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COMPOSIÇÃO QUÍMICA E TEMPERATURA DE CRISTALIZAÇÃO DE ÉSTERES OBTIDOS DE QUATRO ÓLEOS VEGETAIS EXTRAÍDOS DE SEMENTES DE PLANTAS DO CERRADO

CHEMICAL COMPOSITION AND CRYSTALLIZATION TEMPERATURES OF ESTERS OBTAINED FROM FOUR VEGETABLE OILS EXTRACTED FROMSEEDS OF BRAZILIAN CERRADO PLANTS

Resumo

The seed oils from four plants (Scheelea phalerata, Butia capitata, Syagrus romanzoffiana, Terminalia cattapa) found in Mato Grosso do Sul were extracted at good yields. Alkaline transesterification of these seed oils to esters using methanol and ethanol was studied and also produced good yields. Oleic acid (30.5/32.3%), lauric acid (30.7/32.9%) methyl and ethyl esters, were the main components of transesterification of the oils from Scheelea phalerata and Syagrus romanzoffiana. Lauric acid (42.2%), capric acid (15.9%) and caprylic acid (14.6%) methyl and ethyl esters were the main ester components of transesterification of the oil from Butia capitata. Oleic acid (37.8%), palmitic acid (33.5%) and linoleic acid (22.6%) methyl and ethyl esters were the main components of transesterification of oil from Terminalia catappa. Based on differential scanning calorimetry (DSC) studies, the first crystallization peak temperature of esters was observed. Esters derived from oils of the family Arecaceae (Scheelea phalerata, Butia capitata, Syagrus romanzoffiana) showed the lowest points of crystallization, despite having high levels of saturated fat. Esters of Terminalia cattapa oil, rich in unsaturated fat, showed the highest crystallization temperature. This difference in behavior is probably related to the high concentration of esters derived from lauric acid and palmitic acid.

crystallization temperature; DSC; vegetable oil esters; Arecaceae; Terminalia cattapa


INTRODUÇÃO

Ésteres de óleos vegetais têm sido amplamente utilizados na indústria química, sendo que, atualmente, o uso destes compostos tem sua importância aumentada para a produção de biodiesel. Muitos estudos têm voltado atenção para a caracterização das propriedades dos ésteres (por exemplo, ponto de fulgor, índice de cetano, viscosidade, ponto de nuvem, ponto de fluidez e temperatura de cristalização).1Rodrigues Jr., J. A.; Cardoso, F. P.; Lachter, E. R.; Estevão, L. R. M.; Lima, E.; Nascimento, R. S. V.; J. Am. Oil Chem. Soc. 2006, 83, 353.

A viscosidade de um líquido possui um papel importante para seu bombeamento e /ou fluidez. De acordo com Ma e Hanna, a viscosidade desejável para o óleo diesel em 37,8 ºC varia de 1,9 a 4,1 cSt. A esta temperatura, o óleo de soja excede o ideal, apresentando valores elevados como 32,6 cSt. Já o processo de transesterificação é capaz de reduzir os elevados valores de viscosidade de óleos vegetais e ao mesmo tempo melhorar outras propriedades desejáveis.2Ma, F.; Hanna, M. A.; Bioresour. Technol. 1999, 70, 1.

Dados da literatura mostram que os ésteres metílicos do óleo de soja e de semente de mostarda apresentam um comportamento pseudoplástico, quando as temperaturas atingem valores abaixo de 5 ºC, apresentando alta viscosidade.3Srivastava, A.; Prasad, R.; Indian J. Chem. Technol. 2001, 8, 473. Esta alta viscosidade em baixas temperaturas pode ser resultado da formação de micro-cristais, o que pode causar problemas sérios quando se deseja utilizar estes ésteres como combustível (biodiesel). Estudos relativos aos efeitos da estrutura química sobre a temperatura de cristalização por meio de uma série de ésteres de álcoois ramificados foram realizados e observou-se que a ramificação da cadeia de carbono reduz a temperatura de cristalização dos ésteres estudados.3Srivastava, A.; Prasad, R.; Indian J. Chem. Technol. 2001, 8, 473. Insaturações também influenciam na temperatura de cristalização, uma vez que a configuração espacial da molécula pode interferir na eficiência do empacotamento cristalino. Assim, as moléculas que apresentem um arranjo espacial que perturba a sua capacidade de empacotamento apresentarão menores temperaturas de cristalização.4Lee, I.; Johnson, L. A.; Hammond, E. G.; J. Am. Oil Chem. Soc. 1995, 72, 1155.

Segundo Nascimento (2005), mais de uma insaturação na cadeia carbônica diminui consideravelvente a temperatura de cristalização e a viscosidade, ao impedir o empacotamento molecular.5Nascimento, R. S. V.; Soares, V. L. P.; Albinante, S.; Barreto, L. R.; J. Therm. Anal. Calorim. 2005, 79, 249. Ligações duplas posicionadas perto das extremidades da cadeia carbônica podem permitir um empacotamento mais eficiente do que as encontradas perto do meio da molécula,6Lowitz, D.; J. Spencer, J.; J. Chem. Phys. 1959, 30, 73.,7Friedheim, J. E.; Conn, H. L.; J. Pet. Technol. 1997 ,49, 724. fatores estes que também afetam o ponto de cristalização destas moléculas. Portanto, a temperatura de cristalização é um importante fator a ser considerado na análise de ésteres, quando se deseja operar com estas moléculas em temperaturas baixas ou em ambientes com consideráveis variações de temperatura.

Técnicas de análise térmica apresentam importantes aplicações no setor de óleos vegetais e seus derivados, pois avaliam o comportamento destes perante variações de temperatura.8Geller, D. P.; Goodrum, J. W.; J. Am. Oil Chem. Soc. 2000, 77, 111. A calorimetria exploratória diferencial (DSC) é uma técnica de análise térmica eficiente para investigar temperaturas de cristalização, sendo considerada mais precisa do que as medidas de ponto de nuvem e fluidez, freqüentemente utilizadas para este fim.9Dunn, R. O.; J. Am. Oil Chem. Soc. 1999, 76, 109.

Diante da necessidade pela busca por insumos renováveis é que se destaca a importância dos óleos vegetais.1010 Corma, A.; Iborra, S.; Velty, A.; Chem. Rev. 2007, 107, 2411. Processos que envolvem a transformação de óleos vegetais, gorduras animais, óleos e gorduras residuais têm se intensificado a fim de se produzir biocombustívies e oleoquímicos. Assim, se intensifica também a busca, pesquisa e inserção de novas oleaginosas como fontes de biomassa energética, através da caracterização de novos óleos.

Sabendo-se que a tendência de formação de cristais está associada com a composição de ésteres de ácidos graxos do biodiesel (mistura de ésteres), o presente trabalho investigou a composição química de misturas de ésteres metílicos e etílicos e os seus pontos de início de cristalização. Os ésteres foram obtidos a partir de óleos de quatro sementes oleaginosas de espécies coletadas no Estado de Mato Grosso de Sul. Foram investigadas as espécies Scheelea phalerata (bacuri), Butia capitata (butiá), Syagrus romanzoffiana (jerivá) e Terminalia cattapa (sete copas). S. phalerata, B. capitata e S. romanzoffiana pertencem à família botânica Arecaceae e T. cattapa pertence à família Combretaceae.

PARTE EXPERIMENTAL

Amêndoas de frutos

As amostras de amêndoas foram obtidas de frutos coletados em localidades dos municípios de Bonito e Dourados, no Estado de Mato Grosso do Sul. No momento da coleta, as amêndoas foram separadas dos frutos e embaladas em frascos, e armazenadas sob refrigeração.

Extração do óleo

As amostras secas foram trituradas, pesadas e inseridas no sistema de extração de Soxhlet, utilizando n-hexano como solvente, por um período de 3 h. Após, o solvente da fração lipídica foi removido por evaporação sob pressão reduzida num evaporador rotativo. Os óleos obtidos foram pesados e, em seguida, o rendimento de óleo foi calculado. Após, os óleos foram submetidos a um processo de degomagem com H3PO4, conforme Morreto.1111 Moretto, E.; Fett, R.; Tecnologia de Óleos e Gorduras Vegetais na Indústria de Alimentos, Livraria Varela: São Paulo, 1998.

Transesterificação dos óleos vegetais

Os ésteres foram preparados utilizando hidróxido de potássio (KOH) como catalisador e os álcoois metanol e etanol em temperatura ambiente. Cada óleo foi submetido à reação de transesterificação com metanol e etanol (em etapas distintas), para fornecer os ésteres metílicos e etílicos. Após 1 h, a agitação foi interrompida e o produto da reação foi separado em duas fases por simples decantação. Os ésteres metílicos/etílicos (fase superior) foram purificados por várias lavagens com água. Em seguida, os ésteres foram dissolvidos em diclorometano, deixados em repouso sobre sulfato de magnésio, filtrado e o solvente foi removido sob pressão reduzida. Nesta reação de transesterificação utilizou-se uma relação molar total de álcool:óleo:KOH de 7:1:0,01. A relação de massas (em g) de álcool:óleo:catalisador foi de 2,5/10,0/0,4 para a transesterificação metílica e 3,6/10,0/0,4 para a transesterificação etílica. Os rendimentos das reações foram determinados conforme a equação: R= (me/mo). 100%, onde me é a massa de ésteres obtida após purificação e mo é a massa de óleo utilizada na reação.1212 Takase, M.; Zhang, M.; Feng, W.; Chen, Y.; Zhao, T.; Cobbina, S. J.; Yang, L.; Wu, X.; Energy Convers. Manage. 2014, 80, 117. As análises por cromatografia em camada fina foram realizadas utilizando-se sílica gel 60 GF254 e cromatofolhas de alumínio da Merck. Como revelador foi usada uma solução etanólica de H2SO4 a 10%, seguida de aquecimento. Os espectros de RMN foram obtidos em espectrômetro Bruker® DPX-300 (300/75MHz) e como solvente foi utilizado CDCl3, de procedência CIL® (Cambridge Isotope Laboratories, Inc).

Instrumentação cromatográfica e procedimentos

Os ésteres obtidos foram analisados através de CG-EM e CG-DIC, a fim de definir qualitativamente e quantitativamente a composição presente nas misturas. Para as análises por CG-EM, utilizou-se um equipamento GCMS-QP2010 Plus da Shimadzu equipado com uma coluna capilar Stabilwax (30 m; 0,25 mm; 0,25 µm). O gás de arraste utilizado foi o hélio em uma vazão de 1,5 mL min-1 e o volume de injeção da amostra foi de 1,0 µL, com razão split de 1:50. As temperaturas do injetor e do detector foram mantidas a 250 ºC, temperatura da fonte de íons 250 ºC e a temperatura de interface 250 ºC. As análises foram realizadas com o detector no modo scan, a técnica de ionização foi por impacto de elétrons (EI) a 70 eV, faixa de massa analisada de 40-450 Da. A temperatura inicial do forno foi de 60 ºC (isoterma 2 min), até 200 ºC (isoterma 10 min) com razão de aquecimento de 10 ºC min-1, após atingiu-se a temperatura final de 240 ºC (isoterma 7 min), com razão de aquecimento de 5 ºC min-1, totalizando uma corrida cromatográfica de 41 minutos. A identificação foi realizada através da comparação do espectro de massas dos compostos com a espectroteca Nist08 baseada no índice de similaridade, e comparação dos tempos de retenção dos picos com uma mistura padrão de ésteres metílicos de ácidos graxos adquiridos da Sigma Aldrich.

A porcentagem convertida em ésteres através da reação de transesterificação metílica e etílica foi realizada através da CG-DIC, usando como padrão interno o heptadecanoato de metila. O teor de ésteres foi obtido em um Cromatógrafo a Gás GC-2010 da Shimadzu com amostrador automático AOC-5000. Usou-se coluna capilar Stabilwax (30 m; 0,25 mm; 0,25 µm). A programação de temperatura foi a mesma empregada nas análises CG-EM. O gás de arraste utilizado foi hélio em uma vazão de 2,2 mL min-1 e o volume de injeção da amostra foi de 1,0 µL, com razão de split 1:50. As temperaturas do injetor e do detector foram mantidas a 250 ºC. Preparou-se uma solução 10,02 mg mL-1 de padrão interno. Foram pesadas 50 mg de cada amostra e diluídas em 1 mL da solução do padrão interno (C17). Para o cálculo da porcentagem de éster foi utilizada a equação a seguir, baseada na norma EN14103:2003:

em que: ΣA: (soma das áreas dos picos de C6 a C24); Aei: (área do heptadecanoato de metila); Cei: (concentração em mg/mL de heptadecanoato de metila); Vei: (volume em mL de heptadecanoato de metila); m: (massa em mg da amostra).

Todos os dados deste estudo são apresentados como média (valores) de triplicata.

Calorimetria Exploratória Diferencial (DSC)

As curvas de DSC foram obtidas em um calorímetro modelo DSC Q20 acoplado a um sistema de refrigeração RCS90, ambos da TA Instruments. Para tais análises foram utilizadas massas de amostra variando entre 4,00 - 4,50 mg utilizando-se cadinhos de alumínio (padrão Tzero) como suporte e referência, razão de aquecimento/resfriamento de 10 ºC min-1, em ciclos de aquecimento seguido de resfriamento entre as temperaturas de -80 ºC e 30 ºC, em atmosfera inerte de nitrogênio (N2) com fluxo de 50 mL min-1. Os dados obtidos foram tratados com o auxílio do software Universal Analyses 2000 versão 3.7A (TA Instruments).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os teores de óleo de amêndoas das espécies, obtidos a partir da extração por Soxhlet foram os seguintes: 34,2% (S. phalerata), 23,0% (B. capitata), 19,2% (S. romanzoffiana) e 46,1% (T. cattapa).

Após purificação, a fração lipídica foi submetida a reação de transesterificação usando KOH/metanol e KOH/etanol, resultando em misturas de ésteres com rendimentos que variaram de 75% até 93% (Tabela 1). A formação dos ésteres foi confirmada por espectros de RMN de 1H. O surgimento de singletos a δ 3,6 ppm, o que corresponde a grupos -OCH3 de ésteres, foi utilizado para avaliar o grau de pureza e a conversão em ésteres metílicos. Na reação de transesterificação com etanol, observou-se no espectro de RMN de 1H somente um quarteto em δ 4,01-4,415 ppm, dos prótons metilênicos da etoxila (-O-CH2-CH3), o que confirma a conversão em ésteres etílicos. Uma vez que o multipleto a δ 4,2-4,4 ppm, correspondente aos grupos de metileno da porção glicerol em trigliacilglicerídeos, desapareceu, pode-se observar a formação dos ésteres. Nas análises cromatográficas, foram identificados oito ésteres metílicos/etílicos de ácidos graxos obtidos das espécies S. phalerata, B. capitata, S. romanzoffiana (Arecaceae), e quatro ésteres foram identificados na mistura obtida pela transesterificação a partir do óleo T. cattapa (Combretaceae). A concentração de ésteres de todas as misturas obtidas ficou acima de 98,0%. A composição das misturas de ésteres é mostrada na Tabela 2.

Tabela 1
Rendimento de ésteres (em %) obtidos pela transesterificação de óleos de amêndoas de quatro espécies encontradas em Mato Grosso do Sul
Tabela 2
Composição (%) de ésteres etílicos e me-tílicos de ácidos graxos obtidos pela transesterificação de óleos de quatro espécies encontradas em Mato Grosso do Sul

A reação de transesterificação dos óleos de espécies da família Arecaceae (S. phalerata, B. capitata, S. romanzoffiana) resultou em uma mistura de ésteres com uma alta porcentagem de ésteres derivados de ácidos graxos saturados. Já para T. cattapa o teor principal foi de insaturados. Nos ésteres de óleos de amêndoas de Arecaceae, o perfil cromatográfico mostrou a presença dos mesmos compostos nas três misturas de ésteres, sendo que, em todas, o principal componente foi o éster metílico/etílico derivado do ácido láurico. Entre os insaturados o principal foi o éster do ácido oleico. Na mistura de ésteres obtida do óleo de T. cattapa, os principais componentes foram os ésteres do ácido palmítico (saturado) e oleico (insaturado).

A análise das curvas de DSC permitem determinar com precisão as temperaturas e as energias absorvidas ou liberadas num processo físico ou químico. Esta técnica tem sido aplicada para monitorar a cristalização de biodiesel, sendo considerada muito eficiente.1313 Lin, R.; Zhu, Y.; Tavlarides, L. L.; Fuel 2014, 117, 981;

14 Pérez, A.; Casas, A.; Fernández, C. M.; Ramos, M. J.; Rodrígues, L.; Bioresour. Technol. 2010, 101, 7375;
-1515 Borugadda, V. B.; Goud, V. V.; Thermochim. Acta 2014, 577, 33. Nas Figuras 1 à 4 são apresentadas as curvas DSC das misturas de ésteres, obtidos pela transesterificação dos quatro óleos estudados neste trabalho. Durante o processo de aquecimento e resfriamento dos materiais analisados, é possível observar picos endo e exotérmicos ou bandas largas denominadas endotermas e exotermas, bastante definidos. Picos endotérmicos ou endotermas largas em temperaturas inferiores a -30 ºC na curva de resfriamento são atribuídos à formação de cristais de congelamento comumente associados com ésteres de ácidos graxos insaturados e, em temperatura entre -10 e 15 ºC, são atribuidos à formação de cristais por congelamento, os quais consistem principalmente de ésteres de ácidos graxos saturados.1616 Perez, M. G.; Adams, T. T.; Goodrumb, J. W.; Das, K. C.; Geller, D. P.; Bioresour. Technol. 2010 ,101, 6219. Através do comportamento destes compostos e análise das curvas, é possível determinar a temperatura de início do processo de cristalização das amostras estudadas.

Figura 1
Curvas de DSC dos ésteres etílicos e metílicos do óleo de Scheelea phalerata (bacuri)
Figura 2
Curvas de DSC dos ésteres etílicos e metílicos do óleo de Butia capitata (butiá)
Figura 3
Curvas de DSC dos ésteres etílicos e metílicos do óleo de Syagrus romanzoffiana (jerivá)
Figura 4
Curvas de DSC dos ésteres etílicos e metílicos do óleo de Terminalia catappa (sete copas)

Na Tabela 3 observa-se as temperaturas de início de cristalização dos ésteres aqui estudados. As temperaturas de cristalização dos ésteres metílicos/etílicos derivados dos óleos de S. phalerata, B. capitata, S. romanzoffiana e T. cattapa foram -6,15 ºC/-6,86 ºC, -15,74 ºC/-16,61 ºC, -6,08 ºC/-8,33 ºC e 5,95 ºC/4,09 ºC, respectivamente. Os ésteres que apresentaram as menores temperaturas de cristalização foram os obtidos a partir dos óleos da família Arecaceae (S. phalerata, B. capitata, S. romanzoffiana), apresentando temperaturas negativas abaixo de -6,0 ºC, enquanto T. cattapa apresentou temperaturas positivas de início cristalização.

Tabela 3
Pontos de cristalização (ºC) dos ésteres metílicos e etílicos obtidos de óleos de amêndoas de quatro espécies encontradas em Mato Grosso do Sul, por Calorimetria Exploratória Diferencial (DSC)

Os ésteres obtidos com óleos da família Arecaceae possuem um perfil semelhante de composição química, sendo que a maior diferença se encontra na composição de B. capitata frente aos ésteres das outras duas espécies de Areacaceae. B. capitata possui um teor de ésteres saturados de aproximadamente 85%, enquanto as demais possuem um teor médio de 63%. Esta diferença está relacionada à concentração dos ésteres do ácido oleico, o qual está presente em menor quantidade no óleo de B. capitata (10,8%), enquanto nos ésteres de S. phalerata e S. romanzoffiana os ésteres do ácido oleico apresentam maior concentração com 32,3% e 29,8%, respectivamente. Os ésteres provenientes da transesterificação de T. cattapa apresentaram uma relação saturados/insaturados bastante diferenciada das demais espécies estudadas, com aproximadamente 38% de saturados e 60,1% de insaturados.

Apesar deste maior teor de ésteres insaturados na composição resultante da transesterificação do óleo de T. cattapa, as temperaturas de início de cristalização foram significativamente maiores e bastante discrepantes dos demais ésteres, os quais apresentam menores teores de insaturados. Este comportamento pode ser justificado pelo efeito específico de alguns ésteres de ácidos graxos. Conforme dados da literatura, as temperaturas de cristalização dos ésteres metílicos dos ácidos láurico, palmítico esteárico e oleíco foram determinados anteriormente por DSC,1Rodrigues Jr., J. A.; Cardoso, F. P.; Lachter, E. R.; Estevão, L. R. M.; Lima, E.; Nascimento, R. S. V.; J. Am. Oil Chem. Soc. 2006, 83, 353. sendo encontradas as temperaturas de -4,0 ºC, 23,2 ºC, 31,6 ºC e -19.8 ºC, respectivamente. Também, neste mesmo trabalho foi investigada e relacionada a influência de insaturações na temperatura de cristalização dos ésteres metílicos do ácido esteárico (0 insaturações), oleico (1 insaturação), linoleico (2 insaturações) e linolenico (3 insaturações), obtendo-se as temperaturas de 23,2, -19,8, <-30,0 e <-30,0 ºC, respectivamente.1Rodrigues Jr., J. A.; Cardoso, F. P.; Lachter, E. R.; Estevão, L. R. M.; Lima, E.; Nascimento, R. S. V.; J. Am. Oil Chem. Soc. 2006, 83, 353. Portanto, nota-se que apesar de serem ésteres saturados, o comportamento térmico dos ésteres metílicos do ácido láurico e do ácido palmítico é bastante discrepante, apresentando grande diferença na temperatura de início do ponto de cristalização dos ésteres laurato de metila e palmitato de metila, sendo estas temperaturas -4,0 ºC e 23,2 ºC, respectivamente.

Conforme observado, o principal éster metílico e etílico saturado dos óleos das amêndoas de plantas da família Arecaceae são os derivados do ácido láurico (12:0), com distribuição na mistura de ésteres metílicos/etílicos de 29,0%/30,7% em S. phalerata, 42,1%/42,2% em B. capitata e 30,7%/32,9% em S. romanzoffiana. Como os ésteres (metílicos e etílicos) do ácido láurico são os principais compostos na mistura resultante da transesterificação dos óleos de S. phalerata, B. capitata e S. romanzoffiana, provavelmente estes ésteres são os responsáveis pelo baixo ponto de cristalização destas misturas, comparado aos ésteres obtidos do óleo de T. cattapa.

Nos ésteres derivados do óleo de T. cattapa, que apresenta elevado teor de insaturados e o maior ponto de cristalização, o efeito pode ser justificado pela presença do ácido palmítico (16:0), que é o segundo principal componente desta mistura de ésteres e, devido a sua característica de apresentar alta temperatura de ponto de cristalização (23,2 ºC), pode estar influenciando também para aumentar a temperatura de cristalização da mistura de ésteres derivados do óleo de T. cattapa (4,09 e 5,95 ºC), apesar deste ser o óleo com maior conteúdo de ésteres insaturados.

CONCLUSÕES

Este é primeiro relato sobre a temperatura de cristalização dos ésteres mencionados envolvendo a técnica DSC. Os resultados obtidos contribuem para entender melhor a relação entre a composição e as propriedades destes ésteres. A princípio, uma grande variedade de óleos vegetais pode ser utilizada para a produção de alquil ésteres, e dependendo do óleo vegetal, variações de misturas de ésteres podem ser produzidas, apresentado, estas, diferentes propriedades. A temperatura de cristalização é uma propriedade muito importante quando considerada a aplicação em ambientes de temperaturas baixas. Notou-se, no presente trabalho, através dos dados obtidos e resultados prévios da literatura, que a ocorrência em altos teores dos ésteres dos ácidos graxos saturados láurico e palmítico tem influência no processo de cristalização das misturas de ésteres, obtidos a partir de óleos das quatro espécies investigadas.

AGRADECIMENTOS

Ao CNPq, Petrobras e Fundect, pelo auxílio financeiro e concessão de bolsas. Ao Prof. Walmir Garcez e Edilene Delfino do Instituto de Química - UFMS, pelas análises de RMN.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar 2015

Histórico

  • Recebido
    23 Jun 2014
  • Revisado
    19 Nov 2014
  • Aceito
    03 Mar 2015
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