Acessibilidade / Reportar erro

Iridoides, triterpenos e outros constituintes das cascas do caule e flores de Tabebuia caraiba Bignoniaceae

Iridoids, triterpenes and other constituents from the trunk bark and flowers of the Tabebuia caraiba

Resumo

The trunk bark of Tabebuia caraiba Bignoniaceae was found to contain four novel iridoids, 6-O-E-p-coumaroyljioglutin D (2), 6-O-E-p-coumaroyl-3-demethyl-3-O-ethyljioglutin D (3), 6-O-E-p-coumaroyl-1-demethyl-1-O-ethyljioglutin D (4), 7-O-E-p-coumaroyljiofuranaldehyde (5), three known iridoids, including one iridoid glucoside, jioglutin D (1), rehmaglutin D (6), 6-O-E-p-coumaroylcatalpol (7). From the flowers were obtained six triterpenes, betulinic acid (8), olean-12-en-3-one (9), β-amyrin (10), oleanolic acid (11), ursolic acid (12), 3-O-E-p-coumaroylursolic acid (13), 2α-hydroxyursolic acid (14), 6β,19α-dihydroxyursolic acid (15), and one phenylethanoid, tyrosol (16), in addition to β-sitosterol, β-sitosterol-3-O-β-D-glucopyranoside and β-sitosterol-3-O-β-D-(6´-O-acyl)-glucopyranoside and E-p-coumaric acid. The structures of the isolated compounds were established on the basis of 1D and 2D NMR spectroscopic techniques. The chemical profile of the trunk bark of the plant was determined by HPLC/DAD/HRESIMS and did not present a good correlation with the phytochemical study. It did not detect most of the isolated substances and allowed to propose the presence of some non-isolated compounds.

Keywords:
Tabebuia caraiba ; Bignoniaceae; iridoids; triterpenes


INTRODUÇÃO

A família Bignoniaceae engloba um amplo grupo de plantas (cerca de 800 espécies em 100 gêneros) fisionomicamente muito diverso, encontrando-se desde árvores de grande porte a cipós e arbustos.11 Oliveira, A. B.; Raslan, D. S.; Miaraglia, M. C. M.; Mesquita, A. A. L.; Quim. Nova 1990, 13, 302. Nesse grupo há um número significativo de plantas medicinais, destacando-se os ipês,22 Pott, A.; Pott, V. J.; Plantas do Pantanal, EMBRAPA: Corumbá, 1994. e o estudo fitoquímico de bignoniáceas revelou uma grande diversidade de metabólitos secundários, destacando-se as seguintes classes: iridoides, flavonoides, triterpenos, lignanas, quinonas e derivados dos ácidos cinâmico e benzoico.11 Oliveira, A. B.; Raslan, D. S.; Miaraglia, M. C. M.; Mesquita, A. A. L.; Quim. Nova 1990, 13, 302. O presente trabalho trata do estudo químico das cascas do caule e das flores de Tabebuia caraiba, popularmente conhecida como “paratudo”. Foi realizada também uma avaliação do perfil químico das cascas da planta por HPLC/DAD/MS. A espécie é bastante difundida na medicina popular e seu nome revela a gama de aplicações que lhe são atribuídas, sendo considerada apropriada “para tudo”. A casca de T. caraiba, mascada ou ingerida na forma de chá, é indicada popularmente para tratamento de problemas estomacais e do fígado, “amarelão”, verminoses, diabetes, febre e malária, além de apresentar propriedades abortivas.22 Pott, A.; Pott, V. J.; Plantas do Pantanal, EMBRAPA: Corumbá, 1994. Uma questão a ser destacada sobre esta planta é o fato de que no Pantanal ela ocorre em extensas formações homogêneas, conhecidas como “paratudais”, onde são praticamente as únicas espécies arbóreas presentes, enquanto no Cerrado esta espécie ocorre de maneira esparsa, distribuída na vegetação característica deste domínio vegetal. Esse fato leva à dúvida entre os botânicos, se ambas são da mesma espécie ou se a espécie do Pantanal seria outra e, nesse caso, classificada como T. aurea. Das folhas de um espécime de T. caraiba, coletada em Pirassununga – SP, foram caracterizados seis flavonoides: 6-hidroxiluteolina, luteolina-7-O-glucosídeo, quercetina-3-O-glucosídeo, quercetina-3-O-galactosídeo, rutina e um diglicosídeo derivado da quercetina (3-O-galactose e ramnose), o qual não teve sua estrutura completamente elucidada.33 Blatt, C. T. T.; Salatino, A.; Salatino, M. L. F.; Biochem. Syst. Ecol. 1996, 24, 89..

PARTE EXPERIMENTAL

Instrumentação e procedimentos gerais

Os espectros de RMN 1H e 13C foram registrados em aparelho Bruker, modelo DPX-300, operando a 300 MHz (1H) e a 75 MHz (13C), com amostras dissolvidas em CDCl3, acetona-d6 e TMS como referência interna.

Nas colunas de fracionamento foram utilizados gel de sílica 70-230 e 230-400 mesh (Merck) e Sephadex LH-20 (Pharmacia). Foram utilizadas placas cromatográficas analíticas (CCDA) (2,5 x 7,5 cm, 0,5 g) preparadas com gel de sílica G (Merck) ou cromatofolhas (Merck). Nas separações por cromatografia em camada delgada preparativa (CCDP) foi empregado gel de sílica 60PF254. As revelações das placas cromatográficas foram feitas através de nebulização com solução de sulfato de cério IV a 2% em H2SO4 2N e aquecimento ou pela exposição à luz ultravioleta (366 ou 254 nm).

O dados de HPLC/DAD/Massas foram obtidos no cromatógrafo da Shimadzu UFLC LC-20AD/detector diode array acoplado a equipamento de massas ESI qTOF microTOF-Q III (Bruker Daltonics). As condições cromatográficas foram: coluna Kinetex C-18 (2,6 µ, 150x2.2 mm Phenomenex), eluição com gradiente de água e acetonitrila, ambas com 1% de ácido acético e fluxo de 0,3 mL/min.

Material vegetal

O material vegetal foi coletado na reserva de mata nativa existente no campus da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, em Campo Grande – MS (20º30’25.7”S 54º37’01.4”W), em agosto de 2012. A identificação da planta foi realizada pela Profª. Msc. Ubirazilda Maria Resende e uma exsicata, de nº 13047, foi depositada no herbário CGMS/UFMS. O cadastro de acesso foi registrado no SISGEN com o protocolo A1E 3865.

Extração e isolamento dos constituintes químicos

As flores in natura (5,50 kg) foram submetidas à extração por maceração com etanol por sete dias. Após filtragem, a solução resultante foi concentrada sob pressão reduzida, fornecendo o extrato etanólico bruto (336,35 g). Esse extrato foi dissolvido em 1000 mL de MeOH/H2O (9:1) e, em seguida, submetido a partições sucessivas com hexano e clorofórmio, obtendo-se assim as fases hexânica (13,53 g), clorofórmica (6,69 g) e hidrometanólica.

A fase clorofórmica das flores (C) foi submetida a uma coluna cromatográfica em gel de sílica 70-230 mesh (70 g), eluída com gradiente de hexano/AcOEt/MeOH, obtendo-se 10 frações de 100 mL cada. Na fração C5 (0,42 g, hexano/AcOEt 1:1) foi identificado o ácido ursólico (12). A fração C6 (1,20 g, AcOEt) foi submetida a coluna cromatográfica em gel de sílica 230-400 mesh, eluída com gradiente hexano/AcOEt/MeOH, obtendo-se 151 frações de 10 mL cada. A fração C6-61/65 (19,5 mg, Hex/AcOEt//MeOH 70:30:2) tratava-se do ácido 2α-hidroxiursólico (14), enquanto na fração C6-145/148 (18,70 mg, MeOH) foi caracterizado o ácido E-p-cumárico. A fração C9 (1,57 g, AcOEt/MeOH 1:1) foi submetida a coluna cromatográfica em gel de sílica 230-400 mesh (57 g), eluída com gradiente hexano/AcOEt/MeOH, obtendo-se 180 frações de 10 mL cada. Na fração C9-16/18 (8,4 mg, Hex/AcOEt/MeOH 140:60:15) foi caracterizado o β-sitosterol-3-O-β-D-glucopiranosídeo.

As cascas do caule foram secas ao ar, moídas (2,65 kg) e extraídas por maceração com metanol. A solução resultante após filtração foi concentrada sob pressão reduzida, fornecendo o extrato metanólico bruto (164,02 g). Parte deste extrato metanólico (64,76 g) foi submetida à cromatografia em coluna de gel de sílica 70-230 mesh (182 g), eluída com gradiente CHCl3/MeOH, resultando em 30 frações de 150 mL cada (M). Nas frações M3-5 (120,0 mg) foi identificado o triterpeno olean-12-en-3-ona (9). A fração M8 (840 mg) foi submetida à cromatografia em coluna de Sephadex LH-20 (40 g), eluída isocraticamente com CHCl3/MeOH 1:1, obtendo-se 10 frações de 10 mL cada. A fração M8-4 (250,0 mg) foi submetida à cromatografia em coluna de gel de sílica 230-400 mesh (40 g), eluída com gradiente CHCl3/MeOH , resultando em 50 frações de 10 mL cada. Na fração M8-4-5 (9,4 mg CHCl3/MeOH 99:1) foi identificada a β-amirina (10), enquanto M8-4-9 (10,7 mg CHCl3/MeOH 99:1) foi caracterizada como sendo β-sitosterol. A fração M11 foi submetida à cromatografia em coluna de gel de sílica 230-400 mesh (80 g), eluída com gradiente Hex/AcOEt, obtendo-se 120 frações de 20 mL cada. As seguintes substâncias foram obtidas deste processo: M11-3 - β-amirina (10, 15,5 mg, Hex/AcOEt 95:5); M11-13/15 - ácido 3-O-E-p-cumaroil-ursólico (13, 10,0 mg, Hex/AcOEt 90:10); M11-22/25 - ácido betulínico (8, 8,3 mg, Hex/AcOEt 90:10); M11-27 - ácido oleanólico (11, 13,0 mg, Hex/AcOEt 90:10); M11-56/59 - tirosol (16, 22,0 mg, Hex/AcOEt 70:30); M11-73 - ácido 6β,19α-di-hidroxiursólico (15, 6,5 mg, Hex/AcOEt 70:30); M11-89/95, após CCDP em CHCl3/MeOH 95:5 - 6-O-E-p-cumaroil-3-desmetil-3-O-etiljioglutina D (3) - composto em maior proporção - e 6-O-E-p-cumaroil-1-desmetil-1-O-etiljioglutina D (4), em mistura (8,1 mg); M11-100, após cromatografia em coluna de gel de sílica 230-400 mesh, em gradiente de CHCl3/MeOH, resultou em 60 frações de 10 mL cada: M11-100-14 - 6-O-E-p-cumaroiljioglutina D (2) (8,5 mg, CHCl3/MeOH 98:2); M11-100-40 - 7-O-E-p-cumaroiljiofuranaldeído (5) (5,2 mg, CHCl3/MeOH 98:2) e M11-100-60: remaglutina D (6, 6,2 mg, CHCl3/MeOH 98:2); M11-110/112 - β-sitosterol-3-O-β-D-(6’-O-acil)-glucopiranosídeo (10,4 mg, Hex/AcOEt 50:50); M11-117/118 - jioglutina D (1, 5,2 mg, Hex/AcOEt 20:80). A fração M18 (2463,7 mg, CHCl3/MeOH 65:35) apresentou-se como um material cristalino, caracterizado como sendo 6-O-E-p-cumaroilcatalpol (7).

6-O-E-p-cumaroilcatalpol (7) Sólido branco. RMN 13C (CD3OD, 75 MHz) δc: 94,1 (C-1), 141,3 (C-3), 101,9 (C-4), 35,7 (C-5), 80,3 (C-6), 59,2 (C-7), 65,8 (C-8), 42,1 (C-9), 62,0 (C-10), 98,7 (C-1’), 73,9 (C-2’), 77,6 (C-3’), 70,8 (C-4’), 76,8 (C-5’), 60,4 (C-6’), 126,1 (C-1’’), 130,3 (C-2’’ e C-6’’), 115,9 (C-3’’ e C-5’’), 160,5 (C-4’’), 113,5 (C-α), 146,2 (C-β), 167,9 (COO).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O estudo químico das cascas do caule e das flores de Tabebuia caraiba resultou no isolamento e caracterização de sete iridoides (1-7), sendo quatro deles inéditos (2-5), oito triterpenos (8-15) e um feniletanoide (16), além de ácido E-p-cumárico, β-sitosterol, β-sitosterol-3-O-β-D-glucopiranosídeo e β-sitosterol-3-O-β-D-(6´-O-acil)-glucopiranosídeo.

A substância 1, cujos espectros de RMN 1H e 13C (Tabelas 1 e 2) apresentaram características de iridoides isolados de Bignoniaceae,44 Schripsema, J.; Henriques, A. T.; Jensen, S. R.; Biochem. Syst. Ecol. 2000, 28, 351. foi identificada como sendo jioglutina D (Figura 1). Seu espectro de RMN 13C mostrou 11 sinais, sendo dois relativos a metoxilas, dois a carbonos acetálicos (δC 99,0-C-1 e 95,5-C-3) e quatro sinais entre δC 77,7 e 66,0, os quais evidenciaram a presença de quatro carbonos oxigenados no anel de cinco membros. Esses dados foram compatíveis com a presença de um grupo hidroxila em C-6 (δC 77,7) e em C-10 (δC 61,2) e de uma função epóxido em C7-C8 (δC 63,0 e 66,0, respectivamente). Os dois sinais de CH, em δC 35,9 e 40,8 correspondem aos carbonos da junção de anel (C-5 e C-9) e o sinal em δc 29,7 (CH2) a C-4. Esses dados permitiram a identificação de 1 como sendo jioglutina D, um iridoide isolado anteriormente apenas de Rehmannia glutinosa (Scrophulariaceae).55 Morota, T.; Sasaki, H.; Sugama, K.; Nishimura, H.; Chin, M.; Mitsuhashi, H.; Phytochemistry 1990, 29, 523.

Tabela 1
Dados de RMN 1H (300 MHz) das substâncias 1-6 - δH (mult.; J em Hz)
Tabela 2
Dados de RMN 13C (75 MHz) das substâncias 1-6
Figura 1
Estruturas dos iridoides isolados de Tabebuia caraiba

O espectro de RMN 13C da substância 2 (Tabela 2) mostrou 18 sinais e, entre esses, pôde-se observar um conjunto com deslocamentos químicos muito semelhantes aos observados para o iridoide 1. Por outro lado, constatou-se nos espectros de RMN 1H e de 13C sinais típicos de um grupo E-p-cumaroíla6 (Tabelas 1 e 2). No espectro de RMN 1H os deslocamentos químicos de duas metoxilas (δH 3,37 e 3,42) confirmaram que nenhuma delas se encontrava ligada ao anel aromático. Desta forma, foi possível propor que a estrutura de 2 corresponde à do composto 1 esterificado com ácido E-p-cumárico. A localização do grupo p-cumaroíla foi definida pela desproteção observada em H-6 (δH 5,20) em relação ao mesmo hidrogênio em 1H 4,02) (Tabela 1). A comparação dos valores de 13C destas duas substâncias (Tabela 2) evidenciou também a desproteção de C-6 e a proteção de C-5 e C-7 no composto 2, variações essas compatíveis com a presença do grupo p-cumaroíla em C-6. Portanto, a estrutura de 2 foi definida como 6-O-E-p-cumaroiljioglutina D, um composto inédito na literatura.

As substâncias 3 e 4 foram obtidas em mistura, numa proporção de 2:1, respectivamente, e se constituíram numa mancha única em cromatografia de camada fina. Os espectros de RMN 1H e 13C da mistura (Tabelas 1 e 2) revelaram que ambas as substâncias eram iridoides possuindo um resíduo de E-p-cumaroíla, destacando-se quatro sinais entre δC 94,1 e 98,8, indicativos de grupo hemi-acetal ou acetal em C-1 e C-3. O conjunto de sinais no espectro de RMN 13C apresentou grande semelhança com os da substância 2, incluindo os relativos aos carbonos do anel de cinco membros. Comparando-se os dados de RMN 1H e 13C de 2, 3 e 4 constatou-se que as principais diferenças encontravam-se nos grupos ligados a C-1 e C-3, as quais indicaram a presença em 3 e 4 de uma etoxila e uma metoxila em cada estrutura (Tabela 2). As correlações observadas no espectro HMBC permitiram confirmar que na substância 3 há um grupo OMe em C-1 e OEt em C-3, enquanto na substância 4 ocorre o inverso (OEt em C-1 e OMe em C-3). Assim, a substância 3 foi caracterizada como sendo 6-O-E-p-cumaroil-3-desmetil-3-O-etiljioglutina D e a substância 4 como 6-O-E-p-cumaroil-1-desmetil-1-O-etiljioglutina D, ambas descritas pela primeira vez na literatura.

No espectro de RMN 13C da substância 5 (Tabela 2) observaram-se sinais correspondentes a um grupo E-p-cumaroíla (Tabela 1) e sinais relativos a outros nove carbonos, dos quais quatro são olefínicos e dois oxigenados. Os sinais em δC 202,1 e δH 9,95 (1H, t, J = 1,2 Hz) indicaram a presença de um grupo carbonila de aldeído, sendo que o padrão de acoplamento do hidrogênio, juntamente com o obervado no experimento COSY 1H-1H, revelou a conectividade com um grupo CH2C 47,0). Esse experimento mostrou, também, a conexão do CH2 com um grupo CH (δH 3,42; δC 38,2). Os quatro sinais no espectro de RMN 13C referentes aos carbonos olefínicos em δC 131,0, 131,2, 135,9 e 138,5, juntamente com os dois singletos em δH 7,20 e 7,50, no espectro de RMN 1H, e suas respectivas correlações observadas no espectro HMQC, indicaram a existência de um anel furano 3,4-dissubstituído na estrutura de 5.

A associação dos dados dos experimentos HMQC, HMBC e COSY 1H-1H permitiu definir a conectividade do grupo CH-CH2-CHO com os dois carbonos oxigenados CH, numa sequência.

A associação desta estrutura parcial com a do furano levou à proposta da estrutura mostrada na Figura 1. A localização do grupo cumaroíla em C-7 foi definida com base no acoplamento observado no experimento HMBC entre H-7 e o carbono carboxílico. Um composto com esse esqueleto carbônico, denominado Jiofuraldeído dimetilacetal, foi obtido dos frutos de Catalpa sp., Bignoniaceae.77 Machida, K.; Ikeda, C.; Kakuda, R.; Yaoita, Y.; Kikuchi, M.; Nat. Med. 2001, 55, 61. Assim, a substância 5 foi caracterizada como sendo 7-O-E-p-cumaroiljiofuranaldeído e é inédita na literatura.

A substância 6, assim como as anteriores, apresentou características de iridoides em seus espectros de RMN 1H e 13C, exibindo 9 sinais neste último, porém com apenas um carbono acetálico (δC 100,8). Sendo assim, esse sinal foi atribuído a C-1 enquanto que o relativo a um carbono metilênico em δC 55,8 foi associado a C-3 e os sinais em δC 21,8, 36,5 e 45,7 a C-4, C-5 e C-9, respectivamente. Para os outros três carbonos do anel ciclopentânico e C-10 corresponderam os sinais em δC 84,9 (C,C-8), 75,9 (CH,C-6), 74,9 (CH,C-7) e 72,4 (CH2,C-10). Estes valores sugeriram que os carbonos correspondentes encontravam-se ligados a hidroxilas. Um iridoide contendo essas características já havia sido descrito como produto natural,88 Morota, T.; Nishimura, H.; Sasaki, H.; Chin, M.; Sugama, K.; Katsuhara, K.; Mitsuhashi, H.; Phytochemistry 1989, 28, 2385. porém, não se observou uma boa correlação entre os dados de RMN 13C das duas substâncias. No entanto, os dados espectrais de 6 foram perfeitamente correlacionados com os de remaglutina D, um iridoide clorado em C-7 e possuindo um anel oxetânico entre C-10 e C-1.88 Morota, T.; Nishimura, H.; Sasaki, H.; Chin, M.; Sugama, K.; Katsuhara, K.; Mitsuhashi, H.; Phytochemistry 1989, 28, 2385. Os valores de J também se mostraram compatíveis, indicando que a estereoquímica das substâncias é coincidente, como, por exemplo, as constantes de acoplamento entre H-7 e H-6 (J = 10,3 Hz) e entre H-6 e H-5 (J = 9,9 Hz), demonstrando a relação trans entre eles. Assim, a substância 6 foi identificada como sendo remaglutina D, que, embora possuindo uma estrutura incomum, já foi obtida de algumas plantas medicinais chinesas.55 Morota, T.; Sasaki, H.; Sugama, K.; Nishimura, H.; Chin, M.; Mitsuhashi, H.; Phytochemistry 1990, 29, 523.,88 Morota, T.; Nishimura, H.; Sasaki, H.; Chin, M.; Sugama, K.; Katsuhara, K.; Mitsuhashi, H.; Phytochemistry 1989, 28, 2385. No entanto, esse é o primeiro relato da ocorrência deste iridoide clorado em uma planta brasileira e também na família Bignoniaceae.

A substância majoritária encontrada nas cascas do caule de T. caraiba foi caracterizada como sendo o iridoide 6-O-E-p-cumaroilcatalpol ou especiosídeo (7). O espectro de RMN 13C desta substância apresentou, além dos sinais típicos de um grupo E-p-cumaroíla e de uma unidade β-D-glucosila, nove sinais atribuíveis a um iridoide contendo uma ligação dupla C-3/C-4 (δC 141,3 e 101,9) e um carbono acetálico em C-1 (δC 94,1). Os sinais restantes no espectro de RMN 13C, em conjunto com os presentes no espectro de RMN 1H, levaram à estrutura correspondente à do 6-O-E-p-cumaroilcatalpol, iridoide já isolado de uma outra espécie de Tabebuia (T. rosea),99 Compadre, C. M.; Jauregui, J. F.; Nathan, P. J.; Enríquez, R. G.; Planta Med. 1982, 46, 42. cujos dados espectrais mostraram-se bastante semelhantes aos de 7. A identificação desta substância foi também confirmada através de comparação com amostra autêntica disponível no laboratório.

Dentre os oito triterpenos pentacíclicos isolados, quatro são de ampla distribuição no reino vegetal e foram identificados através da análise dos dados espectrais e comparação com os relatados na literatura como ácido betulínico (8), olean-12-en-3-ona (9), β-amirina (10), ácido oleanólico (11), ácido ursólico (12).1010 Ahmad, U. V.; Rahman, A.; Handbook of Natural Products Data. Pentacyclic Triterpenoids, Volume 2, Elsevier: Amsterdam, 1994. Os demais, de ocorrência menos comum em plantas, foram caracterizados como sendo ácido 3-O-E-p-cumaroil-ursólico (13),1111 David, J. P.; Meira, M.; David, J. M.; Guedes, M. L. da S.; Quim. Nova 2004, 27, 62. ácido 2α-hidroxiursólico (14) e ácido 6β,19α-di-hidroxiursólico, conhecido também como ácido uncárico (15), e estão sendo descritos pela primeira vez no gênero Tabebuia, com exceção de 15, que foi obtido de T. rosea.1212 Oliveira, M. E.; Lemos, T. L. G.; Braz-Filho, R.; Rev. Bras. Farm. 1999, 80, 46. O composto 16 foi identificado como o feniletanoide tirosol [2-(4-hidroxifenil)-etanol], com base em seus dados de RMN 1H e 13C e por comparação com os mesmos descritos na literatura.1313 Pouchert, C.; Behnke, J.; The Aldrich Library of 13C and 1H FT NMR Spectra, Volume 2, Aldrich Chemical Company Inc.: Milwaukee, 1993. O tirosol é mencionado como inibidor do crescimento de Candida albicans,1414 Chen, H.; Li, S.; Zhou, Z.; Bai, N.; Ho, C.; ACS Symp. Ser. 2006, 925, 195. destacando-se também por apresentar atividade antifúnfica in vitro sobre Aspergillus niger e Fusarium oxysporium.1515 Rocha, A. D.; Braga, F. C.; Oliveira, A. B.; Lombardi, J. A.; de Souza Filho, J. D.; Phytother. Res. 2004, 18, 463.

As estruturas dos demais compostos isolados, ácido E-p-cumárico, β-sitosterol, β-sitosterol-3-O-β-D-glucopiranosídeo e β-sitosterol-3-O-β-D-(6´-O-acil)-glucopiranosídeo foram determinadas com base nos respectivos dados espectrais e por comparação com amostras autênticas.

Perfil químico

Foram obtidos os cromatogramas de íons totais (HPLC/DAD/HRESIMS) do extrato da casca de T. caraiba nos modos positivo e negativo. Através do programa “Compass DataAnalysis 4.1 - Bruker®” foi possível determinar as prováveis fórmulas moleculares (Tabela 3), considerando erros de massa e “mSigma” abaixo de 5 ppm e 30, respectivamente. Os dados dos espectros de massas – MS2 dos íons e de UV foram comparados com as informações relatadas na literatura, visando uma maior confiabilidade na identificação dos compostos. A busca na literatura foi realizada utilizando a plataforma on-line “Scifinder”, tendo como filtro os trabalhos relacionados com espécies do gênero Tabebuia. A análise desses dados revelou que, das substâncias isoladas, apenas ácido cumárico (5), esse obtido das flores, e 6-O-E-p-cumaroilcatalpol (7) foram detectados, sendo que o iridoide 7 se constitui no pico base do cromatograma. No entanto, algumas substâncias não isoladas no estudo fitoquímico foram detectadas: três aril-hexosil-diglicosídeos e quatro iridoides (Tabela 3). A presença dessas substâncias é coerente com o conjunto de substâncias isoladas e possivelmente não foram obtidas no estudo fitoquímico realizado por se encontrarem em baixa concentração. O estudo realizado por Santos et al.1616 Dos Santos, V. S.; Macedo, F. A.; Do Vale, J. S.; Silva, D. B.; Carollo, C. A.; Metabolomics 2017, 13, 72. utilizando HPLC/DAD/MS identificou 13 substâncias nas cascas de T. aurea, que pode ser considerada uma sinonímia de T. caraiba. Dentre essas, apenas duas substâncias foram isoladas no presente estudo fitoquímico da casca do caule: 6-O-E-p-cumaroilcatalpol (7) e ácido cumárico (5). No estudo de Santos et al. foi proposta a identificação de seis iridoides, dos quais três foram caracterizados no perfil químico relatado no presente artigo.

Tabela 3
Substâncias identificadas por HPLC/DAD/MS na casca do caule de Tabebuia caraiba

CONCLUSÃO

Foi realizada a investigação fitoquímica da casca do caule e das flores e de um espécime da planta medicinal Tabebuia caraiba, conhecida como “paratudo”, e analisado o perfil químico das cascas da planta. O espécime estudado foi coletado em região de Cerrado, tendo sido isoladas e caracterizadas 21 substâncias, incluindo sete iridoides e oito triterpenos. Desses, quatro iridoides são inéditos (2-5) e dois iridoides (1 e 6) e quatro triterpenos (8, 12-14) são descritos pela primeira vez no gênero. A análise do perfil químico da casca do caule mostrou que, das sete substâncias isoladas desta mesma parte da planta, apenas uma foi detectada por HPLC/DAD/HRESIMS, enquanto sete substâncias não isoladas, possivelmente componentes minoritárias, foram detectadas. Estes resultados evidenciam que o estudo fitoquímico ainda se constitui numa ferramenta fundamental na investigação da composição química das plantas, pois permite fornecer informacões seguras sobre os constituintes químicos majoritários presentes (e muitas vezes, também os minoritários), que nem sempre podem ser detectados pela técnica supracitada.

  • MATERIAL SUPLEMENTAR
    Espectros de RMN de 1H e 13C das substâncias isoladas das cascas do caule e flores de Tabebuia caraiba e os dados de HPLC/DAD/MS estão disponíveis gratuitamente em http://quimicanova.sbq.org.br, na forma de arquivo PDF.

AGRADECIMENTOS

À FUNDECT-MS, ao CNPq, à CAPES e à CPq-PROPP/UFMS pelas bolsas e/ou auxílios concedidos e à MSc. U. M. Resende (INBIO/UFMS) pela identificação do material vegetal.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Oliveira, A. B.; Raslan, D. S.; Miaraglia, M. C. M.; Mesquita, A. A. L.; Quim. Nova 1990, 13, 302.
  • 2
    Pott, A.; Pott, V. J.; Plantas do Pantanal, EMBRAPA: Corumbá, 1994.
  • 3
    Blatt, C. T. T.; Salatino, A.; Salatino, M. L. F.; Biochem. Syst. Ecol. 1996, 24, 89.
  • 4
    Schripsema, J.; Henriques, A. T.; Jensen, S. R.; Biochem. Syst. Ecol. 2000, 28, 351.
  • 5
    Morota, T.; Sasaki, H.; Sugama, K.; Nishimura, H.; Chin, M.; Mitsuhashi, H.; Phytochemistry 1990, 29, 523.
  • 6
    Lu, Y.; Foo L. Y.; Phytochemistry 2000, 263, 55.
  • 7
    Machida, K.; Ikeda, C.; Kakuda, R.; Yaoita, Y.; Kikuchi, M.; Nat. Med. 2001, 55, 61.
  • 8
    Morota, T.; Nishimura, H.; Sasaki, H.; Chin, M.; Sugama, K.; Katsuhara, K.; Mitsuhashi, H.; Phytochemistry 1989, 28, 2385.
  • 9
    Compadre, C. M.; Jauregui, J. F.; Nathan, P. J.; Enríquez, R. G.; Planta Med. 1982, 46, 42.
  • 10
    Ahmad, U. V.; Rahman, A.; Handbook of Natural Products Data. Pentacyclic Triterpenoids, Volume 2, Elsevier: Amsterdam, 1994.
  • 11
    David, J. P.; Meira, M.; David, J. M.; Guedes, M. L. da S.; Quim. Nova 2004, 27, 62.
  • 12
    Oliveira, M. E.; Lemos, T. L. G.; Braz-Filho, R.; Rev. Bras. Farm. 1999, 80, 46.
  • 13
    Pouchert, C.; Behnke, J.; The Aldrich Library of 13C and 1H FT NMR Spectra, Volume 2, Aldrich Chemical Company Inc.: Milwaukee, 1993.
  • 14
    Chen, H.; Li, S.; Zhou, Z.; Bai, N.; Ho, C.; ACS Symp. Ser. 2006, 925, 195.
  • 15
    Rocha, A. D.; Braga, F. C.; Oliveira, A. B.; Lombardi, J. A.; de Souza Filho, J. D.; Phytother. Res. 2004, 18, 463.
  • 16
    Dos Santos, V. S.; Macedo, F. A.; Do Vale, J. S.; Silva, D. B.; Carollo, C. A.; Metabolomics 2017, 13, 72.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    Abr 2020

Histórico

  • Recebido
    08 Ago 2019
  • Aceito
    28 Jan 2020
  • Publicado
    06 Abr 2020
Sociedade Brasileira de Química Secretaria Executiva, Av. Prof. Lineu Prestes, 748 - bloco 3 - Superior, 05508-000 São Paulo SP - Brazil, C.P. 26.037 - 05599-970, Tel.: +55 11 3032.2299, Fax: +55 11 3814.3602 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: quimicanova@sbq.org.br