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Ocorrência de biflavonoides em Clusiaceae: aspectos químicos e farmacológicos

Occurrence of biflavonoids in Clusiaceae: chemical and pharmacological aspects

Resumo

This work describes the biflavonoids found in species of Clusiaceae, particularly the genera Garcinia and Calophyllum, emphasizing the importance of these metabolites as chemical markers of this family, their contribution to the pharmacological potential of these species, besides the promising potential of these compounds in the search for new drugs.

Clusiaceae; Garcinia; biflavonoids


Clusiaceae; Garcinia; biflavonoids

REVISÃO

Ocorrência de biflavonoides em Clusiaceae: aspectos químicos e farmacológicos# # Artigo em homenagem ao Prof. Otto R. Gottlieb (31/8/1920-19/6/2011)

Occurrence of biflavonoids in Clusiaceae: chemical and pharmacological aspects

Rafaela Oliveira FerreiraI; Mário Geraldo de CarvalhoII,* * e-mail: mgeraldo@ufrrj.br ; Tania Maria Sarmento da SilvaIII

IDepartamento de Química, Instituto de Ciências Exatas, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Rodovia BR-475, km 7, 23890-000 Seropédica - RJ, Brasil

IINúcleo de Pesquisa em Produtos Naturais, Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Av. Carlos Chagas Filho, Bl. H, 373, Cidade Universitária, Ilha do Fundão, 21941-902 Rio de Janeiro - RJ / Departamento de Química, Instituto de Ciências Exatas, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Rodovia BR-475, km 7, 23890-000 Seropédica - RJ, Brasil

IIIDepartamento de Ciências Moleculares, Universidade Federal Rural de Pernambuco, Rua Dom Manuel de Medeiros, s/n, 52171-900 Recife - PE, Brasil

ABSTRACT

This work describes the biflavonoids found in species of Clusiaceae, particularly the genera Garcinia and Calophyllum, emphasizing the importance of these metabolites as chemical markers of this family, their contribution to the pharmacological potential of these species, besides the promising potential of these compounds in the search for new drugs.

Keywords: Clusiaceae; Garcinia; biflavonoids.

INTRODUÇÃO

A família Clusiaceae, também conhecida como Guttiferae, é composta por plantas tropicais e abrange cerca de 30 gêneros e 1150 espécies.1 Esta família engloba árvores, arbustos, lianas e ervas de interesse econômico pela produção de frutos comestíveis, madeiras nobres, derivados químicos de interesse farmacêutico e industrial.2 Várias espécies desta família são utilizadas com fins medicinais em todo o mundo, como para o tratamento do câncer, processos inflamatórios, infecções, como purgativos e controle da obesidade.3-5 No Brasil, os gêneros mais importantes são Kielmeyera Mart. & Zucc. (pau-santo), Caraipa Aubl (Camaçari), Platonia R. Wight (bacuri), Clusia L. (abaneiro), Rheedia L. (bacupari) e Calophyllum (guanandi). As quatro principais classes de compostos encontrados na família Clusiaceae são xantonas, cumarinas, biflavonoides e benzofenonas, produzidos pelas plantas principalmente como mecanismo de defesa.6

Os biflavonoides são compostos polifenólicos de ocorrência natural que são onipresentes nas plantas vasculares e têm apresentado propriedades biológicas promissoras.7,8 Os dímeros de flavonoides resultam da ligação de duas unidades de flavona, flavanona, flavanonol, flavonol ou auronas ou misturas destas, além de ocorrerem, menos comumente, os dímeros de chalconas e isoflavonas.9,10 Esta classe de metabolitos foi originalmente encontrada por Furukawa em 1929 no extrato das folhas de Ginkgo biloba, na forma de um sólido amarelo, posteriormente denominado de gingentina.11 Os biflavonoides mais comumente isolados são a gingentina, isogingentina, amentoflavona, morelloflavona, robustaflavona, hinoquiflavona e ochnaflavona.12 Algumas espécies apresentam estes compostos como principais constituintes, tais como, Ginkgo biloba, Garcinia kola, espécies de Selaginella e dos gêneros Ouratea e Luxemburgia (Ochnaceae).9,10 Vários biflavonoides têm sido isolados de espécies vegetais, porém a avaliação do seu potencial farmacológico ainda é limitada.13,14

Neste trabalho apresenta-se uma revisão da literatura sobre a ocorrência de biflavonoides em Clusiaceae. Foram encontradas cerca de 40 estruturas isoladas de diferentes gêneros, destacando-se os gêneros Garcinia (sinonímia Rheedia; subfamília Clusioideae) e Calophyllum (subfamília Calophylloideae) com registros em 32 e 6 espécies, respectivamente. Verificou-se que algumas espécies são utilizadas na medicina popular e que os biflavonoides podem contribuir nas atividades apresentadas por algumas destas espécies.

BIFLAVONOIDES EM CLUSIACEAE

Os biflavonoides presentes em Clusiaceae foram agrupados em quatro tipos principais: GB1 (flavanona-(3→8")-flavanonol), GB-1a (flavanona-(3→8")-flavanona), morelloflavona (flavanona-(3→8")-flavona) e amentoflavona (flavona-(3'→8")-flavona) (Figura 1). O biflavonoide GB1 (Garcinia Biflavonoid) é um dos principais constituintes de G. kola, uma das espécies mais estudadas do ponto de vista farmacológico do gênero Garcinia.15 Os biflavonoides do tipo GB-1a, também denominados I-3,II-8-binaringenina,16 foram isolados em cerca de 20 espécies de Clusiaceae (Tabela 1). A morelloflavona consiste no primeiro biflavonoide conhecido do tipo flavanona-(3→8")-flavona e foi isolada a partir das sementes de G. morella em 1967.17 Este tipo de compostos, incluindo GB1 e GB1a, apresenta complexidade espectral à temperatura ambiente, devido à barreira rotacional em torno da ligação (C3→C8") entre as unidades flavanona e flavona, resultando na formação uma mistura de atropoisômeros.15,17 Às vezes, as análises por RMN 1H permitem perceber a existência de confôrmeros nesses dímeros, como o caso da agathisflavona (C6→C8") cujo espectro do derivado acetilado apresenta deformações nos sinais de alguns núcleos da molécula.18 Por último, os biflavonoides do tipo amentoflavona, que possuem ligação interflavonoide do tipo (C3'→C8"), são diferentes dos demais tipos citados, sendo igualmente abundantes dentro da família Clusiaceae. Em Clusiaceae existem ainda os biflavonoides que não pertencem a nenhum dos quatro grupos principais, porém sua distribuição é restrita dentro da família.


Nos gêneros Allanblackia, Clusia, Garcinia (sinonímia Rheedia) Pentadesma, Pentaphalangium e Symphonia, subfamília Clusioideae, têm-se destacado a ocorrência de biflavonoides dos tipos GB1, GB-1a, morelloflavona e amentoflavona. No caso do gênero Calophyllum, subfamília Calophylloideae, destacam-se amentoflavona e seus derivados prenilados. Em termos quimiossistemáticos, xantonas, benzofenonas e biflavonoides têm sido relatados como potenciais marcadores taxonômicos na subfamília Clusioideae.19

Garcinia (Rheedia) é o gênero mais numeroso da família Clusiaceae com cerca de 400 espécies distribuídas em regiões tropicais da África, Ásia, Nova Caledônia, Polinésia e Brasil.20 Espécies de Garcinia são ricas em derivados fenólicos oxigenados e prenilados, alguns destes exibindo várias atividades biológicas, tais como, antifúngicos, anti-inflamatórios e antioxidantes.21 Os biflavonoides têm despertado o interesse devido à frequência e abundância com que são encontrados neste gênero e cuja diversidade estrutural é devida, principalmente, aos diferentes padrões de hidroxilação, glicosilação, metoxilação e sulfatação. A ocorrência destes metabólitos foi registrada em 32 espécies do gênero Garcinia (Tabela 1), totalizando cerca de 36 biflavonoides (Figura 1). Do gênero Garcinia foram isolados biflavonoides dos tipos GB1 (1-9), GB-1a (10-17), morelloflavona (18-26) e amentoflavona (27-29), além de outros dímeros como 3,6"-binaringenina (37), rhusflavanona (38), lateriflavona (39), garcinianina (40), 3,8"-biapigenina (42), agathisflavona (43) e 2',2"-biflavonol (44).

Uma característica marcante de Garcinia e dos demais gêneros da subfamília Clusioideae é o padrão de ligação entre os seus monômeros, sendo mais abundante o tipo (C-3→C-8"), com oxigenações frequentes em C-4', C-5', C-7', C-5", C-7" e C-4"', observando-se variações nas substituições em C-7" como glicosilações e/ou sulfatações, metoxilações em C-4' e C-4"' e oxidação adicional em C-3' nos diferentes derivados. A morelloflavona (ou fukugetina) (18), GB-2a (13) e volkensiflavona (ou talbotaflavona) (23) podem ser consideradas promissores marcadores taxonômicos da subfamília Clusioideae ocorrendo em 22, 12 e 12 das espécies citadas, respectivamente.

O gênero Calophyllum compreende cerca de 180-200 espécies restritas aos trópicos quentes e úmidos, sendo algumas espécies de ocorrência predominante no Brasil, como a Calophyllum brasiliense Camb., distribuída principalmente na Mata Atlântica e no Cerrado.4 Foram registrados biflavonoides em 6 espécies deste gênero (Tabela 1), totalizando 15 biflavonoides. Do gênero Calophyllum foram isolados biflavonoides dos tipos amentoflavona (27 e 30-36), GB1 (1 e 3) e GB-1a (10 e 13), além de outros dímeros como garcinianina (40), pancibiflavonol (41) e 3,8"-biapigenina (42). Uma característica dos biflavonoides isolados deste gênero é a predominância das biflavonas (amentoflavona e seus derivados) com ligações entre os monômeros do tipo (C-3'→C-8"), podendo ocorrer prenilações em C-6" originando as amentoflavonas preniladas (30 e 31). As piranoamentoflavonas (32-36) resultam da ciclização intramolecular de unidades flavonoídicas preniladas,22 podendo sofrer metoxilações adicionais em C-4' e C-4"' nos diferentes derivados. O isolamento da piranoamentoflavona (32) a partir de C. inophylloide consiste no primeiro relato de ocorrência deste tipo de metabólitos em plantas.23 Biflavonoides com grupos prenilados são raros na natureza.23-25 Em 1997, a ocorrência de (C3'→C8")-biflavona transportando um grupo prenila foi registrada pela primeira vez no gênero Calophyllum, na espécie C. venulosum.26 Geralmente os biflavonoides biossintetizados por Calophyllum e Garcinia apresentam semelhanças, com predominância dos tipos flavona-flavona, flavanona-flavona, flavanona-flavanona e flavanona-flavonol. 26

USO MEDICINAL DE ESPÉCIES DE CLUSIACEAE E ASPECTOS FARMACOLÓGICOS DOS BIFLAVONOIDES

As propriedades medicinais de plantas são conferidas principalmente pelos produtos naturais ou metabólitos secundários, tais como, fenólicos (flavonoides), alcaloides, terpenoides, como também por aminoácidos e proteínas. Os produtos naturais, biossintetizados por organismos vivos, geralmente apresentam propriedades biológicas que podem ser utilizadas na descoberta de novos fármacos e designer de fármacos.9 Os biflavonoides de Clusiaceae apresentam propriedades biológicas e/ou farmacológicas que podem estabelecer uma possível relação entre a presença destes metabólitos e o uso medicinal.

O extenso uso etnofarmacológico de espécies de Clusiaceae (Tabela 2) motivou vários trabalhos acerca do potencial farmacológico das mesmas, tanto com extratos brutos e frações semipurificadas, como com princípios ativos isolados. Como exemplos, podem-se destacar alguns destes trabalhos. Extratos dos frutos de G. mangostana obtidos com etanol e diclorometano exibiram ação anti-inflamatória e potente efeito antinocéptico central e periférico em ratos.79,80 O extrato da resina extraída de G. hanburyi, obtido com acetato de etila, apresentou atividades anti-inflamatória, analgésica e antipirética.81 O extrato etanólico de cascas dos frutos de G. cambogia exibiu ação anti-inflamatória, favorecendo a melhoria de lesões resultantes da colite.82 O óleo extraído de cascas dos frutos de G. brasilienses mostrou efeito anti-inflamatório no modelo de edema de pata em ratos induzido por carragenina.83 Outras atividades farmacológicas também foram relatadas para outras espécies.3,4,84

Os biflavonoides da família Clusiaceae têm sido investigados quanto a sua ação analgésica, antibacteriana, antifúngica, anti-inflamatória, antinoceptiva, antioxidante, antiparasitária, antiviral, antitumoral, citotóxica, imunomoduladora e hipolipidêmica, com resultados promissores na maioria dos casos (Tabela 3). Dentre os biflavonoides farmacologicamente ativos, merecem destaque a amentoflavona, morelloflavona, GB1 e Kolaviron (mistura dos biflavonoides GB1, GB2 e kolaflavanona na proporção 2:2:1),85 em razão do expressivo número de trabalhos científicos que demonstram seu potencial farmacológico.

Cechinel Filho et al.76 e Luzzi et al.86 sugeriram que os biflavonoides são os principais responsáveis pela ação analgésica da espécie G. gardneriana. Os biflavonoides volkensiflavona, GB-2a, morelloflavona (ou fukugetina) e morelloflavona-7"-O-glicopiranosídeo (ou fukugisida) isolados das folhas de G. gardneriana demonstraram promissora atividade analgésica.86 O novo biflavonoide GB2a-II-4'-OMe, isolado das folhas desta espécie, apresentou significante efeito analgésico em testes com formalina em camundongos.76,86 Recentemente, foi demonstrado que G. gardneriana, morelloflavona e GB-2a possuem atividade anti-inflamatória oral no modelo de edema de pata de rato induzido por carragenina.44

Além das considerações acima, vale a pena ressaltar que os biflavonoides, incluindo os de Garcinia, são compostos farmacologicamente ativos com vantagens farmacocinéticas frente aos flavonoides monoméricos; dentre estas vantagens, pode-se citar a maior biodisponibilidade destes metabólitos em comparação aos flavonoides simples.87 De forma geral, pode-se estabelecer que o potencial farmacológico descrito para os biflavonoides contribui de maneira singular para as propriedades medicinais destas espécies. Como, por exemplo, os trabalhos com biflavonoides isolados de espécies da família Ochnaceae.10,88-90

CONCLUSÕES

Nesta revisão foi descrita a ocorrência de cerca de 40 biflavonoides isolados de diferentes espécies de Clusiaceae, sendo observada a predominância dos biflavonoides com ligação interflavonoide do tipo C-C com conexões entre as unidades monoméricas do tipo (3→8"), sendo a morelloflavona (18) o representante mais frequente dentre as espécies investigadas. Este grupo de metabólito secundário é empregado como marcador quimiossistemático de Clusiaceae, em especial da subfamília Clusioideae.

A ampla distribuição e diversificação estrutural observada para estes compostos de natureza dimérica em Clusiaceae permitiram não apenas ressaltar a sua relevância em estudos quimiossistemáticos, como também assegurar a importância medicinal destas plantas, considerando-se que este grupo de metabólitos tem apresentado importantes propriedades farmacológicas.

Finalmente, pode-se afirmar que a família Clusiaceae consiste em uma riquíssima fonte de novos compostos químicos, especialmente biflavonoides, xantonas e benzofenonas com promissores potenciais biológicos. Desta forma, estudos químico-farmacológicos que visam investigar estas espécies devem ser incentivados, inclusive no Brasil, onde há muitas espécies endêmicas ainda sem investigação de qualquer natureza.

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Recebido em 10/4/12; aceito em 10/7/12; publicado na web em 5/10/12

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    Artigo em homenagem ao Prof. Otto R. Gottlieb (31/8/1920-19/6/2011)
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Nov 2012
    • Data do Fascículo
      2012

    Histórico

    • Recebido
      10 Abr 2012
    • Aceito
      10 Jul 2012
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