Acessibilidade / Reportar erro

Microeletrodos: III. arranjos de microeletrodos, construção e caracterização

Microelectrodes: III. Arrays of microelectrodes, construction and characterization

Resumos

Neste trabalho procurou-se descrever detalhadamente o procedimento de preparo de um arranjo de eletrodos com geometria em forma de microdiscos (20,2 < r e < 25,7 mim) e estudar o comportamento eletroquímico desse conjunto de microeletrodos. Foram aplicadas diferentes equações descritas na literatura para a condição de estado estacionário e quase-estacionário e equações para a simulação de voltamogramas em regime estacionário. Para baixas velocidades, v <= 0,1 mV s-1, observou-se uma excelente sobreposição dos voltamogramas cíclicos experimental e simulado, entretanto, velocidades desta ordem de grandeza são pouco práticas do ponto de vista experimental. Observou-se, também para todos os microeletrodos estudados, uma transição da condição de corrente estacionária para quase-estacionária, com o aumento dos valores de v. Equações que permitem avaliar a contribuição das correntes radial e difusional, para a corrente total, ajustam-se perfeitamente as curvas I/E em todo o intervalo de raios dos eletrodos e valores de v empregados. Os voltamogramas obtidos para o arranjo de eletrodos operando na condição de curto circuito apresentou um fator de amplificação de 19 vezes, referente ao sinal obtido a partir de um único microeletrodo. Tal fator confirma a condição de ausência de sobreposição das camadas de difusão dos eletrodos e, portanto, reflete a contribuição individual de cada eletrodo para a corrente total.

arranjos de microeletrodos; estado estacionário; voltametria cíclica


In this work we are able to describe in detail the procedure to prepare an array of microelectrodes with flat disc geometry (20,2 < r e < 25,7 mum) and to study the electrochemistry behaviour of the set of microelectrodes. Different equations described in the literature for the steady state and near steady state condition and equations for voltammograms simulation in stationary regime were applied. For v= 0,1 mVs-1, it was observed an excellent overlap between experimental and simulated I / E profiles, however, v of this magnitude are no practice from na experimental point of view. For all of microelectrodes studied, it was observed a transition from the steady state to a near-steady state condition, when the scan rate was increased. The mathematical equations used to evaluate the ciclic voltammograms considering the contribution of the linear and radial diffusion to the total current fitted very well the I / E profiles. These equations also allowed a simultaneous evaluation of all electrodes of the array regarding microelectrodes individual behaviour. These results agree with voltammograms obtained for the array operating in externally short circuited condition.

arrays of microelectrodes; stead state; cyclic voltammetry


MICROELETRODOS: III. ARRANJOS DE MICROELETRODOS, CONSTRUÇÃO E CARACTERIZAÇÃO

Marcelo FABER* * Departamento de Química Analítica - Instituto de Química - UNESP - CEP: 14800-900 - Araraquara, S.P, Brasil.

Fernando Luis FERTONANI* * Departamento de Química Analítica - Instituto de Química - UNESP - CEP: 14800-900 - Araraquara, S.P, Brasil.

Hideko YAMANAKA* * Departamento de Química Analítica - Instituto de Química - UNESP - CEP: 14800-900 - Araraquara, S.P, Brasil.

Assis Vicente BENEDETTI** ** Departamento de Físico-Química - Instituto de Química - UNESP - CEP: 14800-900 - Araraquara, S.P, Brasil.

RESUMO: Neste trabalho procurou-se descrever detalhadamente o procedimento de preparo de um arranjo de eletrodos com geometria em forma de microdiscos (20,2 < re < 25,7 mm) e estudar o comportamento eletroquímico desse conjunto de microeletrodos. Foram aplicadas diferentes equações descritas na literatura para a condição de estado estacionário e quase-estacionário e equações para a simulação de voltamogramas em regime estacionário. Para baixas velocidades, v £ 0,1 mV s-1, observou-se uma excelente sobreposição dos voltamogramas cíclicos experimental e simulado, entretanto, velocidades desta ordem de grandeza são pouco práticas do ponto de vista experimental. Observou-se, também para todos os microeletrodos estudados, uma transição da condição de corrente estacionária para quase-estacionária, com o aumento dos valores de v. Equações que permitem avaliar a contribuição das correntes radial e difusional, para a corrente total, ajustam-se perfeitamente as curvas I/E em todo o intervalo de raios dos eletrodos e valores de v empregados. Os voltamogramas obtidos para o arranjo de eletrodos operando na condição de curto circuito apresentou um fator de amplificação de 19 vezes, referente ao sinal obtido a partir de um único microeletrodo. Tal fator confirma a condição de ausência de sobreposição das camadas de difusão dos eletrodos e, portanto, reflete a contribuição individual de cada eletrodo para a corrente total.

PALAVRAS-CHAVE: arranjos de microeletrodos, estado estacionário, voltametria cíclica

Introdução

Eletrodos com dimensões muito pequenas da ordem de micra são denominados de microeletrodos e podem ser definidos de forma genérica como eletrodos que apresentam pelo menos uma de suas dimensões micrométrica.

O interesse crescente por esse tipo de eletrodo nas últimas décadas fez com que as pesquisas nesse campo despontassem progressivamente, buscando novas técnologias de fabricação de microeletrodos e ultramicroeletrodos e sua respectiva modificação para se obter uma nova geração de microssensores, cada vez mais eficientes, para o uso em eletroanálises e áreas afins1-20.

Com o avanço da eletrônica, a construção de microeletrodos e arranjos de microeletrodos tornou-se um processo interessante devido à facilidade de fabricação de eletrodos impressos em matriz (screen printed), podendo ser produzidos eletrodos de diferentes geometrias (linear, disco, etc.) em grande escala e, portanto, de baixo custo; permitindo o uso em rotina5-11. Entretanto, nem sempre se dispõem de equipamento e da metodologia para a fabricação arranjos de microeletrodos impressos em matiz, de sorte que sempre existirá um universo de possibilidades a ser investigada para o fácil preparo e caracterização de arranjos de microeletrodos a baixo custo em qualquer laboratório.

Medidas realizadas com um único microeletrodo, no entanto, apresentam uma baixa relação sinal / ruído, sendo mais viável em muitos casos o emprego de um arranjo de microeletrodos. O emprego de um arranjo permite a obtenção uma considerável discriminação sinal / ruído.

A literatura especializada tem apresentado diferentes metodologias para o preparo de arranjos de microeletrodos de diferentes geometrias e, recentemente, foi apresentada uma metodologia ímpar para a obtenção de arranjos de microeletrodos empregando circuitos eletrônicos integrados, incluindo metodologia de modificação dos mesmos e aplicações eletroanalíticas13.

Recentemente, neste laboratório, vem sendo desenvolvida metodologia para a construção e modificação de microeletrodos de platina pura e de suas ligas metálicas (Pt-Rh(10% m/m) e Pt-Ir(20 % m/m)), cuja caracterização é realizada através de métodos físicos e eletroquímicos para a sua caracterização. A modificação destes substratos tem como finalidade o preparo de bioeletrodos pela eletrodeposição de filmes poliméricos condutores13,14, o estudo das reações em estado sólido mercúrio-substrato13-16 e a conseqüente geração de filmes finos de mercúrio e de amálgama Hg-substrato (PtHg4/Pt, PtHg4-RhHg2/Pt-Rh), para decomposição de corantes de efluentes industriais.

No presente trabalho discute-se detalhadamente o preparo e a caracterização física e eletroquímica de um arranjo de microeletrodo de ouro, empregando equações matemáticas descritas na literatura para as condições de estado estacionário e estado quase-estacionário. Os resultados permitiram concluir que o conjunto de eletrodos apresenta características de microeletrodos e a resposta I / E, na condição de curto-circuito, corresponde à somatória da contribuição individual de cada eletrodo para a I total.

Experimental

Materiais e métodos

As soluções foram preparadas com água de qualidade Millipore. Os ácidos (HNO3, HCl e H2SO4) e sais (Na2SO4 K4{Fe(CN)6}) eram de qualidade Merck (suprapur).

Para as medidas eletroquímicas empregou-se uma célula de fluxo contendo três eletrodos; velocidade de fluxo: 100 mL/min. Como eletrodo de referência foi empregado um eletrodo de Ag/AgCl/KClsat. montado em uma ponteira para micropipeta. Esta ponteira era selada a fogo e posteriormente lixada até a obtenção de contato elétrico. As curvas de potencial de circuito aberto em função do tempo foram obtidas para caracterização do eletrodo, empregando-se um eletrodo de Ag/AgCl/KClsat. Fisher como referência. A limpeza de todo o material era feita por imersão em EXTRAN - Merck, 2,5 % (v/v), em banho de ultra-som por 10 minutos, e enxaguados em água de qualidade Millipore, em banho de ultra-som, por igual intervalo de tempo (1 vez) e posteriormente por simples imersão em água Millipore (3 vezes). Após as medidas, o sistema era limpo como descrito anteriormente, sendo suas partes colocadas em saco plástico, empregado para assar alimentos, e armazenado em armário.

Para verificar a influência da montagem da célula sobre os voltamogramas cíclicos, especialmente sobre os valores de separação entre os potenciais de pico do par ferricianeto/ferrocianeto (DE

p) foram obtidos voltamogramas cíclicos com um eletrodo de ouro na forma de disco plano com cm

2, utilizando uma célula convencional de três eletrodos. Em função de que riscos produzidos pelo polimento mecânico dos microeletrodos também poderia influenciar o valor de DE

p, foram obtidos voltamogramas cíclicos substituindo o eletrodo de ouro de tamanho convencional por um microeletrodo polido da mesma forma que o conjunto de microeletrodos.

Os voltamogramas cíclicos foram obtidos empregado-se um sistema potenciostato-galvanostato Eco Chemie MODELO PGSTAT-10, utilizando um conjunto de programas GPES3, versão "for DOS".

Os raios geométricos dos microeletrodos foram determinados emprengado-se um microscópio óptico, Neophot 30 da Carl Zeiss-Gena.

O acionamento do sistema de fluxo foi feito empregando uma bomba peristáltica, Cole-Parmer Instrument Company, model 78001.

A célula para medidas em fluxo foi construída neste laboratório empregando-se uma furadeira FG-13, Ferrari, acoplada a uma morsa esférica ADRIÁTICA MU-17, para a realização de perfurações laterais, verticais e em ângulo, e um microtorno KOHLBACH, modelo 711, para as escavações e o torneamento das peças.

Construção do arranjo de microeletrodo

Um CI (Componente Integrado - MM58167AN), de 20 contatos foi empregado como material de partida na construção de um arranjo de microeletrodos, empregando a metodologia descrita na literatura12. Foram incluídas algumas alterações na metodologia, adicionando algumas etapas de polimento mecânico e de lavagens em banho de ultra-som. Desta forma, o CI, inicialmente, foi submetido a um desgaste mecânico empregando-se lixas d'água de diferentes granulometrias (grana: 220, 400 e 600) até o aparecimento dos microdiscos de ouro, os quais foram utizados como microeletrodos. Os discos de ouro são provenientes dos contatos entre o "chip" e a pista de cobre, responsável pelo contato externo do CI (Figura 2a-imagem dos microdiscos;2b - imagem do "chip"). Entre uma etapa e outra do desgaste mecânico do CI, o sistema era lavado com água corrente e em banho de ultra-som, por 5 min, para eliminação de incrustações de resíduos do material de polimento. Após a limpeza a superfície sob desgaste do CI era inspecionada por microscopia óptica. Tal inspeção se faz necessária pois a espessura da camada de resina do CI, onde se encontra o microfio de ouro, é muito fina, da ordem de 1 a 2 mm.


Uma vez exposta a superfície dos microdiscos era dado o acabamento final ao arranjo de microeletrodos fazendo-se o polimento mecânico com suspensão de alumina de diferentes granulometrias (2, 1 e <0,3 µm; AROTEC 99,98 % em Al2O3), diluída a 1:10 com água de qualidade Millipore. Entre uma medida e outra procedia-se uma limpeza da superfície por meio de polimento mecânico. Para que esse polimento não produzisse modificação importante na área dos microdiscos, a superfície era submetida a duas passadas sobre um feltro contendo alumina 0,05 µm, girando a amostra de 90 o entre uma passada e outra.

Da mesma forma que para a revelação dos microdiscos, durante o processo de polimento, entre uma granulometria e outra, o CI era submetido à limpeza em banho de ultra-som, para a eliminação de incrustações de alumina, e em seguida a superfície era observada por microscopia óptica. Posteriormente o CI era adaptado sobre um soquete de 40 pinos. Aos terminais do soquete foram soldados 20 pistas de uma fita paralela, em cada lado do soquete, para a conexão entre os contatos dos CI e o potenciostato. A solda foi recoberta com resina para aumentar a resistência mecânica da conexão fita - soquete e para evitar a infiltração de solução e a oxidação dos contatos elétricos.

Entre um conjunto e outro de medidas os microeletrodos do arranjo eram polidos com suspensão de alumina 0,05mm e limpos em banho de ultra-som por 15 minutos em HNO3 20% (v/v) e posteriormente em água de qualidade Millipore.

Construção da célula eletroquímica para utilização em fluxo

Para a construção da célula eletroquímica, Figura 2, foi moldado um tarugo de resina poliester de 55,66 mm de diâmetro por 15,50 mm de altura. Na superfície do tarugo foi feita uma escavação de 34,15 mm de diâmetro por 4,67 mm de profundidade. Foram perfurados, lateralmente e a 90 graus, dois canais em forma de L, indo da lateral do cilindro até a superfície da região escavada (diâmetro interno= 1,00 mm), sobre os 2 orifícios internos foi colocado um "o-ring" ( diâmetro interno = 8,47 mm e espessura= 1,90 mm) que delimitava a solução em contato com microeletrodos. As extremidades dos orifícios foram alargados, empregando brocas de 1,10 mm, para receber as tubulações.

Em um dos canais foi introduzido uma agulha hipodérmica (diâmetro externo= 1,00 mm), utilizando-se sua superfície metálica, interna, como contra eletrodo. À superfície externa da agulha foi soldado um fio de cobre com solda Pb/Sn para estabelecer o contato elétrico com o potenciostato. Ao suporte plástico da agulha foi adaptado um pequeno tubo plástico para conexão do eletrodo de referência e de uma pequena mangueira para eliminação de solução.

Polimento potenciodinâmico e obtenção dos dados eletroquímicos

Anterior ao ensaio eletroquímico, o arranjo de microeletrodos era polido e posteriormente submetido à limpeza em banho de ultra-som por 15 min com o objetivo de remover as partículas de alumina. Então, os microeletrodos eram tratados por um programa de ondas triangulares nas seguintes condições: v= 1,0 V s-1, Einicial= 0,2 V e Efinal= 1,0 V / Ag/AgCl/KClsat.; tempo de aplicação: 30 a 60 min, até a obtenção de um voltamograma cíclico estável em solução de eletrólito de suporte (Figura 3). Este tratamento foi aplicado, simultaneamente, a todos os microeletrodos do arranjo colocando-os em curto circuito.


Na seqüência, eram obtidos os voltamograma cíclicos da solução de K4{Fe(CN)6} 6,00x10-3 mol L-1 pela aplicação do seguinte programa de potenciais: Einicial= 0 V, Efinal= 0,90 V / Ag/AgCl, empregando-se difentes valores de v (v= 0,10 a 0,0010 V s-1).

Determinação do refetivo por voltametria cíclica16,21

Este método baseia-se na obtenção de voltamogramas cíclicos para a solução de ferrocianeto de potássio em solução aquosa de Na2SO4 0,100 mol L-1, sobre os microdiscos de ouro, empregando-se diferentes valores de v (0,050 < v < 0,200 V s-1). As correntes do máximo dos voltamogramas foram tratadas empregando-se a equação (1):

sendo, Im= corrente do máximo em A; C = concentração da solução em mol L-1; n = número de elétrons transferidos por partícula; F=constante de Faraday em C mol-1; D = coeficiente de difusão em cm2 s-1; v = velocidade de varredura de potenciais em V s-1. Esta equação expressa a variação da corrente de máximo com o fator adimensional p, que é uma função da raiz quadrada da velocidade, de acordo com a equação (2):

A equação (1) incluí as contribuições, para corrente total, da componente de difusão planar e radial. Desta forma, empregando-se um programa de computador foi possível calcular o raio dos diferentes microeletrodos constituintes do arranjo e dos valores experimentais para o parâmetro p(pexp.).

Na Tabela 1 são apresentados os valores dos raios efetivos (re) e dos raios geométricos obtidos para os microeletrodos investigados.

Resultados e discussões

Para todos os eletrodos estudados observou-se um comportamento característico de microeletrodos. Os microeletrodos no 9 e no 18 foram tomados como representativos dos demais (Figuras 4 e 5). Uma comparação entre os voltamogramas experimentais, obtidos para baixos valores de v, e o voltamograma simulado para a condição de estado estacionário, mostra a presença de um desvio contínuo da condição de estado estacionário. Este desvio evidencia, claramente, a transição da condição de estado estacionário para uma condição de estado quase estacionário com o aumento da velocidade de varredura do potencial ( v )15,16,20.



Concomitante com o desvio na corrente de estado estacionário, observa-se a separação dos ramos de corrente anódica e catódica (histerese). Este é um aspecto importante, pois a histerese está presente para todos os eletrodos estudados. No entanto, ao menos do ponto de vista teórico, tal separação não deveria ser observada considerando-se as condições de trabalho empregadas. A causa deste fenômeno é atribuída à corrente de carga da dupla camada elétrica15,16,20,21. É certo, que a corrente de carga da dupla camada elétrica estará influenciada pela presença de microtrincas na interface metal-isolante. Tais trincas são formadas durante o processo de selagem dos microeletrodos e a presença das mesmas pode ser detectada pela correlação entre a capacitância aparente (Cap.= ica / v), corrigida pela área geométrica do eletrodo, como função de v (log v)15, 20.

No entanto, trabalhos mais recentes têm mostrado que a separação das curvas está associada a retenção de produto da reação eletródica na camada de difusão. A retenção deste produto se deve ao fato de que a velocidade de transferência de carga passa a ser superior à velocidade de transporte de massa da espécie formada, a medida que se aumenta a velocidade de varredura22.

As condições experimentais para a obtenção de voltamogramas virtualmente superpostos (2% de separação entre os ramos anódico e catódico, com relação à corrente do estado estacionário) e de voltamogramas na condição de estado quase-estacionário estão apresentadas na Tabela 2 e foram calculados a partir das equações descrita nas referências15,16. Observa-se que as condições calculadas para a superposição virtual dos ramos anódico e catódico são experimentalmente de difícil aplicação. Por outro lado, considerando-se a condição de corrente quase-estacionária obtém-se valores exeqüíveis experimentalmente.

É importante observar a existência de superposição dos voltamogramas simulado e experimental e a ausência de histerese, mesmo quando se emprega valores de v aproximadamente dez vezes superiores àqueles calculado (vcalculado= 0,1 mV s-1; Figura 4), considerando-se a hipótese de superposição virtual dos ramos anódico e catódico.

Por outro lado, para altas valores de v (0,050 < v < 0,200 V s-1) os voltamogramas apresentaram picos, tanto na varredura direta quanto na inversa, semelhantes ao observado para macroeletrodos, o que caracteriza que a difusão linear semi-infinita é a principal contribuição para a corrente total23,24.

Para todos os microeletrodos, presentes no arranjo em estudo, a relação Ipa / Ipc é aproximadamente igual a unidade (Tabela 3), o que demonstra a ausência de qualquer tipo de reação química acoplada23,24.

A separação de potenciais de pico, para velocidades baixas, não pode ser obtida devido ao comportamento característico de microeletrodos, porém, em velocidades mais altas são bem definidas, DEp= 135 mV, o que sugere um afastamento do comportamento esperado para um processo reversível24. Para microeletrodos individuais de Pt16 observou-se um DEp = (100 ± 12) mV, num intervalo de v compreendido entre 0,05 < v < 0,50 mV s-1 para o par ferrocianeto / ferricianeto em solução aquosa KCl 1 mol L-1. Esta diferença de separação de picos poderia ser atribuída a vários fatores: aumento de queda ôhmica devido à geometria da célula; presença de microtrincas e riscos sobre a superfície gerados pelo polimento. A presença de microtrincas pode ser descartada, pois não foram observadas quando da análise do microeletrodo por microscopia e principalmente porque a curva de capacitância aparente, normalizada pela área do microdisco, em função da velocidade de varredura do potencial, v, não indicou variação brusca ao passar de baixos para altos valores de v. Este procedimento já foi descrito para microdiscos de Pt, Pt-Ir e Pt-Rh15. Por outro lado, o comportamento eletroquímico observado para o sistema ferricianeto/ferrocianeto de potássio estudado empregando macroeletrodo de Au (raio geométrico = 0,10 ± 0,02 cm), em condições experimentais idênticas àquelas empregadas para os estudos com o arranjo de microeletrodos, apresentou comportamento característico esperado para um sistema reversível (DEp= 60 mV e ipa / ipc= 1,0, para 0,005 < v < 0,60 V s-1), Figura 6. Portanto, o aumento na separação de picos observado para o sistema empregando microeletrodos pode ser justificado pelo fato do eletrodo de referência encontrar-se distante do arranjo de microeletrodos (Figura 2b ), e poderia ser atribuído ao efeito da queda ôhmica da solução contida entre o eletrodo de trabalho e o de referência, ou então, devido à presença de riscos causados pelo polimento que alteram a distribuição de concentrações de espécies oxidadas e reduzidas na superfície do eletrodo.


Considerando-se a necessidade da caracterização eletroquímica dos dezenove microeletrodos do arranjo e o tempo necessário para a obtenção dos voltamogramas na condição de estado estacionário, procurou-se empregar uma metodologia que permitisse a caracterização individual de cada eletrodo e uma avaliação conjunta do arranjo, através dos voltamogramas obtidos para altos valores de v15,16,20,21. Desta forma, para caracterizar o comportamento de microeletrodo, para todo o intervalo de raios disponíveis no arranjo e para os diferentes valores de v empregados (0,050 < v < 0,200 V s-1), foram correlacionadas as correntes de máximo adimensionais experimentais e as correntes calculadas a partir da equação para o processo de difusão linear semi-infinita (Im / 4nFDCr = 0,351p), em função do parâmetro p (p= (nFvr2/RTD)1/2). O parâmetro p foi calculado a partir dos valores experimentais (v e re ) para os dezenove microeletrodos em estudo (Figura 7)16, 20, 21. A correlação da função corrente com os valores de p, para os dezenove microeletrodos do arranjo, demonstra claramente o aumento esperado para a corrente de máximo experimental. Uma análise das correlações, para velocidades superiores a 0,050 V s-1, demonstra, ainda, uma significativa contribuição da corrente devido à difusão não linear para a corrente total. Considerando, por exemplo o eletrodo de Au, com re = 24,8 mm (no 16), para um valor de p = 2,9 e v = 0,200 V s-1 constata-se uma contribuição de 41% para a corrente total, como contribuição proveniente da corrente de difusão radial (Idr). Desta forma a corrente de máximo para cada um dos 19 microeletrodos pode ser expressa pela soma das correntes devidas à difusão linear e radial21, sendo observado comportamento semelhante quando se opera o arranjo na condição de curto circuito, como será demonstrado posteriormente.


A variação da velocidade de varredura de potencial tem efeito significativo sobre a contribuição da corrente total devida à difusão radial. Efetivamente, um aumento na velocidade de varredura causa uma diminuição da contribuição da difusão radial, o que faz diminuir o aumento da corrente total. O efeito do aumento dos valores de v pode ser verificado observando os valores do produto Ipa v-1/2 c-1, que são constantes para eletrodos convencionais e para os microeletrodos somente serão constantes para altos valores de v. A Figura 8 revela que para valores de v compreendidos entre 0,050 e 0,200 V s-1, o produto Ipa v-1/2 c-1 não atingiu um valor constante, como esperado para altas velocidades. Isto sugere que a contribuição da difusão radial à corrente total é significativa, mesmo para valores de v da ordem de 0,200 V s-1.


Com o objetivo de analisar as correntes de máximo experimental (Im(exp.)), referente aos dezenove microeletrodos constituintes do arranjo sob investigação, correlacionando-os simultaneamente com os diferentes valores de v utilizados, foi empregada a equação (1), com os valores dos parâmetros: D (obtido da literatura); Im(exp.); v(exp.); T(exp.): 295 K; C(exp.); n= 1 (literatura). Os valores dos parâmetros relacionados acima foram introduzidos num programa de computador e a equação resolvida em função de p , pelo método de Newton25. Os valores de p(exp.) e r(exp.), calculados a partir da equação (1), encontram-se apresentados na Tabela 4. A correlação entre os valores de p(exp.) em função da raiz quadrada da velocidade de varredura e para o produto r v1/2 (para cada valor de raio em particular) estão representados nas Figuras 9 e 10, respectivamente.



A proporcionalidade observada, entre p(exp.) e v1/2, para os diferentes valores de re confirma a relação predita pela equação que define p. Por outro lado, a correlação linear obtida para p(exp.) em função do produto r v1/2, considerando os diferentes valores de re (20,2 a 25,7 mm) e de v (0,050 a 0,200 V s-1), demonstra que os dezenove eletrodos do arranjo apresentam o comportamento esperado para microeletrodo21.

Na Figura 11 estão representados os voltamogramas cíclicos obtidos para os dezenove microeletrodos operando em curto circuito comparada a corrente medida para um único eletrodo (eletrodo no 15). Verifica-se, um fator de amplificação da corrente faradaica da ordem de dezenove vezes o sinal de um único eletrodo. Um fator desta magnitude confirma a condição de ausência de sobreposição das camadas de difusão dos microeletrodos (separação dos eletrodos > 10re)12 e, portanto, reflete a contribuição individual de cada microeletrodo para a corrente total, o que está em concordância com a correlação log p(exp.) – r v1/2.


A curva p(exp.) – a v1/2 apresenta um coeficiente de correlação igual a 0,9987, com coeficiente angular unitário, o que permite a determinação do valor do coeficiente de difusão (D) da espécie eletroativa a partir da interseção da curva com o eixo das ordenadas, que fornece log p0 (log p0 = 3.365 ± 0,02 ). Aplicando logaritmo na eq. 2 (log p0 = ½ log [re2 v((F/RTD)]) e considerando-se o fato de que nesta situação o produto r v1/2 é unitário, tem-se que log (nF / RTD) = 3.365 ± 0,02 e então D =(7,4 ± 0,3) x 10-6 cm2 s-1. O valor do coeficiente de difusão obtido é concordante com os valores apresentados na literatura para microeletrodo em forma de disco (7,1 ± 0,7) x 10-6 cm2 s-1, (30 < re < 150) mm 16,26, (7,3 ± 0,2)x10-6 cm2 s-1 e de tamanho convencional (re=1mm) (7,30 ± 0,04) x 10-6 cm2 s-1 21. Os valores encontrados na literatura, inclusive o deste trabalho, são discrepantes quando comparados ao valor de D= 6,32x10-6 cm2 s-1 obtido por Stackelberg e col.27, empregando a técnica potenciométrica. Tal discrepância pode ser atribuída ao efeito da convecção natural, efeito este que está demostrado na literatura e tende a estar ausente com a diminuição do raio do microeletrodo28.

Conclusões

O processo de desgaste mecânico, acompanhado pela observação ao microscópio óptico, e o acabamento realizado com polimento empregando alumina (0,05 mm), permitiu a obtenção de microeletrodos com geometria em forma de disco com valores de re no intervalo de 20,2 a 25,7 mm, e um bom acabamento para a superfície dos microdiscos de ouro.

O espaçamento observado entre os microeletrodos é superior a 10 vezes do raio médio dos eletrodos, o que impede a interpenetração das camadas de difusão dos microeletrodos no intervalo de tempo dos experimentos realizados.

Todos os eletrodos pertencentes ao arranjo apresentaram as características esperadas para microeletrodos, como pôde ser constatado a partir da correlação p(exp) x log re v1/2 e da obtenção de um fator de amplificação que reflete a contribuição individual de cada eletrodo para a corrente total, confirmando a separação dos eletrodos = 10 re.

Para todo o intervalo de re, dos microeletrodos do arranjo, foi observado um processo contínuo de transição da condição de corrente de estado estacionário para a condição de estado quase-estacionário, com o aumento de v, demonstrando a inviabilidade do emprego da curva média como representativa da condição de estado estacionário. Há, portanto, a necessidade de se aplicar equações que considerem as contribuições das difusões radial e linear semi-infinita.

Uma vez que os resultados eletroquímicos e a observação da superfície dos microeletrodos mostram a ausência de microtrincas, a separação entre os ramos da varredura direta e reversa a partir de v > 0, 001 V s-1 deve estar associada à retenção dos produtos da reação eletródica dentro da camada de difusão.

Agradecimentos

Os autores agradecem à Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP e à Fundação para o Desenvolvimento da UNESP - FUNDUNESP pelo apoio financeiro.

FABER, M. et al. Microelectrodes: III. Arrays of microelectrodes, construction and characterization. Ecl. Quím. (São Paulo), v.25, p. , 2000.

ABSTRACT: In this work we are able to describe in detail the procedure to prepare an array of microelectrodes with flat disc geometry (20,2 < re < 25,7 mm) and to study the electrochemistry behaviour of the set of microelectrodes. Different equations described in the literature for the steady state and near steady state condition and equations for voltammograms simulation in stationary regime were applied. For v= 0,1 mVs-1, it was observed an excellent overlap between experimental and simulated I / E profiles, however, v of this magnitude are no practice from na experimental point of view. For all of microelectrodes studied, it was observed a transition from the steady state to a near-steady state condition, when the scan rate was increased. The mathematical equations used to evaluate the ciclic voltammograms considering the contribution of the linear and radial diffusion to the total current fitted very well the I / E profiles. These equations also allowed a simultaneous evaluation of all electrodes of the array regarding microelectrodes individual behaviour. These results agree with voltammograms obtained for the array operating in externally short circuited condition.

KEY-WORDS: arrays of microelectrodes, stead state, cyclic voltammetry

Recebido em 16.2.2000

Aceito em 14.4.2000

  • 1. DAVIES, P.W., BRINK JR., S. Microelectrodes for measuring the local oxygentension in animal tissues. Revieus Of Scientific, v.13, p 524-33, 1942.
  • 2. SUTER, T., BOHNI, H. Microelectrodes for studies of localized corrosion processes Eletrochimica Acta, v. 43, p.2843-9, 1998.
  • 3. CHING, S., DUDEK, R., TABET, E. Cyclic voltammetry with ultramicroelectrodes Journal Of Chemical Education, v.71, p.602-5. 1994.
  • 4. WIGHTMAN, R. M., WIPF, D. O. Voltammetry at ultramicroelectrodes Electroanalytical Chemistry, v.15, p.267-353, 1989.
  • 5. BOND, A. M. Past, present and future contributions of microelectrodes to analytical studies employing voltammetric detection. Analyst, v 119, p.R1-R2, 1994.
  • 6. FLEISHMANN, M. Ultramicroelectrodes. Morganton: Datatech Systems, 1997. 363p.
  • 7. KOUNAVES, S. P., DENG, W., HALLOCK, P.R., KOVACS, G. T. A., STORMENT C. W. Iridium-based ultramicroelectrode array fabricated by microlithography. Analytical Chemistry, v 66, p.418-23, 1994.
  • 8. CORREIA, A. N., MASCARO L. H., MACHADO, S. A. S., MARZO, L. H., AVACA, L. A. Ultramicroelectrodes .1. theoretical revision and outlook. Química Nova, v.18, p.475-80, 1995.
  • 9. DIAMOND, D. Progress in sensor array research. Eletroanalysis, v 5, p.795-802, 1993.
  • 10. MACHADO , S. A. S., MAZO, L. H., AVACA, L. SILVA, S. M., ALVES, C. R., CORREA, A. N., MARTINS, R. M., NOBRE, A. L. R., A. Ultramicroelectrodes. Part II: Contruction and applications. Química Nova, v.21, p.78-85, 1998.
  • 11. SEDDON, B. J., SHAO Y., GIRAULT H.H. Printed microelectrode array and amperometric sensor for environmental monitoring. Eletrochimica Acta, v.39, p.2377-86, 1994.
  • 12. NASCIMENTO, V. B., AUGELLI, M. A., PEDROTTI, J. J., GUTZ, I. G. R., ANGNES, L. Arrays gold microelectrodes made from split integrated circuit chips. Eletroanalysis, v.9, p.335-9, 1997.
  • 13. PEREIRA, A. C. Modificaçăo da superfície de microeletrodos para a determinaçăo de ácido isocitrico. 136 p. Araraquara, 1998. Dissertaçăo (Mestrado) Instituto de Química, Universidade Estadual Paulista "Julio de Mesquita Filho",1998.
  • 14. FABER, M., SOUZA, G.R., FERTONANI, F.L. Arranjos de microeletrodos: construçăo, caracterizaçăo e modificaçăo dos eletrodos. In: X CONGRESSO DE INICIAÇĂO CIENTÍFICA DA UNESP, 10, 1998, Rio Claro. Resumos: Instituto de Geocięncias e Cięncias Exatas / UNESP, 1998, p.64.
  • 15. FERTONANI, F.L., BENEDETTI, A.V. Microelectodes: I. construction and characterization. Eclética Química, v.22, p.147-69, 1997.
  • 16. FERTONANI, F.L., BENEDETTI, A.V. Microelectrodes: II. Electrochemical characterization. Eclética Química, v.22, p.171-90, 1997.
  • 17. FERTONANI, F.L., BENEDETTI, A.V., IONASHIRO M. Contribution to the study of the reaction of mercury with platinun and a platinum-iridium alloy. Thermochimica Acta, v.265, p.151-61, 1995.
  • 18. FERTONANI, F. L., BENEDETTI, A. V., SERVAT, J., PORTILLO, J., SANZ, F. Electrodeposited thin mercury films on alloy electrodes. Thin Solid Films, v.341, v.1-2, p.147-54, 1999.
  • 19. MILARÉ, E., FERTONANI, F. L., IONASHIRO, M., BENEDETTI, A. V. Contribution to the study of the solid state reaction of mercury with pure rhodium. J. Thermal Analysis, v.59, 2000. (in press).
  • 20. FERTONANI, F.L. Preparo e caracterizaçăo de eletrodos de filme de mercúrio de platina-ródio e platina-irídio. 256 p.Araraquara, 1996. Tese (Doutorado) Instituto de Química, Universidade Estadual Paulista "Julio de Mesquita Filho", 1996.
  • 21. AOKI, K, AKIMOTO K., TOKUDA, K., MATSUDA, H. OSTERYOUNG, J. Linear sweep voltammetry at very small stationary disk electrodes. Journal Eletroanalytical Chemistry, v .171, p.219-30, 1984.
  • 22. HUANGXIAN, J., HONGYUAN, C. HONG, G. Investigation of microelectrodes X: study of the edge affects at a microdisk electrode. Journal Electroanalytical Chemistry, v.361, p.251-6, 1993.
  • 23. KISSINGER, P.T., HEINEMAN, W. R. Cyclic voltammetry. Journal Of Chemical Education, v.60, p.702-10, 1973.
  • 24. KISSINGER, P.T., HEINEMAN, W. R., Laboratory Techniques in Eletroanalytical Chemistry. New York: Dekker, 1984. 751 p.
  • 25. RUGGIERO, M. A. G., LOPES, V. L. R. Cálculo numérico: aspectos teóricos e computacionais Săo Paulo:Mc GrawHill, 1988. 295 p.
  • 26. BAND, A. M., LAY, P.A. Cyclic voltammmetry at microelectrodes in the absence of added electrode using a platinum quasi-reference electrode. Journal Of Electroanalytical Chemistry, v.199, p.285-95, 1986.
  • 27. STACKELBERG, I. M. V., PILGRAM, M., TOOME, V. Determination of diffusion of several ions in aqueous solution in the presence of foreign eletrolytes. Zeitschrift. Elektrochemie, v .57, p.342-50, 1953.
  • 28. GAO, X. P. Natural convection at microelectrodes. Analytical Chemistry. v.67, p.1541-5, 1995.
  • *
    Departamento de Química Analítica - Instituto de Química - UNESP - CEP: 14800-900 - Araraquara, S.P, Brasil.
  • **
    Departamento de Físico-Química - Instituto de Química - UNESP - CEP: 14800-900 - Araraquara, S.P, Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Nov 2002
    • Data do Fascículo
      2000

    Histórico

    • Aceito
      14 Abr 2000
    • Recebido
      16 Fev 2000
    Fundação Editora da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - UNESP Instituto de Química / UNESP, 14801-970 Araraquara SP Brazil, Tel.: +55 16 3301-9636/3301-9631 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: ecletica@iq.unesp.br