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Efeito do tempo e da temperatura de incubação de juvenis do segundo estádio (J2) no teor de lipídio corporal e no parasitismo de Meloidogyne javanica em soja

Effect of timing and temperature of incubation of second stage juveniles (J2) on body lipid content and parasitism of Meloidogyne javanica in soybean

Resumos

A temperatura ambiente e o teor de lipídio no corpo do juvenil do segundo estádio (J2) de Meloidogyne sp. afetam seu parasitismo no hospedeiro. Assim, neste trabalho estudou-se a relação do teor de lipídio corporal e da temperatura com o período de incubação do J2 de Meloidogyne javanica em água e o parasitismo em soja. O teor de lipídio no J2 diminuiu significativamente em cada período de incubação no intervalo de 2 a 12 dias. Entretanto, a patogenicidade dos J2 foi mantida até 12 dias de incubação, porém com redução de 67,36%, 82,75% e 86,09% no número de J2 penetrados, fêmeas e massa de ovos, respectivamente. Em outro ensaio, os J2 foram incubados em água com temperaturas fixas de 5 ºC, 10 ºC e 28 ºC, e por 10 horas em temperaturas variadas de 5 ºC ou 10 ºC complementadas com 14 h a 28 ºC. A patogenicidade em soja foi realizada a cada 5 dias de incubação durante 20 dias. O aumento do período de incubação dos J2 de M. javanica nas temperaturas contínuas de 5 e 28 ºC reduziram a penetração, número de fêmeas, massas de ovos, total de ovos e ovos por grama de raiz. A incubação contínua dos J2 a 10 ºC por qualquer período não afetou a penetração e proporcionou pequena redução no número de fêmeas e na reprodução ao longo dos 20 dias de incubação. Quando os J2 foram expostos a 28 ºC por 14 h as variáveis avaliadas comportaram-se semelhantemente à exposição contínua de 24 h a 28ºC.

nematóide de galhas; energia corporal; patogenicidade; Glycine max


The environmental temperature and the body lipid content of second stage juveniles (J2) of Meloidogyne javanica affect its parasitism on the host. So, in this work, it was studied the relationship of body lipid content and temperature with incubation period in water of J2 of M. javanica from 2 to 12 days, and the parasitism in soybean. The body lipid content of J2 decreased significantly from 2 to 12 days of incubation. However, the pathogenicity of J2 was kept until 12 days of incubation, with reduction of 67,36%, 82,75% and 86,09% on the number of penetrated J2, females and eggs mass, respectively. In another assay, J2 were incubated in water for 20 days at constant temperatures of 5 ºC, 10 ºC and 28 ºC, and at varied temperatures of 10 h at 5 ºC or 10 ºC and complemented with 14 h at 28 ºC. Every 5 day incubation, J2 pathogenicity was evaluated by inoculating them in soybean. Increase on incubation period of J2 of M. javanica at continued temperatures of 5 and 28 ºC reduced penetration, numbers of females, egg mass, total of eggs and eggs per gram of root. The continued incubation of J2 at 10 ºC per any period of time did not affect penetration and gave slow reduction during 20 days-incubation on number of female and reproduction. When J2 were exposed to 28 ºC per 14 h, the assessed variable behavior alike to the continued exposure to 28 ºC per 24 h.

root-knot nematode; body energy; pathogenicity; Glycine max


ARTIGOS ARTICLES

Efeito do tempo e da temperatura de incubação de juvenis do segundo estádio (J2) no teor de lipídio corporal e no parasitismo de Meloidogyne javanica em soja

Effect of timing and temperature of incubation of second stage juveniles (J2) on body lipid content and parasitism of Meloidogyne javanica in soybean

Hercules Diniz CamposI; Vicente Paulo CamposII; Edson A. PozzaII

IFaculdade de Agronomia, Universidade de Rio Verde, Cx. Postal 104, CEP 75910-970, Rio Verde, GO, e-mail: campos@fesurv.br

IIDepartamento de Fitopatologia, Universidade Federal de Lavras, Cx. Postal 3037, CEP 37200-000, Lavras, MG

RESUMO

A temperatura ambiente e o teor de lipídio no corpo do juvenil do segundo estádio (J2) de Meloidogyne sp. afetam seu parasitismo no hospedeiro. Assim, neste trabalho estudou-se a relação do teor de lipídio corporal e da temperatura com o período de incubação do J2 de Meloidogyne javanica em água e o parasitismo em soja. O teor de lipídio no J2 diminuiu significativamente em cada período de incubação no intervalo de 2 a 12 dias. Entretanto, a patogenicidade dos J2 foi mantida até 12 dias de incubação, porém com redução de 67,36%, 82,75% e 86,09% no número de J2 penetrados, fêmeas e massa de ovos, respectivamente. Em outro ensaio, os J2 foram incubados em água com temperaturas fixas de 5 ºC, 10 ºC e 28 ºC, e por 10 horas em temperaturas variadas de 5 ºC ou 10 ºC complementadas com 14 h a 28 ºC. A patogenicidade em soja foi realizada a cada 5 dias de incubação durante 20 dias. O aumento do período de incubação dos J2 de M. javanica nas temperaturas contínuas de 5 e 28 ºC reduziram a penetração, número de fêmeas, massas de ovos, total de ovos e ovos por grama de raiz. A incubação contínua dos J2 a 10 ºC por qualquer período não afetou a penetração e proporcionou pequena redução no número de fêmeas e na reprodução ao longo dos 20 dias de incubação. Quando os J2 foram expostos a 28 ºC por 14 h as variáveis avaliadas comportaram-se semelhantemente à exposição contínua de 24 h a 28ºC.

Palavras-chave adicionais: nematóide de galhas, energia corporal, patogenicidade, Glycine max.

ABSTRACT

The environmental temperature and the body lipid content of second stage juveniles (J2) of Meloidogyne javanica affect its parasitism on the host. So, in this work, it was studied the relationship of body lipid content and temperature with incubation period in water of J2 of M. javanica from 2 to 12 days, and the parasitism in soybean. The body lipid content of J2 decreased significantly from 2 to 12 days of incubation. However, the pathogenicity of J2 was kept until 12 days of incubation, with reduction of 67,36%, 82,75% and 86,09% on the number of penetrated J2, females and eggs mass, respectively. In another assay, J2 were incubated in water for 20 days at constant temperatures of 5 ºC, 10 ºC and 28 ºC, and at varied temperatures of 10 h at 5 ºC or 10 ºC and complemented with 14 h at 28 ºC. Every 5 day incubation, J2 pathogenicity was evaluated by inoculating them in soybean. Increase on incubation period of J2 of M. javanica at continued temperatures of 5 and 28 ºC reduced penetration, numbers of females, egg mass, total of eggs and eggs per gram of root. The continued incubation of J2 at 10 ºC per any period of time did not affect penetration and gave slow reduction during 20 days-incubation on number of female and reproduction. When J2 were exposed to 28 ºC per 14 h, the assessed variable behavior alike to the continued exposure to 28 ºC per 24 h.

Additional keywords: root-knot nematode, body energy, pathogenicity, Glycine max.

INTRODUÇÃO

O juvenil do segundo estádio (J2) de Meloidogyne spp. desempenha papel importante no ciclo de vida deste patógeno. Inicialmente dentro do ovo o J2 pode sobreviver sob condições inadequadas à relação nematóide-planta. Após a eclosão movimenta-se pelo solo, penetra nas raízes e exerce o parasitismo na planta (Agrios, 1997; Campos et al., 2001). O J2, portanto, vive em 3 ambientes bem distintos; dentro do ovo, no solo e na planta. No solo, passa por condições variáveis de temperatura e umidade (Van Gundy, 1985). A temperatura é um fator que tem proporcionado maior influência na capacidade de penetração, desenvolvimento e reprodução de várias espécies de Meloidogyne (Bergesson, 1959; Thomason et al., 1964; Van Gundy, 1985). Segundo Fan & Hominick (1991), o tempo de exposição do nematóide à baixa temperatura também pode influenciar a capacidade de parasitismo em seu hospedeiro. Entretanto, ainda não se conhece o efeito de variações térmicas na capacidade de penetração, desenvolvimento e reprodução de Meloidogyne spp. em seu hospedeiro.

Para viver em diversos ambientes antes de obter alimento, o J2 traz consigo 30% do seu peso corporal em lipídios, que constituem a principal fonte energética até obter alimento quando parasitar seu hospedeiro (Lee & Atkinson, 1977; Van Gundy, 1985). As condições ambientais, contudo, vão determinar o nível dessas reservas lipídicas do J2, podendo interferir na sua infectividade (Christophers et al., 1997). As perdas dessas reservas estão em função da duração do tempo que o J2 passa sem se alimentar e podem variar com a espécie de Meloidogyne (Reversat, 1981). A reserva nutricional do J2, aliada à temperatura adequada e à compatibilidade com o hospedeiro, também pode proporcionar maior rapidez de penetração e estabelecimento do sítio de alimentação (Endo, 1987). Portanto, a correlação entre o nível lipídico do J2 e o sucesso no parasitismo de Meloidogyne ainda necessitam estudos adicionais. Desta forma, objetivou-se neste trabalho estudar o nível de lipídio corporal do J2 e sua relação com a penetração, desenvolvimento e reprodução de M. javanica (Treub, 1885) Chitwood, 1949 em soja após períodos de incubação em água e, o efeito de temperaturas fixas e variadas na penetração, desenvolvimento e reprodução do nematóide.

MATERIAL E MÉTODOS

Obtenção do inóculo de Meloidogyne javanica

Meloidogyne javanica foi multiplicado em soja [Glycine max (L.) Merrill], cultivar Embrapa 20 (Doko RC), mantida em vasos em casa-de-vegetação. Raízes galhadas foram coletadas e os ovos foram extraídos utilizando-se a técnica de Hussey & Barker (1973). A suspensão de ovos livres de impurezas foi colocada em câmara de eclosão e mantida em temperatura de 26 ± 2 ºC. Os J2 obtidos durante as primeiras 24 e 48 h foram descartados e utilizados aqueles produzidos com 72 h de incubação.

Influência do tempo de incubação de juvenis de segundo estádio (J2) de Meloidogyne javanica na capacidade de penetração, desenvolvimento e reprodução em raiz de soja e no teor de lipídios

Sementes de soja da cultivar Embrapa-20 foram desinfestadas superficialmente com hipoclorito de sódio (1%) por 1 minuto, colocadas para germinar em bandejas contendo areia grossa umedecida e mantidas em sala climatizada a 27 ± 2 ºC. Após 3 dias da semeadura, as sementes germinadas, com radícula de 2 cm, foram transferidas para tubos de ensaio contendo 30 cm3 de areia fina quartizífera umedecida e previamente autoclavada a uma temperatura de 120 ºC, por 20 min. Vinte e quatro h após, infestou-se a areia de cada tubo com suspensão de 1 mL contendo 100 J2 de M. javanica, previamente incubados por zero, dois, quatro, seis, oito, dez ou 12 dias em água a 28 ºC. O tratamento com J2 recém eclodidos (zero dia) foi considerado a testemunha. Em seguida, os tubos contendo as plantas inoculadas foram colocados em sala climatizada com temperatura de 27 ± 2 ºC.

Cerca de 5 mL de cada suspensão de J2 de M. javanica foi concentrada a 0,5 mL e sobre ela adicionaram-se 3 mL da solução corante "Oil Red O" (Storey, 1983; Christophers et al., 1997). A solução corante foi preparada utilizando-se 0,5 g do corante "Oil Red O" em 100 mL de álcool absoluto. Foi agitada por 15 min, seguido de filtração em papel de filtro Whatman nº 1 e armazenada a 5 ºC em frasco sob proteção de luz. Toda a vidraria empregada no preparo da solução corante foi previamente limpa e esterilizada.

No ensaio de coloração de lipídios nos J2, após a adição do corante "Oil Red O" sobre os J2, a suspensão de J2 foi aquecida em banho-maria a 60 ºC por 20 min. Após o total resfriamento em condições ambiente, os J2, já com o conteúdo de lipídio neutro colorido de vermelho, foram concentrados em 0,5 mL da solução corante por meio de centrifugação a 2000 rpm por 1 minuto. A seguir foram adicionados 3 mL de solução composta de água destilada + glicerina pura (1:1) e armazenada em condições ambiente. Lâminas de J2 foram montadas de cada tratamento. Como a coloração nos J2 de cada tratamento foi visualmente homogênea, ao microscópio ótico foram obtidas fotografias de 4 J2 por tratamento. A partir das fotografias estimou-se a área total do corpo do J2 e a de coloração vermelha correspondente aos lipídios. Para isto, utilizou-se o programa "Image Tool for Windows", versão 3.0, e o percentual de lipídios neutros em relação à área total do corpo do J2 foi obtido.

O delineamento empregado foi inteiramente casualizado com 7 períodos de incubação dos J2. No ensaio de penetração, desenvolvimento e reprodução utilizaram-se 18 repetições, e no de avaliação do teor de lipídios utilizaram-se 4 repetições.

Quatro dias após a inoculação, as plantas de seis frascos foram retiradas jorrando água nas bordas dos tubos. Os sistemas radiculares das plantas foram lavados e submetidos ao clareamento das raízes em hipoclorito de sódio a 1,5% por 6 min. As raízes foram enxaguadas em água corrente para eliminar o resíduo de hipoclorito de sódio. Em seguida foram transferidas para tubos de vidro onde foram cobertos com uma solução corante, preparada com 3,5 g de fucsina ácida + 250 mL de ácido láctico + 750 mL de água destilada (adaptado de Byrd et al., 1983) e diluída 1: 29 (1 mL de solução corante inicial + 29 mL de água destilada). As raízes foram mantidas, imersas no corante por 2 min em banho-maria com a água em ebulição. O resfriamento total foi feito em condições ambiente durante uma noite. As raízes foram, então, lavadas para eliminar o excesso de corante e recolocadas nos tubos, onde foram cobertas com solução de glicerina 1:1 (glicerina pura + água destilada) e deixadas em repouso por 2 h, no mínimo. Em seguida, todas as raízes foram colocadas em lâmina de vidro, sobre as quais foram adicionadas gotas de glicerina pura. Outra lâmina de vidro foi sobreposta e, assim, estando pronta para observação ao microscópio óptico de objetiva invertida. O mesmo procedimento foi repetido aos 20 dias após a inoculação.

O número de J2 que penetrou no sistema radicular foi quantificado aos quatro dias da inoculação e número de fêmeas, foi quantificado aos 20 dias da inoculação.

Vinte e oito dias após a inoculação, as plantas foram retiradas jorrando água nas bordas dos tubos. Os sistemas radiculares das plantas foram lavados e imersos por 15 min em solução de floxina B 0,0015% para coloração das massas de ovos em vermelho. Em seguida, foram colocados sobre papel toalha por 10 min para retirar o excesso de água e possibilitar a avaliação do peso fresco das raízes, seguindo da contagem do número de massas de ovos por sistema radicular. Para a avaliação do número de ovos foi utilizada a técnica de Hussey & Barker (1973) e, ao microscópio óptico de objetiva invertida, estimou-se o número de ovos de M. javanica por sistema radicular e por grama de raiz.

O número de ovos por sistema radicular foi transformado em raiz quadrada de x + 0,5 para a realização da análise de variância.

Penetração, desenvolvimento e reprodução de Meloidogyne javanica em raiz de soja, após a incubação dos juvenis de segundo estádio (J2) em temperaturas fixas e variadas, e em períodos diferentes

Suspensões de J2 de M. javanica de uma mesma população foram incubadas por cinco, dez, 15 ou 20 dias em: temperaturas fixas de 5, 10, ou 28ºC; temperaturas variadas de 5 ºC por 10 h seguido de 14 h a 28 ºC ou a 10 ºC por 10 h seguida de 14 h a 28ºC, e uma testemunha sem incubação. A seguir, 100 J2 em 1 mL de suspensão foram inoculados em plântulas de soja da cultivar Embrapa 20 cultivadas em tubos de ensaio contendo 30 cm3 de areia fina quartizífera previamente autoclavada e umedecida e os tubos mantidos em sala climatizada com temperatura de 27 ± 2 ºC.

Foi empregado o delineamento inteiramente casualizado em fatorial 4 x 5, com quatro períodos de armazenamento e cinco tratamentos térmicos mais testemunha adicional de zero dia, em quinze repetições.

Aos quatro e 20 dias após a inoculação as plantas de cinco repetições de cada tratamento foram retiradas dos tubos e os sistemas radiculares lavados. As raízes foram submetidas ao clareamento dos tecidos seguido de coloração dos J2, das fêmeas e preparo de lâminas para observação microscópica, como no ensaio anterior. Quantificou-se o número de J2 que penetrou no sistema radicular aos quatro dias da inoculação e de fêmeas aos 20 dias.

Aos vinte e oito dias após a inoculação, nas raízes de cinco plantas correspondendo a cinco repetições por tratamento, procedeu-se a contagem do número de massas de ovos por sistema radicular e por grama de raiz.

Os dados foram transformados em raiz quadrada de x + 0,5 para a realização da análise de variância.

A análise de variância assim como as regressões foram realizadas com o programa SAS version 8 (SAS Institute Inc., Cary, USA). As variáveis significativas pelo teste F foram submetidas à análise de regressão para ajuste do melhor modelo capaz de descrever o fenômeno biológico em questão.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Influência do tempo de incubação em água de juvenis de segundo estádio (J2) de Meloidogyne javanica na capacidade de penetração, desenvolvimento e reprodução em raiz de soja, e no teor de lipídio corporal

A incubação dos J2 em água por dois dias, proporcionou redução acentuada e exponencial na penetração, número de fêmeas, massas de ovos, número total de ovos e número de ovos por grama de raízes em 45,40%, 73,68%, 60,32%, 44,64% e 36,63%, respectivamente, comparadas com a testemunha em que os J2 empregados eram recém eclodidos (Figura 1A e B). Essa redução continuou até o 4º dia de incubação, período em que a penetração, número de fêmeas e de massa de ovos foi menor do que aquela aos dois dias de incubação. Porém, o número total de ovos e número de ovos por grama de raízes foram semelhantes. A partir daí, a redução foi pequena e contínua até o 12º dia de incubação para todas as variáveis analisadas (Figura 1-A e B). A partir de 2 dias de incubação o número de J2 que penetrou nas raízes foi sempre superior ao de fêmeas e de massa de ovos até aos 12 dias. A patogenicidade dos J2 incubados por 12 dias foi reduzida em 67,36%, 82,75% e 86,09%, expressas em número de J2 que penetrou, fêmeas e de massas de ovos, respectivamente, comparados com a inoculação dos J2 recém eclodidos.


Acompanhando a perda de patogenicidade, o teor de lipídio do corpo do J2, avaliado colorimetricamente foi decrescente exponencialmente e proporcional ao aumento do período de incubação. A taxa de perda de lipídio neutro, quando a equação foi linearizada, é de aproximadamente -0,17 / dia (Figura 2). Aos dois e quatro dias de incubação dos J2 essa perda de lipídio corporal chegou a 38,82% e 56,12%, respectivamente (Figura 2). Aproximadamente 50% do teor lipídico corporal foi perdido pelo J2 em 3,2 dias de incubação, e aos 12 dias essa perda chegou a 88,65% (Figura 2) e ainda continuavam se movendo.


Observou-se que a coloração avermelhada proporcionada pelo corante "Oil Red O" foi mais intensa na região do intestino do J2 do que na parte anterior do nematóide. Porém, essa coloração era localizada formando manchas em várias regiões do corpo. A menor intensidade das manchas vermelhas ocorreu com períodos maiores de incubação (Figura 3). Desta forma, a área colorida do corpo do J2 variou de 7,96% a 85,55%. Contudo, no J2 recém eclodido a coloração foi homogênea e chegou a 85,55% do corpo do J2 (Figura 3).


A queda rápida do teor de lipídio corporal do J2 nos primeiros dias de incubação (Figura 2) indica intensa atividade muscular, o que constitui nesta fase, o principal dreno desta energia acumulada como explicado por Bergeson (1959). Isto causou grande redução na penetração do J2, bem como no seu desenvolvimento e na reprodução de M. javanica, com reflexo maior aos dois dias de incubação (Figura 1-A e B). Portanto, a proporcionalidade entre a área colorida e o tempo de incubação e a patogenicidade do J2 indicam o envolvimento do lipídio no fornecimento de energia para locomoção e funções vitais, bem como no processo de infecção do hospedeiro. O corante "Oil Red O", específico para lipídio, não coloriu 100% do corpo do J2, desta forma o lipídio neutro, possivelmente, não ocorra em altas concentrações ou é inexistente em certas regiões do corpo do J2 (Figura 3). Contudo, órgãos aparentemente sem lipídio podem obter energia por meio de outras fontes como glicogênio e trealose, como citado por Lee & Atkinson (1977) e Qiu & Bedding (2000). Entretanto, a fonte principal de energia do J2 para exercício das suas funções vitais e de parasitar o hospedeiro é lipídica (Lee & Atkinson, 1977; Storey, 1983; Christophers et al., 1997). Christophers et al. (1997) observaram coloração avermelhada ao longo do corpo do J2 após a utilização do colorante "Oil Red O" e consideraram esse J2 de M. incognita (Kofoid & White, 1919) Chitwood, 1949 com potencial máximo para infectividade. Storey (1984) utilizou o "Oil Red O" para estimar a concentração de lipídio neutro em J2 de Globodera pallida Stone, 1973 e G. rostochiensis (Wollenweber, 1923) Skarbilovich, 1959 com microdensitômetro.

A perda de infectividade do J2 de Meloidogyne spp. tem sido observada por vários autores dentre eles Reversat (1981) e Dutra (2002). Reversat (1981) constatou perda de 54% de infectividade na incubação de J2 de M. javanica por uma semana em meio de fosfato de sódio diluído. Já Dutra (2002) constatou perda de 58% da infectividade em relação à testemunha quando incubou J2 de M. incognita por 2 dias e de 99,7% aos seis dias de incubação. Em qualquer caso a explicação pela queda da infectividade envolve a perda do lipídio corporal. Entretanto, a quantidade de lipídio perdido e capaz de incapacitar o J2 para penetração na raiz da planta ainda não está bem esclarecida. Bergesson (1959) considera 50% de perda como o limite para incapacitar o J2 na penetração do hospedeiro. Contudo, aos dois dias de incubação do J2 ocorreu perda de 24,8% do lipídio (Figura 2) acompanhado de 45,4% de redução na penetração além de menor capacidade do J2 em estabelecer o sitio de alimentação após a penetração (Figura 1A). Desta forma, a perda de aproximadamente 25% do lipídio corporal do J2 já reduz em mais de 50% a capacidade infectiva do J2, discordando dos limites propostos por Bergeson (1959).

O menor número de fêmeas em relação ao número de J2 dentro do hospedeiro ocorreu apenas quando o J2 foi incubado (Figura 1A) demonstrando que, além da perda do lipídio afetar a penetração, ocorre também perda maior na capacidade deste J2 em infectar o hospedeiro. Em conclusão, a capacidade infectiva do J2 é reduzida por perdas inferiores a 25% da reserva lipídica corporal, entretanto a locomoção é mantida mesmo quando 88,65% desta reserva é perdida.

Influência da temperatura na penetração, desenvolvimento e reprodução de Meloidogyne javanica em raiz de soja, após a incubação de juvenis do segundo estádio (J2) em temperaturas fixas e variadas e em períodos diferentes

O aumento do período de incubação dos J2 de M. javanica nas temperaturas de 5 ºC e 28 ºC reduziu a penetração, número de fêmeas, número de massas de ovos, número total de ovos e de ovos por grama de raiz (Figuras 4A, 5A, 6A, 7A e 8A), chegando a maior redução aos 20 dias de incubação. Nesse período de incubação quando os J2 foram expostos a 28 ºC por 14 h, as variáveis avaliadas comportaram-se, de maneira semelhante à exposição contínua de 24 h a 28 ºC e foram também indiferentes às temperaturas de 5 ºC ou 10 ºC. Contudo a incubação dos J2 a 10 ºC por período contínuo, durante 20 dias não afetou a penetração dos J2 e levou a pequenas reduções ao longo deste período nas demais variáveis avaliadas (Figuras 4A, 5A, 6A, 7A e 8A).











A temperatura contínua de 10 ºC durante a incubação do J2 pode não causar injúrias e nem promover a ativação do sistema nervoso do nematóide reduzindo seus movimentos e assim preservando energia como já discutido. Desta forma, o parasitismo, o desenvolvimento e a reprodução do nematóide não são afetados como nas outras temperaturas (Figuras 4A, 5A, 6A, 7A e 8A). Esta explicação está de acordo com Bergeson (1959), que também observou que o J2 a 10 ºC movimenta pouco e seus órgãos não sofrem injúrias capazes de provocar disfunções vitais.

Por outro lado, a incubação em temperatura contínua de 5 ºC não concorre para o aumento dos movimentos do J2, porém, pode causar injúrias nos tecidos, daí decrescendo a capacidade parasitária, o desenvolvimento e a reprodução (Figuras 4A, 5A, 6A, 7A e 8A). Bergeson (1959) encontrou taxa de sobrevivência de J2 de M. incognita expressa em número de galhas em tomateiro próxima de zero quando os J2 foram expostos a temperatura de 4,5 ºC por mais de 7 dias. Thomason et al. (1964) observaram que mais de 70% dos J2 de M. javanica perderam a mobilidade e a infectividade em plantas de tomate após quatro dias de estocagem em temperatura de 3ºC. Van Gundy (1985) relatou que as espécies M. incognita, M. javanica, M. arenaria (Neal) Chitwood, 1949 e possivelmente, M. exígua Goeldi, 1892, não sobrevivem por longos períodos em temperaturas abaixo de 10ºC.

A redução da penetração, número de fêmeas e da reprodução de M. javanica quando os J2 foram incubados a 28 ºC (Figuras 4A, 5A, 6A, 7A e 8A) possivelmente ocorreu em função da alta taxa de respiração e elevada atividade do nematóide, e, por conseguinte, alto consumo da energia corporal, faltando energia suficiente para a penetração e estabelecimento do sítio de alimentação (Thomason et al., 1964; Van Gundy et al., 1967). Esse mesmo efeito ocorreu quando os J2 foram incubados a 5 ºC ou 10 ºC por 10 h e alternado a 28 ºC por 14 h (Figuras 4B, 5B, 6B, 7B e 8B), demonstrando que o tempo de exposição a 28 ºC pode ser bem mais curto para se obter o mesmo efeito.

Em conclusão, a incubação do J2 a 10 ºC pode ser recomendada para estocagem de inóculo para uso em pesquisa. As temperaturas de 5 ºC e 28 ºC conduz à perda da patogenicidade ou morte dos J2, diminuindo a eficiência deste inóculo.

Aceito para publicação em 13/02/2006

Autor para correspondência: Hercules Diniz Campos

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Dez 2006
  • Data do Fascículo
    Ago 2006

Histórico

  • Recebido
    13 Fev 2006
  • Aceito
    13 Fev 2006
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