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Otimização da etapa de extração do ácido clavulânico presente no caldo de fermentação utilizando misturas de solventes

Optimization of liquid-liquid extraction step for clavulanic acid from fermentation broth using solvent mixtures

Resumo

The purpose of this work was to study four different solvent mixtures intended to increase the yield of the extraction stage of clavulanic acid (CA), which is one of the steps in the purification process. Four central composite rotatable designs (CCRD) were utilized to optimize the solvent mixtures. The variables selected for the factorial design were solvent mixture ratio (mL/mL) and temperature (ºC). The results showed that the yield of CA extracted from fermentation broth with the solvent mixtures of methyl-ethyl-ketone and ethyl acetate, and methyl-isobutyl-ketone and ethyl acetate (44.7 and 50.0%, respectively) was higher than that of the individual ethyl acetate alone (36.5%).

clavulanic acid; liquid-liquid extraction; factorial design


clavulanic acid; liquid-liquid extraction; factorial design

ARTIGO

Otimização da etapa de extração do ácido clavulânico presente no caldo de fermentação utilizando misturas de solventes

Optimization of liquid-liquid extraction step for clavulanic acid from fermentation broth using solvent mixtures

Mariane de A. Mancilha; Gabriela C. Guimarães; João Cláudio S. de C. Nardi; Jaine H. H. L. de Oliveira; Daniela B. Hirata* * e-mail: daniela.hirata@unifal-mg.edu.br

Instituto de Química, Universidade Federal de Alfenas, 37130-00 Alfenas - MG, Brasil

ABSTRACT

The purpose of this work was to study four different solvent mixtures intended to increase the yield of the extraction stage of clavulanic acid (CA), which is one of the steps in the purification process. Four central composite rotatable designs (CCRD) were utilized to optimize the solvent mixtures. The variables selected for the factorial design were solvent mixture ratio (mL/mL) and temperature (ºC). The results showed that the yield of CA extracted from fermentation broth with the solvent mixtures of methyl-ethyl-ketone and ethyl acetate, and methyl-isobutyl-ketone and ethyl acetate (44.7 and 50.0%, respectively) was higher than that of the individual ethyl acetate alone (36.5%).

Keywords: clavulanic acid; liquid-liquid extraction; factorial design.

INTRODUÇÃO

O ácido clavulânico (AC) é um excelente inibidor de β-lactamases, que são enzimas responsáveis pela resistência bacteriana aos antibióticos β-lactâmicos. É constituído por um anel ß-lactâmico condensado a um anel oxazolidina (Figura 1).1 O uso combinado do AC com antibióticos b-lactâmicos tornou possível a cura de várias infecções resistentes a terapias convencionais, sem necessitar de utilização de medicamentos com fortes efeitos colaterais.2,3 A associação do AC com a amoxicilina destaca-se como um produto de grande sucesso comercial.4,5.


Devido a sua importância no ramo de medicamentos, pesquisas foram realizadas para elucidar métodos alternativos de purificação deste fármaco.6-9 Um dos métodos de grande potencial é a reação de precipitação do ácido clavulânico com o 2-etil-hexanoato de potássio no qual a reação promove a conversão de cerca 70% do AC presente inicialmente a clavulanato de potássio, sendo esta a forma final do fármaco presente no medicamento.8,9 Dentro do processo de purificação do AC um dos fatores limitantes é a etapa de extração do AC do caldo de fermentação, que geralmente é realizada com a utilização de solvente orgânico.10 Esta etapa é considerada a limitante do processo, visto que o máximo rendimento obtido é inferior a 50% para o AC presente no caldo de fermentação.8,11 Diante do exposto, é de extrema importância que esta etapa seja estudada para proporcionar uma maior extração do AC do caldo de fermentação e, consequentemente, possibilitar um aumento no rendimento total do AC ao final do seu processo de purificação.

Dessa forma, o presente trabalho visou avaliar o emprego de misturas de solventes orgânicos para a etapa de extração liquido-liquido. Ressalta-se que até o momento não foi relatado em literatura o emprego de misturas de solventes para a etapa de extração do AC do caldo de fermentação, apenas a extração com solventes individuais.

O emprego de uma mistura de solventes para a etapa de extração é muito interessante, pois as combinações dos solventes podem proporcionar além de um rendimento elevado para a extração do AC, ainda um incremento na sua purificação, devido às diferenças das propriedades físico-químicas dos solventes empregados para a extração.12-14 Assim, os solventes foram selecionados levando-se em consideração que a etapa de extração precede a reação de precipitação do AC, sendo necessário que os mesmos apresentem pouca solubilidade em água, para que a reação de precipitação possa ocorrer de maneira desejável.9,12

Planejamentos fatoriais foram utilizados buscando a otimização do processo de extração do AC empregando misturas constituídas por dois solventes distintos, sendo que os melhores resultados obtidos foram aplicados ao caldo de fermentação.

PARTE EXPERIMENTAL

Ácido clavulânico

Nos experimentos foram utilizadas as fontes de AC: i- Clavulanato de potássio fornecido pela DSM-Anti Infectives; ii - Clavulanato de potássio obtido do medicamento produzido por Ranbaxy® (constituído de 625 mg de amoxicilina e 125 mg de clavulanato de potássio); iii- Ácido clavulânico produzido por Streptomyces clavuligerus ATCC 27064 em mesa incubadora rotativa (shaker), a temperatura de 28 °C, 250 rpm, por 72 h. O micro-organismo foi cedido pelo Departamento de Engenharia Química da UFSCar. O meio de cultura utilizado era composto essencialmente por glicerol (1,5% m/v), extrato de levedura (0,1% m/v), peptona bacteriológica (1,0% m/v), extrato de malte (0,075% m/v) e sais minerais (0,1% m/v), MgSO4.7H2O, KH2PO4, MnCl2.4H2O, FeSO4.H2O e ZnSO4.H2O. Ao final do cultivo o caldo foi centrifugado, filtrado em papel filtro para a retirada das células e posteriormente realizou-se a extração com a mistura de solventes.15

Nos planejamentos fatoriais visando o estudo da extração do AC, por meio de uma mistura constituída por dois solventes, foi utilizado o AC disponível no medicamento adquirido comercialmente. Isso foi necessário para que as variáveis utilizadas no planejamento fatorial pudessem ser corretamente avaliadas, garantindo-se que a quantidade inicial de AC empregada seria a mesma e que não haveria a interferência de outras substâncias, geralmente presentes no caldo de fermentação.

Para a utilização do AC presente no medicamento foi necessário realizar a extração líquido-líquido para posterior utilização. O comprimido foi triturado, descartando-se seu revestimento e em seguida dissolvido em 20 mL de água milli-Q à 10 °C e filtrado a vácuo em membrana de 0,45 µm. Com este procedimento 99% do AC presente no medicamento foi recuperado, com um mínimo de substâncias que poderiam causar interferências.9,16

Clavulanato de potássio cedido pela DSM-Anti Infectives foi utilizado como padrão de AC para as análises.

Solventes utilizados na mistura

Para a extração foram utilizadas misturas contendo dois solventes. As combinações de solventes foram realizadas levando-se em consideração fatores como a seletividade e a capacidade de recuperação do AC pelos solventes. Assim buscou-se agrupar um solvente mais seletivo a outro que proporcionasse uma maior extração do AC. Para tanto, ensaios prévios utilizando os solventes, metil-etil-cetona, metil-isobutil-cetona, diclorometano, clorofórmio e éter (não mostrados aqui) foram realizados, obtendo-se como solventes mais seletivos a metil-etil-cetona e a metil-isobutil-cetona. Os solventes que apresentaram maiores porcentagens de recuperação do AC foram o acetato de etila e o acetato de butila.

Dessa forma as misturas: metil-etil-cetona e acetato de etila, metil-isobutil-cetona e acetato de etila, metil-etil-cetona e acetato de butila, metil-isobutil-cetona e acetato de butila foram estudadas. Todos os solventes utilizados possuíam grau analítico (Synth).

Cálculo de parâmetros de extração

Os parâmetros calculados foram a porcentagem de extração de AC (rendimento) e para o caldo de fermentação foi calculado também o fator de purificação (FP).12

A porcentagem de extração do AC (AC%) foi calculada pela Equação 1:

Na qual C0 é a concentração inicial do ácido clavulânico na fase aquosa, V0 é o volume da fase aquosa inicial, C é a concentração final e V o volume final de AC após a reextração. Foi considerado que todo o AC presente na fase orgânica foi reextraído pela etapa de reextração com tampão a pH 7,0.

O fator de purificação (FP) foi calculado pela Equação 2:

Na qual V e V0 são os volumes final e inicial e C e C0 são as concentrações de AC final e inicial respectivamente. CT e CT0 referem-se às concentrações final e inicial de impurezas presentes no caldo de fermentação, respectivamente.

Métodos analíticos

A determinação da concentração de ácido clavulânico nas amostras foi realizada utilizando o método espectrofotométrico a 311 nm, com reação prévia do ácido clavulânico com imidazol (Vetec).17 Foi utilizado o espectrofotômetro Pharmacia Biotech UV/VIS. Os resultados foram obtidos utilizando-se uma curva de calibração construída a partir de padrão de ácido clavulânico fornecido pela DSM-Anti Infectives.

No procedimento de derivatização do AC, o imidazol ataca o grupo carbonila do anel β-lactâmico quebrando a ligação C-N e formando uma nova ligação entre o imidazol e o carbono da carbonila. A quebra do anel β-lactâmico também leva à abertura do anel oxazolidina com consequente descarboxilação, originando o produto da Figura 2. O produto dessa reação é mais estável que o AC e sua formação é diretamente proporcional à concentração de AC presente na reação, apresentando máxima absorção no ultra violeta (UV) em 311nm.


Determinação dos contaminantes presentes no caldo de fermentação

A concentração dos contaminantes foi determinada por espectrofotometria a 280 nm, (Pharmacia Biotech UV/VIS), desconsiderando a influência do AC.12,18 Este comprimento de onda foi selecionado, levando-se em consideração a presença de anéis aromáticos em uma grande quantidade de aminoácidos constituintes de proteínas como tirosina, triptofano e fenilalanina, que estão presentes no caldo de fermentação.

Planejamento fatorial

Para cada mistura de dois solventes foi realizado um delineamento composto central rotacional (DCCR), ou seja, um planejamento 22 incluindo 4 ensaios nas condições axiais e 3 repetições no ponto central, totalizando 11 ensaios.19 As variáveis independentes avaliadas foram: mistura de solventes (x1) e temperatura (x2). Os níveis das variáveis foram escolhidos baseando-se na importância dos mesmos para o processo de extração. O tempo de agitação para promover o contato entre as fases foi fixado em 90 s. Este tempo foi pré-determinado pelo DCCR realizado para a extração na qual somente o acetato de etila foi utilizado como solvente. Neste planejamento 22 as variáveis independentes foram: tempo de agitação e temperatura.

No total foram realizados 5 planejamentos fatoriais distintos, sendo utilizado o software Statistica versão 7,0 (StatSoft Inc., USA) para análise e construção das superfícies de respostas.

Procedimento experimental para os ensaios de extração

Ao filtrado contendo AC oriundo do medicamento foi adicionado 130 mL de água destilada (totalizando 150 mL), que foi acidificado com H2SO4 (1 mol L-1) até pH 2 (pKa do AC é de 2,5) e em seguida colocado em contato com a mistura de solventes para a extração. Após a acidificação a concentração inicial de AC (C0) era de aproximadamente 550 mg L-1. Três partições (v = 30 mL) foram realizadas e a fração aquosa reservada. Cada fração orgânica foi re-extraída com tampão fosfato pH 6,8 (v = 30 mL). Na re-extração o tempo de contato com agitação foi de 150 s. Após este tempo, a mistura foi deixada em repouso no funil de separação para a completa separação das fases por decantação. Amostras foram coletadas durante o processo para análise posterior.

Posteriormente, as melhores condições obtidas nestes experimentos, avaliadas pelo planejamento fatorial, foram aplicadas nos ensaios utilizando o caldo de fermentação. O volume utilizado de caldo de fermentação foi de 500 mL, Foram realizadas três partições utilizando a mistura de solventes (v = 100 mL). Os ensaios foram realizados em triplicata.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Resultados obtidos para os planejamentos fatoriais completos

O estudo da extração com acetato de etila foi realizado no intuito de se obter um maior conhecimento das influências das variáveis envolvidas no processo de extração utilizando-se apenas um solvente, para posteriormente se fazer a seleção das variáveis para os ensaios realizados com misturas de dois solventes. As variáveis tempo de agitação (s) e temperatura (ºC), para a extração com acetato de etila, foram selecionadas. Por meio dos resultados obtidos (Tabela 1), observou-se que a porcentagem extraída de AC variou de 27,4% (18 °C e 17,7 s) a 34,1% (25 ºC e 90 s).

O tempo de agitação para contato entre as fases foi estatisticamente significativo a 5% de significância (p < 0,05), entretanto não foi possível a utilização do modelo para a construção e análise de superfície, uma vez que na análise de variância o Fcalculado (Fcalc) encontrado, foi de 3,6, sendo inferior ao Ftabelado (Ftab) que foi de 5,5. Visto que o ensaio para o qual foi obtido o maior rendimento (34,1%) ocorreu a 90 s e 25 °C, foi fixado o tempo de contato entre as fases em 90 s para os planejamentos seguintes.

O acetato de etila foi escolhido no trabalho de Brites et al.12 como o melhor solvente a ser utilizado para a extração do AC presente no caldo de fermentação, considerando apenas o emprego de solventes individuais, para o qual foi obtido um rendimento de extração de 35,6 % a uma concentração inicial de AC de 161,9 mg L-1. Assim, o resultado encontrado neste trabalho está de acordo com o relatado por Brites et al..12 Sabe-se que o AC possui uma elevada velocidade de degradação a temperaturas acima de 20 °C e, por esse motivo, nos trabalhos descritos em literatura a temperatura utilizada nos processos está abaixo de 20 °C ou preferencialmente em torno de 10 °C, na qual este apresenta maior estabilidade.4,20,21 Neste planejamento foi observado que o maior rendimento obtido para a extração do AC ocorreu para o nível +1 do planejamento, ou seja, para a temperatura ambiente (25 °C). Portanto é possível afirmar que a utilização do planejamento fatorial foi de grande utilidade, mesmo sem a análise de superfície de resposta, pois desta forma foi possível avaliar as interações entre as variáveis que proporcionaram uma extração com elevado rendimento à temperatura ambiente, implicando em um menor gasto de energia no processo de extração do AC utilizando o acetato de etila como solvente.

Na Tabela 2 encontram-se os resultados obtidos para os planejamentos fatoriais que avaliaram o emprego de quatro misturas distintas de solventes em diferentes temperaturas para o processo de extração do AC.

No planejamento em que foi utilizada a mistura dos solventes metil-etil-cetona e acetato de etila observou-se que porcentagem de AC extraída variou de 33,0 a 50,0%.

O termo quadrático da mistura de solventes e o termo mistura de solventes x temperatura foram os parâmetros estatisticamente significativos a 5% (p < 0,05). A ANOVA (Tabela 3) apresentou uma boa porcentagem de variação explicada (R²) pelo modelo (91%), e o valor de 10,16 para o Fcalc é significativo, ou seja, o modelo se ajusta bem aos dados experimentais sendo possível a construção da superfície de resposta para a análise dos resultados (Figura 3). O modelo completo com as variáveis codificadas que representa a porcentagem de extração de AC obtida em função da temperatura e da razão de solventes na faixa estudada está representado pela Equação 3.


O melhor resultado encontrado foi no ensaio 11 (50,0%) no qual a temperatura utilizada foi de 18 °C e a razão de solventes era 15/15 v/v (metil-etil-cetona/acetato de etila). Pode-se afirmar que a mistura de solventes estudada foi favorável, visto que a porcentagem de extração de AC foi superior à do acetato de etila, quando este foi utilizado puro, no ensaio 5 (40,3%) e ainda superior à do ensaio no qual foi utilizada somente a metil-etil-cetona, ensaio 6 (37,6%).

Ainda no ensaio 5 pôde-se observar que houve um aumento significativo da porcentagem de AC extraído em relação aos ensaios 9, 10 e 11 do primeiro planejamento fatorial (Tabela 1), quando também foi utilizado a temperatura a 18 °C, mas num tempo de agitação menor (60 s). Dessa forma é possível afirmar que o tempo escolhido de 90 s foi adequado para o processo de extração de AC, possibilitando o incremento observado para a extração.

Nos ensaios 7 e 8 que correspondem aos níveis extremos de temperatura de -1,41 (8,1 ºC) e 1,41 (27,9 ºC) respectivamente, é interessante observar que ambos os rendimentos obtidos foram superiores a 45% de AC. Acredita-se que uma menor temperatura favoreça uma menor degradação do AC, por proporcionar ao mesmo uma maior estabilidade, entretanto, sabe-se que em maior temperatura a partição do sistema é favorecida, confirmado o resultado apontado por este planejamento fatorial que mostrou ser significativo o termo "razão de mistura x temperatura".

Analisando a superfície de resposta gerada pelo modelo (Figura 3) foi possível verificar que a faixa ótima para a extração está compreendida para a razão de solventes entre os níveis -1 e +1 e para a temperatura em toda a faixa estudada, sendo mais favorável nos pontos centrais (nível 0), para os quais realmente foram encontrados os maiores valores de porcentagem extraída de AC (acima de 49,0%). Este resultado é de extrema importância, pois se verifica que esta mistura de solventes permitiu que a extração do AC ocorresse com bons resultados em faixas mais amplas de temperatura do que as faixas tradicionalmente utilizadas em outros processos de purificação de AC.4,21

Para o planejamento no qual foi utilizado a mistura dos solventes metil-isobutil-cetona e acetato de etila observou-se que a porcentagem de extração de AC variou de 31,4 a 47,7%.

Neste planejamento os parâmetros significativos a 5% (p < 0,05) foram o termo linear da mistura de solventes e o termo linear da temperatura. Foi observado que o Fcalc para a regressão (6,10) foi superior ao Ftab (5,05). A porcentagem de variação (R²) explicada pelo modelo foi de 86% (Tabela 3) e os desvios encontrados para o modelo estão abaixo de 5%, justificando o emprego do modelo (Equação 4) para a construção da superfície e análise dos dados experimentais (Figura 4).


O melhor rendimento foi obtido no experimento 7 (47,7%) que corresponde ao menor nível para a temperatura -1,41 que equivale a 8,1 °C. Como mostrado pelo planejamento a temperatura apresentou uma maior influência neste sistema de extração. Assim, embora a partição possa ser beneficiada pelo aumento da temperatura, a reação de degradação do AC foi predominante, tendo em vista que o AC se degrada a temperaturas elevadas (acima de 35 °C),22 resultando que as melhores extrações obtidas corresponderam aos menores valores de temperaturas empregadas como observado para o ensaio 1, no qual foi observado uma extração de AC de 45% para a temperatura de 11 °C.

A composição da mistura de solventes também influiu na extração do AC. Enquanto as misturas ricas em metil-isobutil-cetona parecem não afetar consideravelmente a extração de AC (ensaios 2 e 4) com a variação da temperatura (de 11 °C para 25 °C) o mesmo não ocorreu com os sistemas ricos em acetato de etila (ensaios 1, 3). Para estes últimos foi observado que uma menor temperatura proporcionou um aumento na porcentagem extraída de AC, podendo-se concluir que seria no acetato de etila presente na mistura de extração que ocorreria a maior degradação do AC em função da temperatura. Isto provavelmente ocorre devido a maior solubilidade de água presente no acetato de etila (8,5 g/100 g de H2O) do que na metil-isobutil-cetona (1,9 g/100 g de H2O)12 e assim a maior quantidade de água presente no solvente orgânico favoreceria a hidrólise do AC com o aumento da temperatura, tal como acontece na cinética de degradação de AC para meios aquosos.20 Desse modo, para este sistema de extração estudado, pode-se afirmar que seriam mais interessantes o emprego de misturas de metil-isobutil-cetona e acetato de etila na proporção de 1:1 ou ricas em acetato de etila a baixas temperaturas (Figura 4).

Também aqui o emprego do planejamento fatorial possibilitou a obtenção de rendimentos próximos a 50% de extração de AC.

No planejamento em que foi utilizado a mistura dos solventes metil-etil-cetona e acetato de butila observou-se que a porcentagem de extração de AC variou de 36,4 a 60,6%.

Neste planejamento o único parâmetro significativo a 5% (p < 0,05) foi o termo linear da mistura de solventes. A ANOVA (Tabela 3) apresentou uma boa porcentagem de variação explicada (R²) pelo modelo (87%), e o valor de 6,62 para o Fcalc foi significativo, sendo possível a construção da superfície de resposta para a análise dos resultados (Figura 5). O modelo completo com as variáveis codificadas que representa a porcentagem de extração de AC obtida em função da temperatura e da razão de solventes na faixa estudada está representado pela Equação 5.


A maior porcentagem de extração de AC foi observada no ensaio 5 (60,6%) que corresponde ao nível -1,41 do planejamento, no qual foi utilizado para a extração apenas o solvente acetato de butila a 18 °C. Também para o ensaio 3 foi observado uma boa porcentagem de extração de AC (57,2%). Neste ensaio foi utilizado uma mistura de 4,4 mL de metil-etil-cetona e 25,6 mL de acetato de butila a temperatura de 25 °C. Esse resultado tem grande relevância, considerando que em temperaturas próximas à ambiente, o gasto com energia diminui significativamente. Os resultados obtidos demonstraram ainda que a proporção da mistura de solventes interferiu na extração líquido-líquido, sendo que nas misturas mais ricas em acetato de butila o efeito da temperatura na partição se sobrepôs ao efeito de degradação do AC.

Para o planejamento no qual foi utilizado a mistura dos solventes metil-isobutil-cetona e acetato de butila observou-se que a porcentagem de extração de AC variou de 32,0 a 63,7%.

Nenhuma das variáveis foi estatisticamente significativa e apesar de não ter sido feita a análise de superfície, pôde-se obter uma excelente porcentagem de extração do AC, visto que o resultado obtido para o ensaio 3 do planejamento (63,7%) foi superior aos encontrados nos demais planejamentos, quando a extração foi realizada a temperatura ambiente (25 °C). Além disso, esses ensaios foram importantes para avaliar a interação entre as variáveis, visto que tais interações não poderiam ser previstas de outra maneira. Sendo assim, pôde-se concluir que a mistura acetato de butila e metil-isobutil-cetona foi considerada a melhor para o processo de extração do AC puro a temperatura de 25 °C.

Resultados obtidos para as extrações do AC proveniente do caldo de fermentação

As condições que propiciaram os melhores valores encontrados em cada planejamento, em termos de porcentagem de extração de AC, foram aplicadas ao caldo de fermentação. Na Tabela 4 estão os resultados obtidos.

A mistura de solventes metil-etil-cetona e acetato de etila apresentou o maior valor para a extração de AC, de 50,0%, reproduzindo com exatidão o resultado obtido pelo planejamento fatorial. A mistura de solventes metil-isobutil-cetona e acetato de etila também apresentou uma boa correlação da extração do AC para o caldo, de 44,7%, contra os 47,7% obtido no planejamento fatorial, sendo que a pequena diferença de valores pode ser explicada pela interferência das várias substâncias presentes no caldo de fermentação no processo de extração. Isto pode ser confirmado pelos fatores de purificação observados para estes experimentos. O primeiro ensaio, contendo metil-etil-cetona e acetato de etila apresentou o maior valor de FP observado de 4,4, enquanto no segundo ensaio o FP observado foi de 3,9. Com este resultado também foi possível verificar que a mistura de solventes empregada para extração influenciou no fator de purificação para o AC. Quando a metil-etil-cetona foi substituída por metil-isobutil-cetona foi observado um decréscimo no fator de purificação do experimento contendo acetato de etila, indicando que, para as condições estudadas, a metil-etil-cetona com o acetato de etila formaram uma mistura de solventes mais seletiva para a extração do AC do caldo de fermentação frente às diferentes substâncias que também se encontravam presentes.

Em relação à porcentagem de extração de AC para o caldo, ambos os ensaios apresentaram um valor elevado de extração (de 50 a 44,7%) quando comparado aos valores relatados em literatura, nos quais somente o acetato de etila foi utilizado para a extração do AC (de 36,5 a 25,5%).12

Ressalta-se ainda que no primeiro ensaio, para a mistura de metil-etil-cetona e acetato de etila, a temperatura utilizada foi de 18 °C, já no segundo ensaio, contendo a mistura de metil-isobutil-cetona e acetato de etila, a temperatura utilizada foi mais baixa, de 8 °C, o que significa em termos de ampliação de escala um custo adicional para este último. Embora os antibióticos possuam um alto valor agregado, que justifique o custo de se empregar baixas temperaturas em seu processamento, uma economia de energia no processo pode favorecer um menor preço do produto final no mercado, tornando-o mais competitivo. Assim verificou-se que, para os experimentos nos quais o acetato de etila foi um dos constituintes da mistura de solventes utilizada na extração, a mistura contendo metil-etil-cetona e acetato de etila foi a mais indicada para a extração do AC presente no caldo de fermentação.

Com relação aos ensaios 3 e 4, nos quais foram utilizados somente o acetato de butila e a mistura de solventes de metil-isobutil-cetona e acetato de butila, verificou-se que os valores encontrados na extração de AC de 46,8 e 43,6% respectivamente, foram inferiores aos valores observados no planejamento fatorial (de 60,6 e 63,7% respectivamente). A este resultado podem ser atribuídas duas possíveis explicações. Os ensaios contendo acetato de butila apresentaram um fator de purificação de 2,9, valor inferior aos obtidos para as misturas que continham acetato de etila, significando que o acetato de butila é muito menos seletivo para o AC do que o acetato de etila. Isto faz com que as outras substâncias presentes no caldo de fermentação concorram com o AC diminuindo desta forma a porcentagem de extração do mesmo do caldo. Outra possível causa do baixo rendimento observado pode ser atribuída à formação de uma emulsão entre as fases aquosa e orgânica, de difícil remoção para estes experimentos. Esta emulsão teria retido o AC na interface, diminuindo desta forma a sua recuperação na fase solvente.

Acredita-se que os dois fatores tenham contribuído sensivelmente para a diminuição dos valores de porcentagem de extração do AC do caldo de fermentação, uma vez que para o AC puro as porcentagens de extração observadas foram superiores e que não foi observada a formação de emulsão.

Por meio dos resultados obtidos concluiu-se que os melhores sistemas de extração para AC presente no caldo de fermentação foram aqueles no qual foi utilizada uma mistura de solventes contendo acetato de etila e metil-etil-cetona ou metil-isobutil-cetona.

CONCLUSÃO

Os planejamentos fatoriais utilizados permitiram a otimização dos quatro sistemas de extração estudados, nos quais foram utilizadas misturas distintas de solventes. Na maior temperatura estudada, de 27,9 °C, foi possível a verificação de combinações dentre as variáveis que propiciaram rendimentos de até 49,4% de AC. Para a temperatura ambiente foi obtido um rendimento de AC de 63,7%, quando foi utilizada a mistura de solventes metil-isobutil-cetona e acetato de butila.

A utilização de misturas com diferentes combinações entre os dois solventes também resultou em sistemas de extração com características distintas entre si, como exemplo pode-se citar o sistema no qual foi empregada a mistura entre metil-isobutil-cetona e acetato de etila, no qual foi observada uma maior influência da temperatura na degradação do AC quando foram empregadas na extração misturas ricas em acetato de etila.

Utilizando o caldo de fermentação, dois sistemas de extração se destacaram. As misturas de solventes contendo metil-etil-cetona e acetato de etila e metil-isobutil-cetona e acetato de etila possibilitaram uma maior extração do AC do caldo de fermentação (de 44,7 a 50,0%) quando comparado ao acetato de etila individualmente, reportado em literatura como de 36,5%. Desta forma o emprego de misturas de solventes se mostrou altamente vantajoso na etapa de extração líquido-líquido para o processo de purificação do AC do caldo de fermentação.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao CNPq e à UNIFAL/MG pelo apoio financeiro.

Recebido em 12/02/2014

Aceito em 12/06/2014

Publicado na web em 29/07/2014

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Out 2014
    • Data do Fascículo
      2014

    Histórico

    • Aceito
      12 Jun 2014
    • Recebido
      12 Fev 2014
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