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Murcha bacteriana no estado do Amazonas, Brasil

Bacterial wilt in Amazonas State, Brazil

Resumos

Durante 1998 e 2000, a incidência de murcha bacteriana causada por Ralstonia solanacearum foi registrada em 25 municípios do estado do Amazonas. A bactéria foi encontrada nas seguintes espécies vegetais: Capsicum annuum, C. chinense, C. frutescens, Cucumis sativus, Heliconia sp., Lycopersicon esculentum, Melanthera discoidea, Moringa oleifera, Musa sp., Solanum melongena, S. gilo, e S. nigrum. Em tomateiros (Lycopersicon esculentum), a murcha bacteriana estava presente em todos os plantios. Em bananeiras (Musa spp.), a incidência do Moko foi menor nas várzeas dos rios Madeira e Negro do que nas dos rios Solimões e Amazonas. Caracterizaram-se 320 isolados de R. solanacearum, obtidos no levantamento, com relação a raça e a biovar. A biovar 1 predominou em todos os hospedeiros, com exceção de C. annuum e C. chinense, onde estirpes da biovar 3 foram maioria. Apenas 7,8% das estirpes foram da biovar N2. A sensibilidade de 56 estirpes da raça 1 a 23 bacteriocinas foi avaliada. As estirpes da biovar 3 apresentaram uma menor variabilidade, na sensibilidade a bacteriocinas do que as estirpes das biovares 1 e N2.

Ralstonia solanacearum; Pseudomonas solanacearum; Burkholderia solanacearum; bacteriocinas


A survey for bacterial wilt caused by Ralstonia solanacearum was conducted in 25 counties in the state of Amazonas during the years 1998 and 2000. Ralstonia solanacearum was found in the following species: Capsicum annuum, C. chinense, C. frutescens, Cucumis sativus, Heliconia sp., Lycopersicon esculentum, Melanthera discoidea, Moringa oleifera, Musa sp., Solanum melongena, S. gilo, and S. nigrum. In tomatoes (Lycopersicon esculentum), bacterial wilt was present in all fields. In banana (Musa spp.), the incidence of Moko disease was lower in the flooded areas of the Madeira and Negro Rivers than in the Solimões and Amazonas Rivers. In this survey the race and biovar of 320 R. solanacearum isolates was determined. The biovar 1 strains predominate in almost all hosts. In C. annuum and C. chinense, however, biovar 3 was more common. Only 7.8% of the strains were biovar N2. Fifty-six race 1 strains originating from different hosts and counties were evaluated with regard to sensitivity to 23 bacteriocins. Strains from biovars 1 and N2 showed more variability regarding bacteriocin sensitivity than biovar 3 strains.


ARTIGOS ARTICLES

Murcha bacteriana no estado do Amazonas, Brasil

Bacterial wilt in Amazonas State, Brazil

Rosalee A. Coelho NettoI; Bianca G. PereiraI; Hiroshi NodaI; Bernard BoherII

IInstituto Nacional de Pesquisa da Amazônia, Coordenação de Pesquisa em Ciências Agronômicas, Cx. Postal 478, CEP 69011-670, Manaus, AM

IIUR 075, Résistance des Plantes, Centre IRD, B.P. 5045, 34 032 Montpellier, France, e-mail: rcoelho@inpa.gov.br

RESUMO

Durante 1998 e 2000, a incidência de murcha bacteriana causada por Ralstonia solanacearum foi registrada em 25 municípios do estado do Amazonas. A bactéria foi encontrada nas seguintes espécies vegetais: Capsicum annuum, C. chinense, C. frutescens, Cucumis sativus, Heliconia sp., Lycopersicon esculentum, Melanthera discoidea, Moringa oleifera, Musa sp., Solanum melongena, S. gilo, e S. nigrum. Em tomateiros (Lycopersicon esculentum), a murcha bacteriana estava presente em todos os plantios. Em bananeiras (Musa spp.), a incidência do Moko foi menor nas várzeas dos rios Madeira e Negro do que nas dos rios Solimões e Amazonas. Caracterizaram-se 320 isolados de R. solanacearum, obtidos no levantamento, com relação a raça e a biovar. A biovar 1 predominou em todos os hospedeiros, com exceção de C. annuum e C. chinense, onde estirpes da biovar 3 foram maioria. Apenas 7,8% das estirpes foram da biovar N2. A sensibilidade de 56 estirpes da raça 1 a 23 bacteriocinas foi avaliada. As estirpes da biovar 3 apresentaram uma menor variabilidade, na sensibilidade a bacteriocinas do que as estirpes das biovares 1 e N2.

Palavras-chave aadicionais:Ralstonia solanacearum, Pseudomonas solanacearum, Burkholderia solanacearum, bacteriocinas.

ABSTRACT

A survey for bacterial wilt caused by Ralstonia solanacearum was conducted in 25 counties in the state of Amazonas during the years 1998 and 2000. Ralstonia solanacearum was found in the following species: Capsicum annuum, C. chinense, C. frutescens, Cucumis sativus, Heliconia sp., Lycopersicon esculentum, Melanthera discoidea, Moringa oleifera, Musa sp., Solanum melongena, S. gilo, and S. nigrum. In tomatoes (Lycopersicon esculentum), bacterial wilt was present in all fields. In banana (Musa spp.), the incidence of Moko disease was lower in the flooded areas of the Madeira and Negro Rivers than in the Solimões and Amazonas Rivers. In this survey the race and biovar of 320 R. solanacearum isolates was determined. The biovar 1 strains predominate in almost all hosts. In C. annuum and C. chinense, however, biovar 3 was more common. Only 7.8% of the strains were biovar N2. Fifty-six race 1 strains originating from different hosts and counties were evaluated with regard to sensitivity to 23 bacteriocins. Strains from biovars 1 and N2 showed more variability regarding bacteriocin sensitivity than biovar 3 strains.

INTRODUÇÃO

No estado do Amazonas, a atividade humana concentra-se nas várzeas dos rios, onde os agricultores aproveitam a maior fertilidade dos solos, submetidos a períodos de alagamento, para as atividades agrícolas. As várzeas baixas, onde o solo permanece imerso por até oito meses, são utilizadas principalmente para o cultivo de espécies olerícolas. Dentre essas se encontram diversos hospedeiros conhecidos de Ralstonia solanacearum (Smith) Yabuuchi et al., como o tomateiro (Lycopersicon esculentum Mill.), o pimentão (Capsicum annuum L.), a pimenta-de-cheiro (Capsicum chinense Jacq.), a pimenta malagueta (Capsicum frutescens L.), a berinjela (Solanum melongena L.) e o pepino (Cucumis sativus L.). Nas várzeas altas, raramente alagadas, cultiva-se, em muitos municípios, a bananeira (Musa spp.), outra hospedeira da bactéria. Nas áreas livres das enchentes, chamadas de terra firme, os solos são geralmente de textura arenosa, com baixa fertilidade e, primariamente, cobertos por floresta. Solos de terra firme são também utilizados, após o desmatamento, para o cultivo de bananeira. Algumas áreas de terra firme, em torno das cidades maiores, são utilizadas para o cultivo de hortaliças, em ambiente protegido e com adubação orgânica.

A murcha bacteriana é favorecida por condições de umidade e temperatura altas e chega a inviabilizar o cultivo de diversas espécies em regiões com clima temperado quente, tropical ou subtropical (Hayward, 1991). Fenotipicamente, a espécie é dividida em cinco raças, com base na reação de uma gama de hospedeiras (Buddenhagen et al., 1962; He et al., 1983), e em cinco biovares, com base em propriedades bioquímicas (Hayward, 1994). Essas divisões são de importância fundamental na caracterização dos isolados da espécie. A produção de bacteriocinas também tem sido usada como uma ferramenta para tipificar e identificar espécies de bactérias. Assume-se, de uma maneira geral, que as bacteriocinas possuem um importante papel na dinâmica populacional das bactérias no solo e que a resistência a bacteriocinas, ou a produção das mesmas, seja uma importante característica competitiva no solo (Frey et al., 1996).

No Brasil, a murcha bacteriana tem-se apresentado como um sério problema principalmente nas Regiões Nordeste e Norte (Reifschneider & Takatsu, 1985). Na região Amazônica, a doença se constitui um sério problema para o cultivo de solanáceas e a produção local fica quase que restrita a pequenas hortas caseiras. Em bananais, a murcha-bacteriana, mais conhecida como Moko, tem se alastrado para novas áreas, quase sempre através de mudas infetadas, causando severas perdas de produção e abandono de áreas de cultivo. O conhecimento sobre a ocorrência e a variabilidade de R. solanacearum na bacia Amazônica, está fragmentado e baseado na inclusão de poucos isolados da Região em alguns estudos (Martins et al., 1988; Martins & Takatsu, 1990; Melo et al., 1999). O objetivo desse trabalho foi avaliar a variabilidade de R. solanacearum, proveniente de diversas hospedeiras, no estado do Amazonas, visando fornecer subsídios para estudos de resistência varietal e de origem e disseminação do patógeno.

MATERIAL E METÓDOS

Levantamento

No período de 1998 a 2000 foram visitados plantios de hortaliças e bananais em 25 municípios do estado do Amazonas: Anamã, Autazes, Benjamim Constant, Boca do Acre, Carauari, Coari, Codajás, Eirunepé, Fonte Boa, Humaitá, Iranduba, Itacoatiara, Manacapuru, Manaus, Manicoré, Maués, Novo Airão, Parintins, Presidente Figueiredo, Rio Preto da Eva, São Gabriel da Cachoeira, Silves, Tabatinga, Tefé e Urucurituba (Figura 1). Nas áreas visitadas, plantas apresentando sintomas de murcha foram coletadas e levadas para exame em laboratório. R. solanacearum foi isolada, a partir de tecidos vasculares descoloridos do caule das plantas, utilizando-se o meio diferencial de Kelman (Kelman, 1954).


Caracterização bioquímica dos isolados

Os isolados de R. solanacearum foram submetidos a uma caracterização parcial através dos seguintes testes: lise da parede celular em hidróxido de potássio, atividade de oxidase, hidrólise do amido, atividade de esterase (hidrólise do Tween), redução do nitrato, crescimento em meio contendo 2% de cloreto de sódio e reação de hipersensibilidade em folha de fumo (Nicotiana tabacum L.) (Fahy & Persley, 1983). O teste para determinação da biovar foi realizado em tubos de micro-centrífuga contendo 1,5 ml de meio de básico com uma das diferentes fontes de carbono; glicose, lactose, maltose, celobiose, trealose, manitol, dulcitol ou sorbitol (Sigma®) (Hayward, 1976). Após a distribuição de 50 ml de suspensão bacteriana (1 x 109 ufc/ml) em cada tubo, estes foram incubados em estufa, a 29 ºC, por até 20 dias, com avaliações a cada cinco dias. A mudança da coloração do meio de verde oliva para amarela indicou a utilização, pelo isolado, da fonte de carbono contida no meio. Um controle positivo, uma estirpe de reação conhecida, e um negativo, água destilada esterilizada, foram usados nos testes. Os isolados de R. solanacearum, obtidos no levantamento, foram conservados em 3,5 ml de água destilada esterilizada, em tubos de ensaio de 5 ml a 18/22 ºC.

Determinação de raça

Para a caracterização da raça, selecionou-se uma colônia com aspecto mucoso, de cada isolado e, após 48 h de incubação em meio de Kelman, transferiu-se a colônia para o mesmo meio, sem tetrazólio, e incubou-se por mais 24 h, a 29 ºC. A partir das colônias desenvolvidas foram preparadas suspensões, em água destilada esterilizada, contendo 1 x 108 ufc /ml. As suspensões foram utilizadas para inoculação de quatro mudas de bananeira cv. Prata e seis plantas das solanáceas; batata (Solanum tuberosum L.) cv. Mona Lisa, berinjela cv. Embu, pimentão cv. Yolo Wonder e tomateiro cv. Santa Cruz Kada. Vinte e oito estirpes selecionadas, provenientes de hospedeiras e localidades diversas, foram também inoculadas em plantas de pepino, cv. Verde Comprido. Para inoculação das plantas realizaram-se ferimentos no caule, com alfinete entomológico, sob uma gota de suspensão de bactérias, depositada na axila da segunda folha completamente desenvolvida, no caso das solanáceas, e na base do pseudocaule, no caso das bananeiras. Para as plantas testemunha, a suspensão de bactérias foi substituída por água destilada esterilizada. A partir do segundo dia após a inoculação, até o vigésimo, as plantas foram avaliadas quanto ao aparecimento de sintomas de murcha.

Avaliação da sensibilidade a bacteriocinas

Para a avaliação da sensibilidade de 56 estirpes a bacteriocinas produzidas por 22 estirpes de R. solanacearum da raça 1 e uma estirpe da raça 2, as estirpes produtoras foram cultivadas em meio CPG (casamino-peptona-glicose) líquido (Cuppels et al., 1978) sob agitação, a 26 ºC. Após três dias de incubação, as bactérias foram separadas por centrifugação (4.500 rpm, 20 min) e o sobrenadante esterilizado por ultrafiltração (Millipore® 0,45 ml). Uma gota (10 ml) do filtrado a ser testado foi depositada na superfície de uma camada constituída de uma mistura de 50 ml da suspensão de bactérias (1 x 109 ufc/ml) de uma das 56 estirpes alvo, com 4 ml de meio CPG (0,8% de ágar) fundente, distribuída em placa de Petri, contendo uma camada de ágar-água. Após 24 h de incubação a 29 ºC, zonas translúcidas, sem crescimento bacteriano, indicavam sensibilidade da estirpe alvo à bacteriocina. Das 51 estirpes da raça 1 testadas, 35 foram da biovar 1 e 16 da biovar 3. Cinco estirpes foram da biovar N2, raça 3 (Tabela 2). Em cada placa foram testadas até seis bacteriocinas diferentes e o experimento foi repetido duas vezes. De acordo com a reação das estirpes foi construído um dendrograma das distâncias de ligação utilizando-se o método do vizinho mais distante (complete linkage method, STATISTICA-5).

Resultados

Levantamento

Sintomas de murcha em solanáceas, decorrentes da infecção por R. solanacearum, foram encontrados em todos os municípios onde se visitaram plantios de espécies desta família. Em Anamã, Codajás, Eirunepé, Novo Airão, Maués, Silves e Urucurituba não foram visitados plantios de solanáceas. Bananeiras com sintomas de Moko foram encontradas em 70% dos municípios visitados. Nos municípios de Boca do Acre, Carauari, Humaitá, Maués, Novo Airão, Silves, São Gabriel da Cachoeira e Tabatinga, nenhum dos bananais visitados apresentavam sintomas de Moko (Figura 1). Obtiveram-se 320 isolados de R. solanacearum (Tabela 1). O cultivo de variedades suscetíveis de tomate, como as do grupo Santa Cruz, em áreas plantadas anteriormente com hospedeiras de R. solanacearum, acarretava, muitas vezes, a perda total do plantio. Em áreas recém desmatadas, cultivadas pela primeira vez com solanáceas observaram-se perdas de até 40% das plantas. Em cultivo protegido de pimentão, as variedades comumente utilizadas, Casca Dura e Magali, apresentaram bom nível de resistência aos isolados locais de R. solanacearum, e as perdas não ultrapassavam 10%. A partir de pimenteiras-de-cheiro e malagueta, que freqüentemente apresentavam sintomas de murcha, poucas vezes conseguiu-se isolar R. solanacearum, podendo a murcha ser atribuída a outros agentes fitopatogênicos, não identificados. Em plantios de berinjela, pouco comuns no Estado, a incidência da murcha bacteriana chegava a causar perdas de até 40%. Plantas de pepino, conhecidas como hospedeiras de R. solanacearum (Lopes & Quezado-Soares, 1997), só foram encontradas com sintomas de murcha, no município de São Gabriel da Cachoeira. O Moko da bananeira mostrou-se endêmico em muitos dos municípios visitados. A incidência da doença, no entanto, foi menos severa nas várzeas dos rios Madeira e Negro do que nas dos rios Solimões e Amazonas.

Caracterização bioquímica dos isolados e determinação de raça

Com os isolados de R. solanacearum, coletados no Estado, foi organizada uma coleção de 320 acessos. Todos os isolados não obtidos de bananeira e de helicônia foram da raça 1. Estes provocaram murcha nas hospedeiras da família Solanaceae e não foram patogênicos à bananeira. As estirpes obtidas de bananeira e de helicônia (foram classificadas como da raça 2 e foram patogênicas para bananeira, algumas delas foram também patogênicas a solanáceas. Entre os isolados foram identificadas três biovares. A biovar 1 foi a mais freqüentemente encontrada (73% dos isolados) e obtida de todas as hospedeiras citadas. As estirpes da biovar 1, obtidas de bananeira e de helicônia, se distinguiram das demais, por não acidificarem o meio contendo trealose, como única fonte de carbono. As estirpes da biovar 3 (19,2% do total) foram obtidas de plantas de pimentão, pimenta-de-cheiro, pimenta malagueta, tomate, S. nigrum e M. discoidea. A biovar 2 tropical (7,8% do total), também denominada de N2 (Gillings & Fahy, 1994), foi isolada de tomateiros nos municípios de Benjamim Constant, Manicoré e Manaus, e de jiló no município de São Gabriel da Cachoeira. Na inoculação de plantas de pepino com 28 estirpes provenientes de hospedeiras diversas, apenas duas estirpes (uma da biovar 1, proveniente de bananeira, e uma da biovar 3, proveniente de pimentão) foram patogênicas à cultura.

Sensibilidade a bacteriocinas

Das 26 soluções de bacteriocinas testadas, 23 tiveram reação diferencial com as 56 estirpes selecionadas. O dendrograma das distâncias de ligação entre as estirpes (Figura 2), considerando a distância de ligação 3, permitiu que as estirpes pudessem ser divididas em seis grupos. A participação das estirpes nos grupos independeu da hospedeira e do local de origem. Estirpes provenientes da mesma hospedeira e localização, como M1 e M4, foram classificadas em grupos diferentes enquanto que as estirpes da biovar 3, de várias hospedeiras e origens geográficas distintas, foram classificados no mesmo grupo. Entre as estirpes das biovares 1 e N2, uma grande diversidade na reação a bacteriocinas foi observada. No caso da biovar 1, em 35 estirpes encontraram-se 24 fenótipos que foram divididos em cinco grupos, e nas cinco estirpes da biovar N2, cinco fenótipos foram encontrados, divididos em quatro grupos. No caso de estirpes da biovar 3, no entanto, a diversidade foi reduzida e observaram-se apenas quatro fenótipos, em 16 estirpes. Dessas 16 estirpes, 14 possuíam fenótipos idênticos ou muito semelhantes.


DISCUSSÃO

A murcha bacteriana é uma doença endêmica em hortaliças no estado do Amazonas. A ausência de isolados de R. solanacearum em solanáceas em sete municípios foi, provavelmente, decorrente da não localização ou da não procura de plantios dessas espécies naqueles municípios. Em áreas de várzea, muitos dos plantios de tomateiros visitados estavam abandonados em decorrência da incidência da murcha bacteriana, o que indica a importância da doença nessas áreas de produção. Por outro lado, o cultivo do pepino no Estado não pareceu ameaçado pela ocorrência de murcha bacteriana, como sugerido por Parente et al. (1990). Encontraram-se plantas de pepino com sintomas de murcha apenas no município de São Gabriel da Cachoeira e, nesse caso, as plantas estavam consorciadas com solanáceas altamente infetadas por R. solanacearum. A baixa freqüência de estirpes de R. solanacearum patogênicas a plantas de pepino, apenas duas entre as 28 testadas, poderia explicar o caráter ocasional da doença no Estado. Nesse levantamento foi constatada, pela primeira vez no continente Americano, a ocorrência da murcha bacteriana em moringa (Coelho Netto et al., 2000), uma espécie recentemente introduzida na região. Também a primeira constatação da infecção da planta daninha M. discoidea, por R. solanacearum, foi feita nesse levantamento (Coelho Netto et al., 2001). Essa e outras espécies de plantas daninhas encontradas infetadas por R. solanacearum, como S. nigrum, podem servir de reservatório do patógeno, contribuindo para a manutenção da população da bactéria no solo.

A morfologia das colônias das estirpes obtidas de bananeiras e a virulência dessas estirpes a solanáceas foi semelhante a das estirpes peruanas denominadas tipo A por French & Sequeira (1970). Essa constatação, juntamente com a observação do endemismo da doença nos municípios banhados pelos rios Solimões e Amazonas e a menor incidência do Moko nas várzeas dos rios Madeira e Negro, fortalece a hipótese de French & Sequeira (1970) sobre a dispersão do patógeno através dos rios Maranõn e Ucayali no Peru. A partir destes rios, a disseminação da bactéria provavelmente continuou através dos Rios Solimões e Amazonas, no Brasil.

A contaminação das inflorescências de bananeiras por R. solanacearum foi constatada com freqüência; todavia, a transmissão da bactéria via insetos, sugerida por Buddenhagen & Elsasser (1962), ainda precisa ser demonstrada.

Apesar da biovar 1, na maioria das hospedeiras, ser a mais freqüente, com a raça 2 infetando bananeira e a raça 1 infetando os demais hospedeiras. Em estirpes provenientes de pimentão e de pimenta-de-cheiro observou-se uma predominância de estirpes da biovar 3. A biovar N2, isolada principalmente de tomateiros e raramente encontrada no Estado, é metabolicamente mais versátil que a biovar 2 (raça 3), freqüentemente obtida de plantas de batata na região Andina (Gillings & Fahy, 1993). Em três localidades, das quatro onde a biovar N2 foi isolada, tratava-se do primeiro plantio de solanáceas na área, após o desmatamento, sugerindo a presença de uma hospedeira nativa e ainda não identificada de R. solanacearum, na floresta. Apesar de poder apresentar elevada virulência a tomateiros, a biovar N2 apresenta menor sobrevivência no solo do que as biovares 1 ou 3 (Pereira et al., 2001). Elphinstone (1992), avaliando estirpes de R. solanacearum provenientes de diversos países do mundo, encontrou uma estirpe da biovar N2 agressiva a uma variedade de tomateiro resistente às biovares 1 e 3. Assim, apesar da biovar N2 aparentemente não representar um perigo para o cultivo do tomateiro no Estado, faz-se necessário um monitoramento da sua ocorrência.

A produção de bacteriocinas por estirpes de R. solanacearum tem se mostrado um fenômeno bastante freqüente. Frey et al. (1996), utilizando análise genética (rep-PCR e RC-PFGE) e de sensibilidade a bacteriocinas, observaram uma alta correlação entre as estirpes componentes dos grupos formados pela análise através das duas técnicas. No presente estudo, das 16 estirpes da biovar 3 avaliadas, 14 enquadraram-se no grupo VI, indicando uma menor variabilidade genética das estirpes dessa biovar. As estirpes das biovares 1 e N2 foram bastante variáveis e não se percebeu uma relação entre a sensibilidade a bacteriocinas e a hospedeira ou a origem geográfica da estirpe. Embora o tamanho da amostra nesse estudo não seja adequada para se obter conclusões definitivas sobre a estrutura da população, essas informações serão úteis em futuros estudos genéticos da variabilidade da população de R. solanacearum no estado do Amazonas.

Aceito para publicação em 14/11/2003

Autor para correspondência: Rosalee A. Coelho Netto

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Abr 2004
  • Data do Fascículo
    Fev 2004

Histórico

  • Aceito
    14 Nov 2003
  • Recebido
    14 Nov 2003
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