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Caracterização mecânica e estrutural de um dispositivo PDLC baseado em hidrogéis de PAAm e cristal líquido liotrópico LP/DeOH/H2O

Mechanical and strictural characterization of a PDLC device based on PAAm hydrogels and KL - DeOH - H2O lyotopic liquid crystal

Resumo

In this work, a novel device based on polyacrylamide (PAAm) hydrogels and KL - DeOH - H2O lyotropic liquid crystal (LLC), with potential for application as Polymer Dispersed Liquid Crystals (PDLC), was proposed and its properties characterized. The confinement of LLC promoted significant changes in spectroscopic, morphological, optical, hydrophilic, structural and mechanical properties due to the interaction between the LLC-PAAm matrix and entropic parameter changes. The mechanical and structural properties can be controlled by adjusting AAm, temperature and presence of LLC, which can be useful for technological applications of these systems in optical devices.

PDLC; PAAm hydrogels; KL - DeOH - H2O lyotropic liquid crystal


PDLC; PAAm hydrogels; KL - DeOH - H2O lyotropic liquid crystal

ARTIGO

Caracterização mecânica e estrutural de um dispositivo PDLC baseado em hidrogéis de PAAm e cristal líquido liotrópico LP/DeOH/H2O

Mechanical and strictural characterization of a PDLC device based on PAAm hydrogels and KL - DeOH - H2O lyotopic liquid crystal

Fauze A. AouadaI, * * e-mail: faouada@yahoo.com.br ; Marcia R. de MouraI; Paulo R. G. FernandesII; Adley F. RubiraIII; Edvani C. MunizIII

IDepartamento de Física e Química, Faculdade de Engenharia de Ilha Solteira, Universidade Estadual Paulista, 15385-000 Ilha Solteira - SP, Brasil

IIDepartamento de Física, Universidade Estadual de Maringá, 87020-900 Maringá - PR, Brasil

IIIDepartamento de Química, Universidade Estadual de Maringá, 87020-900 Maringá - PR, Brasil

ABSTRACT

In this work, a novel device based on polyacrylamide (PAAm) hydrogels and KL - DeOH - H2O lyotropic liquid crystal (LLC), with potential for application as Polymer Dispersed Liquid Crystals (PDLC), was proposed and its properties characterized. The confinement of LLC promoted significant changes in spectroscopic, morphological, optical, hydrophilic, structural and mechanical properties due to the interaction between the LLC-PAAm matrix and entropic parameter changes. The mechanical and structural properties can be controlled by adjusting AAm, temperature and presence of LLC, which can be useful for technological applications of these systems in optical devices.

Keywords: PDLC; PAAm hydrogels; KL - DeOH - H2O lyotropic liquid crystal.

INTRODUÇÃO

Os cristais líquidos são caracterizados por possuírem grau de ordem molecular intermediário entre a ordem orientacional dos sólidos cristalinos e líquidos isotrópicos1 (Figura 1S, Material Suplementar).2 As transições de fases ocorrem pela quebra da ordem posicional e/ou orientacional das moléculas, aumentando ou diminuindo seus graus de liberdade (entropia). Este efeito pode ser acelerado pela variação na temperatura. Devido a essa peculiaridade, os cristais líquidos apresentam anisotropia em suas propriedades ópticas, elétricas e magnéticas, semelhantes às de um sólido cristalino anisotrópico, e propriedades mecânicas semelhantes de um líquido, o que caracteriza sua fluidez.3-5

Os cristais líquidos são classificados em duas grandes categorias: os termotrópicos (CLTs) e os liotrópicos (CLLs). Os CLTs são constituídos por arranjos de moléculas anisométricas orgânicas (moléculas alongadas ou em forma de discos), cujas propriedades se manifestam pela ação do calor, em geral nas vizinhanças do ponto de fusão do material.2,6 Os CLLs são sistemas químicos formados por misturas binárias, ternárias ou quaternárias de substâncias anfifílicas tais como álcoois de cadeia longa, sabões e detergentes usualmente tendo água como solvente.7,8 Nessas misturas as moléculas anfifílicas acima de uma concentração específica, chamada concentração micelar crítica (CMC), formam aglomerados de moléculas que podem assumir formas e dimensões diferentes, chamadas micelas.9-11

O confinamento de materiais eletro-ópticos em matrizes poliméricas tem despertado um especial interesse devido às suas aplicações tecnológicas. As mais conhecidas são os PDLC's12-16 (Polymer Dispersed Liquid Crystals), que são utilizados em displays e em cortinas eletrônicas. Existem essencialmente duas formas de preparação de PDLC's: i) por encapsulamento; ii) por separação de fases. O método de encapsulamento consiste em misturar o cristal líquido com um polímero dissolvido em água. Quando a água é evaporada, o cristal líquido é circundando pelo polímero, gerando assim, pequenos sistemas formados por gotas distribuídas (ou confinadas) por todo o polímero. Já o método de separação de fases consiste basicamente em preparar um sistema formado por uma mistura homogênea de cristal líquido e monômero. Após o início da reação de polimerização obtêm-se aglomerados de gotas de cristal líquido dispersos na matriz polimérica.17

Outra forma de confinamento de CL consiste em introduzi-los no interior de hidrogéis.18-22 A motivação em estudar esses sistemas não está apenas nos aspectos de pesquisa básica em Física e em Química, mas também sob o ponto de vista tecnológico, como por exemplo, a fabricação de dispositivos eletro-ópticos, tais como os displays. Por sua vez, os hidrogéis são polímeros capazes de absorver grande quantidade de água.23-25 Estruturalmente são constituídos por uma ou mais redes poliméricas tridimensionalmente estruturadas, formadas por cadeias macromoleculares interligadas por ligações covalentes (reticulações) ou interações físicas.26 Em trabalho publicado recentemente pelo nosso grupo de pesquisa20 foram estudadas as propriedades hidrofílicas, morfológicas e ópticas de hidrogéis birrefringentes obtidos pela incorporação do CLL LP/DeOH/H2O em matrizes de poliacrilamida (PAAm). Como continuação, nesse trabalho, descrevemos as propriedades mecânicas, estruturais e espectroscópicas desses mesmos hidrogéis objetivando a aplicação desses sistemas como dispositivos ópticos PDLC's. Vale ressaltar que os métodos de obtenção de PDLC são empregados principalmente para os CLT, sendo que os PDLC a base de CLL são pouco investigados. O que motivou ainda mais o desenvolvimento do presente trabalho.

PARTE EXPERIMENTAL

Síntese do laurato de potássio (LP)

O surfactante dodecanoato de potássio, também conhecido como laurato de potássio (LP), foi obtido por meio da reação de neutralização do ácido láurico (Acros) com aquecimento e em presença de etanol (Sigma), descrita na equação abaixo:

Preparação da mesofase liotrópica

O cristal líquido liotrópico (CLL) utilizado neste trabalho foi preparado apresentando a seguinte composição (em massa): LP 24,79%; decanol (DeOH) 6,24% e H2O 68,97%.

A preparação da amostra, efetuada a temperatura ambiente, obedeceu a seguinte ordem: no tubo de ensaio foi introduzida parte da quantidade desejada de LP e sobre este foi adicionado DeOH. O tubo de ensaio foi agitado e, logo em seguida foi adicionado o restante de LP, de forma a obter a razão LP/DeOH desejada. Foi adicionada, então, a quantidade de água necessária para se atingir a concentração de 68,97% (m/m). O tubo foi fechado e selado com parafilme, a fim de evitar perdas por evaporação e conseqüentemente alteração das propriedades do CLL resultante.

O processo de homogeneização da amostra foi realizado manualmente e, para eliminar as possíveis bolhas e espumas, utilizou-se uma centrífuga. O processo foi repetido várias vezes até que a amostra se apresentasse totalmente homogênea. As transições de fase desse sistema ternário são: na qual IRe é a fase isotrópica reentrante, nem a fase nemática e ISO a fase isotrópica.

Síntese dos hidrogéis de PAAm com CLL confinado

Os hidrogéis de PAAm com CLL confinado foram sintetizados em ambiente selado por meio de polimerização fotoquímica radicalar do monômero acrilamida, AAm, (Aldrich), na presença de N',N'-metileno-bisacrilamida, MBAAm (Plusone), que atua como agente de reticulação. Como iniciador da fotopolimerização utilizou-se periodato de potássio, KIO4 (Vetec). A síntese foi efetuada adicionando o monômero AAm, o agente de reticulação MBAAm, e o KIO4 em 1,0 mL de CLL. As concentrações de AAm, utilizadas na síntese foram 2,0; 3,5 e 5,0 mol L-1, mantendo a concentração de agente reticulante constante em relação a concentração molar de AAm. A solução resultante foi inserida entre duas lâminas de vidro com dimensões (em mm) de 76 x 26 x 1,1, com espaçador de 1,0 mm de espessura e exposta por 40 minutos em lâmpada de vapor de Hg (l = 254 - 580 nm). Para identificação das diferentes formulações adotou-se a seguinte notação (A-M-CLL), onde A é a concentração molar de AAm, M é a concentração de MBAAm (% em relação à conc. de AAm) e CLL refere-se a presença de cristal líquido liotrópico.

Ressonância magnética nuclear (RMN)

A caracterização do LP foi realizada por meio de ressonância magnética nuclear de 1H utilizando o mesmo equipamento, porém usando sonda para líquidos. Para obtenção dos espectros, as soluções de ácido láurico e LP foram preparadas em CDCl3 e D2O, respectivamente.

Os espectros de ressonância magnética nuclear de sólidos CP/MAS (Cross Polarization Magic Angle Spinning) do LP e dos hidrogéis de PAAm contendo ou não CLL confinado foram obtidos utilizando um espectrofotômetro Varian modelo Oxford 300 operando em frequência de 300 MHz. Depois de compactadas em um rotor de zircônia (5,0 mm de diâmetro), as amostras liofilizadas foram giradas com frequência de rotação de 4.000 Hz. O tempo de contato e o intervalo entre os pulsos de sequências foram de 1,0 ms e 1,0 s, respectivamente.

Espectroscopia fotoacústica na região do infravermelho (FTIR)

Os hidrogéis foram também caracterizados por meio de espectroscopia fotoacústica na região do infravermelho. Para isso, foi utilizado um espectrofotômetro Bomem FT-IR modelo MB 100. Os espectros com resolução de 2 cm-1 foram obtidos entre 1000 a 4000 cm-1 acumulando 128 scans.

Propriedades mecânicas

A resistência à compressão (dureza) dos hidrogéis foi determinada por meio de testes de tensão máxima de compressão (σmax). Para isso, foi utilizado o equipamento Texture Analyzers (Stevens L. F. R. A) contendo corpo de prova circular de 12,7 mm de diâmetro. A velocidade de descida do corpo de prova foi programada para 0,2 mm s-1. A temperatura do hidrogel foi controlada usando um banho termostático. Valores de σmax a diferentes temperaturas foram obtidos medindo-se a força (f) necessária para comprimir em 1 mm as membranas dos hidrogéis, equação 2.28

na qual σ é a tensão aplicada, em Pa m-2, f é o valor da força exercida, S0 é a área do corpo de prova e λ é a deformação relativa. Valores de f foram obtidos em seis pontos distintos da membrana. A espessura média das membranas dos hidrogéis sintetizados foi de 3,0 mm.

Determinou-se, a partir da inclinação da reta obtida pela aplicação da equação 2, o módulo elástico (E) de cada hidrogel na temperatura desejada. A densidade aparente de reticulação, ve, foi determinada utilizando a equação:29

na qual R é a constante dos gases, T é a temperatura absoluta, ΦP,0 e ΦP são as frações volumétricas de polímero no hidrogel no estado relaxado (logo após a reticulação) e no estado intumescido no equilíbrio, respectivamente.

Propriedades estruturais

O parâmetro massa molar média entre retículos (MC)30 descreve a massa molar numérica entre duas junções consecutivas, que podem ser formadas por retículos químicos, entrelaçamentos físicos, regiões cristalinas e complexos poliméricos. Outros parâmetros, tais como densidade de reticulação (q),31 a qual é proporcional à fração molar de agente de reticulação utilizado, e número de cadeias efetivamente elásticas por unidade de volume, simbolizado por ve,32 também são importantes para a caracterização estrutural da rede de um hidrogel.

As propriedades estruturais MC, q e ve foram obtidas utilizando-se as seguintes equações:

na qual Vl é o volume molar do solvente (água) (mL mol-1), dp é a densidade do polímero (PAAm) (~ 1,10 g mL-1), VS é a fração de volume do gel intumescido e c é o parâmetro de interação entre o solvente e o polímero (~ 0,466).33

na qual M0 representa a massa molar da unidade repetitiva.

na qual NA é o número de Avogadro.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Caracterização do laurato de potássio (LP) por ressonância magnética nuclear (RMN)

Nas Figuras 2Sa e 2Sb são mostrados os espectros de RMN de 1H do ácido láurico e laurato de potássio (LP), respectivamente. Pode-se observar na Figura 2Sa um sinal em d =12,0 ppm referente ao próton da carboxila pertencente ao ácido láurico. Ao término da reação, o produto foi formado por substituição do próton da carboxila por uma molécula de potássio, o que pode ser constatado pelo desaparecimento dessa banda no espectro.

Ressonância magnética nuclear (RMN) de sólidos

A Figura 1 apresenta os espectros de ressonância magnética nuclear CP/MAS referentes à hidrogéis de PAAm puro, LP e hidrogéis de PAAm-LP/DeOH/H2O. No espectro referente ao LP, observa-se a presença do sinal em δ =15,84 ppm, que é referente ao carbono metilênico do LP (carbono 1, ver Figura 1). Sinais referentes aos carbonos C2, C3 e C4-9 são observados em δ = 26,12; 29,60 e 34,45 ppm. No espectro referente ao hidrogel constituído apenas de PAAm reticulada, esses sinais não são observados. No espectro referente ao hidrogel de PAAm-CLL, são observados sinais provenientes do LP, bem como mudanças espectrais em diferentes regiões, o que indica que os cristais de LP foram incorporados e permaneceram confinados dentro das cadeias de PAAm mesmo após o processo de liofilização.


Espectroscopia fotoacústica na região do infravermelho (FTIR)

Na Figura 2 são mostrados os espectros de FTIR fotoacústica do LP, hidrogéis de PAAm e hidrogéis de PAAm-LP/DeOH/H2O. Analisando o espectro referente ao hidrogel constituído por PAAm,34 observa-se a presença de bandas em 3425-3193 cm-1 (deformação axial), 1606 cm-1 (deformação angular) e 800-664 cm-1 (deformações angulares simétricas fora do plano) atribuídas a ligação N-H do grupo amida. Foram observadas bandas relativas ao grupamento CH2 em 1375 cm-1 e 825 cm-1. As bandas em 2925-2860 cm-1 são referentes a estiramentos assimétricos e simétricos desse mesmo grupamento. Nas regiões entre 1120-1030 cm-1 (estiramentos simétricos e assimétricos) e 466 cm-1 (deformação axial) se referem aos modos vibracionais da ligação C-C. Observa-se, ainda, em 1668 cm-1 e 1466 cm-1 deformações axiais relativas à carbonila e a ligação C-N, respectivamente.


No espectro do LP, a banda na região de 2847 cm -1 foi atribuída ao carbono metilênico. Ainda no mesmo espectro, observam-se também bandas em 1720 cm-1 referente à carbonila, 1546 cm-1 e 1390-1420 cm-1 que podem ser atribuídas a grupamento CH2 adjacentes à carbonila, deformações da ligação de C - O, deformação angular CH3, deformação angular de (CH)n para n ≥ 3.

A modificação das propriedades espectroscópicas dos hidrogéis de PAAm pela inserção de LP foi constatada pelo aparecimento das bandas supracitadas características do composto LP.

Separadamente, o hidrogel de PAAm-CLL do tipo (2,0-1-CLL) foi submetido a 4 ciclos de intumescimento/secagem a 30,0 ºC. Em cada ciclo o hidrogel permaneceu durante 24 horas. Depois de cada ciclo o hidrogel foi seco e pesado. Nesse estudo não foram observadas mudanças significativas nos valores de grau de intumescimento (Q): 1º ciclo → Q = 35,3 ± 1,0 g g-1 (ou 3530%); 2º ciclo → Q = 34,9 ± 0,9 g g-1 (ou 3490%); 3º ciclo → Q = 33,8 ± 1,3 g g-1 (ou 3380%)e 4º ciclo → Q = 35,0 ± 0,7 g g-1 (ou 3500%), variação < 5,0%. Vale ressaltar que a unidade de Q expressa em g g-1 representa a quantidade de água absorvida pelo hidrogel por grama de hidrogel seco. Após cada ciclo, no recipiente onde o hidrogel foi intumescido, não foi observado traço de decanol, o que indica que o mesmo não difundiu para fora do hidrogel. Assim, a hidrofilicidade de tal hidrogel não foi alterada mesmo após o processo de intumescimento/secagem e, provavelmente, suas propriedades birrefringentes também não sofreram alterações.

Nas micrografias da Figura 3S, obtidas por microscopia eletrônica de varredura, observa-se que hidrogel de PAAm possui superfície extremamente porosa. Pode-se observar também que hidrogéis com CLL confinado (Figuras 3Sb e 3Sc) apresentam superfície bem mais rugosa quando comparada com a superfície dos hidrogéis de PAAm sem CLL (Figura 3Sa). Em ampliações maiores (Figura 3Sc), as superfícies dos hidrogéis com CLL apresentam em todas suas extensões cristais bem definidos que são provenientes do LP. A presença desses cristais proporciona aos hidrogéis propriedades birrefringentes, as quais são altamente desejáveis para aplicação dos hidrogéis como dispositivos ópticos. Na Figura 4S é analisada a textura e a birrefringência do hidrogel com CLL incluso. Foi observado que amostras com o CLL confinado na matriz polimérica apresentam birrefringência (anisotropia óptica). Por outro lado, as texturas observadas nas amostras (2,0-1-0), portanto sem CLL confinado, são típicas de sistemas isotrópicos (coloração escura), nos quais a anisotropia óptica é nula. Dessa forma, pode-se atribuir a birrefringência apresentada exclusivamente à presença do CLL.

Vale ressaltar que, em um meio isotrópico, a luz incidente em uma dada amostra propaga-se segundo uma onda esférica.35 Logo, o índice de refração apresentado pelo meio é invariante com a direção de polarização da luz incidente. Em um meio anisotrópico (ou birrefringente), a velocidade de propagação da luz é dependente da direção de polarização. Tais meios birrefringentes possuem dois índices de refração principais: ordinário (no) e extraordinário (ne) e a birrefringência apresentada pelo meio é definida como sendo a diferença entre esses dois índices, Δn = ne - no. Dessa forma, para determinar a birrefringência em cristais líquidos, é necessário que as moléculas do cristal líquido estejam orientadas. Isto é possível por exposição em campo magnético e/ou campo elétrico. Depois de serem orientadas, o meio em que as mesmas se encontram passa a apresentar uma única direção preferencial, ou seja, um único eixo óptico. Nesse trabalho, os sistemas não foram submetidos à indução, seja por campo magnético, seja por campo elétrico. Isto é, as micelas de CLL sofreram orientação apenas pelo confinamento nos hidrogéis de PAAm. Isto pode disponibilizar a aplicação desses dispositivos como displays ópticos em temperaturas onde as fases nemáticas são predominantes, 19 ºC < T Nem< 29 ºC.

Propriedades mecânicas e estruturais

O módulo de elasticidade é obtido a partir do gráfico de tensão vs deformação, sendo E a inclinação do gráfico na região elástica (pequenas deformações).36 Porém, esses gráficos não são sempre lineares, salvo em alguns materiais, por exemplo os metálicos. Assim, alguns cuidados são necessários na determinação de E. Nesse trabalho, os valores de E para os hidrogéis foram obtidos para intervalos de pequenas deformações, o que garante que as deformações observadas são realmente elásticas.

A avaliação das propriedades mecânicas dos hidrogéis constituídos por PAAm e CLL foi realizada determinando-se os valores de tensão máxima de compressão (σmax), módulo elástico (E) e densidade aparente de reticulação (ve). Curvas representativas de tensão-deformação para diferentes hidrogéis utilizando-se deformação unixial são mostradas na Figura 3. Pode-se observar uma boa linearidade entre as propriedades, principalmente para pequenas deformações, sendo essas utilizadas para a obtenção dos valores do módulo elástico. Isso mostra que a deformação do hidrogel é elástica, ou seja, o hidrogel retorna a sua conformação inicial quando a força é removida.37,38 Além disso, pode-se notar na Figura 3 uma diferença significativa no comportamento mecânico dos hidrogéis. Se fixarmos um valor de deformação relativa, por exemplo em 0,4, nota-se que a tensão máxima necessária para termos essa deformação aumenta consideravelmente com o aumento da concentração de acrilamida. Nesse caso específico, os valores de tensão máxima de compressão são 1,9; 10,5 e 17,9 kPa para 2,0; 3,5 e 5,0 mol L-1 de acrilamida, respectivamente. Por outro lado, se fixarmos um valor de tensão máxima de compressão, por exemplo em 10 kPa, os valores de deformação relativa para os hidrogéis contendo 3,5 e 5,0 mol L-1 de acrilamida são 0,38 e 0,24, respectivamente.


A dependência do módulo elástico (E) em função da temperatura para diferentes hidrogéis é mostrada na Figura 4, na qual se observa que o aumento da concentração de AAm, em uma temperatura constante, provoca aumento nos valores de E devido ao aumento da rigidez da matriz polimérica. Nessas condições os materiais são mais rígidos e, consequentemente, as cadeias poliméricas são menos flexíveis, acumulando um menor volume de água. Os valores de tensão máxima de compressão apresentaram o mesmo comportamento, por isso não serão mostrados. Por exemplo, a 25 °C, os valores de tensão máxima de compressão foram 3,6; 24,5 e 40,7 kPa para 2,0; 3,5 e 5,0 mol L-1 de AAm, respectivamente.


Assim como observado em medidas de E, maiores concentrações de AAm ocasionam aumento significativo nos valores de ve, Tabela 1. Por exemplo, o valor calculado de ve para o hidrogel (2,0-1-CLL) é cerca de 0,071 x 10-4 mol cm-3 a 25,0 ºC. Já os valores de ve para hidrogéis (3,5-1-CLL) e (5,0-1-CLL), nessa mesma temperatura, foram 0,33 e 0,58 x 10-4 mol cm-3, respectivamente. Pode-se observar também que as propriedades mecânicas dos sistemas PDLC baseados em hidrogéis de PAAm e CLL são sensíveis à variação da temperatura. Por exemplo, em 40,0 ºC os valores de ve aumentaram de 0,083 para 0,86 x 10-4 mol cm-3 (aumento de mais de 10 vezes) quando a concentração de AAm foi variada de 2,0 para 5,0 mol L-1. O aquecimento dos sistemas pode provocar mudanças no arranjo e tamanho micelar (ordem estrutural), visto que nessa temperatura o CLL encontra-se em sua fase isotrópica. Essas variações entrópicas podem contribuir no aumento das interações CLL-matriz. Por outro lado, se a interação CLL-matriz polimérica for aumentada, a quantidade relativa de água a ser retida pelos hidrogéis diminui, o que torna os mesmos mais rígidos. Isso pode ser comprovado pelo incremento nos valores de E e ve ao variar a temperatura de análise. O que pode ser uma vantagem, visto que alguns hidrogéis não apresentam propriedades mecânicas compatíveis com as propriedades requeridas no campo industrial. Além disso, em trabalho anterior20 foi demonstrado que a hidrofilicidade do sistema (2,0-1-CLL) diminui bruscamente com o aumento da temperatura. Por exemplo, a 10,0 ºC o grau de intumescimento, simbolizado por Q, foi igual a 51,5 g g-1 (5150%), enquanto que a 45,0 ºC Q diminui para 34,3 g g-1 (3430%), redução de 33,4%. Além disso, foi verificado que o decréscimo em Q é mais pronunciado até temperaturas de aproximadamente 22,0 ºC, temperatura próxima da transição de fase TIRe Nem.

A possibilidade de obtenção de matrizes poliméricas com diferentes características (principalmente hidrofilicidade e rigidez) possibilita formar sistemas com estruturas micelares com variados graus entrópicos (conferindo diferentes propriedades birrefringentes), o que pode se tornar alternativas extremamente interessantes na aplicação desses em sistemas PDLC's.

Os estudos dos parâmetros estruturais de redes dos hidrogéis com e sem CLL confinado, mostrado na Tabela 1, foram realizados analisando-se três propriedades importantes: massa molar média entre retículos (MC), densidade de reticulação (q) e número de cadeias efetivamente elásticas por unidade de volume (ve). Nota-se nitidamente que os fatores concentração de AAm e temperatura influenciam substancialmente nas propriedades estruturais dos hidrogéis. Este efeito já era esperado, uma vez que os mesmos também influenciam nas propriedades morfológicas e mecânicas dos hidrogéis. De maneira geral, o aumento da concentração de acrilamida e temperatura provocam diminuição de MC e incremento de q e ve. Isto é mais um indício de que as propriedades do ambiente de confinamento podem ser controladas e, se for o caso, otimizadas para viabilizar a aplicação como sistemas PDLC's.

CONCLUSÕES

Foi proposto neste trabalho um novo dispositivo óptico PDLC por meio do confinamento, em ambiente totalmente selado, do cristal líquido liotrópico obtido pela mistura ternária LP/DeOH/H2O em hidrogéis de PAAm. O confinamento de cristal líquido em hidrogéis formados por redes com diferentes flexibilidades proporciona ao cristal liquido diferente mobilidade devido às alterações de rigidez que a matriz polimérica pode experimentar. A diferença na mobilidade implica também na alteração na entropia dos arranjos micelares, que por sua vez afeta diretamente suas propriedades, principalmente as ópticas. Em consequência foram observadas mudanças significativas nas propriedades espectroscópicas, morfológicas e estruturais. Os fatores concentração de AAm e temperatura influenciam substancialmente as propriedades estruturais e mecânicas dos hidrogéis. Este efeito já era esperado, uma vez que os mesmos também influenciam as propriedades morfológicas dos hidrogéis. De maneira geral, o aumento desses fatores provoca diminuição de MC e incremento de q e ve. Da mesma forma, a presença de CLL confinado contribui para o aumento da rigidez da matriz de PAAm. Além disso, a presença do cristal líquido proporcionou aos hidrogéis de PAAm propriedades birrefringentes, o que é uma propriedade imprescindível para fabricação de PDLC's.

MATERIAL SUPLEMENTAR

No material suplementar, disponível gratuitamente em http://quimicanova.sbq.org.br na forma de arquivo PDF, está apresentado na Figura 1S um esquema, em termos de ordem orientacional, a diferença entre cristais líquidos, sólidos cristalinos e líquidos isotrópicos. Na Figura 2S é apresentada à caracterização da formação de laurato de potássio (LP) por RMN. Na Figura 3S são apresentadas micrografias obtidas por Microscopia Eletrônica de Varredura das superfícies dos hidrogéis (2,0-1-0) e (2,0-1-CLL). Na Figura 4S são mostradas micrografias obtidas por Microscopia Óptica de Luz Polarizada das amostras (2,0-1-0) e (2,0-1-CLL) em três diferentes ângulos de polarização a 25,0 ºC.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelas bolsas concedidas e pelo suporte financeiro.

Recebido em 09/01/2014

Aceito em 21/05/2014

Publicado na web em 22/07/2014

Dados Suplementares

Os dados complementares está disponível em pdf: [dados Suplementar]

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Out 2014
    • Data do Fascículo
      2014

    Histórico

    • Aceito
      21 Maio 2014
    • Recebido
      09 Jan 2014
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