Desenvolvimento de resistência múltipla a doenças em linhagens avançadas de algodoeiro

Development of multiple resistance to diseases in advanced lineages of cotton

COMUNICAÇÕES / COMMUNICATIONS

Desenvolvimento de resistência múltipla a doenças em linhagens avançadas de algodoeiro

Development of multiple resistance to diseases in advanced lineages of cotton

Edivaldo CiaI, ^*; Milton G. Fuzatto^I; Julio Isao Kondo^I; Imre L. Gridi-Papp^I; Ederaldo J. Chiavegato^II; Maria A. PizzinattoIII, ^*

^ICentro de Algodão e Fibrosas Diversas

^IIDepartamento de Produção Vegetal, Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz", Universidade de São Paulo, Cx. Postal 9, CEP 13418-900, Piracicaba, SP, e-mail: [e-mail]

^IIICentro de Fitossanidade, Instituto Agronômico, Cx. Postal 28, CEP 13001-970, Campinas, SP, fax: [phone], e-mail: [e-mail]

RESUMO

Estudo sobre o desenvolvimento de linhagens avançadas de algodoeiro (Gossypium hisrutum) com resistência múltipla a cinco doenças – murcha de Fusarium e de Verticillium, mancha-angular, ramulose e nematóides – revelou um processo acumulativo gerador de resultados expressivos, do ponto de vista agronômico, depois de decorridos 15 anos de trabalho. Baseado num esquema interativo compreendendo a eleição de linhagens apresentando resistência a uma ou mais dessas doenças e resseleção posterior dentro delas, o processo mostrou-se eficiente para aproveitar a variabilidade genética natural existente em genótipos estabilizados para outras características agronômicas e industriais. Tendência para estabelecimento de correlações positivas foi verificada apenas entre a resistência das plantas a nematóides e à mancha-angular. Por outro lado, a persistência de correlações negativas – principalmente entre a resistência a nematóides e à ramulose e entre esta e mancha-angular – mesmo nos materiais mais resistentes, indicou a possibilidade de perdas de resistência a algumas doenças se pressões excessivas de seleção forem realizadas para outras.

Palavras-chave adicionais:Gossypium hirsutum, resistência a doenças, correlações entre as resistências.

ABSTRACT

After 15 years of studies concerning the development of multiple resistance to five major diseases of cotton (Gossypium hirsutum) – Fusarium and Verticillium wilts, bacterial blight, ramulosis, and nematodes – in advanced lineages arising from the normal breeding program conduced in the State of Sao Paulo, Brazil, by Instituto Agronômico (IAC), it was revealed an accumulative process whose results were agronomically relevant. Based on an interactive scheme involving the selection of lineages exhibiting resistance to one or more of the considered diseases and posterior reselection within them, the process was shown to effectively exploit natural genetic variability existing in cotton genotypes stabilized for other agronomic and industrial traits. Tendency to the establishment of the positive correlation was observed only in the case of resistance to bacterial blight and nematodes. Otherwise, persistence of negative correlations, mainly resistance to nematodes x ramulosis and ramulosis x bacterial blight, even in the more resistant materials, indicated the possibility of resistance losses for certain diseases if excessive selection pressures are exerted for others.

Doenças podem constituir problemas sérios na cotonicultura brasileira (Cia & Fuzatto, 1999) e cultivares suscetíveis a elas são, comprovadamente, fator de instabilidade produtiva e insucesso econômico nessa atividade (Fuzatto et al, 1994). Por essa razão, praticamente ao mesmo tempo em que Bird et al. (1979) expuseram os fundamentos e benefícios da resistência múltipla a doenças, o Instituto Agronômico de Campinas (IAC) incorporou, como componente obrigatório no seu programa de melhoramento genético do algodoeiro, a consecução desse objetivo com respeito às doenças mais destrutivas que ocorrem no Brasil. O esquema desse projeto e alguns de seus resultados foram relatados por Gridi-Papp et al. (1994), tendo as dificuldades enfrentadas sido apontadas em outro trabalho, especialmente quanto às correlações negativas entre as resistências às diversas doenças (Gridi-Papp et al., 1984). O propósito deste trabalho foi verificar os avanços conseguidos na resistência a certos patógenos, em linhagens avançadas do citado programa de melhoramento e a eventual associação entre esses ganhos e possíveis mudanças nas correlações mencionadas.

O estudo abrangeu o período de 1983 a 1998, no qual foram consideradas as murchas provocadas por Fusarium oxysporum f. sp. vasinfectum (Atk.) Snyder & Hansen e por Verticillium dahliae Kleb, a mancha-angular, causada por Xanthomonas axonopodis pv. malvacearum (E. F. Smith) Dye, a ramulose causada por Colletotrichum gossypii South var. cephalosporioides A. S. Costa e um complexo de nematóides compreendendo espécies dos gêneros Meloidogyne, Pratylenchus, Rotylenchulus e Helicotylenchus. Em cada ano, um número variável de linhagens avançadas – no mínimo de terceira geração após a das plantas selecionadas que lhes deram origem – foram avaliadas em condições naturais de infestação ou mediante inoculação artificial (ramulose e, em alguns anos, mancha-angular), sempre em experimentos de campo. Nas inoculações artificiais, realizadas mediante pulverização com equipamento costal, utilizou-se inóculo na concentração de 10⁵ a 10⁶ conídios/ml, no caso da ramulose, e 10⁶ células/ml no caso de mancha-angular.

De acordo com os métodos e critérios expostos em detalhes por Gridi-Papp et al. (1994), os genótipos foram avaliados mediante cálculo de índices específicos de resistência a cada doença e de índice de resistência múltipla a todas elas, calculado pela média geométrica dos índices específicos. As testemunhas resistentes – em relação às quais são calculados os índices – foram mudadas no decorrer do período, porém, os dados foram corrigidos em função das testemunhas utilizadas no último ano, a saber, IAC 20-RR para ramulose e IAC 20-233 para as demais doenças. Para avaliar o nível de vulnerabilidade dos genótipos, foram considerados, ainda, para cada um, o menor valor obtido nos índices de resistência específica e o índice de segurança, entendido este como uma correção depreciadora do índice múltiplo, obtido mediante produto deste pelo menor índice.

Para o presente estudo, a estimativa dos avanços em cada índice foi feita por meio de análise de regressão, considerando o patamar de resistência função da seqüência de anos, pressupondo estes como variável independente, representativa da pressão de seleção e do processo acumulativo de genes favoráveis. Para tanto, o patamar de resistência, específica ou múltipla, em cada ano, foi representado pela média dos índices obtidos nas diversas linhagens então estudadas. Por fim, foram examinadas, para os genótipos considerados em cada ano, as correlações entre os índices referentes a cada doença, verificando-se, a seguir, a evolução dos coeficientes ao longo dos anos, para averiguar se os avanços conseguidos na resistência estiveram associados a eventuais mudanças nessas correlações.

A evolução da resistência no material genético avançado (Tabela 1, Figuras 1 e 2) ressalta, pelo menos, dois aspectos: de um lado, os avanços conseguidos e, de outro, a diferença de ganhos, conforme a doença.

Comparando-se as médias do primeiro e do último qüinqüênios da série, os ganhos foram, aproximadamente, de 31% para mancha-angular; 40% para murcha de Fusarium; – 11% para murcha de Verticillium; 28% para nematóides; e 83% para ramulose. Embora essas diferenças se devam, sobretudo, à freqüência de genes de resistência e sua herdabilidade, nas populações trabalhadas, convém esclarecer que elas encerram também um efeito do esforço já despendido e do potencial do germoplasma disponível, no início do período estudado. Assim, a seleção para nematóides e, principalmente, para murcha de Fusarium já vinha sendo feita antes do período considerado. Contrariamente, o melhoramento relativo à ramulose iniciou-se nessa época e num patamar baixo de resistência. Ademais, no caso da murcha de Verticillium, bem como de mancha-angular, diferentemente do que ocorria com as outras doenças – em que o método era progressivo, com seleção de plantas e testes de progênies – procedia-se apenas a um descarte das linhagens suscetíveis. Esse fato pode explicar a estagnação – até mesmo leve perda – na evolução quanto a murcha de Verticillium, embora isso tenha ocorrido em patamar alto de resistência e, portanto, sem conseqüências práticas consideráveis.

Considerando, ainda, as médias do primeiro e último qüinqüênios, verificou-se que o índice de resistência múltipla cresceu, aproximadamente, 37%, o de segurança 140% e o menor índice específico 86%. Vale notar que o índice múltiplo se aproximou de 0,9 – portanto, perto de 1, valor de referência para as testemunhas resistentes – e o menor índice ficou em torno de 0,7, valores esses que revelam considerável equilíbrio das linhagens mais recentes, em face desses patógenos.

A evolução das correlações simples entre os índices de resistência às diversas doenças (Figura 3) mostra que a única tendência favorável verificou-se entre mancha-angular e nematóides. Nos demais casos, ou as correlações permaneceram inexpressivas ou mostraram tendências para acentuar o caráter negativo, notadamente nos casos de nematóides e ramulose, e entre esta e mancha-angular. É especialmente preocupante a queda da correlação positiva que existia entre a resistência a Fusarium sp. e a nematóides, considerando-se a conhecida interação que ocorre entre esses patógenos. Esses resultados permitem descartar a hipótese formulada por Bird et al. (1979) de que um único mecanismo genético, de largo espectro, seria responsável pela resistência a todas as doenças, além de pragas e outras adversidades de natureza abiótica. Pelo contrário, o melhor que se pode esperar – desde que as linhagens sejam sistematicamente resselecionadas para as doenças envolvidas – é que as correlações negativas possam ser quebradas ou atenuadas, ao longo do trabalho. Por outro lado, a persistência dessas correlações negativas, mesmo em níveis elevados de resistência, alerta para o risco implícito em pressões excessivas de seleção para uma ou outra das doenças envolvidas.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à FAPESP e às empresas MAEDA S/A AGROINDUSTRIAL e COTTON TECNOLOGIA DE SEMENTES S/A pelo auxílio financeiro às pesquisas que originaram este trabalho.

Aceito para publicação em 27/03/2003

• BIRD, L.S., LIVERMAN, C., PERCY, R.G. & BUSH, D.L. The mechanism of multi –adversity resistance in cotton: theory and results. In: Proccedings, Beltwide Cotton Production Research Conferences 39:226-228. 1979.
• CIA, E. & FUZATTO, M.G. Manejo de doenças na cultura do algodão. In: Cia, E., Freire, E.C. & Santos, W.J. (Eds.) Cultura do Algodoeiro. Piracicaba. POTAFÓS, 1999. pp.121-131.
• FUZATTO, M.G., CIA, E. & CHIAVEGATO, E.J. Estabilidade da produção de genótipos de algodoeiro em face da ocorrência de doenças e nematóides. Bragantia 53:47-52, 1994.
• GRIDI-PAPP, I.L., CIA, E., FUZATTO, M.G. & CHIAVEGATO, E.J. Resistência múltipla do algodoeiro a moléstias e nematóides: as dificuldades e alguns avanços no programa em andamento no IAC. Resumos, 3^a. Reunião Nacional do Algodão, Recife, 1984.
• GRIDI-PAPP, I.L., CIA, E., FUZATTO, M.G., CHIAVEGATO, E.J., DUDIENAS, C., PIZZINATTO, M.A., SABINO, J.C., CAMARGO, A.P. & CAMPANA, M.P. Melhoramento do algodoeiro para resistência múltipla a doenças, nematóides e broca-da-raiz em condições de campo. Bragantia 53:33-45. 1994.

*

Autor para correspondência: Edivaldo Cia

Bolsista do CNPq.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  17 Set 2003
• Data do Fascículo
  Ago 2003

Histórico

• Aceito
  27 Mar 2003