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O CRITÉRIO DE EULER COMO FERRAMENTA PARA O ESTUDO E DIFERENCIAÇÃO ENTRE FUNÇÕES DE ESTADO E VARIÁVEIS DE PROCESSO EM TERMODINÂMICA QUÍMICA

EULER'S CRITERION AS A TOOL FOR THE STUDY AND DIFFERENTIATION BETWEEN STATE FUNCTIONS AND PROCESS VARIABLES IN CHEMICAL THERMODYNAMICS

Resumo

In this work, we present a little explored alternative for the study and classification of thermodynamic variables. Some methods in the theory of ordinary differential equations not only support the use and calculation of these variables but also assists the physicochemical interpretation. We explore the Euler's criterion as a resource to study and differentiate the state functions and process variables useful in chemical thermodynamics. For this purpose, we carry out the development of the differentials and their analysis in a simple, rigorous, and progressive way, in accordance with the level of the topics treated in graduate courses of physical chemistry and classical thermodynamics.

Keywords:
Euler's criterion; state functions; process variables; thermodynamics


Keywords:
Euler's criterion; state functions; process variables; thermodynamics

INTRODUÇÃO

A termodinâmica clássica é uma das teorias físicas de maior importância para as ciências da natureza e suas tecnologias, pelo fato de que suas leis gerais, de natureza empírica, regem sem nenhuma exceção todos os processos em escala macroscópica. Em química moderna, a termodinâmica ainda pode ser considerada um de seus pilares, pois é capaz de descrever as transformações dos sistemas, mudanças de estado e até definir critérios de equilíbrio e espontaneidade. Ainda neste último exemplo, temos que os métodos termodinâmicos são capazes de apontar a direção que um sistema macroscópico irá evoluir até atingir um estado energeticamente adequado, em condições bem definidas, independentemente de sua natureza microscópica.

Para a análise da evolução de um sistema macroscópico, a termodinâmica necessita que inicialmente sejam especificadas suas características. Logo, são definidas as propriedades termodinâmicas como grandezas macroscópicas mensuráveis, direta ou indiretamente, contendo uma definição operacional e um padrão conveniente. Em química, a massa, o volume, a composição, a densidade e a temperatura estão contidas dentro de um conjunto de propriedades termodinâmicas de grande importância experimental. Uma vez conhecidas, tal conjunto de propriedades define o estado termodinâmico de um sistema. Um estado especial, definido como o equilíbrio termodinâmico, ocorre quando um sistema, livre de campos de força e de trocas de matéria com meios externos, apresenta todas as suas propriedades inalteradas ao longo do tempo. Além disso, é uma consequência da segunda lei o fato de que todos os sistemas macroscópicos irão evoluir para o equilíbrio termodinâmico.

Levando-se em conta todas as definições apresentadas, pode-se inferir que qualquer modificação no estado de um determinado sistema será percebida pela variação nos valores de suas propriedades, uma vez que estas o caracterizam. Neste sentido, as propriedades termodinâmicas ainda podem ser definidas como funções de estado ou coordenadas termodinâmicas. Além disso, nessa teoria ainda são definidas as variáveis de processo, que não especificam o estado de um sistema, mas estão associadas a eventos de transferência que causam alterações nos estados. Calor (Q) e trabalho (W) são as variáveis de processo que especificam e quantificam a maneira pela qual ocorre a transferência de energia entre sistemas ou entre sistema e vizinhança.

No ensino da termodinâmica química, frequentemente abordado nos primeiros semestres dos cursos de graduação como tópicos de físico-química, importantes funções de estado são apresentadas aos estudantes. Algumas destas funções, tais como pressão, volume e quantidade de matéria, são de fácil definição e demonstração física. Por outro lado, outras são oriundas das leis da termodinâmica com definições mais abstratas, tais como a entropia e as energias livres. Além disso, um número elevado de relações matemáticas11 Ott, J. B.; Boerio-Goates, J.; Chemical Thermodynamics: Principles and Applications, 1st ed., Academic Press: London, 2000. entre essas funções ainda pode ser derivado dos princípios da termodinâmica e, frequentemente, essas relações mesclam variáveis de processo e as funções de estado. Essa mistura de grandezas mensuráveis, mas com definições diferentes, deve receber atenção especial por parte dos educadores porque, em não raras vezes, muitos estudantes não se desvinculam de erros do senso comum quando, por exemplo, associam calor como uma "quantidade de energia contida em um corpo", ou seja, caracterizando um sistema com uma variável de processo.

A distinção entre variáveis de processo e funções de estado é normalmente feita nos cursos de graduação calculando-se Q ou W em dois processos distintos (caminhos), mas com os mesmos estados termodinâmicos iniciais e finais. Desse modo, encontram-se valores diferentes para Q ou W em cada caminho e valores idênticos para qualquer propriedade termodinâmica. Apesar de ser uma abordagem válida, essa não justifica o porquê de encontramos esses resultados. Aplicando-se o formalismo matemático normalmente contido nos cursos de cálculo diferencial e integral, pode-se fazer a distinção sólida entre o que venha a ser uma variável de processo e o que é uma função de estado. Este é o ponto central da nossa crítica, de que tal abordagem geralmente não é levada a cabo no ensino de termodinâmica nos cursos de química, física ou engenharias em nível de graduação, mesmo nas melhores universidades do país. Isso demonstra claramente a falta de correlação entre inúmeros tópicos matemáticos nas disciplinas químicas ofertadas em nossas instituições. Talvez a ausência dessa conduta na prática docente seja reflexo do fato de que a maioria dos livros textos,22 Atkins, P. W.; de Paula, J.; Físico-Química, 10ª ed., LTC: Rio de Janeiro, 2018, v.1.

3 Ball, D. W.; Físico-Química, 1ª ed., Pioneira Thomson Learning: São Paulo, 2005. v.1.

4 Glasstone, S.; Termodinámica para Químicos, 5ª ed., Aguilar: Madrid, 1978.

5 Levine, I. N.; Físico-Química, 6ª ed., LTC: Rio de Janeiro, 2012, v.1.

6 Moore, W. J.; Físico-Química, 1ª ed., Edgard Blücher: São Paulo, 1976, v.1.

7 Mortimer, R. G.; Physical Chemistry, 3rd ed., Academic Press: Amsterdam, 2008.

8 Pilla, L.; Físico-Química: Termodinâmica Química e equilíbrio químico, 2ª ed., UFRGS Editora: Porto Alegre, 2006.

9 Barrow, G. M.; Físico-Química, 4ª ed., Editora Reverté Ltda.: Rio de Janeiro, 1982.

10 Castellan, G. W.; Fundamentos de Físico-Química, 1ª ed., LTC: Rio de Janeiro, 1986.

11 Chang, R.; Físico-química: para as ciências químicas e biológicas, 3ª ed., AMGH: Porto Alegre, 2009. v. 1.

12 Engel, T.; Reid, P.; Physical Chemistry, 3rd ed., Pearson: Boston, 2013.

13 Laidler, K. J.; Meiser, J. H.; Fisicoquímica, 2ª ed., CECSA: Ciudad de México, 1998.

14 McQuarrie, D. A.; Simon, J. D.; Physical Chemistry: a molecular approach, 1st ed., University Science Books: California, 1997.
-1515 Silbey, R. J.; Alberty, R. A.; Bawend, M. G.; Physical Chemistry, 4th ed., John Wiley & Sons, Inc.: Massachusetts, 2005. comumente adotados para o ensino de termodinâmica química, apresentam minimamente ou até mesmo desprezam um tratamento adequado ao que propomos em termos de abordagem das equações diferenciais em termodinâmica. Até mesmo em muitos livros de apoio matemático voltados para aplicação em físico-química acabam por realizar uma abordagem superficial ou bem próxima àquela já encontrada nos principais livros de cálculo diferencial e integral, ou seja, sem a devida contextualização em termodinâmica.1616 Barrante, J.; Applied Mathematics for Physical Chemistry, 2nd ed., Prentice Hall: New Jersey, 1998.

17 Metzger, R. M.; The Physical Chemist's Toolbox, 1st ed., John Wiley & Sons: New Jersey, Inc., 2012.

18 Monk, P.; Munro, L. J.; Matemática para Química: Uma caixa de ferramentas de cálculo dos químicos, 2ª ed., LTC: Rio de Janeiro, 2012.

19 Mortimer, R. G.; Mathematics for Physical Chemistry, 4th ed., Academic Press: Amsterdam, 2013.

20 Turrell, G.; Mathematics for Chemistry and Physics, 1st ed., Academic Press: San Diego, 2002.
-2121 Warren, W. S.; The physical Basis of Chemistry, 2nd ed., Academic Press: San Diego, 2001.

Nesse artigo nós distinguimos as funções de estado e variáveis de processo mais importantes da termodinâmica química com base no critério de Euler, uma relação-consequência das equações diferenciais exatas. Nosso propósito não é o de sugerir a substituição do ensino indutivo ou numérico para distinguir e definir as variáveis termodinâmicas, mas sim o de aproximar o formalismo matemático do ensino dessa teoria, bem como o de divulgar e trazer em relevo essa alternativa interessante. Outros professores e educadores brasileiros têm se dedicado também a esse papel, com importantes textos em termodinâmica química, divulgando suas extensões, história, aplicações e até mesmo os aspectos formais.2222 Braga, J. P.; Físico-Química: Aspectos Moleculares e Fenomenológicos, 1ª ed., Editora UFV: Viçosa, 2002.

23 http://chemkeys.com/br/2005/09/18/matematica-e-termodinamica, acessada em Abril 2018.
http://chemkeys.com/br/2005/09/18/matema...

24 Nery, A. R. L.; Bassi, A. B. M. S.; Quim. Nova. 2009, 32, 522.
-2525 http://chemkeys.com/br/2006/05/24/o-conceito-de-propriedade-termodinamica, acessada em Abril 2018.
http://chemkeys.com/br/2006/05/24/o-conc...
Aqui, objetivamos apresentar um texto sem qualquer excesso de profundidade nesses quesitos, especialmente em rigor matemático, e esperamos contribuir com um conteúdo demonstrativo que auxilie no estudo das variáveis termodinâmicas e no nível dos cursos iniciais de graduação.

No que diz respeito à nossa prática docente temos constatado que o enfoque que defendemos neste artigo mostra-se bastante profícuo, pois quando de sua aplicação em nossos cursos foi nítida a postura de entendimento demonstrada pelos alunos acerca do que pretendíamos atingir. Observamos ainda uma atitude de valorização por parte dos alunos em relação aos conceitos matemáticos obtidos no cálculo diferencial e integral de suas grades curriculares, uma vez que neste momento era mais uma ocasião em que eles podiam perceber a aplicação do conhecimento adquirido em situações de interesse específico.

Neste manuscrito será apresentada uma breve revisão das equações diferenciais exatas focando nos pontos mais importantes para este estudo: o critério de Euler e o fator integrante. Em seguida, esses conteúdos matemáticos serão incorporados ao estudo das variáveis termodinâmicas mais importantes em química, com o desenvolvimento gradual de todas as diferenciais necessárias.

UM POUCO DE MATEMÁTICA: EQUAÇÕES DIFERENCIAIS EXATAS E INEXATAS

Iremos considerar nesse texto apenas as funções de duas variáveis que são as mais importantes em um curso inicial de termodinâmica. Um pouco do formalismo das equações diferenciais fornece, como veremos, todas as ferramentas necessárias para o estudo das funções de estado e variáveis de processo.

Seja uma função de duas variáveis f(x,y), cujas derivadas parciais são contínuas em um plano R2 conexo. A diferencial total de f(x,y) é dada por:

(1) df x , y = f x , y x dx + f x , y y dy

para f(x,y) = c, onde c é uma constante arbitrária, temos que:

(2) df x , y = 0

Nessas condições podemos gerar uma equação diferencial de primeira ordem calculando a diferencial total de f(x,y). Inserindo as notações M(x,y) = ¶f(x,y)/x e N(x,y) = ¶f(x,y)/y, podemos reescrever a Equação 2 na seguinte forma:

(3) M x , y + N x , y dy dx = 0

Logo, a Equação diferencial 3 e, consequentemente a Equação 2, é denominada uma equação diferencial exata se, e somente se, a igualdade entre as derivadas cruzadas em (4) for satisfeita em todos os pontos do plano R2 conexo.

(4) M x , y y = N x , y x 2 f x , y y x = 2 f x , y x y

A igualdade (4) também é conhecida como condição ou critério de Euler para a distinção entre equações diferenciais exatas e inexatas. A vantagem de uma dada função f(x,y) satisfazer o critério de Euler, quando sua diferencial pode ser escrita como na Equação 1, está no cálculo da integral sobre um caminho C, que se torna simplificado. Nesse caso, a integral de f não depende do caminho, mas somente dos extremos especificados:

(5) c f x , y . d u = x 1 , y 1 x 2 , y 2 f x , y x dx + f x , y y dy = f x 2 , y 2 f x 1 , y 1

onde du é o vetor que especifica o caminho percorrido por f no plano R2 conexo.

Algumas equações diferenciais não podem ser resolvidas diretamente. Entretanto, ao multiplicá-las por uma determinada função µ, conhecida como fator integrante, é possível obter uma solução para tal equação diferencial. Tal artifício é conhecido como método de Leibniz. Para algumas equações diferenciais inexatas é possível utilizar o método de Leibniz para torná-las equações diferenciais exatas. Para exemplificar, podemos considerar a Equação diferencial 3 e assumir que essa é inexata neste momento. Multiplicando essa equação por uma função µ(x,y) obtemos:

(6) μ x , y M x , y + μ x , y N x , y dy dx = 0

Para satisfazer a condição de Euler, temos que:

(7) y μ x , y M x , y = x μ x , y N x , y

logo,

(8) M x , y y μ x , y + u x , y y M x , y = N x , y x μ x , y + μ x , y x N x , y

aqui o problema pode ser simplificado se o fator integrante, ou seja, a função µ(x,y), for de uma única variável, tal como µ(x,y) → µ(x). Sendo assim, a Equação 7 pode ser escrita como:

(9) μ x y M x , y = N x , y d μ dx + μ x x N x , y

rearranjando os termos:

(10) μ x y M x , y x N x , y = N x , y d μ x dx

finalmente:

(11) d μ x dx = μ x y M x , y x N x , y N x , y

Sendo assim, se yMx,yxNx,yNx,y é função só de x, existe um fator integrante µ(x) possível de ser determinado e que, ao multiplicá-lo pela equação diferencial inexata, fará com que ela se torne exata.

APLICAÇÃO DO CRITÉRIO DE EULER NAS DIFERENCIAIS DE FUNÇÕES DE ESTADO E DE VARIÁVEIS DE PROCESSO

Frequentemente, a diferenciação entre as funções de estado e variáveis de processo é feita de forma indutiva ou através de exemplos numéricos para evidenciar que as variações nos valores dessas propriedades são independentes do caminho, como resultado da Equação 5. O recurso mais utilizado é a criação de caminhos cíclicos para um sistema gasoso ideal e a realização de cálculos em etapas reversíveis, cujo resultado levará a zero a integral cíclica da função de estado e a valores não-nulos para a variável de processo:

(12) f x , y . d u = 0 fun ç ã o de estado

(13) f x , y . d u 0 vari á vel de processo

Aqui apresentamos o critério de Euler como uma alternativa matematicamente mais elegante, na qual trabalhamos diretamente com as diferenciais sem a necessidade da criação de processos cíclicos reversíveis e o cálculo das integrais. Nos cursos iniciais de físico química, o gás ideal é o sistema termodinâmico mais estudado devido principalmente à simplicidade da equação de estado PV = RT , válida para qualquer sistema independente de sua natureza química, devido ao desprezo das interações entre partículas. Logo, as diferenciais e as derivadas cruzadas para P, V e T podem ser obtidas facilmente com a equação dos gases ideais. Obviamente, equações de estado mais complexas podem também ser abordadas.

Considerando como exemplo a variável P e a isolando na equação de estado dos gases ideais (Equação 14) e de van der Walls (Equação 15), em que P é função de T e V em ambos os casos, temos:

(14) P V , T = RT V

(15) P V , T = RT V = RT V b a V 2

Logo, calculando as derivadas primeiras para P no gás ideal, temos:

(16) P T V = R V

(17) P V T = RT V 2

Finalmente, calculando as derivadas cruzadas, ainda no caso do gás ideal, tem-se a igualdade entre ambas e a prova de que P é uma função de estado:

(18) V P T V T = T P V T V = R V 2

Do mesmo modo, provamos que P é função de estado para o gás de van der Walls, encontrando-se as derivadas primeiras (Equações 19 e 20) e, finalmente, a igualdade entre derivadas cruzadas (Equação 21):

(19) P T V = R V b

(20) P V T = RT V b 2 + 2 a V 3

(21) V P T V T = T P V T V = R V b 2

Considerando que a pressão P especifica o estado macroscópico de um sistema, especialmente no caso de gases, além de compor as equações de estado utilizadas, os resultados encontrados devem ser esperados. Entretanto, a manipulação das diferenciais solidifica o rigor matemático nos estudantes que estão em contato inicial com a termodinâmica. Além disso, o mesmo cálculo simples pode ser feito para as propriedades termodinâmicas V e T a partir das equações de estado dos gases perfeitos e reais.

Considerando as variáveis de processo, estas não estão contidas nas equações de estado, pois não descrevem um sistema termodinâmico. Porém pode-se obter suas diferenciais combinando expressões convenientes no resultado da primeira lei (Equação 22):

(22) dU = dQ + dW

Como ainda provaremos, as equações diferenciais obtidas com as variáveis de processo são inexatas e muitos livros textos diferenciam as notações para representar as diferenciais de Q e W.99 Barrow, G. M.; Físico-Química, 4ª ed., Editora Reverté Ltda.: Rio de Janeiro, 1982.

10 Castellan, G. W.; Fundamentos de Físico-Química, 1ª ed., LTC: Rio de Janeiro, 1986.

11 Chang, R.; Físico-química: para as ciências químicas e biológicas, 3ª ed., AMGH: Porto Alegre, 2009. v. 1.

12 Engel, T.; Reid, P.; Physical Chemistry, 3rd ed., Pearson: Boston, 2013.

13 Laidler, K. J.; Meiser, J. H.; Fisicoquímica, 2ª ed., CECSA: Ciudad de México, 1998.

14 McQuarrie, D. A.; Simon, J. D.; Physical Chemistry: a molecular approach, 1st ed., University Science Books: California, 1997.
-1515 Silbey, R. J.; Alberty, R. A.; Bawend, M. G.; Physical Chemistry, 4th ed., John Wiley & Sons, Inc.: Massachusetts, 2005. Ressalta-se que a utilização dessas diferentes notações não prejudica o entendimento da teoria e pode ser vista como um "artifício de ensino" para distinguir variáveis de processo e funções de estado. Entretanto, nós preferimos, assim como outros autores,2525 http://chemkeys.com/br/2006/05/24/o-conceito-de-propriedade-termodinamica, acessada em Abril 2018.
http://chemkeys.com/br/2006/05/24/o-conc...
,2626 Sommerfeld, A.; Thermodynamics and Statistical Mechanics, 1st ed., Academic Press Inc.: New York, 1956. a não utilização das diferentes notações, pois entendemos que prejudica o elo necessário entre a teoria física e seu formalismo matemático. De fato, baseado em textos sobre equações diferenciais, não existe a distinção entre as diferenciais (em exatas ou inexatas) porque esta é feita na solução das equações e não pela diferencial propriamente dita.2727 Zill, D. G.; Cullen, M. R.; Differential Equations with Boundary-Value Problems, 7th ed., Brooks/Cole Cengage Learning: Belmont, 2009.

28 Granville, W. A.; Smith, P. F.; Longley, W. R.; Elementos de cálculo dife rencial e integral, 10ª ed., Editora Âmbito Cultural: Rio de Janeiro, 2013.
-2929 Piskounov, N.; Cálculo diferencial e integral, 12ª ed., Edições Lopes da Silva: Porto, 1988. v.2. Finalmente, o critério de Euler é mais do que suficiente para tal distinção.

Para obter uma diferencial de duas variáveis para Q, podemos utilizar novamente o gás ideal como sistema modelo, donde dW=PdV=nRTVdV. Para a diferencial da energia interna tem-se o resultado da teoria cinética dos gases para sistemas monoatômicos dU=32nRdT. Logo, substituindo as duas relações na Equação 22, temos finalmente uma diferencial conveniente para dQ:

(23) dQ = 3 2 nRdT + nRT V dV

Considerando Q=fT,V e escrevendo dQ=Q/TVdT+Q/VTdV, encontramos diretamente as derivadas primeiras:

(24) Q T V = 3 2 nR

(25) Q V T = nRT V

calculando as derivadas cruzadas encontramos:

(26) V Q T V T = 0

(27) T Q V T V = nR V

Portanto, como as derivadas cruzadas de Q são diferentes, o critério de Euler garante que seus valores finitos dependem do caminho de integração, ou seja, Q não é uma função de estado. Do ponto de vista físico-químico, este é o motivo pelo qual temos expressões diferentes para o cálculo de Q, dependendo do tipo de processo. Além disso, os valores de Q e W também não podem ser calculados pela mesma expressão percorrendo caminhos reversíveis e irreversíveis.

Ainda considerando as diferenciais de Q, pode-se trabalhar com os estudantes de termodinâmica a obtenção de expressões para sistemas mais complexos, nos quais consideram-se moléculas lineares, não-lineares e as contribuições das energias de vibração, rotação e de interação intermolecular. Os mesmos resultados serão encontrados sem muito esforço matemático. Em uma das obras aqui citadas, o autor demonstra as expressões para energia interna de sistemas não-ideais de forma simples e elegante.2222 Braga, J. P.; Físico-Química: Aspectos Moleculares e Fenomenológicos, 1ª ed., Editora UFV: Viçosa, 2002.

Para estudarmos a diferencial de trabalho podemos utilizar novamente a equação de estado dos gases ideais e reescrever a diferencial dV em duas variáveis. Sabemos que V = nRT/P e, portanto, V = f(T,P). Logo, podemos escrever:

(28) dV = V T P dT + V P T dp

(29) dV = nR P dT nRT P 2 dP

uma vez que dW = -PdV, pode-se substituir a diferencial de dV (Equação 29) para obtermos uma nova expressão para dW em duas variáveis:

(30) dW = nRdT + nRT P dP

Considerando W=fT,P, temos de imediato as derivadas primeiras: W/TP=nReW/PT=nRT/P. Calculando as derivadas cruzadas, mostramos finalmente que W não é uma função de estado:

(31) P W T T = 0

(32) T W P T P = nR P

O FATOR DE INTEGRAÇÃO EM TERMODINÂMICA

O fator de integração tem sua importância revelada nesta seção com a obtenção da diferencial de uma das funções de estado mais importantes: a entropia (S). No estudo da segunda lei, a definição de entropia é normalmente induzida com a análise de um processo cíclico, convencionalmente o de Carnot. Aplicando a equação 22 nesse ciclo, normalizada pela temperatura, obtém-se uma expressão para o cálculo de S para processos macroscópicos reversíveis e prova-se, imediatamente, que S é uma função de estado com o resultado da Equação 33:

(33) Δ S = dQ rev T = 0

Aqui o método de Leibniz pode ser explorado de uma maneira elegante para se obter a prova de que S é uma função de estado. Tomando a diferencial para calor (Equação 23), é fácil mostrar que o inverso da temperatura (1/T) atua como o fator integrante:

(34) dQ T = 3 2 nR T dT + nR V dV = dS

observando que S=fT,V e escrevendo dS=S/TVdT+S/VTdV, encontramos diretamente as derivadas primeiras:

(35) S T V = 3 2 nR T

(36) S V T = nR V

calculando as derivadas cruzadas:

(37) V S T V T = T S V T V = 0

É interessante notar que o resultado encontrado para S, a partir da diferencial dQ, pode ser estendido para outras variáveis de processo em termodinâmica. O fator de integração nos garante que a razão entre qualquer variável de processo e qualquer propriedade termodinâmica irá resultar em uma nova função de estado. Aproveitando as diferenciais já escritas neste texto, vamos definir como exemplo uma função Z com a seguinte razão:

(38) dZ = dW / P

utilizando a Equação 30 para dW, obtemos uma diferencial de duas variáveis conveniente para dZ:

(39) dZ = nR P dT + nRT P 2 dP

Notemos que a diferencial -dZ é equivalente à diferencial dV (Equação 29) e, portanto, dZ satisfaz o critério de Euler:

(40) P Z T P T = T Z P T P = nR P 2

AS RELAÇÕES DE MAXWELL

O uso do critério de Euler não se limita, obviamente, à pesquisa e distinção entre funções de estado e variáveis de processo. Sem dúvida, uma das mais importantes consequências do formalismo matemático das equações diferenciais em termodinâmica reside nas relações de Maxwell. Estas inter-relacionam as derivadas parciais das diferenciais das energias, fornecendo uma maneira útil e simples de mensurar taxas de variações entre propriedades termodinâmicas de difícil acesso experimental em certas condições de contorno.

As diferenciais de energia, aqui referidas, também conhecidas como equações de Gibbs, são também consideradas as equações fundamentais mais importantes da termodinâmica química. Isso porque suas diferenciais contêm as consequências de todas as leis da termodinâmica e o cálculo de suas integrais fornece o valor da energia que pode ser extraída/fornecida de um sistema submetido a um processo reversível. Além disso, toda a informação acerca da espontaneidade do processo pode ser extraída dessas equações considerando apenas o sistema e não o universo.

As diferenciais para a energia interna (U), entalpia (H), energia de Helmholtz (A) e de Gibbs (G) são explicitadas a seguir, considerando um sistema homogêneo, fechado e em equilíbrio material. Pode-se notar que todas são combinações de funções de estado (T, P, V ou S) e, consequentemente, todas são funções de estado. Provamos essa informação para a energia interna reescrevendo a Equação 22, sabendo que dQ=TdSedW=PdV:

(41) dU = TdS PdV

substituindo dS pela sua diferencial (Equação 34), temos:

(42) dU = 3 2 nRdT + nRT V dV PdV

como nRT/V = P, a Equação 42 terá o coeficiente zero para dV:

(43) dU = 3 2 nRdT + 0 dV

logo, tomando U = f(T, V), temos:

(44) V U T V T = T U V T V = 0

Tomando as quatro diferenciais de energia obteremos a seguir as relações de Maxwell com o critério de Euler. Para as funções H, A e G, temos as seguintes diferenciais:

(45) dH = TdS + VdP

(46) dA = PdV SdT

(47) dG = VdP SdT

Calcularemos as derivadas primeiras e cruzadas apenas para G, entretanto, a obtenção para as demais se dá a partir de raciocínio análogo, e seus resultados se encontram em qualquer livro texto de termodinâmica.

(48) G T P = S

(49) G P T = V

(50) P G T P T = T G P T P = S P T = V T P

Finalmente, de forma análoga, temos para U:

(51) V U S V S = S U V S V = T V S = P S V

para H:

(52) P H S P S = S H P S P = T P S = V S P

para A:

(53) V A T V T = T A V T V = S V T = P T V

CONCLUSÃO

Nesse artigo exploramos de forma gradual as consequências das equações diferenciais exatas e inexatas em termodinâmica, especialmente na distinção entre as funções de estado e variáveis de processo. Classificamos as principais variáveis de interesse da termodinâmica química segundo o critério de Euler e aplicamos na obtenção das relações de Maxwell. Finalmente, esperamos que este trabalho, no contexto em que é trazido, preencha um lacuna dos nossos principais livros-textos, facilitando a conexão da teoria termodinâmica com tópicos matemáticos de ensino superior e contribuindo para uma formação mais sólida dos estudantes de graduação em química e de áreas em contato com a termodinâmica química.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Ott, J. B.; Boerio-Goates, J.; Chemical Thermodynamics: Principles and Applications, 1st ed., Academic Press: London, 2000.
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    Atkins, P. W.; de Paula, J.; Físico-Química, 10ª ed., LTC: Rio de Janeiro, 2018, v.1.
  • 3
    Ball, D. W.; Físico-Química, 1ª ed., Pioneira Thomson Learning: São Paulo, 2005. v.1.
  • 4
    Glasstone, S.; Termodinámica para Químicos, 5ª ed., Aguilar: Madrid, 1978.
  • 5
    Levine, I. N.; Físico-Química, 6ª ed., LTC: Rio de Janeiro, 2012, v.1.
  • 6
    Moore, W. J.; Físico-Química, 1ª ed., Edgard Blücher: São Paulo, 1976, v.1.
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  • 13
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Ago 2018

Histórico

  • Recebido
    22 Fev 2018
  • Aceito
    02 Abr 2018
  • Publicado
    09 Maio 2018
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