Sobrevivência de Rotylenchulus reniformis em solo naturalmente infestado submetido a diferentes períodos de armazenamento

Survival of Rotylenchulus reniformis in naturally infested soil submitted to different periods of storage

COMUNICAÇÕES COMMUNICATIONS

Sobrevivência de Rotylenchulus reniformis em solo naturalmente infestado submetido a diferentes períodos de armazenamento^*

Survival of Rotylenchulus reniformis in naturally infested soil submitted to different periods of storage

Gustavo R. C. Torres; Elvira M. R. Pedrosa; Romero M. Moura

Departamento de Agronomia, Área de Fitossanidade, Universidade Federal Rural de Pernambuco, CEP 52171-900, Recife, PE, e-mail: [e-mail]

RESUMO

O nematóide reniforme (Rotylenchulus spp.) sobrevive à dissecação melhor que a maioria das espécies de fitonematóides, havendo relato de sobrevivência de R. reniformis após 29 meses na ausência da hospedeira. O presente estudo teve como objetivo investigar a sobrevivência de R. reniformis na ausência de hospedeira em solo naturalmente infestado, submetendo-o a diferentes períodos de armazenamento em laboratório. Aos 45, 90, 135 e 180 dias após o armazenamento, cinco amostras foram acondicionadas em vasos, onde foram plantados meloeiros (Cucumis melo) cv. Amarelo Ouro que foram mantidos em casa de vegetação por 80 dias. Foram avaliados os números totais de juvenis, machos e fêmeas imaturas no solo, fêmeas adultas na raiz e total de nematóides (solo+raiz) por unidade experimental. Testaram-se, em seguida, modelos lineares, logarítmicos e quadráticos para descrever o comportamento de cada variável em função do tempo de armazenamento. Os modelos quadráticos descreveram melhor a variação ocorrida, exceto para o número de fêmeas na raiz. As populações tenderam a decrescer após 90 dias de armazenamento, no entanto, após 180 dias de armazenamento e subseqüente cultivo do meloeiro no solo armazenado, a população no momento da colheita era equivalente a 83,41% da população de nematóides presentes no solo quando da coleta no campo.

Palavras-chave adicionais: nematóide reniforme, anidrobiose, viabilidade.

ABSTRACT

The reniform nematode (Rotylenchulus spp.) survives to dissecation better than most plant parasite nematodes, being recorded that R. reniformis survived after 29 months with no host. The aim of this research was to investigate the survival fo R. reniformis in the absence of host, in a naturally infested soil, submitted to different periods of storage, under laboratory conditions. At 45, 90, 135 and 180 days after storage, five soil samples were placed in pots and melon (Cucumis melo) cv. Amarelo Ouro were grown for 80 days under greenhouse conditions. Juveniles, males and imature females in the soil, adult females in root system and total of nematodes (soil+root) were recorded per experimental unit. Linear, logarithmic and quadratic models were tested to describe each variable in relation to storage time. Quadratic models fitted better the variation of all variables except for females in the root system for which the variation did not fit any of the models tested. Nematode populations tended to decrease after 90 days of storage. After 180-days storing soil and subsequently growth of melon in the soil stored, nematode population density at harvest was equivalent to 83.41% of population level at begin of storage.

Additional keywords: reniform nematode, anhydrobiosis, viability.

Variação da umidade no ambiente do solo é um dos fatores que influenciam o aumento populacional dos nematóides. Embora a condição de baixa umidade possa reduzir a atividade e o nível populacional desses organismos, nem todos são mortos. Ovos e determinados estádios de desenvolvimento sobrevivem à seca (Mai et al., 1968).

A capacidade de recuperação rápida de uma condição de criptobiose e as altas taxas intrínsecas de multiplicação conferem aos nematóides vantagens na utilização de recursos em áreas de intermitência entre condições favoráveis e desfavoráveis. Aliados a estas características, o hábito alimentar generalista e a reprodução paternogenética de algumas espécies confere-lhes adaptabilidade superior como grupo em ambientes pobres em fontes de alimento (Mattos, 2002).

Segundo Mai et al. (1968), o pousio seco em campo não se constitui numa medida de controle efetiva, exceto em algumas regiões muito secas, onde a prática reduz drasticamente o número de nematóides possibilitando a obtenção de boas produtividades. No solo, os nematóides estão constantemente ativos quando a umidade se encontra entre 40 e 60% da capacidade de campo. Em solos muito secos ou úmidos estes organismos permanecem latentes por longos períodos.

O nematóide reniforme (Rotylenchulus Linford & Oliveira 1940) sobrevive melhor à dissecação do que a maioria das espécies de fitonematóides (Starr, 1998). Segundo Netscher & Sikora (1990), foi demonstrado que R. reniformis Linford & Oliveira pode sobreviver na ausência da planta hospedeira por sete meses em solo úmido e por seis em solo seco, sendo também relatado pelos referidos autores sobrevivência após 29 meses na ausência da hospedeira. Dessa forma, dependendo do tempo de duração do pousio, a densidade populacional pode não ser afetada ou rapidamente alcançar o nível de dano econômico no primeiro cultivo.

A sobrevivência de R. reniformis em solo seco é garantida por meio da anidrobiose, mecanismo de natureza fisiológica pelo qual, a escassez de umidade, induz o nematóide a reduzir drasticamente o metabolismo, permanecendo em estado de quase ametabolismo. Este mecanismo em regiões semi-áridas garante a existência de inóculo viável no solo após períodos de condições ambientais adversas.

A anidrobiose de R. reniformis foi estudada em solo proveniente da cultura do abacaxizeiro (Ananas comosus L.) e estocado a 14,4; 21,1; 27,8; 28,6 e 41,9% de umidade. Todas as formas biológicas (ovos, juvenis, fêmeas imaturas e machos) demonstraram capacidade de sobrevivência por meio desse mecanismo, porém diferenciada quanto aos níveis de umidade testados (Tsai & Apt, 1979).

O presente trabalho teve como objetivo estudar a sobrevivência de uma população de R. reniformis (oriunda de área de cultivo comercial de meloeiro, caracterizada como raça A) na ausência de hospedeira em solo naturalmente infestado, submetido a diferentes períodos de armazenamento em condições de laboratório.

Solo naturalmente infestado foi coletado de um campo de produção comercial de meloeiro explorado com o cultivar AF 646, com 46 dias de plantio, situado no município de Baraúnas, Estado do Rio Grande do Norte, em condições de semi-árido, com sete a oito meses sem chuvas e classe de temperatura quente (IBGE, 2004). No campo foi estabelecida malha de amostragem retangular de 42×32 m composta por 64 parcelas de 6×4 m (oito colunas e oito linhas), dentro das quais foi coletada uma amostra de solo de 2 kg no ponto central, coincidente com a linha de cultivo, à profundidade de 10 a 25 cm. O solo coletado, representando a área em estudo, foi misturado, submetido às análises nematológica, química e física, e armazenado em laboratório (temperatura média de 29±3 °C e umidade relativa de 81±7%) em sacos de fibra de nylon com capacidade para 50 kg. Aos 45, 90, 135 e 180 dias após o armazenamento, cinco amostras de 943,4 g foram acondicionadas em vasos com capacidade de 1,5 l onde foram plantados meloeiros, uma planta por vaso, da cultivar Amarelo Ouro e mantidos em casa de vegetação por 80 dias. Amostras de 100 g de solo foram também coletadas nos referidos períodos e acondicionadas em estufa a 60 ⁰C até atingir peso constante e por diferença de peso foi calculado o teor de umidade. Ao final do cultivo, os sistemas radiculares foram lavados e as fêmeas coloridas segundo Byrd et al. (1983) e o solo submetido à técnica descrita por Jenkins (1964) para extração de juvenis, machos e fêmeas imaturas. Foram consideradas para análise as seguintes variáveis: número de juvenis, machos e fêmeas imaturas no solo, número de fêmeas adultas na raiz e total de nematóides (solo+raiz) por unidade experimental. Utilizando SAS^® Regression Procedures (Base SAS^® software), modelos lineares, logarítmicos e quadráticos foram utilizados na tentativa de descrever o comportamento de cada variável em função do tempo de armazenamento ao qual o solo foi submetido.

A análise nematológica da mistura do solo das 64 amostras revelou que no momento do armazenamento a densidade populacional de R. reniformis era de 323 formas vermiformes por 100 g de solo. De acordo com a granulometria o solo foi classificado como franco argilo arenoso com teores de areia, argila e silte equivalentes a 57,5; 31,3 e 11,2%. Pela análise química foram estabelecidos os seguintes valores: pH=6,4 e 6,8; fósforo (P)=190 e 100 mg/dm³; potássio (K⁺)=1,09 e 1,08 mg/dm³; Cálcio+magnésio (Ca⁺²+Mg⁺²)=10,65 e 10,40 cmol_c/dm³; Cálcio (Ca⁺²)=8,20 e 8,50 cmol_c/dm³.

Nenhum dos modelos testados se adequou em descrever a variação do número de fêmeas na raiz. Em relação às variáveis número de juvenis, machos e fêmeas imaturas no solo por parcela e total de nematóides (solo+raiz) por unidade experimental os modelos

_Y=102,973332+0,839457x-0,136163x² (R²=0,7030**),

_Y=102,145766+0,901257x-0,15646x² (R²=0,5020**),

_Y=102,272522+0,873562x-0,157726x² (R²=0,5518**) e

_Y=103,159682+0,810286x-0,133273x² (R²=0,6813**)

melhor descreveram a variação ocorrida em função do tempo de armazenamento do solo (Figura 1A e 1B). Os biotestes no final de 80 dias com o cultivo do solo com meloeiro mostraram que as populações tenderam a decrescer após 90 dias de armazenamento, no entanto, após 180 dias de armazenamento, 80 dias de cultivo com meloeiro resultou em 2.539 ± 156 nematóides (solo+raiz) por unidade experimental, o equivalente a 83,41% da população presente no solo no momento do armazenamento. Tal fato demonstra que mesmo tendo havido decréscimo na população de nematóides presentes no solo ao longo dos 180 dias, houve ainda espécimes viáveis presentes no solo em quantidade suficiente para recompor a população em nível próximo ao inicial antes do armazenamento.

Em relação à tendência de juvenis, machos e fêmeas no solo, observou-se que a variação ao longo do tempo apresentou comportamento semelhante. Verificou-se, no entanto, que os juvenis foram as formas de desenvolvimento predominantes dentre os nematóides totais por unidade experimental (Figura 1B).

Segundo Tsai & Apt (1979) em estudo sobre a sobrevivência de R. reniformis em solo estocado a diferentes níveis de umidade, ovos e juvenis tiveram sobrevivência maior que fêmeas imaturas e machos a 28,6, 27,8 e 21,1% mas não a 41,9 e 14,4% de umidade. Segundo os referidos autores, fêmeas imaturas tiveram maior sobrevivência à dissecação que os machos e a eclosão e desenvolvimento de juvenis foram inibidos a 28,6%.

No presente estudo, a umidade relativa média do solo foi de 16,60, 5,29, 4,83, 4,57 e 4,49% aos 45, 90, 135 e 180 dias de armazenamento, valores estes que estão abaixo do limite mínimo de umidade em que a sobrevivência das diferentes formas do parasito foi estudada por Tsai & Apt (1979). Mesmo assim, ainda houve infecção resultando em populações finais registradas para todas as formas de desenvolvimento presentes no solo, sugerindo que a capacidade de sobrevivência da população em estudo foi superior a da população citada por Tsai & Apt (1979), embora no presente estudo a umidade relativa inicial do solo tenha declinado gradativamente, o que provavelmente estimulou as formas de R. reniformis presentes no solo a iniciarem a anidrobiose sem comprometer a sobrevivência.

Os resultados aqui apresentados corroboram a conclusão de Heald & Inserra (1988) de que a baixa umidade do solo seco à temperatura ambiente afeta negativamente a sobrevivência de R. reniformis quando estocado a 25 °C. Os referidos autores armazenaram amostras de solo, úmidas e secas ao ar por 24 h, por 180 dias, a –5, -1, 4 e a 25 °C. Foi observado que, dependendo do local de origem do solo, nenhum nematóide foi recuperado após 60, 120 e 180 dias, demonstrando que populações de diferentes localidades apresentaram diferenças quanto à capacidade de sobrevivência e infecção em relação às temperaturas de armazenamento o que pode ser indício de adaptabilidade a diferentes condições ambientais.

No Rio Grande do Norte há intermitência entre cultivos de meloeiro e abandono das áreas nos meses chuvosos, sendo estas ocupadas por ervas daninhas. De acordo com os resultados obtidos, embora o tempo de armazenamento tenha provocado redução na densidade inicial de R. reniformis presente no solo, os níveis populacionais foram restabelecidos mesmo após 180 dias de armazenamento na ausência de hospedeira, levando a concluir que o curto período de pousio ao qual as áreas exploradas comercialmente são submetidas na entressafra não é efetivo no combate deste fitopatógeno.

Aceito para publicação em 5/12/2005

Autor para correspondência: Elvira M. R. Pedrosa

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• TSAI, N.Y. & APT, J. Anhydrobiosis of the reniform nematode: survival and coiling. Journal of Nematology 11:316. 1979. (Abstract)

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Parte da Tese de Doutorado do primeiro autor. Universidade Federal Rural de Pernambuco. 2005.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  04 Set 2006
• Data do Fascículo
  Abr 2006