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Pregnanos e outros constituintes das raízes de Macrosiphonia petraea (A. St.-Hil.) Kuntze (Apocynaceae)

Resumo

Macrosiphonia petraea (A. St.-Hil.) Kuntze is a plant popularly known as "velame". Its root infusion is used in the folk medicine of Mato Grosso do Sul, Brazil, for the treatment of inflammatory diseases. Phytochemical investigation of the roots of this species led to the identification of 17 compounds belonging to four different classes: two pregnanes, 12β-hydroxypregna-4,6,16-triene-3,20-dione, neridienone A, and 12β-hydroxypregna-4,6-diene-3,20-dione, cybisterol, one hydroxylated fatty acid, 5-hydroxy-octadeca-6(E)-8(Z)dienoic acid, two lignoids, pinoresinol and 8a-hydroxypinoresinol, ten pentacyclic triterpenoids, and two steroids.

Apocynaceae; Macrosiphonia petraea; pregnane


Apocynaceae; Macrosiphonia petraea; pregnane

ARTIGO

Pregnanos e outros constituintes das raízes de Macrosiphonia petraea (A. St.-Hil.) Kuntze (Apocynaceae)

Luiz Roberto de Assis JuniorI; Fernanda Rodrigues GarcezI; Walmir Silva GarcezI,* * e-mail: walmir.garcez@ufms.br ; Zaira da Rosa GuterresII

ICentro de Ciências Exatas e Tecnologia, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, CP 549, 79070-900 Campo Grande - MS, Brasil

IIUniversidade Estadual de Mato Grosso do Sul, BR 163, km 20,2, 79980-000 Mundo Novo - MS, Brasil

ABSTRACT

Macrosiphonia petraea (A. St.-Hil.) Kuntze is a plant popularly known as "velame". Its root infusion is used in the folk medicine of Mato Grosso do Sul, Brazil, for the treatment of inflammatory diseases. Phytochemical investigation of the roots of this species led to the identification of 17 compounds belonging to four different classes: two pregnanes, 12β-hydroxypregna-4,6,16-triene-3,20-dione, neridienone A, and 12β-hydroxypregna-4,6-diene-3,20-dione, cybisterol, one hydroxylated fatty acid, 5-hydroxy-octadeca-6(E)-8(Z)dienoic acid, two lignoids, pinoresinol and 8a-hydroxypinoresinol, ten pentacyclic triterpenoids, and two steroids.

Keywords: Apocynaceae; Macrosiphonia petraea; pregnane.

INTRODUÇÃO

A história do uso de plantas medicinais se confunde com a história humana e registros antigos têm demonstrado a sabedoria do homem no que tange à utilização destes produtos naturais.1,2 No Brasil a cultura da utilização de plantas medicinais é passada de geração para geração principalmente de forma oral, o que torna distinta esta prática em cada região do país.3,4 A família Apocynaceae, que no Brasil ocorre em diversos biomas, abrangendo cerca 850 espécies e 90 gêneros, possui grande importância devido a diversos exemplares com potencial medicinal.5 Inúmeras espécies de Apocynaceae são utilizadas na medicina moderna, destacando-se as pertencentes aos gêneros Catharanthus, Aspidosperma, Macrosiphonia, Mandevilla, Rauwolfia, Himatanthus, Plumeria e Strophantus.6

Neste grupo de plantas há questões taxonômicas problemáticas envolvendo principalmente o grande gênero Mandevilla e os considerados seus gêneros satélites: Macrosiphonia, Telosiphonia e, mais recentemente Quiotania.7 Tradicionalmente, Mandevilla é considerado um gênero de plantas medicinais, podendo-se destacar as espécies Mandevilla velutina e Mandevilla illustris, utilizadas na medicina popular contra mordida de cobra e como anti-inflamatório, respectivamente.8,9A investigação fitoquímica de plantas deste gênero levou ao isolamento de glicosídeos cardíacos, pregnanos e triterpenos e à caracterização de substância com importante propriedade anti-inflamatória e antinociceptiva.10

No gênero Macrosiphoniada e estudada, para a qual são atribuídas diversas propriedades, destacando-se a atividade anti-inflamatória, é a M. velamemente designada como velame-branco.11 A espécie Macrosiphonia petraea, também designada pelas sinonímias Macrosiphonia petrea, Macrosiphonia verticillata var. petrea e Mandevilla petrea é mica no estado de Mato Grosso do Sul e tem o chá de suas raízes indicado para o tratamento de inflamações. Este trabalho aborda o primeiro estudo fitoquímico de raízes de M. petraea, descrevendo o isolamento e identificação de 17 compostos pertencentes a quatro classes, sendo dois pregnanos, um ácido graxo hidroxilado, dois lignoides, dez triterpenoides e dois esteroides.

PARTE EXPERIMENTAL

Instrumentação e procedimentos gerais

Para as técnicas de cromatografia em coluna foram utilizadas como fases estacionárias sílica gel (70-200 e 200-400 mesh) e Sephadex® LH-20. As análises por cromatografia em camada delgada (CCD) foram realizadas utilizando sílica gel 60 GF254 e cromatofolhas de alumínio 60 F254 da Merck®. Como reveladores foram utilizadas solução a 2% de sulfato de cério em H2SO4 e luz UV. Os espectros de RMN foram obtidos nos espectrômetros Bruker® DPX-300 (300 MHz para 1H e 75 MHz para 13C) e Bruker® Avance DRX 500 (500 MHz para 1H e 125 MHz para 13C) e como solventes foram utilizados CDCl3 e CD3OD, de procedência CIL® (Cambridge Isotope Laboratories, Inc.); os espectros de massas de baixa resolução foram obtidos no espectrômetro de massas acoplado a cromatógrafo a gás (CG-EM) Shimadzu® QP2010 Plus e os de alta resolução-HRESIMS no espectrômetro® micrOTOF-QII, Compass. As medidas de rotação óptica foram determinadas em polarímetro Perkin-Elmer® 341.

Material vegetal

O espécime foi coletado no município de Bonito – MS e sua identificação botânica foi realizada pelo Prof. Dr. A. Pott (DBI/UFMS), sendo uma exsicata (WG 272) incorporada ao Herbário-CGMS, da UFMS, em Campo Grande - MS.

Extração e isolamento dos compostos

As raízes (150,0 g) previamente limpas foram moídas e submetidas à extração com álcool etílico em excesso à temperatura ambiente. A solução resultante após filtração foi concentrada sob pressão reduzida, originando o extrato bruto (12,0 g). Este foi dissolvido em solução hidroalcoólica (MeOH:H2O 1:1) e submetido à partição com hexano e, posteriormente, com acetato de etila, dando origem a três fases: hexânica (5,2 g), acetato de etila (4,0 g) e hidrometanólica (2,2 g). O resíduo originado da fase AcOEt foi extraído com CHCl3 e o material obtido (1,70 g) foi submetido à cromatografia em coluna de sílica gel 70-200 mesh, utilizando CHCl3:MeOH em gradiente de polaridade crescente (utilizando as proporções de 10:0, 9:1, 8:2, 7:3, 6:4, 4:6, 3:7, 2:8 e 0:10 para CHCl3 e MeOH, respectivamente). Este processo originou 17 frações (150,0 mL cada), as quais, após análise por cromatografia em camada delgada, foram agrupadas em 9 frações (C). A fração 2C, obtida no sistema eluente CHCl3:MeOH (9:1), foi submetida à cromatografia em coluna de sílica gel 200-400 mesh, utilizando CHCl3: MeOH (99:1 a 95:5). Este processo originou 9 frações (2C1-9), sendo que na fração 2C1, obtida no sistema eluente CHCl3:MeOH (99:1), foi possível identificar os compostos acetato de lupeol (11), acetato de α-amirina (12) e acetato de β-amirina (13), em mistura. A fração 2C8, obtida no sistema eluente CHCl3:MeOH (96:04), foi submetida à cromatografia em coluna de sílica gel 200-400 mesh, com CHCl3:MeOH (95:5), obtendo-se os compostos 12β-hidroxipregna-4,6,16-trieno-3,20-diona (1) e 12β-hidroxipregna-4,6-dieno-3,20-diona (2). A partir da fração 3C, obtida no sistema eluente CHCl3:MeOH (8:2), foram realizados sucessivos fracionamentos cromatográficos em colunas de Sephadex® LH-20 em CHCl3, resultando no isolamento do composto pinoresinol (4). A fração 5C, obtida no sistema eluente CHCl3:MeOH (6:4), foi fracionada utilizando-se coluna de Sephadex® LH-20 em CHCl3, obtendo-se os compostos 8α-hidroxipinoresinol (5) e ácido 5-hidróxi-octadeca-6(E)-8(Z)-dienoico (3). Na fração 8C, obtida no sistema eluente CHCl3:MeOH (3:7), houve a formação de um precipitado, constituído de ácido 2α,3β,23-tri-hidróxi-olea-12-en-28-oico (ácido arjunólico, 6) e ácido 2α,3β,23-tri-hidróxi-urs-12-en-28-oico (ácido asiático, 7). A fase hexânica foi submetida à cromatografia em coluna de sílica gel 70-200 mesh, utilizando-se misturas de hexano e acetato de etila (AcOEt) em gradiente de polaridade crescente (proporções de 10/0; 9,5/0,5; 9/1; 8/2; 7/3; 6/4; 5/5; 4/6 e 2/8 de hexano e AcOEt, respectivamente). Este processo originou 22 frações (200 mL cada), as quais, após análise por cromatografia em camada delgada, foram solvente Hexano:AcOEt (9:1), foi submetida à cromatografia em coluna utilizando Sephadex® LH-20 e CHCl3, fornecendo os compostos lupeol (8), α-amirina (9) e β-amirina (10), em mistura. A fração 6H, obtida no sistema de solvente hexano:AcOEt (8:2), foi submetida a processo de fracionamento cromatográfico empregando-se coluna de sílica gel 200-400 mesh, eluída com CHCl3:AcOEt (9:1), sendo obtidas 9 frações (6H1-9). Na fração 6H3 foram identificados os compostos β-sitosterol (16) e estigmasterol (17), em mistura, enquanto a fração 6H-8, após cromatografia em coluna de Sephadex® LH-20 em CHCl3, forneceu ácido 3-O-acetil-ursólico (14) e ácido 3-O-acetil-oleanólico (15), em mistura (Figura 1).


12β-hidroxipregna-4,6,16-trieno-3,20-diona (neridienona A) (1)

Sólido amarelo, [α]D23 +26,9º (CHCl3; c 1,01), HRESIMS m/z [M+H]+ = 327,1949 (calculado para C21H27O3: 327,1953). RMN 1H e 13C: Tabela 1.

12β-hidroxipregna-4,6-dieno-3,20-diona (cybisterol) (2)

Sólido amarelo, CG-EM (70 eV) m/z 328 (M). RMN 1H e 13C: Tabela 1.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O composto 1, obtido como um sólido amarelo, apresentou no espectro de RMN 13C 21 sinais, incluindo dois referentes a carbonilas conjugadas (d 199,4 e 198,9) e seis sinais de carbonos sp2 (4CH e 2C). Este espectro mostrou também, entre outros, sinais de metilas ligadas a carbonos quaternários e de um carbono carbinólico (δ 73,2, CH). O espectro de massas de alta resolução (HRESIMS), obtido no modo positivo, exibiu um pico em m/z 327,1949 [M+H]+, compatível com a fórmula molecular C21H26O3(calculado para C21H27O3: 327,1953). No experimento HSQC foram observadas as correlações que permitiram realizar as atribuições dispostas na Tabela 1. Por meio das correlações observadas no experimento HMBC, foi possível definir as conexões entre os diversos grupos presentes na estrutura de 1. Destacam-se as correlações entre os hidrogênios de H-18 (δH 0,93) e os carbonos com δC em 51,4 (C-14), 52,8 (C-13), 73,7 (C-12) e 155,2 (C-17) e entre o H-14 (dH 1,59) e os carbonos com δC em 31,7 (C-15), 34,8 (C-8), 49,0 (C-9), 52,4 (C-13) e 73,7 (C-12). Estas correlações, juntamente com as do hidrogênio H-12 (δH 3,70) com o carbono metilênico C-11 (δ 28,6), levaram à definição dos anéis C e D na estrutura de 1. A presença e a localização de um grupo acetil em C-17 foram definidas pelas correlações entre o hidrogênio H-16 (δH 6,98) e o carbono carbonílico (δ 198,9) e deste com os hidrogênios H-21 (dH 2,38). Já os anéis A e B foram definidos através das correlações observadas no experimento HMBC entre hidrogênios e carbonos olefínicos de um sistema dienônico a, g insaturado e entre os hidrogênios de H-19 (δH 1,12) e os carbonos com δC em 33,6 (C-1), 36,1 (C-10), 49,0 (C-9) e 163,8 (C-5). Estes dados levaram à definição da estrutura do composto 1, conhecido com neridienona A (Figura 1), que corresponde a um pregnano isolado pela primeira vez de raízes de Nerium oleander, em 1976,12 e posteriormente de Apocynum venetum var. basikurumon, em 1987,13 e novamente de Nerium oleander em 1999 e 2007.14,15 Esta substância, inédita no gênero Macrosiphonia, apresenta atividade anti-inflamatória e é citotóxica para células humanas,15 sendo, portanto uma candidata a responsável pela atividade atribuída ao uso popular e pela atividade genotóxica demonstrada pelo extrato etanólico das raízes de M. petraea.

O composto 2 foi obtido em mistura com o composto 1 e os espectros de RMN 1H e 13C destas substâncias apresentaram sinais muito semelhantes, observando-se a duplicação da maioria deles. Foi possível listar os valores de deslocamento químico dos carbonos do composto 2 e constatar a presença de apenas duas ligações duplas na estrutura e que a carbonila C-20 (d 213,8) não se encontra conjugada. Estas observações levaram à proposta de que o composto 2 possui a estrutura mostrada na Figura 1, que corresponde à de 12β-hidroxipregna-4,6-dieno-3,20-diona, também denominado cybisterol. A comparação dos dados de RMN 13C de 2 com os do cybisterol13 mostrou tratar-se da mesma substância. Cybisterol, identificado inicialmente em secreções defensivas de besouro d'água16,17 e, posteriormente, em três plantas da família Apocynaceae, Nerium odorum, Apocynum venetum e Adenium obesum,7,8,18 está sendo descrito pela primeira vez em Macrosiphonia. A literatura revela que a ausência da ligação dupla C-16/C-17 na estrutura do composto 2 o torna não citotóxico.13 As atribuições dos deslocamento químicos de C-4, C-6 e C-7 descritas por Abe et al.13 foram corrigidas no presente trabalho.

O composto 3 apresentou-se como um sólido amarelo e seu espectro de RMN 1H apresentou sinais característicos de um composto de natureza graxa, além de sinais de quatro hidrogênios olefínicos de um hidrogênio carbinólico. Os valores das constantes de acoplamento dos hidrogênios olefínicos indicaram tratar-se de uma ligação dupla cis (J = 10,4 Hz) e outra trans (J = 14,5 Hz). No espectro de RMN 13C foram listados 18 sinais, incluindo os de quatro carbonos olefínicos (CH), um carbinólico (CH) e uma carboxila. O valor do deslocamento químico do hidrogênio carbinólico (δ4,14, 1H, ddl, J = 12,4 e 6,6 Hz) e a coincidência de uma das constantes de acoplamento deste (6,6 Hz) com uma das constantes de acoplamento do hidrogênio olefínico a δ 5,65 (1H, dd, J = 14,5 e 6,6 Hz) permitiu sugerir a localização da hidroxila hidroxila no carbono alílico. O espectro de massas de alta resolução (HRESIMS), obtido no modo negativo, apresentou pico do íon pseudomolecular em m/z = 295,2258 [M-H]-, compatível com a fórmula C18(calculado para C18: 295,2265). Esses dados, H32º3 H31º3 aliados aos obtidos da literatura, permitiram identificar o composto 3 como sendo o ácido 5-hidróxi-octadeca-6(E)-8(Z)-dienoico, o qual foi isolado de Allium neapolitanum.19 Nesse trabalho, este composto foi obtido como mistura racêmica e, possivelmente, teve origem não enzimática, como os próprios autores admitem. Investigações do metabolismo de derivados de ácidos graxos envolvidos em processos inflamatórios20 mostraram que o ácido 5R-hidróxi-octadeca-6(E)8(Z)-dienoico participa destes processos, sendo originado do ácido sebácico. Ambos os isômeros (5R e 5S) do composto 3 foram sintetizados,20,21 porém os autores não forneceram os valores de rotação óptica específica e, portanto, não foi possível definir a configuração de C-5 do composto 3, inédito na família Apocynaceae.

O espectro de RMN 1H de 4 mostrou sinais típicos de anel benzênico 1, 2, 4- trissubstituído, sinal de uma metoxila, sinais de hidrogênios carbinólicos, além de sinais de hidrogênios mais protegidos. O espectro de RMN 13C de 4 exibiu sinais de carbonos do anel benzênico referido, da metoxila, de dois carbonos carbinólicos, um CH (d 85,9) e um CH2 (δ 71,7). Estes dados não permitem compor uma estrutura, sugerindo tratar-se de uma estrutura com duas unidades C6/C3 dimerizadas de forma simétrica, ou seja, uma lignana. Comparação dos dados de RMN de 4 com os descritos na literatura22 confirmou que o composto 4 é o pinoresinol. Já o composto 5 apresentou características espectroscópicas semelhantes às de 4, indicando tratar-se também de uma lignana, porém sem possuir uma estrutura simétrica. No espectro de RMN 13C observou-se, na região referente a carbonos saturados, sinal de apenas um carbono metínico não ligado a oxigênio (δ 60,3) e de um carbono oxigenado não ligado a hidrogênio (δC 91,9). Estes dados são compatíveis com a possibilidade de 5 ser de uma lignana furofurânica hidroxilada na junção dos anéis heterocíclicos (C-8). A comparação dos dados de RMN 1H e 13C de 5 com dados obtidos da literatura levou à identificação de 5 como sendo 8α-hidroxipinoresinol.23 As lignanas 4 e 5 ainda não haviam sido descritas em espécies de Macrosiphonia.

Os espectros de RMN 1H e 13C dos compostos 6 e 7 indicaram tratar-se de dois triterpenos ácidos e os valores de deslocamento químico dos sinais dos carbonos de ligação dupla evidenciaram que estes compostos possuem esqueletos oleanano e ursano, respectivamente.24,25 A localização da carboxila em C-28 foi definida, para ambos os casos, através dos valores de deslocamento químico de C-18 (δ 42,7 em 6 e δ 54,3 em 7), que sofrem significativa variação em função da presença deste grupo funcional no carbono 28. Nos espectros de RMN 13C destes compostos foram observados três sinais de carbonos carbinólicos, sendo dois CH (δ 78,2 e 69,7) e um CH2 (δ 66,3). As intensidades destes sinais indicaram que estes grupos funcionais estão presentes nas duas estruturas e, pela coincidência dos sinais, que se localizam em regiões distantes do anel E. Uma busca na literatura mostrou que as três hidroxilas presentes nas estruturas de 6 e 7 encontram-se em C-2α, C-3β e C-23, levando à identificação de 6 como sendo o ácido 2α,3β,23- tri-hidróxi-olean-12-en-28-oico,26 conhecido também como ácido arjunólico, e de 7 como sendo o ácido 2α,3β,23-tri-hidróxi-urs-12-en-28-oico,27 denominado ácido asiático, ambos descritos pela primeira vez no gênero Macrosiphonia.

Os triterpenos lupeol (8), α-amirina (9), β-amirina (10), obtidos em mistura, foram identificados com base na análise dos espectros de RMN 1H e 13C e comparação com dados descritos na literatura,24,28 sendo as identificações confirmadas por CG/EM.

terpenos acetilados (11-15). O primeiro conjunto com três destes compostos, os menos polares, é constituído de acetato de lupeol (11), acetato de α-amirina (12) e acetato de β-amirina (13). Estes triterpenos, obtidos em mistura em proporção aproximada de 2:4:1, respectivamente, foram identificados principalmente pelos dados de RMN 13C. Este espectro apresentou os sinais dos carbonos de ligação dupla típicos de cada esqueleto e as diferentes proporções dos componentes facilitou a listagem de cada conjunto de sinais e, portanto, a comparação com os dados descritos na literatura.24,25 As presenças dos grupos acetato foram definidas com base nos sinais dos espectros de RMN 1H δH 4,45 (H-3), 1,92 (H3CCOO) e de 13C em δC 80,8 (C-3), 170,8 (H3CCOO) e 22,6 (H3CCOO). A comparação destes dados com os relatados na literatura mostrou compatibilidade, confirmando a identificação dos compostos 11, 12 e 13.

O outro conjunto de triterpenos acetilados contém dois compostos (14 e 15), os quais demostraram características de ácido carboxílico em cromatografia em camada delgada. O espectro de IV da mistura mostrou bandas de hidroxilas e carboxilas de ácidos (3433 e 1697 cm-1) e de ésteres (1735 cm-1). Os espectros de RMN 1H e 13C evidenciaram a presença das unidades acetila de forma semelhante ao mencionado para as substâncias 11-13 e que se tratava de uma mistura de triterpenos com esqueleto oleanano e ursano.29,30A carboᆳxila formada com o carbono 28 foi definida da mesma maneira que para os compostos 6 e 7. Desta forma, os compostos 14 e 15 foram identificados como sendo o ácido 3-O-acetil-oleanólico e ácido 3-O-acetil-ursólico, respectivamente.

Os esteroides β-sitosterol (16) e estigmasterol (17), também em mistura, foram identificados com base em seus espectros31 RMN 1H e 13C e por CG/EM.

Os dados de RMN 13C e os respectivos espectros dos compostos isolados estão disponíveis no material suplementar.

Uma investigação paralela das propriedades do extrato etanólico de raízes de M. petraea mostrou, através do teste SMART,32 que o mesmo possui atividade genotóxica e, portanto, pode ter ação nociva sobre o organismo humano.

CONCLUSÃO

Plantas da família Apocynaceae demostram grande potencial como produtoras de compostos bioativos, muitos deles tóxicos. O gênero Macrosiphonia é considerado um dos mais importantes desta família e abrange algumas espécies consideradas medicinais. No presente trabalho foi investigada a raiz de M. petraea, conhecida como velame, a qual é comercializada com fins medicinais, e cujo extrato apresentou atividade genotóxica numa investigação paralela. Este estudo resultou na identificação de compostos da classe dos triterpenos (6-15), destacando-se o ácido arjunólico (6) e o ácido asiático (7), duas lignanas (4 e 5), um ácido graxo hidroxilado inédito na família (3), o qual consta como sendo dotado de atividade antibacteriana, e dos pregnanos, neridienona A (1) e cybisterol (2). Esta classe de compostos é precursora dos cardenolídios, um importante grupo de substâncias que abrange alguns com propriedades tóxicas. Os próprios pregnanos são compostos dotados de atividades biológicas e que podem estar envolvidos na ação detectada no extrato etanólico das raízes de M. petraea. Lignanas e pregnanos não haviam sido isolados de Macrosiphonia, porém representantes destas classes de compostos foram caracterizadas em plantas de alguns gêneros de Apocynaceae.

MATERIAL SUPLEMENTAR

Espectros de RMN de 1H, 13C, HSQC, HMBC e tabelas contendo os dados de carbonos estão disponíveis gratuitamente em http://quimicanova.sbq.org.br, na forma de arquivo PDF.

AGRADECIMENTOS

À CAPES e ao CNPq pelas bolsas concedidas e à FUNDECT-MS e CPq-PROPP-UFMS pelo apoio financeiro; ao Dr. N. P. Lopes (FCF, USPRP) pelos experimentos HRESIMS e à Dra. L. W. Tinoco, do NPPN/UFRJ, pelos espectros bidimensionais da substância 1.

Recebido em 6/7/12; aceito em 30/10/12; publicado na web em 20/2/13

Material Suplementar

O material suplementar está disponível em pdf: [Material Suplementar]

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Maio 2013
    • Data do Fascículo
      2013

    Histórico

    • Recebido
      06 Jul 2012
    • Aceito
      30 Out 2012
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