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Microeletrodos: I. Construção e caracterização

Microelectrodes: I. Construction and characterization

Resumos

Estudou-se e discutiu-se os diferentes métodos de preparação de microfios de Pt pura, Pt-Ir (20%, m/m) e Pt-Rh (10%, m/m) a serem empregados na construção dos respectivos microeletrodos. Os fios de Pt e suas ligas foram obtidos empregando fieiras com diferentes diâmetros. Em seguida foi utilizado o procedimento de desgaste eletroquímico em sal fundido (mistura NaNO3/ NaCl 14: a 320oC) para a Pt e em solução 6 molL-1 NaCN + 2 mol L-1 NaOH para a liga de Pt-Ir. Para a caracterização da interface metal-vidro e determinação dos raios geométrico e efetivo foram empregadas as microscopias óptica e eletrônica de varredura, a voltametria cíclica e a cronoamperometria. A condição de selagem foi verificada através dos gráficos da capacitância aparente Cd, corrigida considerando-se a área dos microeletrodos, e a velocidade de varredura, v.

Preparo e selagem de microeletrodos; platina; ligas de platina


Platinum, platinum-iridium (20 wt.%) and platinum-rhodium (10 wt.%) alloys were prepared as microwires using different methods. Microwires of Pt and its alloys with several diameters were prepared by passing wires of 1 mm of diameter through a drawplate. Afterwards, the Pt microwire was weared electrochemically in a fused salt mixture (NaNO3/NaCl: 4:1; 320°C) applying a square potential wave (1-50 Hz; 2.5 V). Microwires of Pt-Ir and Pt-Rh alloys were prepared applying a sine-shaped AC potential wave (60 Hz, 3-8 V rms), in 6 M NaCN + 2 M NaOH aqueous solution. The characterization of the interface metal-insulating material and the determination of geometric and effective radii of microelectrodes were carried out by means of optical and scanning electron microscopy, cyclic voltammetry and cronoamperometry. The Cd - v plot, where Cd is the apparent capacitance corrected by the electrode area and v the scan potential sweep was used to verify the interface metal-glass sealing conditions.

Microelectrodes preparation and sealing; platinum; platinum alloys


Microeletrodos: I. Construção e caracterização

Fernando Luis FERTONANI* * Departamento de Química Analítica - Instituto de Química - UNESP - 14801-970 - Araraquara - SP - Brasil.

Assis Vicente BENEDETTI** * Departamento de Química Analítica - Instituto de Química - UNESP - 14801-970 - Araraquara - SP - Brasil.

RESUMO: Estudou-se e discutiu-se os diferentes métodos de preparação de microfios de Pt pura, Pt-Ir (20%, m/m) e Pt-Rh (10%, m/m) a serem empregados na construção dos respectivos microeletrodos. Os fios de Pt e suas ligas foram obtidos empregando fieiras com diferentes diâmetros. Em seguida foi utilizado o procedimento de desgaste eletroquímico em sal fundido (mistura NaNO3/ NaCl 14: a 320oC) para a Pt e em solução 6 molL-1 NaCN + 2 mol L-1 NaOH para a liga de Pt-Ir. Para a caracterização da interface metal-vidro e determinação dos raios geométrico e efetivo foram empregadas as microscopias óptica e eletrônica de varredura, a voltametria cíclica e a cronoamperometria. A condição de selagem foi verificada através dos gráficos da capacitância aparente Cd, corrigida considerando-se a área dos microeletrodos, e a velocidade de varredura, v.

PALAVRAS-CHAVE: Preparo e selagem de microeletrodos; platina; ligas de platina.

Introdução

O estudo sobre a construção e utilização de microeletrodos não se trata fundamentalmente de um assunto contemporâneo. O primeiro trabalho relevante foi publicado na década de 1940 (1942) por Davies & Brink.1 Neste trabalho os autores descreveram a realização de medidas de oxigênio em tecidos musculares, empregando um microdisco de platina (raio = 15 mm). Posteriormente, entre as décadas de 1940 e 1980, um número considerável de trabalhos foram escritos, abordando aspectos teóricos e práticos sobre: 1) microeletrodos com diferentes geometrias (disco, cilindro etc.); 2) tipos de materiais empregados na construção de microeletrodos, como carbono (carbono vítreo, grafite, fibra de carbono), W, Pt, Au, Ag, Cu, entre outros; 3) tipos de materiais utilizados para a selagem dos elementos condutores, e 4) os diferentes processos empregados para a limpeza e ativação das superfícies.2, 3

Microeletrodos são definidos, de maneira geral, como eletrodos que apresentam pelo menos uma de suas dimensões de tamanho micrométrico.4-9 Alguns microeletrodos de Au, Pt, carbono vítreo, podem ser adquiridos comercialmente, porém, a um custo que torna restritiva sua aquisição para uso em atividades de rotina. Portanto, o domínio das técnicas de construção e caracterização de microeletrodos têm grande interesse especialmente para a eletroanalítica. A literatura, geralmente, sugere ser bastante fácil esse procedimento; no entanto, os microeletrodos podem apresentar sérios problemas relacionados ao processo de selagem do metal em vidro, como microtrincas na interface metal-isolante, mesmo nos casos em que se utiliza o metal puro. Tais imperfeições, originam correntes residuais acentuadas que podem distorcer as curvas voltamétricas.10, 11, 12 Vidro-chumbo apresenta a vantagem de fornecer uma boa selagem para diferentes metais, porém, com o inconveniente de não estar facilmente disponível no mercado, principalmente a baixo custo.13, 14, 15 As dificuldades no preparo em larga escala de microeletrodos que apresentem alta qualidade no processo de selagem, necessária para os processos de análise de ultratraços, é um problema tecnológico ainda em busca de solução.

Neste trabalho descreve-se o desenvolvimento de metodologia acessível a qualquer laboratório, para: 1. preparar microfios de Pt e de suas ligas Pt-Rh e Pt-Ir com geometria cilíndrica (cilindro regular), visando à construção de microeletrodos em forma de discos com diferentes dimensões; 2. obtenção de um processo de selagem adequado que permita a preparação de microeletrodos livres de imperfeições na interface metal-isolante; 3. determinação dos raios geométrico e efetivos e eletroquímica dos microeletrodos.

Materiais e métodos

As soluções foram preparadas com água de qualidade Milli-Q ou pirodestilada segundo procedimento descrito na literatura.16 Os ácidos (H2SO4 e HNO3) e alguns sais ([K4Fe(CN)6], NaCN) eram de qualidade PA, Merck e foram utilizados sem purificação prévia. KCl e KNO3, Merck Puríssimo, foram purificados previamente por recristalizações suscessivas de água pirodestilada.

Para as medidas eletroquímicas empregou-se uma célula de quatro eletrodos, com volume de 5 mL. Como eletrodos de referência, auxiliar, e quarto eletrodo17,18 foram utilizados, respectivamente: o eletrodo de calomelano saturado em KCl (ECS); um fio de Pt, área geométrica = 2 cm2 e um de Pt-Ir (20% m/m) disposto em espiral com 4 cm de comprimento total, conectado ao eletrodo de referência através de um capacitor não-eletrolítico de 10 mF/40 V de tolerância. Célula e eletrodos eram mantidos dentro de uma Gaiola de Faraday (25 x 20 x 20 cm; sistema de terra: R = 2 ohm). Platina pura e suas ligas, Pt-Ir (20%, m/m) e Pt-Rh (10%, m/m), Degussa S. A., com diâmetros de 0,5 mm e 0,2 mm, respectivamente, foram utilizadas como material de partida na construção dos fios.

A limpeza de todo o material era realizada por imersão em EXTRAM 2,5%(v/v), Merck, banho de em ultra-som (10 min), imersão em solução sulfonítrica (10 min em ultra-som) e enxaguados em água de qualidade Milli-Q, por imersão (4 vezes). Posteriormente ao ensaio eletroquímico, a célula e seus componentes eram mantidos imersos em ácido sulfúrico concentrado durante 24 h e, anteriormente ao uso, eram limpos conforme descrito acima.

Para o desgaste eletroquímico dos fios de Pt empregou-se um sistema composto de um Programador Universal EG&G PAR, mod. 175, aclopado a um Potenciostato-Galvanostato FAC, mod. FAC-200A e um miniforno construído no próprio laboratório.

Os voltamogramas cíclicos e cronoamperogramas foram obtidos em solução desarejada com N2 purificado,19 a 25ºC, empregando um potenciostato-galvanostato EG&G PAR, mod. 273, interfaceado a um computador 386-IBM compatível.

Os valores da capacidade aparente, corrigida pela área do microeletrodo, Cd, foram calculados a partir dos voltamogramas cíclicos obtidos em solução de eletrólito de KCl, 1,0 mol L-1, para 0,003 £ v £ 0,5 V s-1. A corrente capacitiva (Ic) para cada valor de v foi medida em E = 0,4 V, e colocada na equação: Cd = (Ic v -1) / A com A = área do microeletrodo.

Para a observação da superfície dos microeletrodos foram utilizados microscópios óptico, Carl Zeiss-Jena, modelo NEOPHOT-30, e eletrônico de varredura - JEOL JSM-T330A.

Construção dos microeletrodos

1. Preparo dos microfios e selagem em vidro

1.1. Processo empregando fieiras: eletrodos de Pt, Pt-Rh (10% m/m) e Pt-Ir (20% m/m)

Os materiais de partida, fio das ligas de Pt-Rh e Pt-Ir, com 0,5 mm de diâmetro, tiveram sua espessura reduzida pela passagem em fieiras de diâmetro decrescente, num processo de estiramento seguido de recozimento, até o menor diâmetro: limitado pela fieira disponível (em torno de 160 mm). Os fios foram então, submetidos à ação de lixas d'água, de pequena granulometria (lixa-600), sendo o fio colocado entre duas faces de uma mesma lixa e estas friccionadas uma contra a outra. Subseqüentemente os microfios foram submetidos a banho de ultra-som em solução de ácido nítrico 50% (v/v) e a quente (40-50oC), durante 40 minutos. Em seguida foram enxaguados em água Milli-Q e seccionados em partes iguais com 2 cm de comprimento. Posteriormente, foram soldados a ponto a um fio de Ni-Cr de 15 cm de comprimento e 1 mm de diâmetro, e finalmente, selados em tubo de vidro de baixo ponto de fusão, previamente capilarizado.

Vários materiais como vidro alcalino, neutro, vidro-chumbo, vidro empregado na confecção de lâmpadas incandescentes, fluorescentes e de Neon foram empregados como material de selagem dos microeletrodos de Pt e suas ligas.

O processo de solda utilizado para conexão elétrica do microfio de Pt e suas ligas aos condutores externos (Ni-Cr) mostrou um alto índice de ruptura dos microfios próximo ao local da solda. Isto, possivelmente, se deva à vibração causada pelo ultra-som, durante os processos de limpeza. Este problema foi contornado efetuando-se o contato elétrico por um processo mais simples, com o emprego de solda chumbo-estanho.3 Neste procedimento, o microfio é primeiramente selado no tubo de vidro capilarizado, deixando-se na parte interna do tubo uma saliência de 1 cm. Esta região é posteriormente preenchida com pequenas aparas da liga Pb-Sn, juntamente com um fio de cobre de diâmetro adequado. A extremidade desse fio deve ser previamente limpa em ácido nítrico e estanhada. Todo este conjunto era aquecido com chama localizada, usando um maçarico. A massa fundida ao resfriar-se assume a forma interna do tubo capilarizado, fornecendo uma maior rigidez ao conjunto e um eficiente contato elétrico.

1.2. Processo empregando desgaste eletroquímico em sal fundido: eletrodo de Pt

Estes eletrodos foram preparados modificando o procedimento descrito na literatura,20,21 O material de partida, platina pura de 100 mm de diâmetro e 5 cm de comprimento, também foi soldado a ponto a um fio de Ni-Cr de 15 cm de comprimento. Na extremidade livre do microfio foi feito um depósito de vidro em forma de uma esfera, com o objetivo de evitar o efeito de pontas, responsável pelo aparecimento de microfios cônicos. A extremidade da platina a ser atacada foi mergulhada em um cadinho de platina de 25 mL de capacidade contendo solução de sal fundido de NaNO3/NaCl (proporção 4:1) a uma temperatura de (320 ± 20)oC. O fio foi mergulhado no centro do cadinho, a uma profundidade aproximada de 1,5 cm. O cadinho de platina foi utilizado como eletrodo auxiliar. A esta célula foi aplicado um programa de onda quadrada com frequência 1-50 Hz, e amplitude de 2,5 V, através de um programador universal. O tempo de aplicação do programa foi variado para cada fio entre 30 e 120 segundos. Em seguida, o fio de platina foi lavado em solução de HNO3 50% (v/v), em banho de ultra-som por um período de 10 minutos, temperatura entre 40 e 50oC e lavado com água de qualidade Milli-Q. Estes fios foram selados em tubos de vidro-chumbo previamente capilarizados.

1.3. Processo empregando desgaste eletroquímico em solução complexante: eletrodo de Pt-Ir

A diminuição do diâmetro dos fios de Pt-Ir de 0,5 mm foi efetuado pelo desgaste eletroquímico da liga (procedimento modificado da referência 22). O desgaste foi efetuado empregando-se uma solução concentrada de cianeto de potássio 6,0 mol L-1, em hidróxido de sódio 2,0 mol L-1. O cianeto de potássio foi empregado para complexar a Pt e o Ir, de modo a acelerar o desgaste da liga. O hidróxido de sódio foi empregado para inibir a formação de HCN. Todo o procedimento experimental deve ser realizado cuidadosamente e em capela.

O eletrodo de trabalho era preparado soldando a extremidade superior de um fio de Pt-Ir, de 3 cm de comprimento, a um condutor eletrônico isolado, com solda Pb-Sn. Na outra extremidade do fio de Pt-Ir foi depositado uma pequena esfera de parafilme. A região da solda de Pb-Sn foi isolada eletricamente empregando parafilme de forma a isolar, também, uma parte maior do fio de Pt-Ir com 4 mm abaixo da solda, permitindo que esta parte fosse mergulhada na solução sem ser atacada. Este procedimento de isolamento das extremidades permitiu a obtenção de microfios cilíndricos.

O sistema para obtenção dos microfios foi montado de modo a facilitar o controle do processo de imersão do eletrodo na solução. O eletrodo de trabalho era imerso verticalmente no centro de um "cadinho" de carbono (diâmetro interno de 2,0 cm e profundidade de 10 cm) contendo a solução de desgaste. Todo o conjunto era mantido em banho de gelo. O contato elétrico do cadinho com o circuito externo era realizado através de um fio de cobre de 4 mm de diâmetro, preso a um sulco circular feito na base do cadinho e fixado com cola de prata.

Para o processo de desgaste foi aplicado, entre os eletrodos de trabalho e o auxiliar, um sinal AC, 0-10 V (rms) e freqüência de 60 Hz. A corrente que fluia pela célula foi monitorada em função do tempo. Para potenciais rms altos, entre 10-25 V, os microfios obtidos não apresentavam regularidade em todo seu comprimento; boa regularidade foi obtida aplicando valores de potenciais entre 3 e 8 V.

O processo de selagem dos microfios foi o mesmo já descrito acima, empregando solda Pb-Sn e vidro alternativo.

2. Polimento dos microeletrodos

2.1. Polimento mecânico

O polimento mecânico dos microeletrodos foi efetuado pela ação de lixas d'água (400, 600 e 8 zeros-Sianos B., Swiss) e subseqüentemente com suspensão de alumina (Arotec-95,8% Al2O3) nº 1, nº 2 e nº 3 (< 0,3 mm). Entre as etapas de polimento, os microeletrodos eram submetidos a banho de ultra-som em solução de HNO3 50% (v/v), por um período de 20 minutos, para a remoção de partículas das lixas ou da suspensão de alumina.

Entre a realização de um experimento eletroquímico e o subseqüente, os microeletrodos eram polidos com suspensão de alumina nº 3 (< 0,3 mm), diluída 1:10.

2.2. Polimento Potenciodinâmico

Microeletrodos de platina: estes eletrodos foram tratados por um programa de ondas triangulares empregando-se uma velocidade de varredura de potenciais, v = 1,0 V s-1, durante 30 a 90 minutos. Previamente, os eletrodos de platina eram submetidos a um pré-tratamento empregando um programa de perturbação do potencial com onda quadrada com amplitude de 0,05 a 1,5 V/ERH e frequência de 50 Hz, durante 120 segundos.

Microeletrodos de Pt-Rh e Pt-Ir: estes eletrodos foram submetidos a um polimento potenciodinâmico diferenciado. Este tratamento foi empregado em razão dos metais nobres, constituintes das ligas utilizadas, apresentarem significativa diferença em sua resistência à corrosão, em relação à platina, o que poderia conduzir a um processo de dissolução preferencial do Ir e Rh.23 Isto pode ocorrer quando são empregadas: a) altas velocidades de varredura de potenciais (v ³ 1,0 Vs-1) e b) intervalos consideráveis de potenciais (0 a 1,8 V/ERH). O tratamento consistiu em utilizar um intervalo de potenciais entre 0,05 e 1,5 V/ERH com v = 0,1 V s-1, durante 30 a 90 minutos. Os tratamentos potenciodinâmicos foram realizados em solução 0,5 mol L-1 de H2SO4 e na ausência de oxigênio.

3. Métodos para a caracterização dos microeletrodos

3.1. Medidas Geométricas

Tais medidas foram realizadas após o polimento mecânico e potenciodinâmico dos microdiscos, utilizando o microscópio óptico Neophot 30 (Carl Zeiss-Jena) munido de escala de referência para medidas lineares de distância.

3.2. Medidas Eletroquímicas

3.2.1. Determinação do raio do microeletrodo utilizando a cronoamperometria

Para esta determinação foi empregado o método proposto por Wightman et al.24 Este método foi empregado para eletrodos com raio inferior a 150 mm (1) e a equação de Cottrell para eletrodos com raio maior ou igual ao referido valor (2). Em ambos os casos o método baseou-se na obtenção de transientes corrente-tempo em condições tais que era atingido o estado estacionário. Para a situação (1), um gráfico da corrente do transiente em função do inverso da raiz quadrada do tempo mostra uma correlação linear, cujo ceficiente linear fornece o termo Iee= 4nFDCre; referente à condição do estado estacionário, de acordo com a equação:

I(t) = nFAD1/2C(p t)-1/2 + 4nFDCre (1)

sendo re o raio efetivo. Para a condição (2), o valor de re foi determinado a partir da área do eletrodo, que é fornecida pelo coeficiente angular da curva I - t1/2, empregando a equação de Cottrell. Todos os experimentos foram realizados a 25oC.

3.2.2. Determinação do raio do microeletrodo empregando a voltametria cíclica

Os voltamogramas cíclicos foram obtidos em solução aquosa de KCl 1 mol L-1 contendo forrocianeto de potássio 6,00 x 10-3 mol L-1 em diferentes velocidades de varredura. Para o tratamento dos dados foram empregados os métodos descritos por: 1) Swan (ver ref. 2), no qual a corrente limite de estado estacionário foi utilizada diretamente para o cálculo do raio do microdisco por substituição na equação da corrente no estado estacionário

Iee = 4nFDCre (2)

e 2) Osteryoung et al.,25 no qual os voltamogramas cíclicos obtidos para diferentes velocidades de varredura de potenciais (0,001 < v < 0,5 Vs-1), tiveram suas correntes de máximo tratadas empregando a equação (3). Esta equação inclue as contribuições das componentes de difusão planar e radial para a corrente total e foi resolvida empregando um programa de computador baseado no método de Newton.26

Im / 4nFDCre = 0,34 exp (-0,66p)+0,66-0,13 exp (-11/p).0,351p (3)

sendo, Im= corrente do máximo, em A e o parâmetro p, adimensional, é uma função da raiz quadrada da velocidade de varredura do potencial dada pela equação:

p = (nFvre2 / RTD)1/2 (4)

Resultados e discussões

As Figuras 1 e 2 mostram as imagens da superfície dos microeletrodos evidenciando suas condições de selagem e as caracterísitcas das bordas do microdisco. Observa-se que o processo de selagem para a liga de Pt-Ir é de boa qualidade (Figura 1), não havendo imperfeições tais como, microtrincas e/ou microbolhas quando foi utilizado um vidro alternativo. Para a Pt e para a liga de Pt-Rh foram obtidas condições semelhantes de selagem. Este é um dos primeiros pontos a serem observados na construção do microeletrodo, pois, a presença de microtrincas introduz problemas associados à resistência ôhmica que distorcem as curvas voltamétricas, dificultando a interpretação correta dos resultados. Voltamogramas cíclicos característicos de microeletrodos com microtrincas e portanto, com fortes efeitos resistivos, são geralmente obtidos quando embutidos em resina, lixados e polidos mecanicamente. O processo de desbaste e polimento mecânico pode produzir o descolamento da superfície metálica da resina, gerando pontos de infiltração do eletrólito e ocasionando distorção das curvas voltamétricas. Neste trabalho, a presença de imperfeições na interface metal-vidro, quando se emprega vidro alcalino ou vidro neutro, está demonstrada na Figura 2, podendo ser observada a presença de uma microbolha, cujo volume foi parcialmente ocupado pelo metal. A presença de Pt em seu interior demonstra que o microfio foi parcialmente fundido, escoando para o interior da microbolha durante o processo de selagem. Este fato foi evidenciado para diferentes tipos de vidros disponíveis (vidro neutro, pirex e outros). Para contornar este problema foram empregados vidros alternativos mencionados na parte experimental. O vidro utilizado na confecção de lâmpadas néon mostrou-se bastante adequado para a selagem das ligas, principalmente para a liga Pt-Ir (20%) (Figura 1). Este não é um vidro-chumbo conforme constatado por teste em chama de maçarico.



Outro aspecto importante, revelado pelas imagens das Figuras 1 e 2 refere-se à presença de imperfeições nas bordas metálicas do eletrodo causadas pelo processo de preparo dos microfios. Os diferentes procedimentos de preparo dos microfios levaram a resultados distintos: 1) a eletrólise em sal fundido origina fios cilíndricos com um diâmetro regular em toda sua extensão; 2) condição semelhante foi observada para os microfios preparados pela eletrólise em solução contendo cianeto em meio básico; 3) o emprego de fieiras promove o aparecimento de imperfeições como rebarbas (Figura 1a), exigindo um acabamento da superfície antes de qualquer outro procedimento (Figura 1b). Tais imperfeições puderam ser minimizadas por processo mecânico de polimento. Entretanto, convém lembrar que a eliminação dos grãos de alumina, incrustrados no material, se constituiu num problema importante, requerendo maior tempo no processo de limpeza.

Os métodos que empregam sais fundidos ou meio complexante fornecem resultados muito semelhantes com relação às características dos cilindros formados, residindo a principal diferença entre elas na complexidade dos tipos de sinais de potenciais empregados, no meio reacional e nas células utilizadas. No entanto, principalmente para a Pt, um método não pode ser substituído pelo outro, pois o preparo de cilindros regulares em solução complexante não foi tão satisfatório. O preparo de microfios empregando água régia, para diferentes tempos de imersão está descrito na literatura;3 no entanto, este procedimento não gera cilindros regulares, sendo mais aconselhado o uso de solução alcalina contendo cianeto. Provavelmente, o ataque com água régia é mais intenso e pode produzir maiores imperfeições na superfície. No caso das ligas esse ataque pode levar à dissolução preferencial de determinadas fases mais do que outras.

A Figura 3 apresenta um gráfico da corrente (rms) em função do tempo de desgaste, obtida para o preparo de um fio de diâmetro de 40 mm, com aplicação de um potencial AC de 5 V (rms). Este valor de potencial caracterizou-se como sendo a melhor condição para a obtenção de fios com geometria cilíndrica em toda a extensão do microfio. Este gráfico mostra uma diminuição da corrente em função do tempo de eletrólise demonstrando que ocorre uma diminuição da área do eletrodo. Em alguns experimentos observa-se também a ruptura do fio o que é indicado por uma corrente nula.


O emprego de microleletrodos com diferentes dimensões, conjuntamente com as diferentes velocidades de varredura do potencial permitiram testar as condições de selagem dos eletrodos e a pureza das soluções empregadas. O próprio perfil voltamétrico da platina em meio ácido, constitui-se num importante teste das condições da superfície e de pureza dos eletrólitos.16,27 As Figuras 4 e 5 apresentam os voltamogramas cíclicos obtidos em solução de H2SO4 0,5 mol L-1, preparadas com água pirodestilada, obtida empregando diferentes tempos de pirodestilação (60 e 90 horas). A Figura 4 deixa claro a importância do polimento potenciodinâmico, anterior a obtenção dos voltamogramas cíclicos, e também a influência de impurezas na solução. A presença de impurezas na solução poderia ser evidenciada na Figura 4b, cujos voltamogramas foram registrados antes e após agitar a solução, não tendo sido observado aumento significativo da corrente em toda sua extensão. Este resultado sugere que não há quantidade apreciável de impurezas na solução, pelo menos que possam ser detectadas com microeletrodos com re³ 70 mm. No entanto, observa-se a presença de impurezas quando são utilizados microeletrodos com raio menor. A diminuição das impurezas da solução foi conseguida aumentando-se o tempo de pirodestilação de 60 para 90 horas. A Figura 5 mostra os voltamogramas cíclicos obtidos com um microeletrodo com re = 36 mm em duas velocidades de varredura, v. Uma análise cuidadosa das figuras revela a presença de impurezas na solução, principalmente quando se diminui a velocidade de varredura de potenciais de 100 para 5 mV s-1. Fica evidentente, também, a presença de traços de oxigênio, apesar da solução ter sido desarejada por um período de 60 min, pois as correntes anódica e catódia na região da dupla camada elétrica estão deslocadas para valores negativos. Possivelmente, a presença do oxigênio se deva a um processo de contra-fluxo, mesmo estando o sistema protegido com selo d’água. É importante salientar que para eletrodos de platina de área comumente empregada em ensaios eletroquímicos (área efetiva = 0,3 cm2) a presença de tais impurezas passava desapercebida.



A Tabela 1 mostra os valores dos raios obtidos pelos diferentes métodos mencionados anteriormente. Verifica-se que os valores dos raios calculados a partir da corrente difusional (r4) da curva média (Figura 6) são superiores aos valores obtidos aplicando a equação (4), denominados aqui de r2, e àqueles determinados por medidas geométricas (r1) e a partir das correntes de pico dos voltamograms cíclicos. Todos os demais são praticamente iguais dentro do erro experimental. A proximidade entre os valores dos raios obtidos pelos diferentes métodos e o raio geométrico indicam que o sistema utilizado para obtenção dos parâmetros necessários ao cálculo do raio, no caso, o ferrocianeto de potássio, não está se adsorvendo sobre o eletrodo. Caso fossem utilizadas moléculas de hidrogênio, oxigênio ou de substâncias orgânicas de baixo peso molecular, que ocupam sítios específicos da Pt, a área efetiva determinada para os microeletrodos seria muito superior à area geométrica.


Possivelmente os valores de (r4) estão influenciados por um erro proveniente do fato de estar sendo empregada a condição de estado quase-estacionário para um sistema que pode ainda não ter atingido tal condição, o que explicaria a discrepância entre os valores de r4 e os demais determinados através de outras técnicas. Os raios obtidos a partir da equação 4, referem-se a média de 5 valores de re, obtidos para o intervalo de velocidades: 0,003 £ v £ 0,5 Vs-1.

A separação das correntes do voltamograma nas varreduras direta e inversa, observada para os microeletrodos em estudo (Figura 6), pode ser atribuída à corrente de carga da dupla camada elétrica.25 Esta corrente de carga foi utilizada no controle das condições de selagem dos microeletrodos, presença de microtrincas, eventualmente, não detectadas pela microscopia óptica. Estas podem dar origem à separação das correntes direta e inversa dos voltamogramas cíclicos obtidos em baixa velocidade de varredura de potencial.11

Os voltamogramas obtidos para os microeletrodos de Pt, Pt-Rh e Pt-Ir, para diferentes velocidades de varredura de potencial (0,003 £ v £ 0,5 Vs-1), em solução de eletrólito de suporte, foram tratados de modo a se determinar os valores das correntes de carga da dupla camada elétrica, segundo o procedimento descrito na literatura.11,28 Os respectivos valores da capacitância aparente, normalizada para a área, Cd, também foram calculados e encontram-se na Tabela 2. Na Figura 7 estão representos os valores da capacitância aparente em função da velocidade de varredura para os eletrodos de Pt-Ir, Pt-Rh, e Pt. Os eletrodos de maior diâmetro (Pt-Ir e Pt-Rh), tanto quanto os eletrodos de Pt que não apresentam imperfeições na interface metal-vidro, mostraram uma variação muito pouco acentuada da capacitância com o aumento da velocidade de varredura, comportamento semelhante ao esperado para macroeletrodos (eletrodo de Pt, selado em soft glass raio = 1 mm).11 De forma clara, o eletrodo de Pt (Figura 2a) apresenta uma grande dependência de Cd com a velocidade de varredura na região de baixas velocidades. Esta resposta é atribuída à presença de microtrincas11 que aumentam a área efetiva do microeletrodo, uma vez que é muito grande a relação: comprimento da circunferência/área do microeletrodo. Em altas velocidades de varredura, os eletrodos apresentam um comportamento semelhante, verificando-se que Cd não varia significativamente com v. Neste caso, a explicação para o comportamento da capacitância em função de v baseia-se no fato de que a queda ôhmica, nas microtrincas, torna-se acentuada e, por sua vez, reduz as variações de potencial dentro das trincas, fornecendo uma resposta que sugere uma "diminuição" da área do eletrodo.11


Conclusões

A obtenção de microfios regulares foi conseguida pelo emprego das técnicas de eletrólise em sal fundido para a Pt e em solução de cianeto em meio básico para as ligas Pt-Ir e Pt-Rh.

O polimento potenciodinâmico e a ausência de imperfeições na interface metal-vidro são imprescindíveis para a obtenção de voltamogramas cíclicos característicos da platina e suas ligas.

As condições de selagem dos microeletrodos puderam ser verificadas empregando microscopia, e a partir de um gráfico da capacitância aparente, Cd em função da velocidade de varredura de potenciais. Este último procedimento é uma ferramenta simples e decisiva no processo de controle de qualidade dos processos de selagem.

Agradecimentos

Os autores agradecem à FUNDUNESP, ao CNPq e à Fapesp pelos auxílios financeiros e bolsas concedidos para a realização desse trabalho.

FERTONANI, F. L., BENEDETTI, A.V. Microelectrodes: I. Construction and characterization. Ecl. Quím. (São Paulo), v.22, p.147-169, 1997.

ABSTRACT: Platinum, platinum-iridium (20 wt.%) and platinum-rhodium (10 wt.%) alloys were prepared as microwires using different methods. Microwires of Pt and its alloys with several diameters were prepared by passing wires of 1 mm of diameter through a drawplate. Afterwards, the Pt microwire was weared electrochemically in a fused salt mixture (NaNO3/NaCl: 4:1; 320°C) applying a square potential wave (1-50 Hz; 2.5 V). Microwires of Pt-Ir and Pt-Rh alloys were prepared applying a sine-shaped AC potential wave (60 Hz, 3-8 V rms), in 6 M NaCN + 2 M NaOH aqueous solution. The characterization of the interface metal-insulating material and the determination of geometric and effective radii of microelectrodes were carried out by means of optical and scanning electron microscopy, cyclic voltammetry and cronoamperometry. The Cd - v plot, where Cd is the apparent capacitance corrected by the electrode area and v the scan potential sweep was used to verify the interface metal-glass sealing conditions.

KEY-WORD: Microelectrodes preparation and sealing; platinum; platinum alloys.

Recebido em 12.3.1997.

Aceito em 2.4.1997.

** Departamento de Físico-Química - Instituto de Química - UNESP - 14801-970 - Araraquara - SP - Brasil.

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    Departamento de Química Analítica - Instituto de Química - UNESP - 14801-970 - Araraquara - SP - Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Maio 2000
    • Data do Fascículo
      1997

    Histórico

    • Recebido
      12 Mar 1997
    • Aceito
      02 Abr 1997
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