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Concepções de licenciandos em química sobre visualizações no ensino de ciências em dois países: Brasil e Portugal

Preservice chemistry teachers' beliefs about visualizations in science teaching in two countries: Brazil and Portugal

Resumo

In this work, the beliefs of undergraduate students from Brazil and Portugal on the use of visual tools in teaching chemistry, which have increasingly been introduced in the areas of teaching/learning in these two countries in recent years, have been investigated. An interpretative analysis of the results shows little familiarity of students with specific points of the theme, beyond a poor conception about the way the visualization tools influence the construction of scientific concepts.

scientific visualization; teacher's instruction; models and modeling


scientific visualization; teacher's instruction; models and modeling

EDUCAÇÃO

Concepções de licenciandos em química sobre visualizações no ensino de ciências em dois países: Brasil e Portugal

Preservice chemistry teachers' beliefs about visualizations in science teaching in two countries: Brazil and Portugal

Mauritz Gregório de VriesI; Celeste FerreiraII; Agnaldo ArroioIII,* * e-mail: agnaldoarroio@yahoo.com

IInstituto de Química, Universidade de São Paulo, Av. Prof. Lineu Prestes, 748, 05508-900 São Paulo - SP, Brasil

IIInstituto de Educação, Universidade de Lisboa, Alameda da Universidade, 1600, 2715-311 Lisboa, Portugal

IIIFaculdade de Educação, Universidade de São Paulo, Av. da Universidade, 308, 05508-900 São Paulo - SP, Brasil

ABSTRACT

In this work, the beliefs of undergraduate students from Brazil and Portugal on the use of visual tools in teaching chemistry, which have increasingly been introduced in the areas of teaching/learning in these two countries in recent years, have been investigated. An interpretative analysis of the results shows little familiarity of students with specific points of the theme, beyond a poor conception about the way the visualization tools influence the construction of scientific concepts.

Keywords: scientific visualization; teacher's instruction; models and modeling.

INTRODUÇÃO

A abordagem sobre o desenvolvimento do conhecimento químico, e consequentemente de sua linguagem, nos apresenta uma ligação estreita e natural com o campo imagético, independentemente do veículo de signo utilizado majoritariamente. O próprio código verbal não pode se desenvolver sem imagens e isso pode ser evidenciado com seu discurso que está permeado de imagens, ou como diria Peirce, de iconicidade.1

A linguagem verbal (escrita e falada) começou por ser a forma mais usual de representar, comunicar e resolver os primeiros problemas desta ciência, mas à medida que o conhecimento evoluiu, tornou-se necessário, ao homem, associar outros tipos de linguagem, novas formas de representar. O acelerado desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação seguido de diversos estudos na área da teoria cognitiva tem promovido a construção de diversas ferramentas visuais (modelos concretos 3D, imagens estáticas e dinâmicas 2D e 3D, simulações, animações, softwares interativos, etc.).2 Essas têm sido usadas de maneira crescente em diversos espaços, desde aqueles dedicados à educação formal e informal, até o jornalismo diário que atinge a todos os públicos. Entretanto, uma vez incluídas na área de ensino de forma cada vez mais usual, a investigação da temática é fundamental para que esses recursos sejam utilizados de maneira fundamentada diante dos principais paradigmas educacionais que vêm sendo discutidos e consolidados nos últimos anos.

As áreas de conhecimento das quais podemos nos apropriar para realizar uma investigação sobre visualizações no ensino de química podem ser muito diversas. Produtores de softwares, educadores, cientistas, psicólogos, teóricos cognitivos, pesquisadores da semiótica, entre outros, tocam em temas relacionados ao desenvolvimento e uso das variadas ferramentas visuais utilizadas no ensino de ciências. Esse é um dos motivos pelos quais definir termos como "representação", "visualização" e "modelo" passam por um debate teórico um pouco mais detalhado e, ainda assim, podem permanecer com respostas em aberto quanto ao mais apropriado a usar em nossa investigação. Contudo, não é apenas na definição de termos que essa interdisciplinaridade nos desafia, mas também nas diversas questões que afligem aos docentes nas variadas atividades ligadas ao ensino/aprendizagem. De que maneira as visualizações influenciam a construção de conceitos científicos? Qual é a natureza dessas imagens? Quais são as estratégias pedagógicas que permitem suportar melhor a aprendizagem dos alunos através destes recursos? Essa temática esta sendo problematizada pelos cursos de formação inicial de ensino de química?

Neste sentido esta investigação pode contribuir para discussões nos cursos de licenciatura em Química no Brasil e em Portugal visando uma melhor formação destes profissionais para as necessidades contemporâneas do Ensino de Química, visto que o Governo Brasileiro tem intensificado por ações da CAPES o Programa de Licenciaturas Internacionais (PLI - Portugal) que realiza metade da formação inicial de professores brasileiros em Portugal.

Diante desse panorama, investigar as concepções de alunos de licenciatura em Química a respeito do uso de visualizações no ensino de ciências vem a se tornar uma prática valiosa para uma análise de sua formação, nos permitindo realizar contribuições tanto gerais como pontuais aos respectivos cursos. Quanto aos estudantes brasileiros, podemos constatar que estes atuam num período em que se repensa sobre a formação inicial do professor de Química nas diversas Instituições de Ensino Superior brasileiras.3 Os estudantes portugueses, de forma geral, estão inseridos em um contexto de investimento estatal focado em recursos tecnológicos nas escolas públicas, o que gera a consequente manipulação de ferramentas visuais, sem a necessária preocupação do carácter pedagógico de sua formação profissional.4

MODELOS E MODELAGEM

A ciência, entre outros propósitos, busca construir explicações para os fenômenos naturais. Para isso, os modelos estão no centro de qualquer teoria: são as principais ferramentas usadas pelos cientistas para produzir conhecimento e um dos principais produtos da ciência.5,6 Os modelos surgem quando cientistas, ao explicar um fenômeno, passam a impor as principais ideias sobre o exemplo estudado que é muito complexo.7 Por exemplo, químicos preferem trabalhar com soluções da substância pura do que com a mistura em que ela seria encontrada na natureza. Isso é importante para explicar fundamentos básicos e realizar previsões do sistema. São escolhidas para auxiliar a formação de visualizações (percepção visual) do nível macro. Modelos científicos terão uma importância ainda maior quando a sua construção é feita com o intuito de explicar fenômenos no campo submicroscópico. Eles são uma idealização da realidade como é imaginada, baseado em abstrações da teoria, produzidos de maneira que as comparações com a realidade sejam coerentes.

Entretanto, sua produção está sempre sujeita a alterações. Uma das principais práticas das deduções científicas trava-se no constante processo de produção e revisão de modelos denominado modelagem.6 Essas características da ciência explicam sua constituição de maneira geral e podem desmistificar diversos conceitos estabelecidos pela sociedade que chegam aos estudantes iniciantes em ciências. Percebemos um longo processo humano na construção do conhecimento, dependente da validação de uma comunidade, em que há presença constante de subjetividade, limitada ainda pela linguagem envolvida. Sendo assim, Ferreira & Justi8 seguem argumentando que um modelo não é uma cópia da realidade, muito menos a verdade em si, mas uma forma de representá-la originada a partir de interpretações pessoais desta. Acreditam ainda que trazer à tona a discussão dessa impossibilidade de apreendermos a "verdade", que lidamos com um universo de modelos, é um conhecimento que pode instigar e motivar os alunos. Contudo, é algo do qual eles são geralmente privados, pois o conhecimento científico costuma ser apresentado como mais um conteúdo, ocultando a emoção, motivação e a busca, daqueles que desenvolveram os conhecimentos que lhe são apresentados de maneira imutável. É possível, portanto, que essas práticas, se inseridas no campo de sala de aula, transformem todo esse universo de conhecimento duvidoso em um estímulo à vontade de descoberta, aproximando o ensino a uma concepção mais clara do processo científico da construção de conhecimento.

De acordo com Gilbert7 os modelos podem alcançar uma larga diversidade de "status" epistemológicos, sendo eles:

• Modelos mentais - Representação pessoal formada pelo indivíduo, sozinho ou em grupo;

• Modelos expressos - Versão do modelo mental colocada no domínio público;• Modelos consensuais - versão de um modelo mental para um pequeno grupo, para determinado fim, como em uma sala de aula;

• Modelos científicos - Modelo produzido, aceito e validado por um grupo social de cientistas de uma determinada área;

• Modelos históricos - Modelo científico substituído, embora ainda seja aceito para determinados propósitos, por exemplo, o modelo atômico de Bohr;

• Modelos curriculares - Versões simplificadas de modelos históricos ou científico escolar;

• Modelos escolares - Modelos criados para dar suporte aos modelos curriculares, por exemplo, o sistema solar como analogia para o modelo atômico.

MODELOS E REPRESENTAÇÕES

Encontramos em Santaella & Nöth1 uma discussão mais extensa da definição de representação. O conceito mais usual, baseado no termo inglês representation(s), como sinônimo de signo foi o que, entretanto, se mostrou mais apropriado a esse trabalho. Os autores mostram que Howard1 define: "as palavras 'representação', 'linguagem' e 'símbolo' são virtualmente intercambiáveis nos seus usos mais vastos", e mostram que Peirce1 caracterizou a semiótica, em 1865, como "a teoria geral das representações".

Os modelos e as representações estão inter-relacionados já em suas sínteses. É a partir das representações que cientistas deduzem e produzem conhecimento.6 Gilbert7 indica cinco modos que os modelos podem ser representados.

• O modo concreto (ou material) é tridimensional e feito a partir de materiais resistentes, como por exemplo, um modelo do tipo bola-vareta;

• O modo verbal, que pode consistir de uma descrição de entidades, por exemplo;

• O modo simbólico, que consiste de fórmulas e símbolos químicos, equações e expressões;

• O modo visual faz o uso de representações gráficas, diagramas e animações;

• Modo gestual, que faz uso do movimento do corpo no decorrer de uma explicação.

O uso e compreensão de cada um desses modos, além das necessárias e diversificadas maneiras de transitar entre os mesmos, são objetos de grande importância na investigação do uso de recursos visuais no ensino de química.

Kosma & Russell9 investigam o papel que as representações podem desempenhar no currículo químico. A partir de um estudo etnográfico, compararam estudantes de química e profissionais químicos em diferentes processos de estudo investigativo dentro de um laboratório. Enquanto estes últimos associavam os fenômenos macroscópicos às mais diversas formas de representação social química, realizando constantes reformulações nesse meio, os estudantes em seus espaços de ensino investigativo prático não eram motivados a construírem um discurso social científico daquilo que estavam estudando, é dizer, não associavam os experimentos a modos de compreensão em termos de entidades moleculares ou processos dinâmicos. Assim, em um primeiro momento, os autores defendem o uso de recursos visuais como possibilidade de levar os alunos a associarem o campo macroscópico ao campo microscópico de construção do conhecimento (modelos). Entretanto, o contato com esse mundo representacional não é simples, e veremos mais adiante estudos que apontam as principais dificuldades encontradas e possíveis formas de superá-las.

VISUALIZAÇÃO

Há duas convenções que o termo visualização pode ser empregado.7 Na primeira, visualização é um verbo e assim as pesquisas estão concentradas no ato de visualizar, interpretar uma imagem, atribuir significado, e numa primeira instância define tal processo como a formação de uma representação interna a partir de uma representação externa tal que a natureza e as relações temporal/espacial entre as entidades das quais ela é composta fiquem retidas. Já na segunda convenção, visualização é um substantivo e os estudos estão focalizados sobre os materiais disponíveis ao público (representações externas) como diagramas, vídeos, animações, imagens estáticas entre outros.

A abordagem enquanto sua convenção verbal se dará pela parte teórica dentro da discussão sobre o conjunto de habilidades definidas como metavisualização e através da investigação com os licenciados no questionamento de suas concepções prévias sobre "habilidades específicas para aprender com o uso de imagens" e o que entendem por "capacidades visuais". Já seu significado como substantivo, dentro da discussão teórica citamos alguns dos recursos visuais disponíveis ao ensino de química e debatemos sua relação com a construção e divulgação do conhecimento científico, e, enquanto isso, na investigação das concepções prévias dos alunos de licenciatura buscamos conhecer os tipos de ferramentas visuais com que estão familiarizados em sua própria experiência como aluno e aquelas que acreditam utilizar um dia em suas praticas docentes.

VISUALIZAÇÃO E HABILIDADES VISUAIS

Acreditar no ato de visualizar apenas como o acúmulo de uma série de informações indica uma visão ingênua do mundo, ou seja, o que está "lá fora" deve ter o mesmo impacto em todos os cérebros.7 Santaella & Nöth1 abordam os modelos da psicologia cognitiva, dentro da qual se utiliza o termo imagem mental se referindo a uma representação mental ou representação de uma experiência perceptiva não-presente. Como a principal contribuição dessa seção, temos os relatos da imagem interior de Piaget1 que a define como "esquema representativo" de um acontecimento externo e vê nela uma "imitação interiorizada" e uma transformação de tal acontecimento. Sendo assim, ele se coloca contra uma teoria da cópia ingênua, que vê na imagem mental, um tipo de vestígio da percepção de um objeto dado objetivamente e defende, por outro lado, uma teoria assimilatória da imagem.1

Diante disso, precisamos também investigar alguns dos processos fundamentais encontrados na literatura referentes a habilidades e competências necessárias à visualização. Conhecer e entender as diferentes formas de representação em Química tem sido uma das vertentes do ensino de Química.4 Ferreira4 aborda em seu trabalho as dificuldades que os estudantes enfrentaram para se apropriarem corretamente das ferramentas visuais. Para isso, cita autores que apontam a necessidade de se desenvolver competências representacionais,9 habilidades espaciais10 e competências metavisuais7 como possíveis formas de superá-las. Abaixo descrevemos cada uma delas.

Kosma & Russell9 apontam como competências representacionais:

• A capacidade de usar representações para descrever os fenômenos químicos observáveis ​​em termos de entidades moleculares e processos.

• A capacidade de criar ou selecionar uma representação e explicar o porquê de ela ser apropriada para um fim específico.

• A capacidade de usar palavras para identificar e analisar as características de uma representação particular (tal como um pico num gráfico de coordenadas) e os padrões de características (por exemplo, o comportamento de moléculas por meio de uma animação).

• A capacidade de descrever como diferentes representações podem se referir a um mesmo objeto de diferentes formas e explicar como uma representação pode dizer algo de maneira diferente ou algo em que não há possibilidade de ser dito com outra representação.

• A capacidade de transitar entre diferentes representações ou explicar a relação entre elas.

• A capacidade de assumir a posição epistemológica a que correspondem determinadas representações, compreendendo suas diferenças perante os fenômenos observados.

• A habilidade de usar as representações e as suas características em situações sociais como prova para sustentar a tese, desenhar.

Barnea10 defende que os professores precisam se certificar que seus alunos possuem as seguintes habilidades espaciais:

• Visualização espacial: Entender objetos 3D a partir de 2D e vice-versa;

• Orientação espacial: Conseguir imaginar o objeto 3D após o mesmo sofrer rotação;

• Relações espaciais: Ter a capacidade de imaginar os efeitos das operações de reflexão e inversão de um objeto.

Gilbert7 associou a essas últimas capacidades à ideia de que para os alunos atribuírem corretamente significados a uma visualização eles deverão:

• Conhecer os códigos e as convenções associadas a cada representação;

• Conhecer o alcance e os limites de cada representação, isto é, que aspectos uma dada representação pode, ou não, representar.

Esse conjunto de habilidades foi definido como metavisualização, podendo ser entendida como a metacognição em respeito à metavisualização. Ter como objetivo que os alunos aprendam a interpretar apenas algumas imagens não será uma boa estratégia para que a visualização seja um processo eficiente e multidisciplinar. É necessário atingir um metaestado em que o indivíduo consiga monitorar e regular as suas representações internas. Assim o autor defende que diversas mudanças no currículo escolar deveriam ser feitas para que desde cedo os alunos participassem de atividades que desenvolvessem tais habilidades.

A FORMAÇÃO INICIAL DO PROFESSOR DE QUÍMICA

Uma das principais discussões levadas a cabo com o objetivo de alcançar uma efetiva melhora no ensino é a valorização docente. Cada vez mais se identifica o complexo conjunto de competências necessário a tornar esse profissional capaz de fundamentar e orientar suas práticas frente às mais diversas problemáticas encontradas nos atuais ambientes de ensino/aprendizagem. Esta valorização profissional passa pelo estudo do conhecimento que informa a sua ação prática e da forma como este conhecimento se desenvolve ao longo da sua carreira, levando em conta a disciplina em questão e as condições concretas a que estão submetidos.11

Inicialmente, pesquisadores preocuparam-se na investigação de atitudes de professores e de modo geral acreditavam em um modelo linear de causa e efeito, ou seja, que fosse possível predizer um comportamento baseado no estudo da atitude positiva relacionada.12 O termo "atitudes" está sendo empregado como a tradução de "attitudes" em inglês, o qual passou por uma longa tentativa de definição. Tal período está de acordo com linhas mais gerais comportamentalistas e a metodologia de pesquisa quantitativa foi majoritariamente utilizada.

Entretanto, essas investigações foram reduzindo com o tempo, dando lugar a estudos que se preocupavam cada vez menos com o controle e previsão do comportamento de professores, alterando seu foco ao entendimento da relação entre suas variadas formas de conhecimento, experiência e práticas.12 Sendo assim, o termo em inglês "teachers' beliefs" e as metodologias qualitativas passaram a estar presentes de maneira predominante nas pesquisas relacionadas à formação de professores. Já em sua língua de origem, definir o termo "belief" não é uma tarefa simples, pois como aponta Pajares,12 o mesmo é apresentado com significados diversos, tais como atitudes, valores, juízos, axiomas, opiniões, ideologias, percepções, concepções, sistemas conceituais, preconceitos, alienações, teorias implícitas, teorias pessoais, processos mentais internos, estratégias de ação, regras de conduta, etc.

Nessa pesquisa usamos o termo em português "concepção" correspondendo a "belief", portanto, o mesmo também poderá atravessar uma série de significados. Por último, no Brasil a linha de investigação "concepções de professores e modelos de formação docente" tem se consolidado após o chamado Movimento das Concepções Alternativas,13 o que vem apoiar o uso do termo.

A importância da investigação das concepções de professores, e em nosso caso dos professores em formação, provém de uma ideia geral de que as mesmas influenciam de maneira substancial o pensamento e a ação.14 Assim, elas têm sido entendidas como pedagogias ou teorias pessoais que podem desempenhar um papel importante na definição de tarefas e do conjunto de conhecimento que as organizam. Também caracterizadas como "uma unidade idiossincrática de pensamento sobre objetos, pessoas, eventos e suas relações características que afetam seus planejamentos e ideias e pensamentos interativos".12

Encontra-se na literatura12,14 um extenso e não-consensual debate sobre a relação concepções/prática. Primeiramente porque existe a constatação de casos de inconsistência, ou seja, a prática efetiva não tem ligação com a concepção declarada, e segundo por não estar bem esclarecido de como se estabelece tal relação. Tais apontamentos servirão para indicar algumas das limitações da análise dos questionários aplicados aos licenciandos.

Por último, mostra-se importante identificarmos, ainda que de maneira aproximada, as fontes que influenciam a formação de suas concepções. Optamos por descrever a categorização de Mansour,12 na qual o autor propõe que a experiência desempenha papel fundamental na constituição das concepções de professores e as divide em formais e informais. As experiências formais tratam-se da educação formal dentro da universidade e do colégio e dos treinamentos práticos desenvolvidos junto à instituição de formação. Já as experiências informais são aquelas provenientes do contato diário interpessoal de maneira direta que exigem uma série de reformulações das suas concepções pré-estabelecidas.

Dentro das pesquisas nacionais e internacionais, a investigação sobre concepções epistemológicas presencia maior acúmulo de debates e é de suma importância, como já apresentado, dentro da temática do uso de visualizações no ensino de química e, por estes motivos, as abordaremos especificamente. Estudos apontam que as práticas docentes são, em parte, influenciadas pelas concepções epistemológicas em que os educadores acreditam e constata-se que muitos deles estão influenciados por concepções positivistas e empírico-indutivistas.15 Essas os levam a mostrar a ciência como verdade absoluta, na qual não se aceita mudanças e questionamentos. Portanto, possuem como meta principal transmitir o conteúdo e estimular a reprodução "correta" por parte dos estudantes. Podemos concluir, então, que muitos alunos formarão uma concepção epistemológica da ciência semelhantemente, o que poderá gerar diversos obstáculos tanto em sua aprendizagem conceitual quanto em suas percepções de como se desenvolve essa área de conhecimento humano.

A visão de que a Ciência começa a evoluir a partir da observação rigorosa e neutra dos fenômenos pelo observador, constituindo uma forma segura e objetiva de produção do conhecimento científico, não condiz com seu estado atual. Atualmente a observação dos fenômenos é orientada por teorias que lhe deem sustentação, e que por sua vez, é constituída por generalizações simbólicas validadas num determinado momento e contexto histórico.16 As concepções epistemológicas equivocadas acabam por prejudicar seriamente as práticas educacionais dos docentes, inflexibilizando suas aulas e o direcionando a práticas inadequadas.

Acreditamos que o ato de visualizar, podendo ser entendido também como atribuir significado às representações externas, sofre uma influência substancial perante as concepções epistemológicas do indivíduo sobre a ciência. Já na seção anterior debatemos os processos de modelagem, os quais nos ajudam a construir uma visão sobre a prática científica mais condizente com os panoramas atuais. Diversas características específicas do ato de visualizar, tais como identificar as limitações das representações, propor como são estabelecidas suas convenções e de que modo pode estar presente a intencionalidade do autor em sua criação, são exemplos de discussões que não podem ser feitas de modo superficial, isoladamente de uma compreensão maior da sua natureza.

Giordan17 aponta o estudo epistemológico e historicista das representações estruturais químicas como direcionamento para compreendermos as principais dificuldades encontradas pelos iniciantes em Química em dominá-las. Sendo assim, o autor acredita ser necessário como apenas um meio de expressão científico para um meio de produção de conhecimento por um grupo social organizado.

Nesses últimos anos pudemos presenciar diversos trabalhos na área de ensino preocupados com os aspectos epistemológicos da ciência e como lidam com estes os diversos componentes humanos envolvidos, tais quais estudantes, professores e cientistas. Temos como exemplo o trabalho de Oliveira e Queiroz18 referente a um material didático, por eles elaborado, destinado a alunos do ensino superior com a intenção de evidenciar os diversos aspectos retóricos do discurso científico. De modo geral, este consiste em recortes de artigos científicos contemporâneos, seguido de uma discussão a respeito das diversas características implícitas e comuns no meio científico, permitindo elucidar a presença constante de subjetividade dos autores, a relação de poderes envolvida na argumentação, a ausência de impessoalidade e neutralidade.

OBJETIVOS E METODOLOGIA

Dentro desse panorama, buscamos realizar uma revisão bibliográfica acerca da temática focando nas principais contribuições sobre o desenvolvimento do conhecimento científico, suas relações com o uso de representações e a formação inicial do professor de química. Em seguida, apoiados no referencial de pesquisa qualitativa de natureza interpretativa, aplicamos um questionário com o objetivo de investigar as concepções de alunos de licenciatura em química sobre o uso de visualizações no ensino de Química em dois países: Brasil e Portugal. A partir desses dados foi realizada uma análise de conteúdo presente na seguinte seção.

Para isso, aplicou-se um questionário constituído por 17 perguntas de resposta aberta à turma de EDM431 - Metodologia do Ensino de Química I (n=23) oferecida como disciplina obrigatória na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP) para o curso de licenciatura em química no ano de 2010. Os alunos que frequentam a disciplina estavam em sua maioria nas fases finais de seus cursos, sendo que 19 deles já possuíam experiência profissional docente. Posteriormente, aplicou-se um questionário com 15 perguntas de resposta aberta à turma de Didática em Ciências Físico-Químicas (n=10) oferecida como disciplina obrigatória no Instituto de Educação da Universidade de Lisboa para o curso de Licenciatura em Física e Química no ano de 2012. Os alunos que cursam a disciplina estão no primeiro semestre do quinto ano, e nenhum possuí experiência profissional docente. O número de questões é ligeiramente diferente, pois na segunda aplicação algumas perguntas foram mescladas ou excluídas. Contudo, ambos os questionários questionam sua vivência com os recursos visuais, suas concepções sobre visualização, a relação prática colocando o licenciando como agente formador e sua visão sobre a própria formação inicial com enfoque à temática em questão. Algumas questões foram omitidas da análise devido ao espaço disponível e melhor comparação nos resultados.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Segue a análise interpretativa dos questionários aplicados aos alunos de licenciatura brasileiros e portugueses. Presenciar-se-á o uso da letra B referindo-se às respostas dos alunos brasileiros e P aos alunos portugueses.

Inicialmente, observou-se que a maioria dos alunos brasileiros participantes atuam como professores durante o período de formação inicial, 19 dos 23 participantes, enquanto nenhum dos estudantes portugueses ministraram classes até o momento da investigação. Estes dados nos indicam haver uma maior fonte de influências sobre as concepções dos brasileiros frente aos portugueses, sobretudo das experiências informais.12

Em relação ao contato com as ferramentas visuais, este ocorre de maneira frequente ou muito frequente de acordo com ambos os públicos investigados, apresentando a ressalva em geral dos portugueses de que tal frequência se intensificou na educação superior.

Questionamos então em quais conteúdos a presença dessas ferramentas visuais é predominante. Os licenciandos brasileiros citaram principalmente os relacionados ao campo da microquímica, como modelos atômicos, reações químicas e conteúdos de orgânica de maneira geral. Uma resposta foi um pouco mais formulada: "Para conteúdos de estrutura química que são de difícil visualização mental". Enquanto isso, os portugueses acreditam que seu uso está distribuído de maneira mais homogênea sobre todos os conteúdos, porém um estudante que buscou especificar citou "Simulações de átomos, moléculas, reações químicas, soluções e diluições." e outra resposta interessante foi que o uso era uma alternativa para explicar processos complexos em geral. Logo, utilizam principalmente para acessar aos construtos teóricos científicos, modelos referentes ao campo submicroscopico, apesar de este último termo não estar explicitamente relatado. A resposta referente a "processos complexos em geral" pode ser interpretada como uma opinião semelhante acerca dos modelos de maneira mais geral, ou seja, como simplificação da realidade seja do campo macroscópico ou submicroscopico. Todavia, esta relação apresentou-se minoritariamente.

Quantos aos tipos de ferramentas visuais mais usadas, os brasileiros citaram as imagens estáticas e modelos concretos, seguido de animações e vídeos. Os estudantes portugueses mencionaram principalmente imagens estáticas e vídeos, seguido de modelos concretos e simulações. Portanto, o uso das ferramentas contempla principalmente a representação pelos modos7 concretos e visuais gráficos, além de que seja possível encontrar os modos verbais e gestuais em determinados vídeos.

Quanto aos motivos que levam a um professor recorrer ao uso de visualizações em sala de aula, a opinião dos brasileiros foi relatada geralmente de modo conciso. A maioria das respostas se deu por "facilitar a compreensão", "tornar o ensino menos abstrato" e "quebrar a monotonia". Os portugueses citaram "tornar a aula mais dinâmica", "quebrar a rotina", ou ainda de maneiras mais variadas como "precisamente pela questão do raciocínio abstrato", "é importante para que os alunos entendam melhor o que está a ser relacionado", "pode ser usado como síntese", e, ainda, outros acreditam em potenciais maiores sobre a linguagem visual através das respostas "porque pode potenciar estratégias, desenvolver competências que os restantes meios não desenvolvem tanto" e "Porque permite ao aluno ir mais além relativamente ao conceito teórico". Acreditamos que em ambos os casos alguns tentaram atribuir às visualizações características relacionadas a construção do conhecimento de maneira direta, entretanto a falta de justificativas que sustentem os motivos de "facilitar a compreensão" e "reduzir a abstração", respostas predominantes dos estudantes brasileiros, nos sugere uma reflexão insuficiente quanto às suas concepções da natureza do conhecimento cientifico e de suas formas representativas. Os portugueses também não apresentaram justificativas com o fim de explicar os meios pelos quais as ferramentas visuais atingiriam as potencialidades relatadas decorrentes por seu uso, porém, demonstraram ideias ligadas à diferenciação e ampliação das competências relacionadas ao uso de visualizações em comparação a outros meios. Quanto às respostas exclusivamente relacionadas à alteração de rotina e dinâmica da aula, acreditamos haver a omissão e/ou subestimação do amplo conjunto de características das ferramentas visuais que suportam a exposição e construção dos diversos "status" dos modelos científicos.7

Referente à questão "O que entende por visualização?", segue a exemplificação de uma resposta de acordo com a sua convenção correspondente.

Convenção 1 (verbal):

B1: "fazer com que o aluno construa na sua cabeça a imagem do que você está explicando, pode ser mostrando a imagem ou por analogias". P1: "Visualização é uma forma de identificar alguns dados utilizando a visão".

Convenção 2 (substantivo):

B2:

"a apresentação de um conceito ou objeto de uma maneira sensorial (visão, audição, etc.)".

P2: "Tudo o que nos é apresentado através de imagens".

A referência à segunda convenção foi predominante pelos estudantes brasileiros, enquanto os estudantes portugueses citaram ambas de maneira mais equilibrada. Acreditamos que a ausência da convenção verbal pode resultar a falta de problematização do ato de visualizar, deixando de trazer à tona discussões de suma importância contempladas pelas citadas competências representacionais,16 habilidades espaciais17 e competências metavisuais.7

Ao questioná-los referente à receptividade dos alunos frente às ferramentas visuais introduzidas em sala de aula, todas as respostas constatadas foram positivas em ambos públicos, com a ressalva de dois estudantes portugueses que argumentaram depender do tipo de ferramenta.

Posteriormente questionamos "Você acha que os alunos precisam de alguma habilidade específica para aprender com a utilização de imagens?".

De acordo com a Figura 1, constatamos que se equilibraram as opiniões enquanto à necessidade de habilidades especificas para a aprendizagem suportada pelo uso de imagens tanto dos brasileiros quanto dos portugueses. Nas respostas afirmativas não houve, em sua maioria, algum tipo de especificação quanto à habilidade necessária ou foram bastante generalistas como planejamento, contextualização, organização e adaptação. Já nas respostas negativas, observou-se predominantemente justificativas apoiadas na ideia da familiaridade dos alunos com diversas mídias presentes no seu cotidiano. Em ambos os casos acreditamos que as justificativas não estão suficientemente embasadas para um eficiente planejamento e uso de meios visuais dentro de espaços ligados ao ensino/aprendizagem. No primeiro caso porque mais uma vez são omitidas discussões específicas sobre modelos, modelagem e suas formas representativas.7,13,16,17 Já no segundo caso, principalmente pelo fato de deixar-se de discutir as grandes diferenças entre a natureza dos entes representativos químicos e as mais diversas representações1 encontradas pelos alunos em outros ambientes.


Quando questionados "O que é para você uma imagem?", obtiveram-se respostas muito diversas. Abaixo exemplificamos as respostas de acordo com a distinção sobre representações realizada por Sperber.1

Imagens enquanto representações internas:

B1: "É a formação de imagens mentais" P1: "Representação direta ou indireta do 'real' repecurtida na nossa mente"

Imagens enquanto representações externas:

B2: "Um meio de substituir uma quantidade grande de palavras" P2: "Uma imagem representa uma forma de comunicação não verbal"

A referência à imagem como formas de representações externas foi predominante.

Perguntamos, então, "Encontra alguma razão especial para o uso frequente de modelos no ensino de Química?".

B1: "facilita a compreensão" B2:

"devido à dificuldade de abstração dos alunos"

P1: "Sim. Explicar situações, objetos microscópicos e outros conceitos abstratos". P2: "No sentido de fazer a ponte com a realidade" P3:

"Os modelos são úteis em ciências, uma vez que permitem recriar e exemplificar conceitos".

De modo preliminar, consideramos uma baixa familiaridade dos estudantes brasileiros com o termo "modelo", pois poucas vezes este foi relatado dentro da justificativas, bem como houve a interpretação em termos materiais como modelo do tipo bola-vareta e similares. Os estudantes portugueses apresentaram uma relação mais próxima à ideia de um construto teórico científico, mas como pode-se constatar, aprofundaram-se pouco na explicação dos aspectos intrinsecos à formação de modelos e se direcionaram mais a exemplificar as situações em que podem ser empregados.

Posteriormente questionamos "Já leu alguma literatura acerca do tema visualização? Qual?". Verificou-se que apenas três alunos brasileiros já conheceram o tema de maneira mais especifica, sendo que dois citaram ter lido artigos científicos e o último não lembrava. Quanto aos portugueses, nenhum aluno relatou ter lido a literatura específica.

Quando perguntados sobre "O que entende por capacidades visuais?"

B1: "interpretar o que está sendo visto". B2: "é a capacidade de transpor as imagens entre duas dimensões" B3: "capacidade de criar imagem".

Observaram onze respostas equivalentes à de B1. Alguns ampliaram a justificativa como B2 e B3.

P1: "entender o que está a ser visto". P2: "Capacidade de construir imagens mentais a partir do que estamos a ver" ou P3: "Capacidade que um determinado sujeito apresentar de recriar na sua mente determinada representação do real".

De maneira semelhante aos alunos brasileiros, a resposta predominante foi exemplificada por P1, havendo alguns pensamentos mais elaborados como de P2 e P3.

Quanto à resposta predominante, "interpretar corretamente o que está sendo visto", é necessário estar atento ao fato de que a ideia coloca o aluno em uma posição fortemente passiva. Foi discutido na seção teórica4,7,9,10 diversas competências e habilidades não contempladas por tal justificativa, tais como estimular os alunos frente às representações expostas refletirem suas limitações, adaptarem ou evoluírem seus significados, assumirem sua posição epistemológica, transitarem entre as mesmas, associarem a outras formas de conhecimento. As demais respostas tocam em fatores ligados a operações cognitivistas como transpor as representações em diferentes dimensões, rotacioná-las, refleti-las e inverte-las, entretanto, ainda assim, se mostram incompletas comparado ao amplo conjunto de habilidades discutidos até então.

Em relação à formação inicial questionamos "Considera que a sua formação lhe permite ser sensível às problemáticas relacionadas com este tipo de ensino fortemente apoiado no uso do computador e em visualizações?".

Como se pode observar pela Figura 2, a maioria dos estudantes brasileiros acredita que sua formação lhe proporciona embasamento suficiente para lidar com às problemáticas referentes ao uso de computadores e visualizações nos ambientes de ensino/aprendizagem. Um aluno contestou "Sim, a minha formação me traz uma boa bagagem para usar uma diversidade de ferramentas de forma proveitosa." e outro acrescentou "Sim, por experiência própria as imagens facilitam meu aprendizado, mas quando mal utilizados ou interpretados podem piorar ou dificultar o aprendizado.". Um aluno afirmou não se sentir preparado e relatou que "Não, porque nunca foi discutido que imagem é melhor para tal assunto, escolhemos imagens de acordo com o que nós próprios consideramos melhor, mas não quer dizer que isso seja o melhor para ensinar.". Um aluno que ficou em dúvida disse que "Não tenho certeza, pois minha formação acadêmica foi pautada por visualização, contudo elas eram consideradas autoexplicativas e tenho medo de incorrer com meus alunos na mesma falta de discussão por que passei na escola.". Os estudantes portugueses se demonstraram ainda mais confiantes, entretanto somente um licenciando justificou o porquê, e, nesse caso, acreditava que sua formação esteve sempre atenta ao uso de novas tecnologias.


As respostas dos estudantes brasileiros, independente do nível de segurança declarado frente à relação de sua formação inicial e uso de visualizações no ensino de Química, estiveram baseadas fortemente sobre a influência de sua vivência como alunos sujeitos a aplicação dos diferentes meios midiáticos.

Por último, perguntamos "Durante sua formação essa temática foi abordada? Você acredita que no caso específico do Ensino de Química essa temática seria fundamental no processo de ensino (para o professor) e aprendizagem (para o aluno)?"

B: Como observa-se na Figura 3, dentro do que se refere a abordagem da temática dentro da sua própria formação, as respostas negativas apresentaram-se de modo majoritário e grande parcela das respostas positivas apresentou a ressalva de que tal abordagem foi realizada de maneira indireta. Quanto à segunda parte da questão, de maneira geral, todos demonstraram acreditar que a temática seja fundamental dentro das variadas discussões do processo de ensino/aprendizagem em química. A resposta de B1 exemplifica essa preocupação.

Tais apontamentos vêm reforçar e ampliar nossas interpretações preliminares da questão anterior. Os estudantes brasileiros enxergam de maneira reduzida, frente aos estudantes portugueses, a presença da instrução da temática em sua formação inicial, o que explica de modo parcial a constância de argumentos baseados em sua vivência como alunos. Os estudantes portugueses mais uma vez demonstraram alta confiança quanto à eficiência da abordagem da temática em sua formação inicial. Por último, ambos apresentaram preocupação com a abordagem da temática, convergindo à opinião de que a consideram fundamental para a melhora do processo de ensino/aprendizagem.

CONCLUSÃO

A análise interpretativa dos questionários seguida da comparação dos resultados entre os participantes brasileiros e portugueses nos permitiu, em relação à temática proposta, ampliar a compreensão sobre o contexto a que estão submetidos, acessar de modo parcial suas concepções e questionar seus pontos de vista sobre a própria formação inicial. Como consequência, observamos interessantes relações entre esses três elementos além de realizar-se apontamentos iniciais aos cursos formadores. Seguem nossas considerações finais.

Apesar do contato e intenção de uso das ferramentas visuais ter sido demonstrado frequente, constatou-se uma variedade baixa quantos aos tipos mencionados, pois majoritariamente citaram-se imagens estáticas, vídeos e modelos concretos. Animações, simulações, softwares interativos, entre outros que envolvessem uma maior complexidade de uso ou construção tiveram sua presença bastante reduzida. Além disso, o seu emprego com relação aos conteúdos em química foi generalizado, ou seja, em nenhum momento associaram a ideia de que uma determinada ferramenta visual possa ter um impacto na formação conceitual consideravelmente diferente de acordo com o conceito a ser trabalhado.

As concepções dos estudantes brasileiros e portugueses se mostraram relativamente diferentes quanto aos motivos de uso das ferramentas visuais em sala de aula. Os brasileiros predominantemente demostraram acreditar numa melhora dos processos ensino/aprendizagem, enquanto os portugueses em haver uma ampliação das potencialidades desses meios em relação a outros, ou seja, algum modo de diferenciação. Como ponto crítico, ambos os públicos não argumentaram as características ou processos pelo quais os recursos visuais atingiriam tais pontos citados. Houveram licenciandos brasileiros e portugueses que associaram às ferramentas visuais apenas a capacidade de alterar a rotina de sala de aula, quebrando monotonia ou a tornando mais dinâmica, o que torna-se um problema quanto a omissão de toda sua potencialidade frente a construção do conhecimento científico. Além disso, encontram-se estudos19 indicando que somente a maior motivação gerada pelo uso de recursos visuais não alteram significativamente a aprendizagem de conceitos científicos frente ao uso de recursos mais tradicionais de ensino.

Tanto quando questionados sobre o termo "visualização" quanto "imagem", as respostas, de maneira geral, convergiram à ideia de representações externas, disponíveis ao acesso do público. Consideramos que dentro das duas situações há uma referência escassa aos processos de interpretação de significados. Essa ideia é reforçada pela divergência e argumentos insuficientes em nossa questão direcionadas à necessidade de habilidades específicas para se aprender com o uso de imagens. Como argumentamos, principalmente dentro dos processos de modelagem6 e competências representacionais,9 é necessário ainda estimular os estudantes a participarem de atividades ativas frente aos recursos visuais, ou seja, além de incentivá-los à interpretação dos mesmos, é de suma importância sua capacidade de construção e reconstrução de entidades representativas. Esses apontamentos tão pouco foram contemplados pelas respostas à nossa questão sobre capacidades visuais.

A concepção sobre "modelos" também apresentou maior distinção entre o público brasileiro do português. Como observado, os brasileiros apresentaram uma associação predominante a objetos concretos enquanto os portugueses buscaram a ideia de que eram construtos teóricos com a finalidade de explicar o campo do imperceptível, além de um aluno se referir a uma simplificação de qualquer tipo de processo complexo.

Por último, observamos uma seguridade expressiva, sobretudo dos estudantes portugueses, quanto a estarem preparados em realizar o correto planejamento e uso de ferramentas visuais dentro dos processos de ensino/aprendizagem. Muitos acreditam que sua formação ou sua própria experiência frente a esses recursos lhe permitem ser sensíveis frente às problemáticas da temática. Os brasileiros de modo geral não acreditam que o tema foi abordado de forma direta em sua formação inicial, enquanto todos portugueses justificaram positivamente. Observou-se, contudo, que o acesso a literatura específica da temática foi praticamente nula aos estudantes brasileiros e nula aos portugueses. Todos apresentaram o consenso que a abordagem sobre o uso de recursos visuais dentro do curso de formação inicial é fundamental para a melhoria do ensino/aprendizagem.

Portanto, até o estágio da formação inicial em que a investigação foi proposta, os estudantes portugueses declararam um contato com discussões sobre a temática maior do que os alunos brasileiros. Observamos, realmente, que esses alunos apresentaram pontualmente respostas mais elaboradas quanto aos motivos de uso de recursos visuais e ao termo "modelos", além de ampliarem ligeiramente os significados de "visualização" e o que são "capacidades visuais". Essa relação reforça a ideia de que as decisões tomadas dentro da organização da formação inicial geram um impacto correspondente sobre as concepções dos estudantes. Entretanto, de modo problemático, viemos apontando que a falta de argumentos referentes às maneiras pelas quais as visualizações influenciam a construção de conceitos científicos, tantos dos alunos brasileiros quanto dos portugueses, podem prejudicar seriamente as práticas dos professores em sala de aula, dificultando sobretudo o modo pelo qual os mesmos venham a determinar as limitações e potencialidades de recursos visuais. Para além do possível mau uso dos mesmos, concepções pouco claras a respeito da temática pode não estimular a busca por novos recursos visuais, sejam eles diferentes ou de qualidade superior frente aos que estão mais habituados manipular.

Dado o contexto de frequente uso das ferramentas visuais e a confiança destes alunos em usá-las em suas práticas docentes, é necessário que os cursos formadores estejam atentos às respectivas concepções dos alunos de licenciatura. Mostra-se fundamental, ainda, estimular atividades que tragam à tona as formas pelas quais se dariam suas práticas efetivas referente a manipulação e planejamento de tais recursos. Possivelmente se observará problemas específicos a serem repensados. Positivamente, os licenciandos, desde os mais confiantes aos mais precavidos em relação ao uso de visualizações em sala de aula, se revelaram motivados a ampliar a discussão dentro de sua formação inicial.

AGRADECIMENTOS

Aos alunos da Universidade de São Paulo e da Universidade de Lisboa por colaborar com nossa pesquisa. À Capes pela concessão da bolsa de Doutorado e ao CNPq (processo 101953/2010-0) pelas concessão da bolsa de Iniciação Científica.

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Recebido em 02/05/2013; aceito em 07/09/2013; publicado na web em 16/10/2013

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  • *
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Maio 2014
    • Data do Fascículo
      Jun 2014

    Histórico

    • Aceito
      07 Set 2013
    • Recebido
      02 Maio 2013
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