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Estudo teórico de complexos binucleares de manganês(II) com o ligante 2-hidroxibenzilglicina, possíveis miméticos para a catecol oxidase

THEORETICAL STUDY OF THE BINUCLEAR COMPLEXES OF MANGANESE (II) WITH LIGAND 2-HYDROXYBENZYLGLYCINE, POSSIBLES MIMICS FOR CATECHOL OXIDASE

Resumo

This work applies the Density Functional Theory (DFT) to study binuclear complexes of Mn2+ with the ligand 2-hydroxibenzilglycine and its substituted derivatives. The results showed the isomer 2 with multiplicity 11-ete as the most stable between all the structures and multiplicities obtained. Then, the most stable complex with the -OCH3, -Br, -Cl and -NO2 substituents were analyzed. Finally, the absolute hardness and the percentage of LUMO orbital participation for the substituted complexes were evaluated. Among them, the complexes with -NO2, -H, -Br groups were more likely to play the catalytic activity, respectively.

Keywords:
catechol oxidase; complexes of manganese; DFT


Keywords:
catechol oxidase; complexes of manganese; DFT

INTRODUÇÃO

A catecol oxidase é uma metaloenzima binuclear de cobre da classe das oxido-redutases. Ela catalisa, especificamente, a oxidação do substrato catecol à correspondente orto-quinona com a redução do oxigênio à água (Figura 1).11 Gerdemann, C.; Eicken, C.; Krebs, B.; Acc. Chem. Res. 2002, 35, 183.

Figura 1
Reação promovida pela catecol oxidase

A catecol oxidase é encontrada em diversos frutos e vegetais, tendo como função a proteção destes contra patógenos e insetos. No ataque por agentes externos, a catecol oxidase atua na oxidação dos catecóis contidos na planta gerando as quinonas. A polimerização destas quinonas forma o pigmento escuro chamado melanina.22 Eicken, C.; Zippel, F.; Buldt-Karentzopoulos, C.; Krebs, B.; FEBS Lett. 1998, 436, 293.

Eicken e colaboradores propuseram um mecanismo para a ação catalítica da catecol oxidase. A estrutura do sítio ativo desta metaloenzima é composta por um centro binuclear de íons Cu2+ com três resíduos de histidinas coordenadas a cada um destes centros bimetálicos. O ciclo inicia-se com a forma met da enzima, uma vez que essa é a forma nativa. Através do estudo de inibição com a feniltiouréia foi proposta uma ligação monodentada do substrato ao centro de CuB. A forma met reage com um mol de catecol e gera um mol da quinona correspondente. O centro de Cu2+ - Cu2+ sofre redução para a forma desoxi Cu+ - Cu+ possuindo uma molécula de solvente no CuA. Esta etapa é justificada pela formação de quantidades estequiométricas de quinona formadas na ausência de O2. Em seguida a forma desoxi se liga simultaneamente ao oxigênio e a uma molécula de catecol. Quando o oxigênio se liga aos íons Cu+, é formada a ponte do tipo µ-η22 Eicken, C.; Zippel, F.; Buldt-Karentzopoulos, C.; Krebs, B.; FEBS Lett. 1998, 436, 293.22 Eicken, C.; Zippel, F.; Buldt-Karentzopoulos, C.; Krebs, B.; FEBS Lett. 1998, 436, 293. e ocorre a oxidação dos íons cuprosos a cúpricos (forma oxi). No complexo CO-O22--catecol, dois elétrons são transferidos do substrato para o peróxido, seguido da quebra da ligação O-O, com a perda de água e a geração da quinona. Com isso, a forma met é restabelecida e o ciclo pode ser reiniciado (Figura 2).33 Koval, I. A.; Gamez, P.; Belle, C.; Selmeczi, K.; Reedijk, J.; Chem. Soc. Rev. 2006, 35, 814.

Figura 2
Mecanismo proposto por Eicken e colaboradores. Adaptada de Koval e colaboradores33 Koval, I. A.; Gamez, P.; Belle, C.; Selmeczi, K.; Reedijk, J.; Chem. Soc. Rev. 2006, 35, 814.

A catecol oxidase pode apresentar potencial tecnológico através do seu uso como biosensor no diagnóstico médico. Isso porque catecolaminas hormonais como a dopamina, adrenalina e noradrenalina podem ser quantificadas com a reação de produção de quinonas por ela promovida.44 Eicken, C.; Krebs, B.; Sacchettini, J.C.; Curr. Opin. Struct. Biol. 1999, 9, 677. No trabalho de Lupetti e colaboradores a enzima foi usada para determinação de dopamina em formulações farmacêuticas.55 Lupetti, K. O.; Ramos, L. A.; Fatibello-Filho, O.; Quim. Nova 2003, 26, 197. Outra possível aplicação é como agente oxidante de compostos poluentes em efluentes de despolpa do café, no caso, catecóis.66 Gonçalves, M.; Guerreiro, M. C.; Oliveira, L. C. A.; Roch, C. L.; Quim. Nova 2008, 31, 1636.

Muitas vezes é praticamente impossível estudar teoricamente a própria enzima, o que acaba gerando a busca de moléculas que venham mimetizar a ação destas enzimas. Assim, um complexo denominado" análogo sintético" é aquele que reproduz as propriedades estruturais do sítio ativo da metaloenzima, tais como o ambiente de coordenação e a geometria. Já um complexo denominado" modelo sintético" é aquele capaz de reproduzir apenas algumas destas propriedades.77 Couto, R. A.; Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil, 2007. A fim de mimetizar a atividade da catecol oxidase, diversos complexos análogos e modelos sintéticos têm sido sintetizados. Complexos mono e binucleares de Ni,88 Biswas, A.; Das, L. K.; Drew, M. G. B.; Aromí, G.; Gamez, P.; Ghosh, A.; Inorg. Chem. 2012, 51, 7993.,99 Kovala-Demertzi, D.; Hadjikakou, S. K.; Demertzis, M.A.; Deligiannakis, Y.; J. Inorg. Biochem. 1998, 69, 223. Co,99 Kovala-Demertzi, D.; Hadjikakou, S. K.; Demertzis, M.A.; Deligiannakis, Y.; J. Inorg. Biochem. 1998, 69, 223. Cu1010 Torelli, S.; Belle, C.; Hamman, S.; Pierre, J-L.; Saint-Aman, E.; Inorg. Chem. 2002, 41, 3983.,1111 Peralta, R. A.; Bortoluzzi, A. J.; Szpoganicz, B.; Brandão, T. A. S.; Castellano, E. E.; Oliveira, M. B.; Severino, P. C.; Terenzi, H.; Neves, A.; J. Phys. Org. Chem. 2010, 23, 1000. e Mn77 Couto, R. A.; Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil, 2007.,99 Kovala-Demertzi, D.; Hadjikakou, S. K.; Demertzis, M.A.; Deligiannakis, Y.; J. Inorg. Biochem. 1998, 69, 223.,1212 Yutaka, H.; Akira, A.; Hajime, M.; Tomoyuki, I.; Tsunehiro, T.; Seiji, O.; Takuzo, F.; Inorg. Chem. 2005, 44, 3473.

13 Blay, G.; Fernándes, I.; Pedro, J. R.; Ruiz-García, R.; Temporal-Sanchés, T.; Pardo, E.; Lloret, F.; Muñoz, M. C.; J. Mol. Catal. A: Chem. 2006, 250, 20.

14 Majumder, A.; Goswami, S.; Batten, S. R.; Fallah, M. S. E.; Ribas, J.; Mitra, S.; Inorg. Chim. Acta 2006, 359, 2375.

15 Kaizer, J.; Baráth, G.; Csonka, R.; Speier, G.; Korecz, L.; Rockenbauer, A.; Párkanyi, L.; J. Inorg. Biochem. 2008, 102, 773.
-1616 Li, W.; Xiang-Gao, M.; Dong-Sheng, D.; Ya-Mei, P.; Li-Mei, W.; Inorg. Chim. Acta 2012, 387, 181. são alguns exemplos. Os complexos de manganês têm mostrado boa atividade como miméticos da catecol oxidase.

Diversos estudos teóricos têm sido realizados a fim de estudar complexos com atividade da catecol oxidase. No trabalho de Martins e colaboradores estudou-se complexos binucleares de Cu2+ miméticos para catecol oxidase. Através da Teoria do Funcional de Densidade (do inglês DFT) foi possível entender porque o complexo com a piridina coordenada foi mais ativo que o complexo com imidazol coordenado. A grande participação da piridina no orbital LUMO fazia com que a carga adicional, proveniente da redução, fosse melhor acomodada.1717 Martins, L. R.; Souza, E. T.; Fernandez, T. L.; Souza, B.; Rachinski, S.; Pinheiro, C. B.; Faria, R. B.; Casellato, A.; Machado, S. P.; Mangrich, A. S.; Scarpellini, M.; J. Braz. Chem. Soc., 2010, 21, 1218.

Panda e colaboradores sintetizaram diversos complexos de Cu2+ com ligantes NNO doadores com diferentes substituintes. Usando a DFT eles estudaram o mecanismo da oxidação do catecol desempenhado pelo seu modelo sintético e concluíram que a etapa determinante do ciclo era a transferência de hidrogênio intramolecular.1818 Panda, M. K.; Shaikh, M. M.; Butcher, R. J.; Ghosh, P.; Inorg. Chim. Acta 2011, 372, 145.

Patra e colaboradores estudaram dois complexos binucleares: um de Cu2+ e um de Zn2+. Foram calculados, a partir da DFT, os valores da função Fukui (fk+) para ambos os centros metálicos a fim de correlacionar com a atividade catalítica. Os resultados apontam que ambos os centros metálicos estão igualmente envolvidos na oxidação do catecol.1919 Patra, A.; Giri, G. C.; Sen, T. K.; Carrella, L.; Mandal, S. K.; Bera, M.; Polyhedron 2014, 67 495.

Maiti e colaboradores estudaram complexos de Mn3+ com ligante do tipo base Schiff. Os cálculos teóricos foram usados para estimar as energias de interação e a importância das interações não covalentes no estado sólido.2020 Maiti, M.; Sadhukhan, D.; Thakurta, S.; Zangrando, E.; Pilet, G.; Bauzá, A.; Frontera, A.; Dede, B.; Mitra, S.; Polyhedron 2014, 75, 40.

Nos trabalhos de Mistri e colaboradores a Teoria do Funcional de Densidade Dependente do Tempo (do inglês TD-DFT) permitiu a atribuição das transições eletrônicas observadas no espectro eletrônico de complexos de Cu2+ miméticos da catecol oxidase.2121 Mistri, S.; Bertolasi, V.; Manna, S. C.; Polyhedron 2015, 88, 101.-2222 Mistri, S.; Paul, A.; Bhunia, A.; Manne, R. K.; Santra, M. K.; Puschmann, H.; Manna, S. C.; Polyhedron 2015, doi: 10.1016/j.poly.2015.11.030.
https://doi.org/10.1016/j.poly.2015.11.0...

Complexos binucleares de Cu2+ com ligantes substituídos com ferrocenila foram estudados no trabalho de Emirik e colaboradores. A DFT foi utilizada para atribuir as contribuições dos orbitais nas transições eletrônicas e no espectro vibracional. Além disso, a análise dos orbitais de fronteira forneceram informações úteis acerca da reatividade dos complexos e do ligante livre.2323 Emirik, M.; Karaoglu. K.; Serbest, K.; Mentese, E.; Yilmaz, I.; J. Mol. Struct. 2016, 1106, 331.

Neste trabalho foi realizado o estudo teórico de complexos binucleares de Mn2+ com o ligante 2-hidroxibenzilglicina (HBG) (Figura 3) e seus derivados substituídos com os grupos -OCH3, -Br, -Cl e -NO2.

Figura 3
Estrutura genérica dos ligantes HBG

Este ligante e derivados já são utilizados na bioinorgânica para sintetizar miméticos de insulina e de haloperoxidases.2424 Nilsson, J.; Shteinman, A.A.; Degerman, E.; Enyedy, E. A.; Kiss, T.; Behrens, U.; Rehder, D.; Nordlander, E.; J. Inorg. Biochem 2011, 105, 1795.,2525 Hai-Yan, Z.; Yong-Heng, X.; Yun-Zhu, C.; Zhang-Peng, L.; Dong-Ming, W.; Xiao-Qing, Z.; Mao-Fa, G.; J. Mol. Struct. 2009, 938, 54. Além disso, complexos de Cu2+ com ligante semelhante já demonstraram boa atividade catalítica.1717 Martins, L. R.; Souza, E. T.; Fernandez, T. L.; Souza, B.; Rachinski, S.; Pinheiro, C. B.; Faria, R. B.; Casellato, A.; Machado, S. P.; Mangrich, A. S.; Scarpellini, M.; J. Braz. Chem. Soc., 2010, 21, 1218. A inserção de substituintes com diferentes caráteres doador e aceptor de densidade eletrônica, como -OCH3 e -NO2, respectivamente, visa entender a influencia destes na atividade catalítica destes complexos.

Portanto, o objetivo deste trabalho é compreender melhor a estrutura, reatividade e o modo de ação destes possíveis miméticos a fim de auxiliar na síntese racional de modelos para enzima catecol oxidase.

METODOLOGIA

Os cálculos foram realizados através do uso do programa Gaussian 09, utilizando a Teoria do Funcional de Densidade (DFT) com o funcional de troca e correlação híbrido B3LYP. Os átomos mais leves como C, N, O e H foram tratados com a base D95V2626 Dunning Jr., T. H.; Hay, P. J. In Modern Theoretical Chemistry; Schaefer III, H. F., ed.; Plenum: New York, 1976, v. 3. e o pseudopotencial LANL2DZ, de Hay e Wadt,2727 Hay, P. J.; Wadt, W. R.; J. Chem. Phys. 1985, 82, 299. foi utilizado para os átomos de manganês. Todos os complexos otimizados não apresentaram frequências imaginárias, indicando que as mesmas se encontram em um mínimo de energia.

Todas as possíveis geometrias para os isômeros dos complexos foram avaliadas. O isômero 1 possui dois ligantes aquo em posições equatoriais opostas e no isômero 2 estão em posições axiais paralelas (Figura 4).

Figura 4
Estruturas dos isômeros estudados neste trabalho

Todas as multiplicidades possíveis para os respectivos complexos, baseados na aproximação de que os dois átomos de manganês se comportam como centros octaédricos e considerando o possível acoplamento das configurações dos dois átomos de manganês no complexo, foram avaliadas em cada um dos isômeros, totalizando três multiplicidades possíveis: singleto, tripleto e 11-eto.

Para a análise da ligação do substrato catecol com os respectivos complexos, foram calculadas as durezas absolutas (η) de cada um dos complexos, seguindo a metodologia descrita por Parr e Pearson conforme a equação 1, onde E são as energias dos orbitais LUMO e HOMO.2828 Parr, R. G.; Pearson, R. G.; J. Am. Chem. Soc. 1983, 105, 7512.

Segundo Pearson, uma espécie dura tende a ligar-se com outra espécie dura gerando um complexo mais estável. No trabalho de Balderas-Hernández e colaboradores,2929 Balderas-Hernández, P.; Rojas-Hernández, A.; Galván, M.; Romo, M. R.; Palomar-Pardavé, M.; Ramírez-Silva, M.T.; Spectrochim. Acta Part A, 2007, 66, 68. comprovou-se a correlação entre a dureza absoluta e as constantes de formação do complexo, através de um estudo teórico-experimental do azul de timol e dos íons metálicos Hg2+, Pb2+ e Cd2+, constatando a eficácia deste postulado de Pearson.

As contribuições dos orbitais atômicos na composição dos orbitais de fronteira foram avaliadas com o objetivo de se estabelecer correlações entre os parâmetros estruturais dos respectivos complexos, considerando o mecanismo proposto.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

As multiplicidades avaliadas para os dois isômeros foram singleto, tripleto e 11-eto. Tendo em vista que os ambientes de coordenação dos dois íons de manganês são iguais, estas três são as únicas multiplicidades possíveis. Se ambos os íons estão em um campo fraco com spins desemparelhados temos a multiplicidade 11-eto, se os spins estiverem emparelhados temos a multiplicidade singleto e, por fim, se ambos os íons estiverem em um campo forte teremos a multiplicidade tripleto.

As energias das estruturas otimizadas dos dois isômeros, obtidas para as possíveis multiplicidades, são apresentadas na Tabela 1:

Tabela 1
Energia relativa em kcal/mol dos isômeros com suas respectivas multiplicidades

No estudo dos isômeros 1 (com a configuração 11-eto) e o isômero 2 (com a configuração tripleto) foi observada uma peculiaridade, que nos fez desconsiderar estes dois sistemas em nosso estudo. Nestes dois casos, usando a mesma metodologia utilizada na otimização dos demais complexos estudados, não houve convergência para estruturas de mínimo ou as estruturas dos complexos originais eram literalmente fragmentadas. Por conta disto, estes dois sistemas não foram considerados em nosso estudo.

Analisando os valores das energias relativas dos respectivos isômeros, apresentados na Tabela 1, é possível constatar que a estrutura do isômero 2, com a multiplicidade 11-eto, é a mais estável dentre as demais multiplicidades possíveis e obtidas. A diferença na estabilidade apresentada pelos dois isômeros pode ser explicada em termos de repulsão eletrônica entre os grupos fenolato, amina e carboxilato nestes. No isômero 1 os grupos fenolato, amina e carboxilato de cada íon Mn2+, estão mais próximos uns dos outros e por isso experimentam uma maior repulsão. Já no isômero 2 esta repulsão é minimizada devido a posição dos ligantes aquo, fazendo com que aqueles grupos de maior volume ocupem posições equatoriais no complexo, resultando em um maior afastamento e, portanto, uma menor repulsão (Figura 5).

Figura 5
Comparação das estruturas calculadas dos isômeros

Com o estudo das possíveis geometrias dos complexos realizado, tendo selecionado a estrutura mais estável e tomando esta como padrão, foi realizada a otimização de geometria dos demais complexos estudados neste trabalho, envolvendo os substituintes -OCH3, -Br, -Cl e -NO2. Esta etapa teve como objetivo avaliar os efeitos eletrônicos introduzidos por estes grupos, e as respectivas influências na reatividade de cada complexo. A Figura 6 apresenta a representação estrutural genérica dos complexos substituídos estudados:

Figura 6
Estrutura genérica dos complexos substituídos

A partir das energias dos orbitais de fronteira calculadas, foi obtido o valor da dureza absoluta para os complexos substituídos, seguindo a metodologia proposta por Parr e Pearson.2828 Parr, R. G.; Pearson, R. G.; J. Am. Chem. Soc. 1983, 105, 7512. Da mesma forma, foi obtida a dureza absoluta do substrato catecol para comparação com os valores dos complexos. Esses valores estão apresentados na Tabela 2.

Tabela 2
Energia dos orbitais de fronteira e dureza absoluta

O caráter doador de densidade eletrônica do grupo -OCH3 no ligante resultou em um complexo com uma menor dureza absoluta. Os complexos com os substituintes -H, -Cl, -Br e -NO2 apresentaram valores de dureza absoluta próximos entre si. Estes valores são maiores quando comparados com o complexo com o grupo -OCH3. Desta forma, os resultados obtidos apontam na direção de que os complexos com os substituintes -H, -Cl, -Br e -NO2 deverão ligar-se mais fortemente com o substrato catecol que apresentou um valor de dureza absoluta de 2,87.

No mecanismo proposto para a catecol oxidase por Eicken e colaboradores33 Koval, I. A.; Gamez, P.; Belle, C.; Selmeczi, K.; Reedijk, J.; Chem. Soc. Rev. 2006, 35, 814. o substrato se liga ao íon metálico de maneira monodentada. O substrato é oxidado e o íon metálico é reduzido pela transferência de dois elétrons. Deste modo, os complexos em estudo serão reduzidos, o que faz com que a descrição do LUMO seja um importante alvo de estudo visando correlacionar esta redução com alguma propriedade inerente a este orbital. A Figura 7 apresenta os diagramas de contorno dos orbitais LUMO para os complexos.

Figura 7
Diagramas de contorno do orbital LUMO dos complexos substi tuídos: A: -OCH3, B: -H, C: -Br, D: -Cl e E: -NO2.

O perfil do LUMO dos complexos com os substituintes -OCH3, -H, -Br e -Cl mostra grande participação dos grupos H2O e participação menor dos anéis aromáticos, dos nitrogênios e carboxilatos. Já o complexo com o grupo -NO2 apresenta o LUMO com participação quase que exclusivamente dos anéis fenólicos. Os íons metálicos apresentaram pequena participação relativa em todos os complexos substituídos. Todos os complexos apresentaram participação do anel fenólico com os substituintes, indicando que uma mudança nestes substituintes altera os aspectos eletrônicos no LUMO do complexo formado.

Considerando a particularidade das metaloenzimas de possuírem um metal, foi realizada a análise dos percentuais de participação dos íons metálicos, sobretudo dos orbitais d, os quais devem ser os principais responsáveis pela atividade catalítica com base no mecanismo anteriormente proposto. Os valores dos percentuais de participação dos íons Mn2+ estão descritos na Tabela 3.

Tabela 3
Percentuais de participação dos íons metálicos no LUMO

Os valores percentuais demonstram que o complexo com o grupo -NO2 apresenta maior contribuição no LUMO dos íons metálicos, o que favorece sua ligação ao substrato conforme mecanismo. Além disso, esta participação é principalmente feita pelos orbitais d dos íons metálicos, os quais são cruciais na atividade catalítica. O valor do complexo com X=H foi o segundo maior, apresentando grande participação dos orbitais d metálicos (cerca de 11%), frente ao total de 17,8%. O complexo com X=Br apresentou o terceiro maior valor percentual. Apesar disso, a contribuição dos orbitais d dos metais não foi tão expressiva, representando apenas 4,5%. Por fim, os grupos -OCH3 e -Cl apresentaram baixíssimos percentuais referentes ao orbital d, e os menores na composição total.

O maior percentual dos orbitais d para o complexo com o grupo -NO2 deve ser consequência do forte caráter π-aceptor deste, retirando a densidade eletrônica do anel aromático. Com isso os íons metálicos devem ficar com uma menor densidade eletrônica e, portanto, a coordenação do substrato é favorecida. Já o substituinte -OCH3 possui caráter π-doador, doando densidade eletrônica para o anel aromático. Daí o menor percentual de participação no LUMO, referente aos orbitais d do metal. O -H na posição para ao fenolato no complexo é apenas σ-doador não apresentando nenhum caráter π.

Por fim, os grupos -Cl e -Br que são π-doadores e mais eletronegativos que o carbono do anel aromático. Assim, estes grupos recebem densidade eletrônica pela ligação σ e fazem a retrodoação pela ligação π ao anel aromático. O efeito da retrodoação π nesses dois, reflete os resultados obtidos e apresentados na Tabela 3. O grupo -Br não possui uma capacidade de retrodoação π tão pronunciada quanto o -Cl, porque esta implica na superposição do orbital 4p do -Br com um 2p do carbono. Uma vez que esses orbitais possuem tamanhos diferentes, o efeito de retrodoação não será tão efetivo. Já com o -Cl há a superposição de um orbital 3p do -Cl com o 2p do carbono, a qual será mais favorável do que o anterior, refletindo na maior efetividade da ligação π retrodoativa.

Esse efeito de retrodoação π estabiliza o anel, de forma que o anel aromático com o grupo -Cl possui maior densidade eletrônica que o anel com o grupo -Br. Daí o resultado apresentado na Tabela 3 indicando uma maior participação dos orbitais d do íon metálico no complexo com -Br, quando comparado com o complexo com o grupo -Cl.

CONCLUSÃO

Através dos cálculos DFT foi possível determinar o isômero 2 como sendo o mais estável dentre as estruturas e multiplicidades obtidas. Esta maior estabilidade estrutural pode ser atribuída a menor repulsão eletrônica no isômero 2 que possui os ligantes HBG em posições equatoriais no complexo resultando em uma maior distância entre os grupos mais volumosos.

Com o valor da dureza absoluta calculado para cada complexo e para o substrato catecol, concluiu-se que os complexos com os substituintes -Br, -Cl, -H e -NO2 apresentaram, respectivamente, uma ligação mais forte com o substrato catecol. Por outro lado, o complexo com -OCH3 deve ligar-se mais fracamente, quando comparado com os demais, com esse substrato.

A análise das representações gráficas do orbital LUMO de cada complexo substituído possibilitou confirmar que a alteração da natureza eletrônica do substituinte na posição para do fenolato influi no aspecto eletrônico deste orbital no complexo.

Os complexos com os substituintes -NO2, -H e -Br, apresentaram nesta ordem os maiores percentuais de participação dos orbitais d dos íons metálicos no LUMO. Os complexos com -OCH3 e -Cl apresentaram baixíssimos valores de participação para os orbitais d metálicos. Esses valores parecem estar correlacionados com o caráter π-doador e π-aceptor dos substituintes.

Tendo em vista a ligação mais forte com o catecol e os maiores percentuais de participação dos orbitais d do metal no LUMO, os complexos mais promissores a desempenhar a possível atividade catalítica da catecol oxidase são os com os substituintes -NO2 e -H seguidos pelo -Br.

AGRADECIMENTOS

Ao CNPQ e a FAPERJ pelo apoio financeiro.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Maio 2016

Histórico

  • Recebido
    08 Out 2015
  • Aceito
    08 Jan 2016
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