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Efeito da variação de parâmetros reacionais na preparação de grafeno via oxidação e redução do grafite

The effect of variation of reactional parameters in the preparation of graphene by oxidation and reduction of graphite

Resumo

This work shows the influence of several reactional parameters for obtaining graphene through successive steps of oxidation and exfoliation of bulk graphite (resulting in graphene oxide), followed by chemical reduction. The results showed that changes in temperature, reaction time, reducing agent and source of primary graphite lead to different surface compositions and stability in dispersion of graphene oxide. Also, the use of different reducing agents promoted different degrees of restoration of C=C bonds in the bidimensional structure of graphene.

reduced graphene oxide; graphene oxide; graphene


reduced graphene oxide; graphene oxide; graphene

ARTIGO

Efeito da variação de parâmetros reacionais na preparação de grafeno via oxidação e redução do grafite

The effect of variation of reactional parameters in the preparation of graphene by oxidation and reduction of graphite

Hiany Mehl; Carolina F. Matos; Eduardo G. C. Neiva; Sergio H. Domingues; Aldo J. G. Zarbin* * e-mail: aldozarbin@ufpr.br

Departamento de Química, Universidade Federal do Paraná, Curitiba - PR, Brasil

ABSTRACT

This work shows the influence of several reactional parameters for obtaining graphene through successive steps of oxidation and exfoliation of bulk graphite (resulting in graphene oxide), followed by chemical reduction. The results showed that changes in temperature, reaction time, reducing agent and source of primary graphite lead to different surface compositions and stability in dispersion of graphene oxide. Also, the use of different reducing agents promoted different degrees of restoration of C=C bonds in the bidimensional structure of graphene.

Keywords: reduced graphene oxide; graphene oxide; graphene.

INTRODUÇÃO

O grafeno é um material bidimensional com a espessura monoatômica, formado exclusivamente por átomos de carbono com hibridização sp2, ligados entre si em hexágonos perfeitos, em uma estrutura similar a de uma colméia, sendo a unidade estrutural básica cujo empilhamento e interação via ligações de van der Waals dá origem à estrutura do grafite. O isolamento, caracterização e identificação do grafeno, realizado pela primeira vez em 2004, rendeu o prêmio Nobel de física aos pesquisadores A. Geim e K. Novoselov, da Universidade de Manchester. O isolamento de folhas individuais de grafeno foi realizado por meio de etapas sucessivas de peeling de um pedaço de grafite,1 utilizando-se fitas adesivas comerciais. Dentre várias características importantes, destaca-se o fato de que o grafeno foi o primeiro material cristalino bidimensional isolado de forma estável. O confinamento dos elétrons em duas dimensões, devido ao longo sistema π conjugado na estrutura do grafeno, confere propriedades excepcionais a estes materiais,2 como alta mobilidade eletrônica, alta condutividade térmica e alta resistência mecânica. Atualmente se tem utilizado o termo grafeno de forma um pouco mais ampla, abrangendo não só o material original (formado por uma única folha com espessura monoatômica), mas também a uma família de materiais formados por duas, três, quatro folhas de grafeno empilhadas de forma organizada. Todos estes materiais (normalmente referenciados como grafeno mono-camada, grafeno bi-camada, etc) possuem propriedades diferentes entre si, devido às diferentes interações entre as várias folhas em cada estrutura.

O grafeno é o mais novo membro da família dos alótropos do carbono (que conta com o diamante, fulerenos, grafite e nanotubos de carbono, além da grande variedade de materiais conhecidos como carbono amorfo, vítreo, etc.), com aproximadamente 10 anos de existência, e já é considerado um material altamente estratégico, com inúmeras possibilidades reais de aplicações.3

Devido às características mencionadas anteriormente, há um grande interesse no desenvolvimento de rotas de preparação de grafeno, que sejam viáveis do ponto de vista prático (com alto rendimento e pureza, com e boa qualidade estrutural) e econômico. Dentre os métodos de produção atuais, o método do peeling do grafite com fita adesiva produz amostras com excelente qualidade estrutural, mas de forma artesanal e com praticamente nenhum rendimento, tornando-o inviável para aplicações práticas. O método baseado em decomposição de precursores em altas temperaturas (CVD - Chemical Vapour Deposition), sobre substratos metálicos, rende monocamadas com baixo número de defeitos, mas também não é uma técnica de produção em larga escala.4 Dentre as alternativas descritas, é possível a preparação de grandes quantidades de amostra através da exfoliação do grafite bulk.5 O método mais abundante é baseado na oxidação (química ou térmica) de porções de grafite formando o óxido de grafite (Gr-O). As porções oxigenadas presentes nesse material tornam o Gr-O produzido mais fácil de ser disperso em água.6 Quando este óxido é misturado à água utilizando banho de ultrassom, a estrutura tridimensional do Gr-O se desfaz, e obtêm-se dispersões estáveis de coloração marrom, constituída de folhas individuais do chamado óxido de grafeno (GO).7 Estas dispersões posteriormente são reduzidas, utilizando-se diversos agentes redutores como a hidrazina8 e o borohidreto de sódio.9 Após a redução o produto formado é denominado grafeno, ou mais especificamente, óxido de grafeno reduzido (rGO). O elevado rendimento, juntamente com o baixo custo em relação aos outros métodos, torna a esfoliação do grafite bulk um método vantajoso de obtenção de rGO. Entretanto, vários grupamentos oxigenados permanecem na estrutura do grafeno, além de defeitos na rede, o que significa amostras com baixa qualidade estrutural.

Apesar de se tratar de um método de preparação que vem sendo bastante utilizado nos últimos 5 anos (incluindo na produção de amostras comerciais),10 o número de variáveis envolvidas no processo é extremamente elevado, e um controle fino em todas as variáveis durante as etapas de oxidação, dispersão e de redução, leva a materiais com propriedades e características bastante diferenciadas. Esta complexidade torna difícil a comparação entre amostras produzidas por diferentes procedimentos, e tem comprometido fatores como reprodutibilidade de resultados envolvendo amostras de diferentes bateladas.11

Este trabalho tem como objetivo preparar e caracterizar diferentes amostras de GO e rGO, obtidas por meio de modificações nas variáveis do processo de obtenção (principalmente na etapa de oxidação do grafite) e/ou a partir de diferentes fontes de grafite, e correlacionar estas variáveis com as características finais do material obtido.

EXPERIMENTAL

Materiais

Duas amostras diferentes de grafite (Nacional de Grafite), ácido sulfúrico (Carlo Erba), nitrato de sódio (Vetec), permanganato de potássio (Merck), peróxido de hidrogênio (Vetec), etileno glicol (Carlo Erba), borohidreto de sódio (Merck), hidróxido de sódio (Vetec) e argônio (White Martins) foram utilizados como recebidos. Em todo processo foi utilizada água deionizada por um sistema Milli-Q®.

Oxidação do grafite

A oxidação do grafite foi realizada por três diferentes abordagens, baseadas em modificações no método de esfoliação do grafite bulk, conforme descrito a seguir: i) em um balão de 500 mL, previamente colocado em banho de gelo, foram misturados 46 mL de H2SO4 (98%), 2 g de grafite, e 1 g de NaNO3. Após 15 min. de vigorosa agitação, a qual foi mantida durante todo o processo, 6 g de KMnO4 foram lentamente inseridos na mistura. Após 75 min., 92 mL de água deionizada foram cuidadosamente adicionados, seguidos de mais 280 mL de água quente (~ 100 ºC). Finalmente, visando consumir o excesso de agente oxidante, foram adicionados 10 mL de solução aquosa de H2O2 (30% v v-1). Este mesmo procedimento foi aplicado a duas amostras de grafite, com diferentes graus de pureza, fornecidos pela empresa Nacional de Grafite SA: Graflake 9550 (90%), denominado grafite A e Graflake 99580 (99%), denominado grafite B, gerando respectivamente os óxidos de grafite Gr-OA e Gr-OB1; um aumento de temperatura para aproximadamente 80 ºC. O óxido originado foi então denominado Gr-OB2; iii) utilizando somente a amostra de grafite B, nas mesmas condições descritas em ii) porém aumentando de 75 para 180 min. o tempo de oxidação do grafite. O óxido gerado neste procedimento será referenciado como Gr-OB3.

Os sólidos obtidos após as três sínteses foram lavados com 500 mL de uma solução aquosa de ácido clorídrico (10% v v-1) para a remoção de íons de sulfato e, em seguida, lavados com água deionizada sucessivas vezes, até pH neutro. Todo material foi seco em estufa a uma temperatura de 60 ºC durante 24 h.

Esfoliação de óxido de grafite para óxido de grafeno

Para as dispersões contendo Gr-OA e Gr-OB1, foi usado como agente esfoliante um banho de ultrassom (Unique USC 1880, 37 kHz - 154 W). Uma quantidade definida de amostra (aproximadamente 100 mg) foi colocada em 100 mL de água, e deixada sob banho de ultrassom por 90 min. As dispersões obtidas aqui foram denominadas, respectivamente, GOA1 e GOB1B. Para a dispersão dos óxidos GrOB1, GrOB2 e GrOB3 foi utilizado um ultrassom de sonda (Cole Parmer CP505 - 20 kHz - 500 W) com tempos variando de 1, 5, 10 e 15 min. As dispersões utilizando água como solvente, na concentração de 1 mg de Gr-O por mL H2O, foram denominadas GOB1PA, GOB2PA e GOB3PA. Foram também preparadas dispersões em água dos óxidos de grafite, obtidas a partir de concentrações de 3 mg de Gr-O por mL H2O, aqui denominadas GOB1PA3, GOB2PA3 e GOB3PA3.

Foram também preparadas dispersões utilizando o etileno glicol (EG) como solvente, na concentração de 3 mg de Gr-O por mL de EG, que por sua vez foram denominadas GOB1PEG, GOB2PEG e GOB3PEG.

Todas as dispersões obtidas foram centrifugadas (3000 rpm) durante 90 min. e o precipitado decorrente do processo de centrifugação foi descartado. A amostra GOA1 foi ainda submetida a uma segunda centrifugação a 3000 rpm durante outros 90 min., resultando na amostra GOA2.

Estudo da redispersão

Para o estudo da redispersão do óxido de grafeno, 500 mL de uma dispersão do GOB1PA (0,1 mg mL-1 H2O) foi concentrada, em placa de aquecimento, até atingir dez vezes sua concentração inicial. Essa dispersão concentrada foi dividida em quatro partes, e cada uma delas foi submetida às temperaturas de 50, 80, 110 e 140 ºC, até completa evaporação do solvente. A seguir, uma massa de 0,6 mg de cada um dos sólidos obtidos foi redisperso em 4 mL de água. A estabilidade dessas redispersões foi avaliada por espectroscopia no UV-Vis no momento do preparo e após 24 h.

Redução do GO para rGO

A dispersão GOB1PA foi reduzida utilizando o NaBH4, que foi adicionado sólido à dispersão, numa proporção de 4 mg de NaBH4 para cada mililitro de dispersão, em refluxo durante 3 h. O sólido resultante foi separado por filtração, lavado diversas vezes com água deionizada, secos a 50 ºC por 24 h, e denominado rGOB1PANaBH4. Esta mesma amostra (GOB1PA), assim como as amostras GOB2PA e GOB3PA, após secas à 80 ºC e redispersas em EG na concentração de 0,25 mg mL-1, foram também reduzidas usando um método solvotermal, tendo o etileno glicol atuando tanto como solvente quanto como agente redutor, sob agitação e em refluxo a 195 ºC durante 2 h. As amostras de rGO obtidas foram denominadas, respectivamente, rGOB1PEG, rGOB2PEG e rGOB3PEG.

Sumarizando, as siglas utilizadas para referenciar as amostras nesse trabalho são Gr-O para os óxidos de grafite, GO para os óxidos de grafeno e rGO para o óxido de grafeno reduzidos (grafeno). A segunda letra nos acrônimos refere-se ao grafite de origem "A", para o grafite A e "B" para o grafite B. A partir das amostras de GO usa-se uma terceira letra associada ao tipo de ultrassom utilizado para preparar a dispersão: "B" para ultrassom de banho e "P" (de probe) para o ultrassom de sonda. E por fim as últimas letras estão associadas ao solvente no qual o GO foi esfoliado: "A" de água e "EG" de etileno glicol. O fluxograma esquematizando todas as etapas descritas está ilustrado na Figura 1.


Titulação potenciométrica

As concentrações de grupamentos ácidos nas amostras foram determinadas por meio de titulações potenciométricas, utilizando-se dispersões contendo 0,4 mg de GO por mL de água das amostras GOB1PA, GOB2PA e GOB3PA. Foram adicionados nas dispersões quantidades de NaNO3, como eletrólito de suporte, até atingir a concentração de 0,01 mol L-1. Para eliminar a influência do CO2atmosférico, durante as titulações a dispersão foi mantida sob um fluxo constante de argônio e sob agitação magnética. Uma solução aquosa de NaOH (0,01 mol L-1) foi utilizada como titulante. Os ensaios foram realizados em uma faixa de pH de 4 a 11. Para o cálculo da concentração de grupamentos carboxílicos por unidade de massa de GO foi utilizado o volume de base necessário para atingir o pH de aproximadamente 9,5, o qual, segundo Dimiev e colaboradores,12 é o ponto em que cerca de 90% dos grupos ácidos foram consumidos.

Caracterizações

Com exceção dos espectros UV-Vis das dispersões de GO, todas as caracterizações foram feitas a partir de amostras sólidas. Os espectros de UV-Vis foram obtidos a partir das dispersões de GO em água e etileno glicol utilizando um espectrofotômetro Shimadzu UV-2450, de 190-800 nm. Medidas de difração de raios X (DRX) foram realizadas num difratometro Shimadzu XRD-6000 utilizando uma radiação Cu-Kα, com 40 kV e 30 mA. As análises termogravimétricas (TGA) foram realizadas em um equipamento Q600 SDT (TA Instruments), sob uma atmosfera de ar sintético (100 mL min-1) partindo da temperatura ambiente até 1000 ºC, a uma taxa de aquecimento de 5 ºC min-1. Os espectros Raman foram obtidos em um espectrofotômetro Renishaw, acoplado a um microscópio ótico de resolução espacial de 1 µm (lente de 50 ×), com linha de excitação de He-Ne (632,8 nm) e potência do laser menor que 1 mW. Os espectros de infravermelho (FTIR) foram obtidos em um espectrofotômetro FTIR Bomem, com resolução de 4 cm-1. Foram acumulados 32 espectros para cada medida. As amostras foram preparadas em pastilhas de KBr, previamente seco. Imagens de microscopia eletrônica de varredura por efeito de campo induzido (MEV-FEG) foram realizadas em um equipamento Tescan, utilizando uma potência de 10 kV. Para estas análises, as amostras foram depositadas sobre um substrato de silício. As imagens de microscopia de força atômica (AFM) foram obtidas no modo de não-contato, em temperatura ambiente e sob atmosfera de ar, utilizando-se o microscópio SPM modelo 9700 (Shimadzu). A ponteira de silício (Nanoworld) utilizada tem constante de mola de 45 N m-1 e frequência de ressonância nominal de 332 kHz.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Influência do grafite na obtenção de Gr-O

Os grafites A e B utilizados neste trabalho foram primeiramente analisados por difratometria de raios X. Os difratogramas presentes na Figura 2a mostram a presença de dois picos centrados em 26,8º e 54,7º referentes aos planos (002) e (004) do grafite, respectivamente.13 O pico em 26,5º presente no difratograma do grafite A é referente ao quartzo comumente presente nas fontes naturais de grafite, e presente como impureza nesta amostra.14



As curvas termogravimétricas do GOA1 e GOB1 (Figura 2b) mostram a presença de três regiões de perda de massa em diferentes temperaturas. A primeira, da temperatura ambiente (TA) até aproximadamente 100 ºC, é associada à remoção de água adsorvida no material; a segunda entre 130-340 ºC está relacionada à remoção dos grupamentos oxigenados (hidroxilas, carboxilas e epoxilas) presefntes nessas amostras, e a terceira entre 450-600 ºC atribuída a combustão do esqueleto carbônico.15-17 Nota-se uma diferença na porcentagem de resíduos após a combustão dos diferentes óxidos de grafeno, sendo no GOA1 igual a 16% e no GOB1B igual a 5%. Esta maior quantidade de resíduo no GOA1 está relacionada à presença de impurezas (quartzo), presentes na amostra original de grafite e que foram carreadas até o fim do processo. Na tentativa de reduzir essa porcentagem de resíduo, a dispersão desta amostra foi centrifugada por mais duas vezes, nas mesmas condições descritas na etapa experimental, e o material obtido foi denominado GOA2. A curva termogravimétrica dessa amostra (Figura 2b) mostra claramente que a porcentagem residual diminuiu em 9% (passando de 16% para 7%). Contudo, comparado com o GOA1 a quantidade de GO disperso também foi afetada e reduziu em 80%, passando de uma concentração de GO inicial de 0,10 mg.mL-1 para 0,02 mg mL-1. Com os resultados obtidos verificou-se que ambas as amostras de grafite natural são convenientes para a preparação de GO, mas devido ao excessivo número de etapas e às perdas decorrentes do processo, amostras mais puras produzem resultados mais efetivos, como esperado. As faixas de temperatura de perda de massa e as porcentagens de perda de massa determinadas a partir das curvas termogravimétricas da Figura 2b são mostradas na Tabela 1S (material suplementar).

Modificações na oxidação do grafite bulk

Os difratogramas de raios X das amostras Gr-OB1, Gr-OB2 e Gr-OB3 estão ilustrados na Figura 2c, onde se observa que o pico em aproximadamente 27º, referente ao conjunto de planos (002) do grafite, sofre alargamento após o processo de oxidação, bem como o aparecimento de um pico em aproximadamente 10º, atribuído ao conjunto de planos (002) do óxido de grafite, relacionado à expansão das folhas do grafite devido à inserção de grupos oxigenados.18 A relação de intensidade entre estes picos está associada ao grau de oxidação da amostra, ou seja, quanto maior é a intensidade do pico em 10º em relação a em 27º, mais oxidada é a amostra. Os óxidos de grafite apresentaram diferentes razões entre esses picos, sendo que o Gr-OB3 possui a maior intensidade do pico em 10º, indicando uma maior oxidação nesta amostra. Os resultados obtidos por difratometria de raios X vão de encontro às análises de TGA (Figura 2d), nos quais se notam maiores perdas de massa para o Gr-OB3, indicando uma maior quantidade de grupos oxigenados neste material. As relações extraídas das curvas de TGA presentes na Figura 2d estão detalhadas na Tabela 2S.

Os espectros Raman do grafite e das amostras de Gr-O (Figura 1S) apresentam as bandas D (1343 cm-1), G (1580 cm-1) e G'(2687 cm-1), características de materiais carbonáceos. Observa-se que após a oxidação do grafite houve um aumento significativo na intensidade da banda D, principalmente na amostra Gr-OB3, associada a modos de defeitos (grupamentos funcionais, efeitos de borda, vacâncias, entre outros), evidenciando mais uma vez que essa amostra é a que possui maior grau de oxidação. Os valores de ID/IG obtidos para estes materiais foram 1,87, 1,86 e 2,23 para o Gr-OB1, Gr-OB2 e Gr-OB3, corroborando com os dados observados nas análises termogravimétricas e de difratometria de raios X, respectivamente.


Otimização do processo de esfoliação do óxido de grafite

A influência do tipo de ultrassom na esfoliação do óxido de grafite para óxido de grafeno foi avaliada, e os espectros de UV-Vis das dispersões obtidas nesse estudo encontram-se na Figura 3. Para esse estudo a amostra utilizada foi a Gr-OB1, com 1, 5, 10 e 15 minutos de ultrassom de sonda e 90 minutos ultrassom de banho. Em todos os espectros verifica-se a presença de duas bandas: uma em 230 nm, relacionada à transição π-π* de ligações C-C dos anéis aromáticos, e outra em aproximadamente 300 nm associada à transição n-π* de ligações C=O.19 Conforme o esperado, o aumento no tempo de ultrassom de sonda levou a aumentos nos valores de absorbância das dispersões, indicando um aumento na concentração de GO efetivamente disperso. Verifica-se que após 10 min. de sonicação há uma saturação nessa concentração, que foi a mesma obtida utilizando 90 min. de ultrassom de banho, como observado no detalhe da Figura 3. Desta forma, a esfoliação das amostras de Gr-O foi feita utilizando 10 min. de ultrassom de sonda.


Caracterização das amostras de óxido de grafeno

Os difratogramas de raios X das amostras GOB1PA, GOB2PA e GOB3PA, presentes na Figura 4a, apresentam apenas um pico em aproximadamente 10º correspondente ao conjunto de planos (002) do GO. Este resultado, juntamente com os dados obtidos das curvas termogravimétricas destas amostras (Figura 2S e Tabela 3S), mostram apenas a presença de GO nas amostras (ou seja, não há a ocorrência de óxido de grafite não-esfoliado, ou de grafite não-oxidado), comprovando a eficiência do processo de esfoliação e separação do material não-disperso. Comparando as diferentes amostras de GO, verifica-se que o comportamento térmico das amostras GOB2PA e GOB3PA é muito similar entre si, e que a amostra GOB1PA exibe uma estabilidade térmica à oxidação do carbono de aproximadamente 45 ºC maior, em relação às demais, possivelmente associada a uma menor quantidade de grupamentos oxigenados e defeitos na estrutura do material. Esta informação é comprovada por dados de espectroscopia FTIR (Figura 4b).




Os espectros de infravermelho de todas as amostras apresentam as bandas em 3570/3425 cm-1OH C-OH), 3190 cm-1OH H2O), 2962/2920/2850 cm-1CH), 1726 cm-1C=O de COOH), 1625 cm-1 (Δ H2O), 1574 cm-1C=C), 1402 cm-1 (δ de C-OH), 1220 cm-1C-O-C de epóxidos) e 1060 cm-1C-O).6,18 Entretanto, as intensidades relativas dos grupos oxigenados são diferentes para as amostras, onde o GOB1PA possui as menores intensidades destas bandas, principalmente as relacionadas com os grupos carboxil e epoxil, evidenciando que se trata da amostra com menor funcionalização. Krishnamoorthy e colaboradores6 obtiveram resultados semelhantes para a oxidação do grafite por meio de modificações no método Hummers, onde os autores verificaram que o aumento na quantidade de KMnO4 levou a um maior grau de oxidação no GO e a uma maior quantidade dos grupamentos epoxil para as maiores quantidades de oxidante.

As concentrações de grupamentos ácidos nas amostras de GO foram quantificadas por meio de titulação potenciométrica. Os valores encontrados foram similares, sendo iguais a 2,19 ± 0,30; 2,53 ± 0,32 e 2,30 ± 0,11 mmol g-1 para o GOB1PA, GOB2PA e GOB3PA, respectivamente, o que mostra que as variações na síntese não mudam significativamente a proporção de grupamentos carboxílicos nas amostras de GO. Portanto, a diferença no comportamento da amostra GOB1PA (discutida anteriormente), em comparação com as demais, deve-se provavelmente a uma maior quantidade de grupamentos oxigenados não-ácidos, como epóxidos, por exemplo.

Os espectros Raman destas amostras (Figura 3S) novamente demonstram perfis de materiais com uma alta concentração de defeitos e grupamentos funcionais, de forma análoga às amostras de Gr-O.


Estudo da esfoliação do Gr-O em diferentes solventes

As rotas convencionais de obtenção de rGO fazem uso de agentes redutores tradicionais, como por exemplo o NaBH4 e N2H2. A utilização de técnicas solvotermais, nas quais o próprio solvente pode atuar como agente redutor, pode vir a se tornar uma alternativa interessante aos redutores convencionais. Um bom exemplo é a utilização de etileno glicol (EG), que em altas temperaturas é conhecido por apresentar propriedades redutoras. Com base nesta informação, nesse trabalho foi estudada a esfoliação de Gr-O em dois solventes, H2O (para futura redução com NaBH4) e o EG (para futuro tratamento térmico e redução pelo próprio EG). Os espectros de UV-Vis das dispersões das amostras GOB1PA3, GOB2PA3, GOB3PA3, GOB1PEG, GOB2PEG e GOB3PEG (Figura 5) evidenciam a melhor dispersabilidade do GO em H2O quando comparado ao EG.19 Verifica-se também que quanto maior a proporção de Gr-O na amostra de partida, maior a concentração de GO na dispersão. Desta forma, torna-se inviável a esfoliação direta de Gr-O em EG. Uma alternativa para se obter dispersões mais concentradas de GO em EG é o uso de GO previamente esfoliado em H2O, ou seja, esfoliar e dispersar o Gr-O em H2O, evaporar o solvente, recuperar o sólido e re-dispersar em EG. Assim, foi feito inicialmente um estudo da redispersão do GO em água, e em seguida em EG.


Estudo da redispersão do GO

A habilidade de redispersar o GO em água, após ser precipitado e seco da dispersão original, foi avaliada. Nas Figuras 4S e 5S do Material Suplementar estão, respectivamente, imagens fotográficas e os espectros UV-Vis das redispersões assim que preparadas e após 24 h. Foram obtidas redispersões estáveis de todas as amostras. No entanto, aquelas previamente secas a 110 e 140 ºC apresentaram estabilidades menores que as outras, como mostram as figuras. Essa menor estabilidade é devido à desidroxilação parcial das amostras, promovida pelo aquecimento. Isto é evidenciado pelos espectros de FTIR destas amostras (Figura 6S), nos quais se verifica uma diminuição na intensidade das bandas relacionadas às hidroxilas com o aumento da temperatura de secagem do material. Um aumento significativo da dispersão em EG foi observado subsequentemente com as amostras de GO precipitados e secos a 80 ºC, de maneira análoga à verificada em água.




Redução dos óxidos de grafeno utilizando diferentes solventes

Utilizando o método solvotermal os óxidos de grafeno GOB1PA, GOB2PA e GOB3PA foram reduzidos, obtendo-se respectivamente as amostras rGOB1PEG, rGOB2PEG e rGOB3PEG. O produto obtido se caracteriza por um sólido preto, evidenciando a redução. Nos difratogramas de raios X desses materiais (Figura 7S) observa-se a presença de um pico largo centrado em 22,7º (d=3,91 Å), que é significativamente diferente do grafite bulk (d=3,35 Å) e das amostras de óxido de grafeno (d=8,84 Å), confirmando a redução dos óxidos e a obtenção dos rGOs.20


Os espectros Raman (Figura 8S) mais uma vez apresentam as bandas características de materiais carbonáceos.5,21 No entanto, quando comparados com os espectros das amostras de GO, observa-se um aumento de intensidade da banda D em relação à banda G. Este fato, bem conhecido na literatura e considerado uma evidência da redução do GO, ocorre devido à formação de regiões contendo defeitos do tipo Stone-Wales (pentágonos e heptágonos) em meio à estrutura hexagonal de carbono sp2 no rGO, bem como devido à presença de ligações incompletas no interior da folha, levando à formação de ilhas de grafeno.5,22


Espectros de FTIR desses materiais, presentes na Figura 6a, mostram que as bandas centradas em 1720, 1400, 1200 e 1080 cm-1 (referentes ao νC=O em COOH, OH em C-OH, νC-O-C em epóxidos e νC-O respectivamente), ainda estão presentes, em menor intensidade, indicando que a redução solvotermal, nas condições utilizadas neste trabalho, não é muito eficiente em relação à eliminação de oxigênio na estrutura do rGO.



O GOB1PA também foi reduzido utilizando o NaBH4, para comparar o efeito de redução com diferentes agentes redutores. Verificou-se que utilizando NaBH4 (rGOB1PNaBH4) também não há uma redução completa (Figura 6a), pois ainda é possível verificar a presença de bandas associadas a grupamentos oxigenados. Por meio de análises termogravimétricas (Figura 6b) destas duas amostras, observou-se em ambas a perda de massa na região de 100-370 ºC, atribuída à eliminação de grupamentos funcionais, corroborando dados de espectroscopia no infravermelho. Nota-se, ainda, que essa perda é maior na amostra reduzida com EG, indicando uma menor eficiência dessa redução frente a redução com NaBH4. A amostra reduzida com EG apresenta uma estabilidade térmica (80 ºC) maior para a oxidação do carbono, comparado com o rGO obtido com NaBH4. Essa alteração pode estar relacionada com a natureza do processo de como ocorre a redução dos materiais. Dados de literatura mostram que as reduções com NaBH4 são mais rápidas, gerando defeitos na estrutura grafítica, deixando o material mais instável termicamente quando comparado com o seu óxido de partida.23 Acredita-se que a redução solvotermal com EG, por ser mais branda, é capaz de reestruturar melhor a rede hexagonal da folha do grafeno, comparado à redução com NaBH4.

As Figuras 7a e 7b apresentam, respectivamente, imagens de MEV e AFM dos rGOs obtidos com os diferentes redutores. De uma forma geral as duas amostras não apresentaram discrepâncias significativas entre si em relação ao tamanho, na faixa de 1 a 5 µm2. Quanto ao número de folhas, determinado por AFM, em ambas as amostras foram observadas rGOs contendo desde uma até poucas camadas (menos de 15 folhas).



CONCLUSÕES

Amostras de rGO com características diferentes podem ser obtidas variando-se as condições experimentais. As modificações realizadas na etapa de oxidação do grafite geraram amostras com diferentes quantidades de defeitos e grupamentos oxigenados, em que maiores temperaturas e tempo de reação resultaram em materiais mais oxidados, o que resultou em óxidos de grafeno com diferentes graus de dispersibilidade em solventes como a água e o etileno glicol. A temperatura de secagem do GO afeta diretamente sua redispersibilidade em água, sendo que temperaturas elevadas levam a uma redução do GO a rGO. As duas diferentes rotas de redução de GO para rGO utilizadas nesse trabalho produziram materiais com diferentes estabilidades térmicas e diferentes proporções de grupamentos oxigenados remanescentes: a redução com EG restaurou mais a estrutura grafítica, enquanto o NaBH4 foi capaz de eliminar uma maior quantidade de grupamentos oxigenados.

MATERIAL SUPLEMENTAR

Tabelas de dados termogravimétricos e vários dados de caracterização das amostras estão disponíveis em http://quimicanova.sbq.org.br, na forma de arquivo PDF, com acesso livre.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao CNPq, à CAPES, ao NENNAM (PRONEX-Fundação Araucária/CNPq) e ao INCT de Nanomateriais de Carbono pelo auxílio financeiro. HM, CFM, EGCN e SHD agradecem à CAPES pelas bolsas de pós-graduação.

Recebido em 30/04/2014; aceito em 31/07/2014 ; publicado na web em 22/09/2014

Material Suplementar

O material suplementar está disponível em pdf: [Material Suplementar]

  • 1. Novoselov, K. S.; Geim, A. K.; Morozov, S. V.; Jiang, D.; Zhang, Y.; Dubonos, S. V.; Grigorieva, I. V.; Firsov, A. A.; Science 2004,306,666.
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Nov 2014
    • Data do Fascículo
      2014

    Histórico

    • Aceito
      31 Jul 2014
    • Recebido
      30 Abr 2014
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