a 4,1, a remoção foi acima de 92%. O maior potencial adsortivo de pesticidas iônicos (cargas positivas) a matrizes coloidais dos solos (altos valores de CTC) previne a lixiviação e a contaminação do lençol freático com essas substâncias.

Os dados obtidos da massa de Diuron (mg) por massa de fase mineral (kg) foram plotados em função da concentração remanescente após o tempo de contato de 24 h, sugerindo um perfil linear (curvas não mostradas) o que, de acordo com a classificação de Giles et al.,45 indica uma partição constante (isoterma do tipo C) entre a superfície do mineral e a solução.22,46 Esses dados foram tratados de acordo com o modelo linear de Freundlich35,36,38 (log Q versus log Ce), o que gerou as curvas mostradas na Figura 3. As isotermas obtidas sugerem que o processo de sorção foi maior na amostra de óxido de Fe (pH 7,0) e menor no óxido de Fe pH 3,5, corroborando os resultados apresentados na Tabela 2. Esta interação pode ocorrer principalmente por forças intermoleculares, como de van der Waals, e ligações de H. Estes tipos de interações são as mais relevantes para pesticidas de baixa solubilidade e polaridade e não ionizáveis, como o Diuron.47 O modelo de isoterma de Freundlich é considerado apropriado para estudo de sorção em superfícies heterogêneas48 e tem sido amplamente utilizado, por ter uma boa linearidade em experimentos com solos.49 Pelos parâmetros dessa equação pode-se inferir que os óxidos de Fe em pH 7,0 demonstraram maior capacidade de sorção de Diuron (Kf), enquanto que em pH 3,5 houve maior intensidade de sorção (1/n) (Tabela 3). A capacidade de sorção seguiu a ordem: óxidos de Fe pH 7,0 > esmectita pH 7,0 > óxidos de Fe pH 3,5. De acordo com os valores obtidos de R2, entre 0,91 e 0,95, pode-se inferir que os sistemas estudados foram adequadamente ajustados ao modelo de Freundlich, conforme a Tabela 3.


De maneira geral, os valores de Kf foram baixos e permaneceram na mesma ordem de grandeza de outros estudos de adsorção de Diuron em amostras de solos17 e em minerais de argila.12 A baixa adsorção de Diuron observada no presente estudo sugere que este herbicida tem grande possibilidade de sofrer lixiviação. De acordo com Pires et al.,50 quando o produto permanece por mais tempo no solo sem ser adsorvido pelos coloides, degradado e/ou mineralizado, a possibilidade de lixiviar é maior.

Monqueiro et al.51 simularam a precipitação pluvial em Latossolo Vermelho distrófico cultivado com cana-de-açúcar e observaram que a combinação de diuron + hexazinone apresentou tendência a ser lixiviada. Eles enfatizaram que este fato pode determinar a seletividade e/ou eficiência no controle de plantas daninhas, bem como o potencial de contaminação de águas subterrâneas. Contudo, esta alta capacidade de lixiviação de Diuron pode ser retardada em solos com maiores teores de matéria orgânica, como observado por Matallo et al..52 Outros experimentos8,53,54 também reforçaram a importância da matéria orgânica na adsorção de Diuron, devido à possibilidade do herbicida também ser particionado hidrofobicamente nesse constituinte coloidal. Como se trata de um herbicida com baixa solubilidade em água, o Diuron pode ser atraído fisicamente aos sítios hidrofóbicos da matéria orgânica, otimizando o processo de adsorção.45,46 Já os minerais da fração argila, mesmo apresentando alta ASE, como a esmectita, não possuem sítios hidrofóbicos para abrigar o herbicida e, portanto, predominam outros tipos de interações intermoleculares, como de van der Waals e ligações de hidrogênio.47

Rocha et al.55 avaliaram a capacidade adsortiva de imazaquim (herbicida ácido fraco com predomínio de cargas negativas para valores de pH superiores a 3,8) em Latossolo oxídico com características semelhantes ao solo utilizado no presente estudo: material de origem basalto; solo muito argiloso; amostra coletada em subsuperfície (horizonte Bw) com baixo teor de matéria orgânica. O maior valor de Kf para adsorção de imazaquim em pH 5,1 (2,17) em relação ao pH neutro (Kf = 0,31) foi atribuído à maior ocorrência de cargas positivas (CTA) nos óxidos de Fe e Al em pH ácido. Como os autores trabalharam com amostras de solo, constituído de diferentes minerais na fração argila, a elevação de pH para 6,9 resultou em aumento de cargas negativas na caulinita (PCZ próximo a 3,5) e redução de CTA nos óxidos de Fe e Al (PCZ entre 7 e 9), o que determinou menor atração eletrostática desses minerais com o imazaquin. Já no presente trabalho, mesmo se tratando de herbicida não iônico, a utilização apenas de minerais da fração argila resultou em maior capacidade de adsorção de Diuron em pH neutro (Kf = 1,47 - Tabela 3).

Nos estudos com amostras de solos, por ser uma matriz composta, o estabelecimento de relação causa-efeito para determinar a influência de cada contribuinte coloidal na adsorção de herbicidas é feito de forma indireta, por análises de correlações.9 A maior capacidade adsortiva do Diuron na amostra de óxidos de Fe pH 7,0 (Tabela 3) pode ser atribuída à menor condição de repulsão entre o herbicida não iônico e a superfície dos minerais. Devido à proximidade do PCZ desses minerais (próximo a pH 8,0)23 no pH 7,0, espera-se maior equilíbrio entre cargas positivas e negativas, o que facilitou a interação mútua das partículas de hematita e goethita (predomínio de hematita, Tabela 1). Essa aparente condição de neutralidade, provavelmente, favoreceu a aproximação e a partição do Diuron na fase sólida. Neste caso, também há favorecimento, além das ligações de H, de interações dipolo-dipolo (van der Waals), pois essas associações são mais significativas para moléculas em contato mais próximo com a superfície adsorvente.47

A capacidade de adsorção maior em pH 7,0 em relação a pH 3,5 difere de resultados obtidos por outros pesquisadores,17,56,57 que observaram maior adsorção de Diuron quanto maior a acidez. Porém, as condições de adsorção foram diferentes: Bailey et al.56 estudaram apenas esmectita, a qual apresentou condições intermediárias no presente estudo quando comparada aos óxidos de Fe; Chaplain et al.57 e Liu et al.17 estudaram solos (terra fina seca ao ar) com a presença de matéria orgânica, o que pode dificultar bastante a comparação, visto que os coloides orgânicos, além de apresentarem outros mecanismos de adsorção, podem cobrir as superfícies minerais alterando, portanto, o processo de sorção.

A menor adsorção de óxidos de Fe em pH 3,5 pode ser atribuída ao excesso de cargas positivas e, portanto, de CTA dos minerais, que reduz a interação do adsorbato com o herbicida não iônico e a possibilidade de ligações intermoleculares. Mesmo com a elevada CTC da esmectita - o que também dificulta a proximidade com os herbicidas - sua elevada área superficial específica (ASE - aproximadamente 700 m2 g-1),21 provavelmente, aumentou a adsorção do Diuron em relação aos óxidos de Fe pH 3,5, colocando o mineral em posição intermediária na sequência de adsorção (Figura 3, Tabela 3).

CONCLUSÕES

A caracterização dos minerais por difratometria de raios X demonstrou predomínio da hematita na fração argila de LVdf tratada com NaOH 5 mol L-1 e de esmectita na fração argila de argilito tratada com ditionito-citrato-bicarbonato e NaOH 1,5 mol L-1.

As frações minerais demonstraram baixa capacidade de adsorção do herbicida Diuron, em pH 3,5 e 7,0, o que favorece sua lixiviação e contaminação do nível freático em solos com baixos teores de matéria orgânica (grande maioria dos solos tropicais).

A maior capacidade de sorção foi observada para óxidos de Fe em pH 7,0, seguida de esmectita em pH 7,0 e óxidos de Fe em pH 3,5. A proximidade do pH do ponto de carga zero da hematita e goethita na primeira situação, provavelmente, favoreceu a sorção do herbicida não iônico e de baixa polaridade.

21. Schulze, D. G. Em ref. 20, cap. 1.

28. Gee, G. W.; Bauder, J. W. Em ref. 27, cap. 15.

29. Melo, V. F.; Wypych, F. Em ref. 23, cap. 7.

42. Schwertmann, U.; Taylor, R. M. Em ref. 20, cap. 8.

47. Oliveira Jr., R. S.; Regitano, J. B. Em ref. 39, cap. 15.

Recebido em 4/7/11; aceito em 27/2/11; publicado na web em 15/6/12

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      2012

    Histórico

    • Recebido
      04 Jul 2011
    • Aceito
      27 Fev 2011
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