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O efeito da complexidade estrutural da fonte de nitrogênio no transporte de amônio em Saccharomyces cerevisiae

The effect of structural complexicity of nitrogen source on the ammonium transport in Saccharomyces cerevisiae

Resumos

O estudo do efeito da complexidade estrutural da fonte de nitrogênio no transporte de amônio em Saccharomyces cerevisiae foi realizado cultivando-se o microrganismo em um meio mínimo contendo glicose e fontes de nitrogênio, variando de um simples sal de amônio (sulfato de amônio) a aminoácidos livres (casaminoácidos) e peptídeos (peptona). O transporte de amônio foi avaliado acompanhando-se a entrada do análogo metilamônio, utilizando duas metodologias diferentes: transporte de metilamônio radioativo e efluxo de potássio acoplado ao transporte de metilamônio em células crescidas em diferentes condições de cultivo. A cinética de transporte de amônio é detectada nos meios contendo peptona e amônio e não no meio suplementado com casaminoácidos, e o transporte medido em diferentes fases de crescimento sugere que o processo é mais estável em células crescidas em peptona. Os resultados descritos neste trabalho indicam que a complexidade estrutural interfere com a expressão do transportador do íon amônio e que a complementação do meio de cultura com uma fonte de nitrogênio na forma de peptídeos é a mais eficiente não só para a expressão do transportador de amônio, mas também de conferir maior estabilidade ao processo.

Saccharomyces cerevisiae; transporte de amônio; metabolismo do nitrogênio


Ammonium transport in Saccharomyces cerevisiae is influenced by the structural complexity of the nitrogen source. Yeast cells were grown in minimum media containing glucose and nitrogen sources with structural complexity varying from single ammonium salt (ammonium sulfate) to free amino acids (casamino acids) and peptides (peptone). Ammonium transport was followed by potassium efflux and uptake of [14C] methylammonium by yeast cells grown upon differing nitrogen supplementation. Active transport of methylammonium is detected in cells grown in media supplemented with ammonium sulfate and peptone and the transport is not detected in cells grown on casamino acids. Kinetics of methylammonium uptake measured at differing growth time suggest that the transport process is more stable upon peptone supplementation. The results described in this work suggest that the structural complexity interferes with ammonium uptake in Saccharomyces cerevisiae and that supplementation with nitrogen source in a peptide form is not only more efficient for the transporter expression but also for the stability of the transport process.

Saccharomyces cerevisiae; ammonium transport; nitrogen metabolism


O EFEITO DA COMPLEXIDADE ESTRUTURAL DA FONTE DE NITROGÊNIO NO TRANSPORTE DE AMÔNIO EM Saccharomyces cerevisiae

Sandra Helena da CRUZ* * Pós-graduação em Biotecnologia – Bolsista FAPESP, Departamento de Bioquímica e Tecnologia Química, Instituto de Química, UNESP, 14801-970, Araraquara, SP, Brasil

Fernanda CASSIO** ** Departamento de Biologia, Centro de Ciências da Terra, Universidade do Minho, Braga, Portugal

Cecília LEÃO** ** Departamento de Biologia, Centro de Ciências da Terra, Universidade do Minho, Braga, Portugal

José Roberto ERNANDES* * Pós-graduação em Biotecnologia – Bolsista FAPESP, Departamento de Bioquímica e Tecnologia Química, Instituto de Química, UNESP, 14801-970, Araraquara, SP, Brasil

RESUMO: O estudo do efeito da complexidade estrutural da fonte de nitrogênio no transporte de amônio em Saccharomyces cerevisiae foi realizado cultivando-se o microrganismo em um meio mínimo contendo glicose e fontes de nitrogênio, variando de um simples sal de amônio (sulfato de amônio) a aminoácidos livres (casaminoácidos) e peptídeos (peptona). O transporte de amônio foi avaliado acompanhando-se a entrada do análogo metilamônio, utilizando duas metodologias diferentes: transporte de metilamônio radioativo e efluxo de potássio acoplado ao transporte de metilamônio em células crescidas em diferentes condições de cultivo. A cinética de transporte de amônio é detectada nos meios contendo peptona e amônio e não no meio suplementado com casaminoácidos, e o transporte medido em diferentes fases de crescimento sugere que o processo é mais estável em células crescidas em peptona. Os resultados descritos neste trabalho indicam que a complexidade estrutural interfere com a expressão do transportador do íon amônio e que a complementação do meio de cultura com uma fonte de nitrogênio na forma de peptídeos é a mais eficiente não só para a expressão do transportador de amônio, mas também de conferir maior estabilidade ao processo.

PALAVRAS CHAVE:Saccharomyces cerevisiae, transporte de amônio, metabolismo do nitrogênio.

Introdução

Em todos os processos industriais em que participa o Saccharomyces cerevisiae os meios de cultura devem conter necessariamente uma fonte de nitrogênio, além de uma fonte de carbono, sais e vitaminas.4,18 Os principais compostos utilizados como fonte de carbono por Saccharomyces cerevisiae são os monossacarídeos (glicose, frutose e galactose) e os dissacarídeos (maltose e sacarose).7 O outro elemento essencial aos organismos vivos é o nitrogênio sendo que as células de levedura podem utilizar uma ampla variedade de compostos nitrogenados como fontes de nitrogênio, inclusive amônio, aminoácidos e peptídeos.4,20,23 Entretanto, nem todas as fontes de nitrogênio propiciam crescimento igualmente eficiente: por exemplo, foi observado que amônia, glutamato, glutamina e asparagina são preferencialmente utilizados por leveduras e induzem altas taxas de crescimento.14,20 Quando estas fontes primárias estão ausentes ou presentes em baixas concentrações fontes nitrogenadas alternativas, como outros aminoácidos e peptídeos, podem ser utilizadas.4,14,20 Na natureza e em mostos industriais os nutrientes estão disponíveis de forma complexa e variável. Este é o caso do mosto de cervejaria que contém como principal fonte de nitrogênio uma mistura de aminoácidos, peptídeos e pequena quantidade de amônia livre.16,18 Para poder selecionar a fonte de nitrogênio e/ou de carbono a ser utilizado em uma mistura complexa de compostos as leveduras desenvolveram mecanismos moleculares de sensoriamento das moléculas disponíveis no meio de cultura e posterior desencadeamento de processos regulatórios que envolvem a indução dos sistemas necessários e repressão dos que não são necessários naquelas condições.21,23

Os compostos utilizados como fontes de carbono e de nitrogênio são, do ponto de vista quantitativo, os principais nutrientes utilizados pelas leveduras, por isso deve-se considerar que o fluxo destes nutrientes e a interação mútua entre eles devem interferir com vários processos metabólicos.19 Outro aspecto importante a ser considerado é que a utilização de uma molécula nutriente pela célula tem que ser precedida pelo seu transporte através da membrana plasmática,2,8 etapa altamente complexa e com diferentes níveis de regulação. Um grande número de proteínas responsáveis pelo transporte de açúcares e compostos nitrogenados em leveduras já foram geneticamente caracterizadas, sendo possível agrupá-las em famílias que apresentam um alto grau de homologia seqüencial, e que foram conservadas nos diferentes organismos vivos.2,8 Como no caso dos açúcares, o transporte de compostos nitrogenados em Saccharomyces também é um processo complexo, pois envolve um grande número de transportadores e um conjunto muito maior de substratos que são estruturalmente diferentes: variando de um simples sal inorgânico, como o íon amônio, até compostos como os aminoácidos e peptídeos de diferentes tamanhos e seqüências.8 O transporte do íon amônio, assim como no caso de aminoácidos e peptídeos, é um processo ativo secundário.8

Estudos com mutantes indicaram a existência de três permeases para o íon amônio, codificadas respectivamente, pelos genes MEP1, MEP2 e MEP3. A análise cinética do transporte de amônio utilizando o análogo radioativo [14C]-metilamônio mostrou que a proteína Mep2 é a que apresenta maior afinidade por NH4+ (Km 1 a 2 mM), seguida pela Mep1p (Km 5 a 10 mM) e finalmente a Mep3p que apresenta afinidade menor (Km ~1,4 a 2 mM).15 O seqüenciamento dos genes MEP1, MEP2 e MEP3 revelou um alto grau de homologia entre eles e as proteínas codificadas apresentam características topológicas semelhantes àquelas observadas para os transportadores de amônio em bactérias e fungos.15 Uma vez dentro da célula, a amônia pode reagir com a-cetoglutarato e NADPH para formar glutamato ou com glutamato e ATP formando glutamina, que parece ser o destino final dos grupos amino utilizados nos processos biossintéticos. Estas reações são catalisadas pela NADH-glutamato desidrogenase (NADH-GDH) e glutamina sintetase (GS), respectivamente.14

A utilização de aminoácidos por uma célula de levedura é determinada pela sua capacidade em transportá-los através da membrana plasmática, seguida quer pela incorporação direta do aminoácido nas proteínas que estejam sendo sintetizadas, quer pelo catabolismo, resultando em íons amônio (desaminação) ou glutamato (transaminação).14 Um número considerável das permeases de aminoácidos já foi identificado geneticamente, e cada uma delas é específica para um aminoácido ou para alguns L-amino ácidos com semelhança estrutural.8 Além dos transportadores específicos, Saccharomyces cerevisiae possui uma permease geral de aminoácidos, "general amino acid permease"- Gap, codificada pelo gene GAP1, e transporta L- e D- isômeros de aminoácidos básicos, neutros e ácidos8. O GAP1 já foi seqüenciado e a Gap1p apresenta alto grau de homologia seqüencial com outras permeases específicas.11 Estudos recentes sugerem a existência de uma nova permease geral de aminoácidos, codificada pelo gene AGP1, que juntamente com a permease geral de aminoácidos Gap1p, estaria envolvida na utilização de aminoácidos em Saccharomyces.9

Os peptídeos constituem outra importante fonte de nitrogênio para as leveduras. O transporte de peptídeos em Saccharomyces cerevisiae, como amônio e aminoácidos, é dependente de energia e mediado por sistemas específicos distintos daqueles envolvidos com o transporte de aminoácidos.8 O transporte de peptídeos deve envolver pelo menos três genes: PTR1, PTR2 e PTR3.1,10 O gene PTR2 foi seqüenciado3 e seu produto gênico, o Ptr2p, pertence a um grupo de proteínas transportadoras de peptídeos: a família Ptr.17 Alguns estudos sugerem a existência de uma permease geral para peptídeos (Gpp) em Saccharomyces cerevisiae, que transportaria di- e tripeptídeos (e talvez oligopeptídeos), com preferência para resíduos hidrofóbicos e estereoespecífica para L-isômeros.8 Em Candida albicans estudos realizados com mutantes apontam para a presença de pelo menos dois sistemas de transporte diferentes: uma dipeptídeo permease (Dpp) prefere dipeptídeos embora também seja capaz de aceitar tripeptídeos e outra oligopeptídeo permease (Opp) transporta preferencialmente tri e oligopeptídeos de até seis resíduos de aminoácidos. Ambos os sistemas de C. albicans exibem estereoespecificidade estrita para L-isômeros, descriminando resíduos de cadeia lateral carregada, e têm preferência por resíduos alanil e/ou hidrofóbicos com cadeias laterais grandes e a-amino terminal livre.8 Os resultados que apresentados neste trabalho sugerem que a complexidade estrutural da fonte de nitrogênio utilizada no meio para crescimento de levedura interfere com o nível de expressão do transportador do amônio e também com a estabilidade do processo em Saccharomyces cerevisiae.

Materiais e Métodos

Microrganismos. A levedura utilizada neste trabalho foi uma estirpe de Saccharomyces cerevisiae isolada da levedura de panificação "Fleischmann e Royal Produtos Alimentícios Ltda", denominada Fiso.

Reagentes e Componentes dos Meios de Cultura. Os componentes dos meios de cultura procederam da Difco Laboratories, incluindo Yeast Nitrogen Base without amino acids and ammonium sulfate-YNB (Cat. nº 0335-15-9), casamino ácidos (Cat. nº 0230-01-1), peptona (Cat. nº 0905-01-5), extrato de levedura (Cat. nº 0127-01-7). Hidrocloreto de [14C]-metilamina procedeu da Amersham Pharmacia Biotech. Todos os outros reagentes foram obtidos de fontes comerciais e de grau analítico.

Meios de cultura. As células de levedura foram mantidas em meio sólido YPD contendo extrato de levedo 1,0% (p/v); peptona 1,0% (p/v); glicose 2,0% (p/v) e agar 2,0% (p/v) e água destilada q.s.p. O meio foi liquefeito por aquecimento e distribuído em tubos de ensaio. Em seguida, foi esterilizado em autoclave (20 min a 120° C e 1 atm) e deixado solidificar, inclinando os tubos cerca de 10° . O meio mínimo utilizado foi preparado com 0,17% (p/v) de YNB complementado com diferentes fontes de nitrogênio 1% (p/v) e uma fonte de carbono. O pH do meio foi ajustado para 5,0 e esterilizado em autoclave por 20 min a 120° C e 1 atm. A solução de açúcar foi preparada pelo menos duas vezes concentrada, esterilizada em autoclave por 20 min a 120° C e 1 atm e adicionada ao meio antes da inoculação, na concentração adequada ao ensaio.

Condições de crescimento e obtenção da suspensão de células. O crescimento foi realizado em erlenmeyer, num volume útil de cerca de 5 - 6 vezes menor que o volume do mesmo (de forma a permitir homogeneização e aeração eficientes) a 200rpm e a 30° C. Para que as células fossem coletadas durante a fase exponencial, nos experimentos com sulfato de amônio, as células foram cultivadas durante 12h e transferidas para um novo meio de mesma composição, com DO = 0,1 e novamente cultivada até DO = 0,5. Esta metodologia está assinalada nos resultados como "após diluição". As células de levedura cultivadas nos diferentes meios foram coletadas em diferentes períodos de crescimento por centrifugação a 7.396 g durante 2 min e 10° C; lavadas cinco vezes com água deionizada a baixa temperatura e ressuspensas em água para ter uma concentração final de 50 mg peso seco/mL, aproximadamente.

Ativação da H+ / ATPase. A atividade da H+ /ATPase foi medida com um eletrodo seletivo de H+, utilizando-se um potenciômetro Radiometer, um dispositivo de compensação basal e um registrador linear, ligados em série. O eletrodo de pH encontrava-se imerso numa câmara de 10 mL, termostatizada a 30º C e munida de agitação magnética. Para esta câmara foram transferidos 4,5 mL de H2O deionizada e 0,5 mL da suspensão de células (obtida como descrito anteriormente). Após ajuste do pH da mistura de reação a 5,0 com HCl ou NaOH 10mM, adicionou-se uma quantidade apropriada de glicose (concentração final 0,1%) e registrou-se a curva de acidificação ao longo do tempo. A calibração do sistema foi feita por adição de quantidades conhecidas de HCl 10mM titulado, após ter ocorrido a reação de acidificação.

Estudo de transporte de amônio. O estudo da velocidade de transporte de amônio foi realizado utilizando metilamônio como um análogo que compartilha o mesmo sistema de transporte do íon amônio,5 medindo-se a entrada do composto radioativo [ 14C] -metilamônio e pelo efluxo de íons potássio (efluxo K+) associado à adição de metilamônio. O amônio é transportado através da membrana plasmática de Saccharomyces cerevisiae essencialmente na forma iônica (NH4+) e para manter a neutralidade, a entrada do íon amônio poderá ser compensada pela entrada de um íon de carga negativa na célula ou pela saída de um íon com carga positiva.13 As medidas de efluxo de K+ foram realizadas utilizando um eletrodo seletivo de potássio F2002 (Radiometer), ligado a um registrador linear e a um eletrodo de referência RH11D (Philips). Os eletrodos encontravam-se imersos em uma câmara de 10mL de capacidade, termostatizada a 26° C e munida de agitação magnética. Na câmara misturavam-se 3 mL de tampão tris-citrato 0,1M pH 4,5 contendo glicose na concentração final de 2% (p/v) e 1mL da suspensão de células. Após 10 minutos de incubação da mistura, para permitir a geração do potencial eletroquímico nas duas faces da membrana citoplasmática das células, através da ativação da H+/ATPase, adicionou-se um volume apropriado de metilamônio, registrando-se de imediato a saída de K+ das células. O sistema era calibrado com KCl 10mM.

O transporte de amônio pela entrada [ 14C] -metilamônio foi determinado em uma mistura de reação, preparada em um tubo de fundo cônico de 10mL de capacidade adicionando 10mL de tampão tris-citrato 0,1M pH 4,5; 10mL de glicose numa concentração final de 2% (p/v) e 20mL da suspensão de células. Após 7 minutos de incubação a 26º C a reação foi iniciada pela adição de 10mL de [ 14C] -metilamônio, na concentração desejada. A mistura foi agitada manualmente. Após 5 segundos a reação foi interrompida pelo efeito simultâneo de diluição e abaixamento da temperatura, adicionando 4 mL água destilada a baixa temperatura (4° C). A amostra foi imediatamente filtrada num sistema de vácuo através de uma membrana de nitrocelulose 0,45mm (Whatman) previamente umedecida. Em seguida, a membrana foi lavada com 12 mL de água destilada a baixa temperatura e transferida para um frasco contendo 10 mL de líquido de cintilação (OptiPhase HiSafe II, LKB). A radioatividade incorporada foi medida em um contador de cintilação líquida Packard Tri-Carb 2200 CA, em desintegrações por minuto. A atividade específica das soluções radioativas foi de aproximadamente 5000 dpm/nmol.

Para cada ensaio foi realizada uma experiência controle para avaliar a radioatividade ligada às células e/ou às membranas de filtração, a baixa temperatura (0 - 4º C), com metodologia análoga a descrita acima.

Foram realizados, ainda, os seguintes controles:

  • Determinação do tempo de reação durante o qual a incorporação do composto radioativo aumentava linearmente com o tempo. Uma vez que para os valores de concentração de metilamônio radioativo mais elevados a reação não foi linear para tempos da ordem dos 10 s, foi utilizado tempo de reação de 5s.

  • Relação entre a concentração de biomassa presente na mistura de reação e a radioatividade incorporada no tempo de reação. A entrada do composto radioativo variou linearmente no intervalo de concentração de biomassa entre 30 a 50 mg de peso seco por mL. Em cada experiência foi determinada a biomassa de células conforme indicado acima.

Reprodutibilidade. Os dados apresentados representam a média de pelo menos dois experimentos repetidos de forma idêntica.

Resultados e discussão

O transporte de amônia em leveduras acontece através de um mecanismo ativo secundário. Isto implica, necessariamente, na existência de um sistema de geração de um gradiente eletroquímico que em leveduras envolve a H+ / ATPase, ativada por uma fonte de carbono.8 A maioria dos estudos de transporte em leveduras (açúcares, amônio, aminoácidos e outros) é realizada utilizando compostos radioativos, mas alguns estudos mostram que o transporte de determinados nutrientes para o interior da célula da levedura, como o transporte do íon amônio, ocorre concomitantemente com o efluxo de potássio.13 Assim, os experimentos de ativação da H+ / ATPase e as medidas do transporte de amônio através do efluxo K+ foram realizados, neste trabalho, como preliminares, e o estudo com composto radioativo só foi realizado nas condições onde se observou a ativação da H+ / ATPase e do transporte de amônio medido pelo efluxo K+. Assim, não é apresentado nenhum estudo de transporte com o composto radioativo com células crescidas em meio contendo casaminoácidos, pois com esta fonte de nitrogênio detecta-se a ativação da H+ / ATPase pela glicose, mas não o transporte de amônio medido pelo efluxo K+.

Nos experimentos com sulfato de amônio a obtenção das células na fase exponencial de crescimento ocorreu em duas etapas: inicialmente as células eram cultivadas durante 12 h e transferidas para um novo meio de mesma composição (ver materiais e métodos), pois só assim foi possível realizar as medidas de transporte de amônio.

Estudos de ativação da H+ / ATPase. Células de Saccharomyces cerevisiae crescidas em meio mínimo contendo glicose 15% e peptona, casaminoácidos e sulfato de amônio foram capazes de induzir atividade da H+ / ATPase pela adição de glicose (Tabela 1). A ativação H+ / ATPase em células crescidas em glicose também foi induzida na presença de frutose ou maltose e não por sacarose ou galactose. Este resultado indica que a adição de glicose induz a geração de um gradiente eletroquímico criando condições energéticas para o transporte de amônio em Saccharomyces.

Transporte de amônio em células de Saccharomyces cerevisiae crescidas em meio contendo glicose e diferentes fontes de nitrogênio. Suspensões de células crescidas em meio mínimo contendo diferentes concentrações de glicose e 1% de uma fonte de nitrogênio com diferentes níveis de complexidade estrutural foram utilizadas para estudos de transporte do íon amônio medido pela entrada de [14C]-metilamônio ou através do efluxo de íons potássio associado à adição de metilamônio. A Figura 1 apresenta gráficos representativos dos parâmetros cinéticos de transporte de metilamônio com o aumento da concentração do substrato obtidos utilizando composto radioativo ou efluxo de potássio. Como esperado observa-se que o transporte de metilamônio segue o formalismo descrito por Michaelis-Menten (Figura 1A), permitindo a determinação dos parâmetros cinéticos Km e Vmax através da representação gráfica de Lineweaver-Burk (Figura 1B).



A aplicação de uma análise de regressão não linear aos dados experimentais das velocidades iniciais de transporte representado nas Figuras 1A indica a existência de um mecanismo de transporte mediado para a entrada do metilamônio radioativo bem como para a saída de íons potássio; sendo que os valores dos parâmetros cinéticos estimados foram: Km 0,42 mM e 2,74mM e Vmáx 42,8 nmol [14C]-metilamônio.min–1.(mg peso seco)-1 e 21,7 nmol K+.min–1.(mg peso seco)-1, obtidos com metilamônio radioativo e por efluxo K+, respectivamente. Como pode ser observado o valor estimado de Km pela entrada do substrato radioativo é diferente do obtido pela saída de potássio (Figura 1 e Tabela 2), e esta diferença pode ser devido à sensibilidade das metodologias utilizadas para a medição e à faixa de concentração de metilamônio utilizado. Apesar desta diferença, os resultados obtidos com os dois métodos indicam a presença de um processo cinético de transporte facilitado de um soluto através da membrana celular.

O estudo do transporte de amônio medido pela saída de potássio associada à adição de metilamônio também foi realizado com células crescidas em meios contendo glicose 0,5% e 15% e peptona, casaminoácidos ou sulfato de amônio como fonte de nitrogênio. Nas células crescidas em meio contendo casaminoácidos, em todas as condições estudadas, não ficou evidenciado o efluxo de íons potássio associado à adição de metilamônio à suspensão de células, sugerindo que com este suplemento nitrogenado a célula de levedura não expressa o transportador de amônio. Devido a este fato, os experimentos com [14C]-metilamônio só foram realizados com células cultivadas nos meios suplementados com peptona e sulfato de amônio.

A Tabela 2 contém um resumo dos valores dos parâmetros cinéticos obtidos nos experimentos de transporte de amônio realizados com células de Saccharomyces cerevisiae, utilizando metilamônio radioativo e efluxo K+. Os valores de Km determinados pelo transporte de metilamônio radioativo variaram de 0,18 a 0,62mM e Vmax de 2,13 a 53,8 nmoles min-1 (mg peso seco)-1 enquanto que através do efluxo de K+ os valores de Km variaram de 0,31 a 2,74 mM e Vmax de 4,23 a 21,7 nmoles K+ min-1 (mg peso seco)-1. Os dados apresentados na Tabela 2 não podem ser comparados com os descritos na literatura porque as condições de cultivo são completamente diferentes, soma-se ainda o fato de neste estudo estar sendo utilizado uma linhagem industrial, que apresenta características genéticas muito mais complexas que as linhagens de laboratório. Além do que, os valores de Vmax obtidos por nós refere-se a quantidade de massa seca e não ao conteúdo de proteína. Apesar disso, os resultados obtidos neste relatório mostram que a natureza da fonte de nitrogênio tem efeito marcante sobre o transporte de amônio, uma vez que o fenômeno não é observado em células crescidas em casaminoácidos.

As células de levedura comportam-se, do ponto de vista fisiológico, diferentemente durante as várias fases de crescimento. A Tabela 3 mostra como variam as velocidades iniciais de entrada de metilamônio pelo efluxo K+, em diferentes tempos de crescimento, em células de Saccharomyces cultivadas em meios contendo glicose 2% e 15% e sulfato de amônio ou peptona. Quando a fonte de nitrogênio é o casaminoácidos não se observa transporte de amônio, medido pelo efluxo K+ em qualquer uma das condições de ensaio. A análise desta tabela sugere que a Saccharomyces perde sua capacidade de transportar amônio durante o crescimento, sendo este efeito muito mais acentuado quando as células de levedura são cultivadas em amônio. Estes resultados indicam a interferência da natureza da fonte de nitrogênio, pois na presença de peptona, o transporte de amônio é observado por períodos mais longos de cultivo, refletindo em parte o que foi observado na obtenção das células para os estudos de transporte, pois a detecção da cinética de transporte só acontece nos meios contendo amônio após reinoculação das células em um novo meio (ver Materiais e Métodos para detalhes), sendo que este procedimento não foi necessário para o caso da suplementação com peptona.

Conclusão

Os elementos essenciais encontrados nos principais nutrientes usados pela levedura Saccharomyces cerevisiae quanto à quantidade são o carbono e o nitrogênio, sendo que a coordenação dos fluxos destes dois elementos podem ser regulados ao nível da assimilação ou ao nível do metabolismo, por isso os fluxos do carbono e do oxigênio e suas interações constituem parâmetros importantes na regulação do crescimento e do metabolismo celular.4,20,23 Geralmente, o metabolismo do carbono e do nitrogênio envolve mecanismos complexos de regulação e os estudos, para efeito de clareza experimental, são realizados com um único composto como fonte de nitrogênio e/ou de carbono.12 Considerando que na natureza os compostos contendo carbono e/ou nitrogênio ocorrem de forma diversa e complexa, tal como polissacarídeos e proteínas, neste trabalho estudamos o efeito da complexidade estrutural da fonte de nitrogênio no transporte de amônio em células crescidas em meio contendo glicose e suplementado com fonte de nitrogênio que variou de um simples sal de amônio (sulfato de amônio) a hidrolisados protéicos constituídos predominantemente de amino ácidos livres (casaminoácidos) ou peptídeos (peptona).6

Os resultados descritos neste trabalho sugerem que a complexidade estrutural da fonte de nitrogênio tem um forte efeito na expressão dos transportadores de amônio bem como na estabilidade do processo. O transporte de amônio foi medido utilizando metilamônio como um análogo que compartilha o mesmo sistema de transporte do íon amônio,5 e os parâmetros cinéticos foram determinados seguindo-se dois procedimentos: medida da entrada do metilamônio marcando-se a solução com [14C]-metilamônio,5 ou através do efluxo de potássio associado ao transporte de metilamônio.13 Como comentado, três permeases codificadas pelos genes MEP1, MEP2 e MEP3 já foram caracterizadas a nível molecular, cinético e fisiológico.15 Os estudos foram realizados com a linhagem de laboratório å 1278b e os respectivos mutantes mep-1, mep-2 e mep-3. Nos experimentos descritos neste trabalho foi utilizada uma linhagem industrial de ploidia não definida e assim torna-se impossível qualquer comparação do ponto de vista genético com os resultados já descritos. Cumpre salientar que os parâmetros cinéticos descritos neste trabalho foram obtidos por duas metodologias diferentes, e sempre expressos em quantidade de massa seca, enquanto nos descritos anteriormente o transporte referia-se à quantidade de proteína.

Apesar da dificuldade de se comparar os resultados obtidos em trabalhos anteriores, os dados descritos neste trabalho mostram a interferência da complexidade estrutural da fonte de nitrogênio no transporte de amônio em Saccharomyces cerevisiae. Os dados apresentados na Figura 1 e Tabelas 1 e 2 indicam a existência do transporte ativo de metilamônio nos meios suplementados com sulfato de amônio e peptona e não no meio contendo fonte de nitrogênio onde existe a predominância de amino ácidos na forma livre (casaminoácidos). Os valores de Km e Vmax são diferentes para as células crescidas na presença de peptona e sulfato de amônio e isto, em parte, deve-se ao fato das células apresentarem diferentes estados fisiológicos quando crescidas em diferentes meios. A expressão dos transportadores também aconteceu de forma diferente em células crescidas na presença de amônio e de peptona. As células crescidas em amônio, para que pudesse ser possível observar o transporte de metilamônio tiveram que ser reinoculadas em um novo meio de mesma composição. As células crescidas em peptona não só não necessitavam de reinoculação como apresentaram maior estabilidade do fenômeno de transporte em deferentes fases de crescimento (Tabela 3). A variação nos parâmetros cinéticos de transporte do íon amônio está de acordo com os resultados obtidos com o transporte de glicose em Saccharomyces cerevisiae onde se observou que a transição das células de alta (2%, p/v) para baixa ou zero concentração de glicose, isto é a passagem da fase exponencial para a fase estacionária de crescimento, provocou mudanças na cinética de transporte de glicose.24 A alteração nos parâmetros cinéticos do transporte de metilamônio como mostrado na Tabela 3 pode representar, como no caso do transporte de glicose, uma adaptação no processo de transporte como reflexo da alteração no nível de expressão (síntese e possivelmente atividade) de transportadores com diferentes afinidades e mecanismos de regulação, nas diferentes fases de crescimento do microrganismo.

Agradecimentos

Os autores agradecem à FAPESP pelo auxílio recebido.

CRUZ, S.H., CÁSSIO, F., LEÃO, C., ERNANDES, J.R. The effect of structural complexicity of nitrogen source on the ammonium transport in Saccharomyces cerevisiae. Ecl. Quím. (São Paulo), v.26, p. , 2001.

ABSTRACT: Ammonium transport in Saccharomyces cerevisiae is influenced by the structural complexity of the nitrogen source. Yeast cells were grown in minimum media containing glucose and nitrogen sources with structural complexity varying from single ammonium salt (ammonium sulfate) to free amino acids (casamino acids) and peptides (peptone). Ammonium transport was followed by potassium efflux and uptake of [14C] methylammonium by yeast cells grown upon differing nitrogen supplementation. Active transport of methylammonium is detected in cells grown in media supplemented with ammonium sulfate and peptone and the transport is not detected in cells grown on casamino acids. Kinetics of methylammonium uptake measured at differing growth time suggest that the transport process is more stable upon peptone supplementation. The results described in this work suggest that the structural complexity interferes with ammonium uptake in Saccharomyces cerevisiae and that supplementation with nitrogen source in a peptide form is not only more efficient for the transporter expression but also for the stability of the transport process.

KEYWORDS:Saccharomyces cerevisiae, ammonium transport, nitrogen metabolism

Recebido em 8.3.2001.

Aceito em 3.4.2001.

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    Pós-graduação em Biotecnologia – Bolsista FAPESP, Departamento de Bioquímica e Tecnologia Química, Instituto de Química, UNESP, 14801-970, Araraquara, SP, Brasil
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    Departamento de Biologia, Centro de Ciências da Terra, Universidade do Minho, Braga, Portugal
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Nov 2002
    • Data do Fascículo
      2001

    Histórico

    • Aceito
      03 Abr 2001
    • Recebido
      08 Mar 2001
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