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Influência do pH nas propriedades físico-químicas, térmicas e mecânicas de filmes de poli(vinil álcool)/poli(ácido acrílico)/aciclovir

Influence of pH on the physico-chemical, thermal and mechanical properties of poly(vinyl alcohol)/poly(acrylic acid)/acyclovir films

Resumo

Drug-loaded films represent an alternative method for the treatment of skin lesions caused by Herpes simplex, since they facilitate delivery of the drug directly at the site of lesion. The objective of this work was to prepare PVA/PAA films containing AC at pH 2.0 and 4.0. The results show that the pH of the film preparations influences the polymer¾drug interaction kinetic order and the degree of swelling. The mechanism of release of AC from the films obtained at pH 4.0 was anomalous, whereas for the films prepared at pH 2.0 the release followed zero-order kinetics.

hydrogel; acyclovir; drug delivery system


hydrogel; acyclovir; drug delivery system

ARTIGO

Influência do pH nas propriedades físico-químicas, térmicas e mecânicas de filmes de poli(vinil álcool)/poli(ácido acrílico)/aciclovir

Influence of pH on the physico-chemical, thermal and mechanical properties of poly(vinyl alcohol)/poly(acrylic acid)/acyclovir films

Karine Modolon ZeponI,* * e-mail: karine@cimject.ufsc.br ; Luiz Alberto KanisI; Valdir SoldiII; Gean Vitor SalmoriaIII

IUniversidade do Sul de Santa Catarina, Av. José Acácio Moreira, 787, 88704-900 Tubarão - SC, Brasil

IIDepartamento de Química, Universidade Federal de Santa Catarina, CP 476, 88040-900 Florianópolis - SC, Brasil

IIIDepartamento de Engenharia Mecânica, Universidade Federal de Santa Catarina, 88040-900 Florianópolis - SC, Brasil

ABSTRACT

Drug-loaded films represent an alternative method for the treatment of skin lesions caused by Herpes simplex, since they facilitate delivery of the drug directly at the site of lesion. The objective of this work was to prepare PVA/PAA films containing AC at pH 2.0 and 4.0. The results show that the pH of the film preparations influences the polymer¾drug interaction kinetic order and the degree of swelling. The mechanism of release of AC from the films obtained at pH 4.0 was anomalous, whereas for the films prepared at pH 2.0 the release followed zero-order kinetics.

Keywords: hydrogel; acyclovir; drug delivery system.

INTRODUÇÃO

Hidrogéis compõem um grupo de polímeros constituídos por cadeias macromoleculares arranjadas tridimensionalmente, dispondo da característica de se intumescer ou contrair quando exposto a meios com diferentes valores de pH, temperatura, força iônica e campo elétrico.1-3 No entanto, a configuração da estrutura tridimensional dos polímeros empregados na produção de hidrogéis depende dos valores de pH e força iônica da solução no qual são preparados ou imersos, sendo atribuída à conversão da energia interna as alterações no volume destes materiais.4

Esta característica tem suscitado o interesse da indústria farmacêutica quanto ao emprego de polímeros que formam hidrogéis na fabricação de sistemas de liberação de fármacos, visto que estes materiais não se dissolvem em meio aquoso quando expostos à temperatura e ao pH fisiológico, estando a taxa de liberação do fármaco a partir da matriz polimérica regulada pela densidade das ligações intermoleculares e pelo grau de intumescimento.5-9 No entanto, aspectos relativos à biocompatibilidade e propriedades mecânicas deste grupo de polímeros também devem ser considerados quando se almeja seu uso na elaboração de sistemas farmacêuticos.5

O poli (vinil álcool) (PVA) é um polímero não tóxico e biocompatível, que apresenta excelente propriedade de formação de filme e disponibilidade de processabilidade, bem como resistência mecânica, térmica e química. Estas propriedades do PVA têm fomentado sua aplicação nas áreas médica e farmacêutica.10,11 Basak et al. elaboraram filmes contendo PVA reticulado com anidrido maleíco, tendo observado que o aumento no pH da solução na qual os filmes foram imersos ocasionou um aumento no grau de intumescimento e no tempo de liberação de dois fármacos modelos empregados no estudo.11

Uma das formas de controle da liberação do fármaco a partir de matrizes compostas por hidrogéis se dá pelo aumento na densidade das ligações cruzadas estabelecidas entre polímero-polímero, polímero-reticulante e/ou polímero-fármaco.8 Quando o poli (ácido acrílico) (PAA), outro exemplo de polímero biocompatível empregado na obtenção de hidrogéis, é acrescido ao PVA, forma uma mistura miscível. A miscibilidade entre estes polímeros decorre do estabelecimento de fortes ligações de hidrogênio entre os grupos carboxílicos do PAA e das hidroxilas do PVA.12 A adição do PAA à matriz de PVA pode, não somente, modular a liberação do fármaco como conferir ao filme propriedade bioadesiva,4,8 sendo esta propriedade relevante quando se deseja empregar este polímero na elaboração de sistemas transdérmicos destinados ao tratamento de doenças dermatológicas.

A eficácia do tratamento de doenças dermatológicas está, na maioria das vezes, condicionada às propriedades farmacológicas do fármaco e da sua biodisponibilidade no local de ação.13 Sendo assim, a eficácia do tratamento utilizando fármacos aplicados por via tópica limita-se à capacidade destes em ultrapassar as barreiras da pele. Por exemplo, a baixa eficácia tópica do aciclovir (AC) no tratamento do herpes pode ser atribuída à permeação inadequada deste antiviral através do estrato córneo até a camada basal da epiderme, local da lesão viral.13,14

O desenvolvimento de sistemas transdérmicos que possibilitem a aplicação local do aciclovir, mantendo-o por um maior período de tempo em contato com a lesão, pode conferir maior eficácia contra o vírus Herpes simplex 1 e 2. Neste sentido, o objetivo deste trabalho foi estudar a influência do pH de preparação de filmes compostos por PVA e PAA contendo AC, avaliando as propriedades físico-químicas, térmicas, mecânicas e mecanismo de liberação do fármaco.

PARTE EXPERIMENTAL

Materiais

PVA (Sigma-Aldrich, EUA); PAA (Luper Química, Brasil); AC (Galena S.A., Brasil); ácido clorídrico (HCl) (F. Maia, Brasil); Solução Tampão Fosfato (Sigma-Aldrich, EUA).

Preparação de filmes contendo PVA/PAA/AC

Foram preparados filmes contendo PVA/PAA/AC na proporção (50:50%) de polímero em pH 2,0 e 4,0. A concentração de AC adicionado ao filme foi definida a partir dos valores de área da placa de Petri, numa relação de 3 mg de AC para cada cm2 de área da placa. As soluções contendo PVA e PAA/AC foram solubilizadas separadamente em 20 mL de solução de ácido clorídrico (HCl) 0,01M (pH 2,0) e 0,0001M (pH 4,0) permanecendo sob agitação por 2 h, sendo a solução de PVA aquecida a 70 ºC. Após solubilização e resfriamento à temperatura ambiente, foram acrescentadas à solução de PVA 20 mL da solução PAA/AC e mantida sob agitação por 4 h. A solução foi transferida para uma placa de Petri e o solvente evaporado à temperatura ambiente.

Espectroscopia no infravermelho com transformada de Fourier (IV-TF)

Foram obtidos espectros de infravermelho com transformada de Fourier na faixa entre 3900 a 900 cm-1, utilizando-se espectrofotômetro Bomem Series MB-100. Para os filmes de PVA/PAA/AC, a análise foi feita diretamente sobre os filmes, enquanto que para o AC e PAA foram utilizadas pastilhas de KBr.

Calorimetria exploratória diferencial (DSC)

Os termogramas de DSC do primeiro ciclo de aquecimento foram obtidos em calorímetro diferencial de varredura (DSC 50, Shimadzu, Japão), através do aquecimento das amostras de 25 a 300 ºC sob fluxo de nitrogênio de 50 cm3 min-1 e taxa de aquecimento de 10 ºC min-1.

Propriedades mecânicas

Amostras dos filmes com 35 mm de comprimento e 5 mm de largura foram testadas mecanicamente sob ensaios quase estáticos, utilizando-se uma garra single cantilever, no equipamento DMA Q800 TA Instruments. Os ensaios foram realizados em temperatura constante de 30 ºC e taxa de carregamento de 2N min-1 até 18 N.

Teste de intumescimento

A determinação do grau de intumescimento dos filmes de PVA/PAA/AC foi feita em solução tampão fosfato pH 7,4 ± 0,2 à 37 ºC. Os filmes secos (Wd) foram pesados previamente e colocados na solução de tampão fosfato, sendo que em tempos pré-determinados foram secos com papel adsorvente e pesados (Ws). O intumescimento (Q) foi calculado conforme Equação 1:

Estudo de liberação in vitro do AC

Os estudos de liberação foram realizados utilizando-se o equipamento de dissolução modelo Ética 310. Os filmes secos e com espessura conhecida contendo AC foram cortados na forma circular (área média igual a 6,8 cm2) e fixados entre duas placas acrílicas, sendo uma placa suporte do filme e a outra placa perfurada para expor área pré-definida de uma das faces do filme à solução receptora composta por 600 mL de solução tampão fosfato pH 7,4 ± 0,2 (manutenção da condição sink) e mantida sob agitação de 65 rpm à temperatura de 37 ºC ± 1,0 ºC. Foram retiradas amostras da solução em intervalos pré-determinados num período de 60 min e a concentração de AC liberada foi determinada defronte a curva de calibração previamente elaborada, usando-se um espectrofotômetro de ultravioleta UV-visível modelo Hitachi 2010 (Japão) em λmax de 251 nm. O método de espectroscopia mostrou-se linear, preciso e específico para o doseamento do AC na solução tampão fosfato com a presença de PVA e PAA. Após cada coleta da amostra foi adicionado um volume igual ao retirado de tampão fosfato ao meio de dissolução para se manter o volume constante.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Espectroscopia de infravermelho com transformada de Fourier (IV-TF)

O pH da solução de preparação dos filmes compostos por PVA/PAA é um fator que infere nas interações polímero-polímero, visto a capacidade de ionização do grupo carboxílico presente na estrutura do PAA (pKa 4,2),15 aliada ao comportamento anfótero do AC, que apresenta dois valores diferentes de pKa (2,4 e 9,25),16 dispondo-se de forma mais ou menos ionizada dependendo do pH da solução. Os espectros de IV-TF do PAA, PVA e AC puro e dos filmes PAA/PVA/AC preparados em pH 2,0 e 4,0 estão apresentados na Figura 1.


O espectro de IV-TF do AC puro apresenta picos em 1717 e 1632 cm-1, relativos à deformação axial da ligação C=O (banda amida I) e à deformação angular da ligação N-H (banda amida II), respectivamente. Os picos em 3400 e 3500 cm-1 são referentes às deformações axiais simétrica e assimétrica do N-H. O espectro do PAA puro apresenta um pico em 1711 cm-1, decorrente da deformação axial da ligação C=O. No espectro de PVA, observa-se uma banda larga entre 2900 e 3700 cm-1 associada à presença das hidroxilas (OH) livres e ligadas, além dos picos em 1668 e 1090 cm-1, referentes às ligações C=O e C-O.17

No espectro do filme de PAA/PVA/AC preparado em pH 2,0 é possível observar um deslocamento do pico de N-H (banda amida II) do AC para 1638 cm-1, havendo no filme preparado em pH 4,0 um deslocamento mais acentuando para números de ondas superiores podendo, assim, estar sendo encoberto pelo pico da ligação C=O do PAA. Este deslocamento pode estar associado à presença de interações entre a C=O do PAA e N-H do AC, evidenciado pelo afinamento do pico de C=O decorrente do rompimento de ligações de hidrogênio intramoleculares. Essas interações são oriundas da ionização do ácido carboxílico do PAA e da protonação do N-H presente no AC, conforme apresentado na Figura 2, na qual se esquematizam as condições das moléculas de PAA, PVA e AC em pH 2,0 e 4,0.


Em pH 2,0 o ácido carboxílico do PAA está disposto em maior fração na forma não ionizada, favorecendo o estabelecimento de ligações de hidrogênio intramoleculares entre os grupos carboxílicos (COOH) do PAA com as hidroxilas (OH) do PVA. No entanto, o aumento do pH de preparação de 2,0 para 4,0 eleva a fração de grupos carboxílicos ionizados (COO-) do PAA permitindo, em maior proporção, o estabelecimento de ligações iônicas entre os grupos COO- do PAA e a amida protonada presente na molécula do AC. Com isso, o pico relativo à ligação N-H sofre um deslocamento para números de ondas maiores, conforme visto nos espectros de IV-TF.

Caracterização térmica dos filmes de PAA/PVA/AC

A Figura 3 apresenta as curvas obtidas por DSC do AC, PVA e PAA puro e dos filmes de PAA/PVA/AC preparados em pH 2,0 e 4,0.


A curva de DSC do AC puro apresenta temperaturas de fusão (Tf) em 178, 257 e 271 ºC, devido à presença de diferentes formas polimórficas em sua estrutura. Para o PVA, a curva de DSC mostra uma Tfem 192 ºC e uma transição vítrea (Tg) em 62 ºC, enquanto que para o PAA observa-se uma Tgem 121 ºC. As curvas de DSC do filme PAA/PAA/AC preparado em pH 2,0 apresentam uma Tg em 95 ºC e uma Tf em 186 e 238 ºC. Para o filme de PAA/PVA/AC preparado em pH 4,0 observa-se uma Tg em 77 ºC e dois picos de Tf em 171 e 213 ºC relacionados à fusão do PVA e AC, respectivamente. Nos filmes de PVA/PAA/AC preparados em pH 2,0 e 4,0 é possível observar o desaparecimento dos picos de Tf do AC, indicando que houve uma dispersão molecular do AC na matriz polimérica facilitada pela presença de interações entre fármaco-polímero.

Os dados relacionados à Tg de filmes poliméricos permitem avaliar a miscibilidade e as interações estabelecidas entre os polímeros. Teoricamente, a predição da temperatura de transição vítrea para filmes poliméricos miscíveis pode ser feita através do uso da equação de Fox (Equação 2):18

onde, e Tg se referem à fração em massa e à temperatura de transição vítrea dos polímeros puros, respectivamente. Sendo assim, a temperatura de transição vítrea teórica para os filmes de PVA/PAA/AC preparados em pH 2,0 e 4,0 seria igual a 91,5 ºC.

O valor da Tgdeterminado através da curva de DSC para o filme de PVA/PAA/AC preparado em pH 2,0 foi de 95 ºC, valor este próximo ao obtido pela equação de Fox (91,5 ºC), demonstrando haver, para esta condição de preparo do filme, miscibilidade entre PVA e PAA. Entretanto, para o filme de PVA/PAA/AC preparado em pH 4,0 o valor da Tgobtido na curva de DSC foi de 77 ºC, valor abaixo do valor dado pela equação de Fox, caracterizando haver menor miscibilidade entre PVA e PAA para esta condição de preparo. Esta diferença nos valores da Tgdos filmes, mediante a alteração do pH de preparação, pode ser atribuída a uma prevalência nas interações polímero-polímero no filme preparado em pH 2,0, enquanto que para o filme preparado em pH 4,0 as interações polímero-fármaco são favorecidas, conforme mostram os resultados obtidos nas análises de IV-TF.

Caracterização das propriedades mecânicas dos filmes de PVA/PAA/AC

Os resultados obtidos a partir dos ensaios quase estáticos dos filmes de PVA/PAA/AC preparados em diferentes valores de pH estão apresentados na Tabela 1.

O filme de PVA/PAA/AC preparado em pH 2,0 apresentou valores médios de módulo elástico e tensão máxima menores quando comparado aos valores médios obtidos no filme de PVA/PAA/AC preparado em pH 4,0. No entanto, os valores de elongação não demonstraram uma diferença significativa quando se compararam os dois filmes. A diferença dos valores médios de tensão máxima e módulo elástico nos filmes preparados em diferentes valores de pH pode estar associada ao grau e à natureza das interações estabelecidas entre polímero-polímero e polímero-fármaco. A natureza iônica das ligações estabelecidas entre o PVA e PAA com as moléculas de AC nos filmes preparados em pH 4,0 pode dificultar a mobilidade das cadeias poliméricas acarretando, assim, valores maiores de módulo elástico e tensão máxima.18

Teste de intumescimento dos filmes de PAA/PVA/AC

A Figura 4 apresenta o perfil de intumescimento dos filmes de PAA/PVA/AC preparados em pH 2,0 e 4,0.


O filme de PAA/PVA/AC preparado em pH 2,0 apresenta uma estabilização no perfil de intumescimento a partir de 3 min, enquanto que para o filme preparado em pH 4,0 esta estabilização se inicia após 8 min. Ao final de 15 min, a porcentagem média de intumescimento para o filme preparado em pH 4,0 foi de 393,42 ± 6,6%, sendo este valor maior em relação ao obtido no filme preparado em pH 2,0, 201,01 ± 5,7%. Esta diferença está relacionada à variação do grau de ionização dos grupos carboxílicos presentes na estrutura do PAA. Para tanto, tem-se que, para soluções com valores de pH abaixo do valor de pKa do PAA (4,2) há uma concentração maior de íons H+, que por sua vez se ligam aos terminais carboxílicos do PAA neutralizando-o. Com isso, ocorre uma diminuição na difusão do solvente entre as cadeias, refletindo em uma menor porcentagem de intumescimento.4

Para soluções com valores de pH próximos ou maiores que o pKa do PAA, como no filme de PAA/PVA/AC preparado em pH 4,0, a concentração de íons H+ diminui, o que favorece a ionização dos grupos carboxílicos. Este fenômeno ocasiona a repulsão e consequente expansão das cadeias poliméricas permitindo o estabelecimento de um maior número de ligações de hidrogênio entre o polímero e a água, favorecendo o aumento na porcentagem de intumescimento para o filme preparado em pH 4,0.19

Estudo de liberação in vitro do AC no filme PVA/PAA/AC

A Figura 5 apresenta o perfil de liberação do AC a partir dos filmes de PVA/PAA/AC preparados em pH 2,0 e 4,0 por 60 min, visto a tendência de rompimento do filme em valores de tempo acima deste, devido ao processo de lixiviação.


O filme de PVA/PAA/AC preparado em pH 4,0 apresentou um retardo na liberação inicial do AC quando comparado ao filme PAA/PVA/AC em pH 2,0, visto que em 30 min o filme preparado em pH 4,0 liberou 68,07 ± 5,22%, enquanto que o filme preparado em pH 2,0, no mesmo período, liberou 88,51 ± 4,71%. Entretanto, não foi observada diferença significativa na quantidade total de AC liberado no tempo de 60 min.

Este retardo inicial na liberação do AC no filme preparado em pH 4,0 decorre, principalmente, do processo de intumescimento e da presença de interações entre fármaco-polímero, conforme visto nos testes de intumescimento e nas análises de IV-TF, que mostram maior interação entre PAA e AC no filme de PVA/PAA/AC preparado em pH 4,0. Essa interação fármaco polímero retarda o processo de liberação do mesmo a partir do filme, pois o estabelecimento de ligações torna o processo de difusão do AC dependente de sua dissolução inicial na matriz polimérica. Concomitantemente, um maior grau de ionização dos grupos carboxílicos do PAA se faz presente nos filmes preparados em pH 4,0, que ocasiona o distanciamento das cadeias poliméricas com aumento da capacidade de intumescimento do mesmo. Com isso, forma-se uma barreira gelatinosa que condiciona a difusão das moléculas de água para o interior da matriz polimérica, além de aumentar o percurso de difusão do fármaco para fora da matriz, influenciando deste modo o mecanismo de liberação do AC.

Para determinação do mecanismo de liberação do AC a partir dos filmes de PVA/PAA/AC foram utilizadas as equações de Korsmeyer-Peppas (Equação 3) e equação de cinética de ordem zero (Equação 4).

sendo que Mt e M se referem à quantidade de fármaco liberada por área em um tempo t e em tempo infinito, respectivamente, k é a constante de liberação do fármaco n, o expoente que indica o mecanismo de liberação.

O valor de n é relacionado com a forma geométrica do sistema de liberação e determina o mecanismo de liberação; sendo que para filmes valores de n iguais ou menores que 0,50 indicam processos controlados por difusão; quando n assume valor igual 1 a razão de liberação do fármaco independe de sua concentração na matriz, o que corresponde a uma cinética de liberação de ordem zero, sendo este tipo de liberação controlado por mecanismo de transporte do tipo Caso II, ou seja, pelo fenômeno de intumescimento do polímero (relaxamento da matriz ou liberação mediante erosão). Valores de n entre 0,50 e 1,0 indicam um transporte anômalo não Fickiano, indicando uma sobreposição dos fenômenos de erosão e difusão.20

A Tabela 2 apresenta os coeficientes de correlação (R) e os valores de n obtido através da aplicação da equação de Korsmeyer-Peppas, juntamente com coeficiente de correlação (R) relacionado ao uso da equação de cinética de ordem zero, além da porcentagem de AC liberado a partir dos filmes durante 60 min.

O emprego das equações para determinação do mecanismo de liberação do AC a partir dos filmes apontou que para o filme de PAA/PVA/AC preparado em pH 4,0 o mecanismo de liberação do AC até a fração < 0,60 é do tipo anômalo não Fickiano, ou seja, dependente dos processos de difusão e de intumescimento do filme. Conforme o resultado obtido no ensaio de intumescimento, o filme preparado em pH 4,0 apresentou um maior grau de intumescimento, sendo este um fator determinante na espessura da barreira gelatinosa em torno da matriz polimérica condicionando, assim, uma menor velocidade de difusão do fármaco.

Para o filme de PVA/PAA/AC preparado em pH 2,0 a liberação do AC segue uma cinética de ordem zero, estando este resultado associado a um menor grau de intumescimento do filme, permitindo manter o caminho de difusão do fármaco praticamente constante durante o transcorrer da análise.20

CONCLUSÃO

Os resultados obtidos através das análises de IV-TF e DSC apontaram um favorecimento nas interações entre polímero-polímero no filme preparado em pH 2,0, enquanto que para o filme preparado em pH 4,0 o estabelecimento de interação entre fármaco-polímero foi favorecido. As análises mecânicas apontaram um aumento no módulo elástico com o aumento do pH de preparação dos filmes. Os testes de intumescimento mostram que o aumento do pH de preparação do filme contribui para uma maior retenção de água, refletindo num maior grau de intumescimento com consequente retardo na liberação do AC. Em resumo, as alterações das propriedades, bem como do perfil de liberação do AC incorporado aos filmes mediante a alteração do pH, credenciam a potencialidade de aplicação deste sistema no tratamento contra o vírus Herpes simplex, visto que, na maioria das vezes, os processos inflamatórios levam à alteração no pH do tecido acometido pela lesão.

AGRADECIMENTOS

À UNISUL, UFSC e CAPES pelo apoio financeiro e bolsa de pesquisa concedida.

Recebido em 12/3/12; aceito em 3/9/12; publicado na web em 23/1/13

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  • *
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Mar 2013
    • Data do Fascículo
      2013

    Histórico

    • Recebido
      12 Mar 2012
    • Aceito
      03 Set 2012
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