Acessibilidade / Reportar erro

Obtenção de oligossacarídeos N-ligados às glicoproteínas dos líquens Sticta tomentosa e Sticta damaecornis

N-linked oligosaccharides obtained from glycoproteins of the lichens Sticta tomentosa and Sticta damaecornis

Resumos

As glicoproteínas dos líquens Sticta tomentosa e Sticta damaecornis foram extraídas utilizando-se tampão específico e fracionadas pela adição crescente de sulfato de amônio. Dentre os diferentes cortes de saturação obtidos, as frações 30-80% de ambos os líquens foram eleitas objeto de estudo desta pesquisa. Métodos químicos e enzimáticos foram aplicados para a obtenção de oligossacarídeos N-ligados, que em seguida, foram derivatizados resultando em tirosinamida-oligossacarídeos. Após inserção do grupo cromóforo nas estruturas oligossacarídicas, os mesmos foram purificados por HPLC com detecção em 280 nm. Em relação ao líquen Sticta tomentosa, os cromatogramas revelaram a presença de dois picos com tempos de retenção de aproximadamente 11 e 18 minutos sugerindo a presença de dois diferentes oligossacarídeos N-ligados. O líquen Sticta damaecornis, seguindo as mesmas condições de purificação, apresentou em cromatografia quatro picos distintos com tempos de 11, 13, 18,2 e 18,4 minutos, respectivamente, sugerindo por sua vez a presença de quatro oligossacarídeos N-ligados diferentes.

Líquens; glicoproteínas; oligossacarídeos N-ligados; derivatização; purificação


The lichens Sticta tomentosa and Sticta damaecornis were extracted to obtain glycoproteins. The extracts were fractionated with 30-80% saturation (NH4)2SO4. The fractions were reduced, alkylated and after dialysis the material were digested with trypsin. The digests were dialyzed, freeze-dried and analyzed in reverse-phase high performance chromatography (RP-HPLC) based on the peptide hydrophobicity.N-linked oligosaccharides were removed from glycopeptides with PNGase A and analyzed by HPAEC-PAD that indicated the presence of several peaks between 12 to 17 min. The reducing oligosaccharides were reacted with NH4HCO3 to form oligosaccharides-glycosylamines and then derivatized with N-hydroxysuccinimidyl ester of Boc-tyrosine, resulting in tyrosinamide-oligosaccharides with sufficient hydrophobicity to facilitate RP-HPLC separation. RP-HPLC purification of asialyl tyrosinamide oligosaccharides from S. tomentosa showed two peaks eluted at 11 and 18 min. The asialyl tyrosinamide oligosaccharides from S. damaecornis eluted as four peaks at 11, 13, 18,2 and 18,4 min. The components that eluted at 11 min for both lichens showed the same monosaccharide composition.

Lichens; glycoproteins; N-linked oligosaccharides; derivatization; purification


Obtenção de oligossacarídeos N-ligados às glicoproteínas dos líquens Sticta tomentosa e Sticta damaecornis

N-linked oligosaccharides obtained from glycoproteins of the lichens Sticta tomentosa and Sticta damaecornis

Patrícia Fidelis de OliveiraI; Flávia DonáI; Marcelo MarcelliII; Marilsa CardosoIII; Maria de Lourdes Corradi da SilvaIII

IAlunas de Iniciação Científica - Laboratório de Bioquímica/DFQB - UNESP - 19060-080 - Presidente Prudente - SP - Brasil

IISeção de Micologia e Liquenologia - Instituto de Botânica - CEP 01061-970 - São Paulo - SP - Brasil

IIIDepartamento de Física - Química e Biologia - FCT - UNESP - 19060-080 - Presidente Prudente - SP - Brasil

RESUMO

As glicoproteínas dos líquens Sticta tomentosa e Sticta damaecornis foram extraídas utilizando-se tampão específico e fracionadas pela adição crescente de sulfato de amônio. Dentre os diferentes cortes de saturação obtidos, as frações 30-80% de ambos os líquens foram eleitas objeto de estudo desta pesquisa. Métodos químicos e enzimáticos foram aplicados para a obtenção de oligossacarídeos N-ligados, que em seguida, foram derivatizados resultando em tirosinamida-oligossacarídeos. Após inserção do grupo cromóforo nas estruturas oligossacarídicas, os mesmos foram purificados por HPLC com detecção em 280 nm. Em relação ao líquen Sticta tomentosa, os cromatogramas revelaram a presença de dois picos com tempos de retenção de aproximadamente 11 e 18 minutos sugerindo a presença de dois diferentes oligossacarídeos N-ligados. O líquen Sticta damaecornis, seguindo as mesmas condições de purificação, apresentou em cromatografia quatro picos distintos com tempos de 11, 13, 18,2 e 18,4 minutos, respectivamente, sugerindo por sua vez a presença de quatro oligossacarídeos N-ligados diferentes.

Palavras-chave: Líquens; glicoproteínas; oligossacarídeos N-ligados; derivatização; purificação

ABSTRACT

The lichens Sticta tomentosa and Sticta damaecornis were extracted to obtain glycoproteins. The extracts were fractionated with 30-80% saturation (NH4)2SO4. The fractions were reduced, alkylated and after dialysis the material were digested with trypsin. The digests were dialyzed, freeze-dried and analyzed in reverse-phase high performance chromatography (RP-HPLC) based on the peptide hydrophobicity.N-linked oligosaccharides were removed from glycopeptides with PNGase A and analyzed by HPAEC-PAD that indicated the presence of several peaks between 12 to 17 min. The reducing oligosaccharides were reacted with NH4HCO3 to form oligosaccharides-glycosylamines and then derivatized with N-hydroxysuccinimidyl ester of Boc-tyrosine, resulting in tyrosinamide-oligosaccharides with sufficient hydrophobicity to facilitate RP-HPLC separation. RP-HPLC purification of asialyl tyrosinamide oligosaccharides from S. tomentosa showed two peaks eluted at 11 and 18 min. The asialyl tyrosinamide oligosaccharides from S. damaecornis eluted as four peaks at 11, 13, 18,2 and 18,4 min. The components that eluted at 11 min for both lichens showed the same monosaccharide composition.

Key-words: Lichens; glycoproteins; N-linked oligosaccharides; derivatization; purification

Introdução

Os líquens Sticta tomentosa e Sticta damaecornis, pertencentes à família Lobariacea, foram selecionados como fonte primária para esta pesquisa devido ao seu elevado teor protéico (~15%)9. Os líquens são resultantes de uma associação simbiótica entre um fungo, denominado micobionte, e uma alga ou cianobactéria denominada fotobionte1. Esta associação consiste em um mecanismo adaptativo mútuo no qual o fotobionte fornece o componente energético e o fungo, por sua vez, através de estrutura especializada, contribui com o fator proteção2. A importância de se estudar oligossacarídeos N-ligados está relacionada à descoberta de que estes açúcares são capazes de interagir com alta afinidade e especificidade com lectinas endógenas19. Usufruindo desta propriedade, o acoplamento de drogas a estes oligossacarídeos tem se mostrado uma ferramenta promissora para o transporte de medicamentos a locais específicos do corpo3. Os oligossacarídeos N-ligados, quando isolados em grande escala, apresentam importante utilidade no que diz respeito a ensaios biológicos. A derivatização prévia ao processo de purificação, ao introduzir um anel aromático passível de ser marcado por radioisótopos, permite o acompanhamento da atividade biológica19. Os oligossacarídeos N-ligados com estrutura conhecida podem ainda servir como substrato para sínteses enzimáticas que buscam por raras ou novas estruturas oligossacarídicas, difíceis de serem obtidas da fonte natural17. Para elucidar a base molecular dos fenômenos nos quais as glicoproteínas e, principalmente, as suas cadeias de açúcar estão envolvidas são indispensáveis informações a respeito de sua estrutura química. As glicoproteínas estão inseridas no grupo dos glicoconjugados, compostos por carboidrato e proteína, estando estes componentes unidos por ligação covalente4. Neste trabalho, buscou-se obter a porção carboidrato das glicoproteínas liquênicas utilizando métodos químicos e enzimáticos apropriados. A metodologia adotada foi a mesma para ambos os líquens permitindo assim um raciocínio associativo e comparativo. Vale ressaltar que estudos em glicoproteínas liquênicas são praticamente inexistentes, restringindo-se a poucas publicações12,16. Considerando este fato, as técnicas preexistentes usadas em química de glicoproteínas e carboidratos foram adaptadas ao presente estudo.

Materiais e métodos

Extração e fracionamento das glicoproteínas

Os líquens S. tomentosa e S. damaecornis, coletados no Horto Florestal de Campos do Jordão-SP sob a supervisão de um liquenologista15, foram limpos, secos e moídos separadamente resultando em um pó liquênico. Para extração das glicoproteínas nativas, a partir do pó liquênico, utilizou-se tampão fosfato de sódio 100 mM pH 7,2 contendo NaCl 200 mM. A extração ocorreu à temperatura de 4° C, com agitação, por um período de 56 horas. Em seguida, a suspensão foi filtrada em tecido sintético e o filtrado obtido (Extrato Bruto) foi centrifugado a 18.000 g, por 20 minutos. Alíquotas do Extrato Bruto foram reservadas para dosagens e ensaios posteriores. O restante do material foi fracionado por precipitação com sulfato de amônio em diferentes cortes de saturação com os intervalos 0-30%, 30-80%, 80-100% de saturação e Sobrenadante Final, para ambos os líquens. Alíquotas representativas de cada fração foram submetidas a quantificação de carboidrato e de proteína pelos métodos de fenol-ácido-sulfúrico11 e Bradford5, respectivamente.

Hidrólises das frações

Alíquotas referentes a todos os intervalos do fracionamento foram submetidas a hidrólise para análise qualitativa e quantitativa dos monossacarídeos presentes. A hidrólise ácida para açúcares neutros se processou pela adição de 200 mL de TFA 2M às frações liofilizadas13. Cada um dos tubos foi purgado com nitrogênio e colocado em placa de aquecimento a 100° C por um período de 7 horas. O ácido foi removido por evaporação utilizando-se uma centrífuga a vácuo (HETO-DNA plus) seguido por três ciclos de adição de 500 mL de água deionizada e evaporação. Os monossacarídeos foram quantificados por cromatografia líquida de alta pressão (HPAEC) composto de um sistema Dionex DX 500 e um Detector de Amperometria Integrada (IAD). Os açúcares neutros foram separados isocraticamente (H2O) usando uma coluna analítica CarboPac PA10 (4 C 250 mm) equipada com uma pré-coluna PA10 e fluxo de 1,2 mL/min. O tratamento dado aos açúcares aminados diferiu dos neutros apenas nas condições de hidrólise ácida e da corrida cromatográfica. A hidrólise se processou pela adição de 200 mL de HCl 4M e aquecimento à 100° C por 8 horas13. Os monossacarídeos aminados foram separados isocraticamente (NaOH 12 mM), usando uma coluna CarboPac PA10 (4 X 250 mm) equipada com uma pré-coluna Aminotrap e fluxo de 1 mL/min. Para fins comparativos, utilizou-se como padrão uma mistura de monossacarídeos neutros e aminados com massas conhecidas.

Obtenção de oligossacarídeos N-ligados

As frações 30-80% dos líquens S. tomentosa (St30-80%)e S. damaecornis (Sd30-80%)contendo as glicoproteínas nativas foram reduzidas e alquiladas pela adição de ditioltreitol (DTT) e iodoacetamida (IAA), respectivamente19. Em seguida as frações foram submetidas à digestão enzimática com tripsina, 37° C, por 24 horas. Foi preparado um "branco" da reação com a tripsina, obedecendo as mesmas condições impostas às frações. Os glicopeptídeos obtidos após digestão enzimática com tripsina, assim como o branco da reação, foram aliquotados e analisados em HPLC (cromatografia líquida em fase reversa) constituído de dois módulos SHIMADZU-LÍQUID CHROMATOGRAPH – 10 AD e um detector SHIMADZU UV-VIS SPD – 10A. Os cromatogramas foram registrados em um integrador modelo CROMATOPAC C-R6A. Os glicopeptídeos foram separados por um sistema gradiente constituído de ácido trifluoracético 0,1% em água deionizada e acetonitrila 100% em uma faixa de 0 a 100% crescente para o solvente orgânico. Para esta análise utilizou-se uma coluna hidrofóbica Shim-pack CLC-C8 (M) (4,6 mm X 25) e fluxo de 1,0 mL/min. Os glicopeptídeos, por sua vez, foram digeridos pela enzima N-Glicosidase A (37° C em banho-maria por 210 horas) liberando os oligossacarídeos N-ligados. Esta reação foi acompanhada por HPAEC injetando-se alíquotas de 10 mL em coluna CarboPac PA 100, eluída com gradiente de acetato de sódio 0-150 mM em NaOH 100 mM, com fluxo de 1 mL/min e detecção em amperometria integrada na sensibilidade de 50 nC. Após esta reação, adicionou-se ao sistema a enzima sialidase mantendo-se as mesmas condições anteriores por mais 24 horas. O digesto de cada fração composto de peptídeos que perderam a porção carboidrato, oligossacarídeos N-ligados e glicopeptídeos O-ligados foram aplicados em coluna de troca iônica mista eluída com água deionizada. Os oligossacarídeos eluídos no volume morto da coluna foram lidos em 214 nm em espectrofotômetro Shimadzu UV-1601 em cubetas de quartzo de 1 mL. De todas as etapas para obtenção dos oligossacarídeos N-ligados mencionadas até então foram retiradas alíquotas para dosagens de açúcares e proteínas e hidrólises de açúcares neutros e aminados.

Derivatização dos oligossacarídeos N-ligados

Os oligossacarídeos reduzidos presentes em ambas as frações foram solubilizados em água deionizada, em excesso de bicarbonato de amônio a fim de se obter uma solução supersaturada. Este sistema permaneceu em reação a 50° C por um período de 24 h19. Ao término da reação o material foi imediatamente aplicado em uma coluna de filtração em gel Sephadex G-25 (volume: 22,75 mL) eluída com solução de bicarbonato de amônio 10mM pH 8,0 para dessalificação. O material coletado foi submetido a leitura espectrofotométrica em 214 nm, liofilizado, solubilizado em água deionizada a baixa temperatura e alíquotas foram analisadas em HPAEC. Os oligossacarídeos glicosilaminados provenientes da reação anterior foram solubilizados em uma solução contendo dimetilformamida (DMF), trietilamina e Boc-Tirosina hidroxissucinamida éster. Esta reação se processou por 3 h a 50° C19. Em seguida o material contendo os oligossacarídeos derivatizados foi aplicado em uma coluna de filtração em gel Sephadex G-25 (volume: 35,6 mL) eluída com solução de piridina-ácido acético 2,5 % e o material coletado lido em 280 nm. As reações para formação de glicosilamina e tirosinamida-oligossacarídeos foram acompanhadas por HPAEC, seguindo as condições estabelecidas para o acompanhamento da reação com a N-glicosidase A citadas anteriormente.

Purificação dos oligossacarídeos por cromatografia líquida em fase reversa

As amostras referentes às frações 30-80% de ambos os líquens foram solubilizadas em água deionizada e, em seguida, injetadas em HPLC (St30-80%=165 mg/20mL e Sd30-80%=100 mg/20mL) de forma sucessiva até que todo o material se esgotasse. Um padrão de Boc-tirosina hidroxissuccinamida éster foi injetado em HPLC nas mesmas condições daquelas impostas às frações. Os oligossacarídeos derivatizados foram detectados por HPLC em 280 nm e a separação destas estruturas foi feita aplicando-se um gradiente constituído de ácido trifluoracético 0,1% em água deionizada e acetonitrila 100% contendo TFA 0,1% em uma faixa de 0 a 100% crescente para o solvente orgânico, com fluxo de 1,0 mL/min. Para coleta dos oligossacarídeos conectou-se ao detector do HPLC um coletor de frações FRAC-100 Pharmacia Biotech. Uma válvula solenóide PSV-50 0,2 Mpa/ 24 VDC foi integrada a estes dois sistemas para estabelecer a harmonia entre coleta e desprezo de material.

Resultados e discussão

As glicoproteínas liquênicas presentes no extrato bruto foram precipitadas pela adição crescente de sulfato de amônio resultando nas frações 0-30%, 30-80%, 80-100% de saturação e sobrenadante final para ambos os líquens em estudo. Alíquotas de todas as frações foram submetidas a dosagens de proteínas e carboidratos totais. As frações St30-80%e Sd30-80% revelaram maior proximidade na equivalência da relação proteína-carboidrato, se comparado às demais frações, o que sugere presença de glicoproteínas (Tabela 1). Conhecendo-se o conteúdo de açúcares totais torna-se necessário o conhecimento da composição monossacarídica das estruturas. Esta informação ajuda a prever o tipo de oligossacarídeo presente e a futura caracterização detalhada de sua estrutura. Para tanto, as frações foram submetidas a hidrólises ácidas para açúcares neutros e aminados. A análise em HPAEC revelou teor predominante de manose, glucose e glucosamina, monossacarídeos estes comuns às estruturas de oligossacarídeos complexos (Tabela 2). Este fato veio reforçar a possibilidade destas frações serem fontes de oligossacarídeos N-ligados incentivando os experimentos seguintes.

Métodos químicos e enzimáticos para liberação dos oligossacarídeos N-ligados são previamente requisitados quando se busca a purificação destas estruturas. A Figura 1 ilustra a seqüência de reações necessárias para a obtenção de oligossacarídeos N-ligados. A N-glicosidase A atua clivando a ligação do resíduo proximal de N-acetilglucosamina da porção oligossacarídica ao nitrogênio amida da asparagina da cadeia protéica, liberando os oligossacarídeos N-ligados.


No entanto, é sabido que glicopeptídeos são mais eficientemente digeridos por esta endoglicosidase se comparados à glicoproteína nativa8. Obedecendo este princípio as glicoproteínas nativas presentes nas frações St30-80% e Sd30-80% foram previamente reduzidas, alquiladas e digeridas pela enzima tripsina para obtenção de glicopeptídeos. A redução e alquilação são reações químicas que devem preceder a digestão enzimática com tripsina por alterar a estrutura química do substrato tornando-o mais suscetível a ação enzimática da tripsina. A redução pelo DTT tem por objetivo romper as ligações dissulfeto que são formadas pelo grupo sulfidrila (-SH) de cada um de dois resíduos de cisteína. Ao romper esta ligação, o DTT, como agente redutor, acrescenta um hidrogênio à valência livre do átomo de enxofre alterando a estrutura terciária da glicoproteína para uma forma mais linear6. A estabilização desta estrutura linear resultante da glicoproteína, é obtida pela inserção de um grupamento alquil quando em reação com IAA. Os glicopeptídeos resultantes da digestão enzimática com tripsina presentes em ambas as frações dos líquens S. tomentosa e S. damaecornis foram analisados por HPLC revelando a presença de glicopeptídeos solúveis, o que é coerente com aumento relativo da porção carboidrato na estrutura glicopeptídica. Uma vez obtidos os glicopeptídeos, a enzima N-glicosidase A foi adicionada às duas frações para obtenção de oligossacarídeos N-ligados. Análises comparativas da digestão de glicopeptídeos em HPAEC, antes e após a adição da N-glicosidase A, revelaram a presença de novos picos correspondentes aos oligossacarídeos oriundos da clivagem dos glicopeptídeos. O tratamento enzimático com a sialidase visa a remoção do ácido neuramínico dos oligossacarídeos, tornando-os açúcares neutros e melhorando o rendimento após coluna de troca iônica mista, pois este monossacarídeo acídico fica aderido ao componente aniônico da coluna (base AGX2: forma acetato). O material referente a cada fração contendo os glicopeptídeos O-ligados, peptídeos que perderam a porção carboidrato e a mistura de oligossacarídeos N-ligados foi submetido a centrifugação com o objetivo de remover os peptídeos neutros que por serem hidrofóbicos são insolúveis. O sobrenadante obtido após centrifugação foi aplicado em coluna de troca iônica mista . Os oligossacarídeos N-ligados, por apresentarem caráter neutro, eluíram no volume morto da coluna enquanto que os peptídeos carregados e os glicopeptídeos O-ligados ficaram aderidos ao componente aniônico ou catiônico da coluna. O acompanhamento do teor monossacarídico no decorrer das etapas até então mencionadas foi feito em HPAEC após hidrólise ácida para açúcares neutros e aminados revelando os resultados apresentados pelas Tabelas 3 (St30-80%) e 4 (Sd30-80%). Observando-se as tabelas referentes as hidrólises para açúcares neutros e aminados nota-se que os monossacarídeos galactose, glucose e manose estão presentes em quantidades significativamente maiores enquanto que apenas traços de arabinose e fucose foram detectados, uma vez que esses açúcares são degradados nas condições de hidrólise utilizadas13. A quantidade de oligossacarídeos recuperadas de cada etapa para a obtenção de oligossacarídeos N-ligados pode ser determinada pela análise quantitativa de glucosamina14. Em relação aos monossacarídeos aminados referentes a St30-80% observa-se um aumento significativo da porcentagem relativa de glucosamina (de 75% para 97%) sugerindo que com o decorrer das etapas foi possível aumentar a concentração relativa de oligossacarídeos N-ligados. Comportamento semelhante foi observado para a fração Sd30-80% que revelou ao final das etapas de purificação uma porcentagem relativa de glucosamina de 95%.

Uma vez obtida a mistura de oligossacarídeos complexos provenientes de ligação N- por meio das etapas anteriores, torna-se necessário separar estas moléculas. No entanto, fatores como peso molecular muito próximos, semelhança estrutural, caráter hidrofílico e ausência de um grupo cromóforo intrínseco dificultam esse processo. Uma maneira eficaz de contornar esta situação é a derivatização prévia da mistura oligossacarídica com a inserção de um grupo cromóforo hidrofóbico que seja capaz de auxiliar na detecção desse grupo de biomoléculas bem como permitir uma separação, usando um gradiente durante a cromatografia líquida de alta pressão, em fase reversa18.

Este procedimento envolve duas etapas principais onde primeiramente se tem a formação de glicosilamina oligossacarídeo e em seguida formação de tirosinamida oligossacarídeos18. Sendo assim o material, referente às duas frações contendo os oligossacarídeos complexos reduzidos foi solubilizado em pequena quantidade de água deionizada e posto em reação com excesso do sal bicarbonato de amônio. A saturação do meio com bicarbonato de amônio é necessária para que a reação seja favorecida no sentido de formação de glicosilamina-oligossacarídeo10. O mecanismo para esta reação não está completamente esclarecido (Figura 2), porém sabe-se que o nitrogênio do bicarbonato de amônio reage com a hidroxila livre do carbono anomérico dos oligossacarídeos, formando um composto chamado glicosilamina-oligossacarídeo. Os glicosilamina oligossacarídeos recuperados após cromatografia de filtração em gel foram imediatamente congelados para evitar a reversibilidade da reação. Posteriormente, na derivatização dos glicosilamina-oligossacarídeos com Boc-tirosina hidroxissuccinamida éster, ocorre a formação de uma ligação amida entre o nitrogênio do grupo amino previamente inserido na estrutura dos oligossacarídeos e o carbono carboxílico do reagente.


Os glicosilamina-oligossacarídeos, a princípio insolúveis no meio reacional, passam a adquirir solubilidade crescente pela esterificação de todos os grupos hidroxil, conferindo assim caráter apolar aos oligossacarídeos que então se tornam solúveis em DMF8. Ao final da reação, a adição de hidróxido de sódio 1M ao sistema tem como objetivo hidrolisar as ligações éster, poupando a ligação amida e o grupo cromóforo10. Os tirosinamida-oligossacarídeos resultantes da derivatização foram recuperados livres do excesso de reagentes aplicando-se as frações St30-80% e Sd30-80% em coluna de filtração em gel. O material coletado foi lido a 280 nm, comprimento de onda capaz de ser absorvido pelo anel aromático presente na estrutura do tirosinamida oligossacarídeo. O grupo Boc introduzido na derivatização diminui a polaridade dos oligossacarídeos e favorece a separação dos mesmos em fase reversa. O comportamento dos oligossacarídeos reduzidos, glicosilamina-oligossacarídeos e tirosinamida oligossacarídeos, em HPAEC, referente às frações St30-80% e Sd30-80% está ilustrado na Figura 3.


O princípio da separação no HPAEC, para carboidratos, baseia-se na formação de íons alcóxidos , em pH alcalino, que interagem fortemente com a resina aniônica da coluna PA-100. Para eluição dessas moléculas um gradiente de acetato de sódio (íon puxador) em NaOH, favorece a retirada das mesmas. Pode ser observado na Figura 3 que glicosilamina-oligossacarídeos são retidos por tempo menor na coluna PA-100 (cromatograma B) quando comparados aos mesmos oligossacarídeos reduzidos (cromatograma A), uma vez que a substituição da hidroxila do carbono anomérico por grupamento amina (Figura 2) gera estruturas com menor afinidade pela resina. O contrário acontece pela inserção do grupo Boc-tirosina (cromatograma C) aos glicosilamina-oligossacarídeos8, que são retidos por tempo maior na coluna. A Tabela 5 fornece os intervalos de tempos de retenção das estruturas oligossacarídicas das frações St30-80% e Sd30-80%.

Uma vez obtida a mistura oligossacarídica derivatizada o passo seguinte do processo envolve a separação dessas estruturas por HPLC, em fase reversa17. O princípio da separação na cromatografia líquida em fase reversa baseia-se na hidrofobicidade das estruturas analisadas. Sabendo-se que os oligossacarídeos são dotados de caráter altamente hidrofílico a inserção do grupo Boc-tirosina, no processo de derivatização, tem o benefício adicional, além de proporcionar a detecção em 280 nm, de permitir que tais moléculas adquiram características mais apolares, aumentando sua interação com a coluna e possibilitando o uso de um gradiente (acetonitrila em 0,1% de TFA) para a separação individual de cada uma destas estruturas

Oligossacarídeos complexos com elevado percentual de manose, geralmente eluem antes dos oligossacarídeos híbridos e complexos8.Estruturas com muitos resíduos de N-acetilglucosamina são retidas por mais tempo devido, provavelmente, a interação direta do grupo acetil com o suporte da fase reversa17.

Na purificação, por HPLC, dos oligossacarídeos derivatizados da fração St30-80% (Figura 4A) foram obtidos dois componentes principais denominados de P1 e P2 eluídos, respectivamente , nos tempos 11,8 e 18,3 minutos (Figura 4A). Quando, individualmente, submetidos à hidrólise ácida para açúcares neutros apresentaram uma relação molar de galactose:glucose:manose de 2,0:1,0 ;1,5 (P1) e 2,0:1,0:1,0 (P2) e para os açúcares aminados galactosamina:glucosamina de 1,0:19,0 (P1) e 1,0:20,0 (P2).



Os oligossacarídeos derivatizados da fração Sd30-80% (Figura 4B) forneceram dois componentes principais denominados de P1 e P2 e dois menores P3 e P4, eluídos nos tempos de retenção de 11,8, 13,1, 18,4 e 18,7 minutos, respectivamente. A hidrólise ácida dos componentes majoritários forneceu os açúcares galactose:glucose:manose na relação molar de 2,0:1,0:1,5 (P1) e 2,0:1,0:1,3 (P2) enquanto a relação galactosamina:glucosamina foi a mesma para ambos os componentes (1,0:19,0). Os dois componentes minoritários não puderam ser analisados por terem sido obtidos em quantidade insuficiente.

Oligossacarídeos obtidos desta forma são química e enzimaticamente estáveis e convenientemente quantificados pela absorbância da tirosina, presente no grupo de derivatização18. Quando obtidos em quantidade suficiente podem ser caracterizados quimicamente por ressonância magnética nuclear e espectrometria de massas8,10,17,18, bem como utilizados em testes biológicos7.

Conclusão

As frações St30-80% e Sd30-80% apresentaram maior percentagem relativa de proteínas e carboidratos sugerindo a presença de glicoproteínas. As análises de hidrólise para açúcares neutros e aminados por HPAEC revelaram quantidade significativa de manose e glucosamina nestas frações, monossacarídeos comuns em glicoproteínas. Procedimentos químicos e enzimáticos sucessivos liberaram oligossacarídeos N-ligados, sendo essas reações acompanhadas por injeções de alíquotas em HPAEC. A purificação das estruturas oligossacarídicas de cada fração, após processo de derivatização pré-coluna, se efetuou por HPLC, fase reversa.

Para a mistura oligossacarídica derivatizada proveniente da fração St30-80% foram isolados, por HPLC, dois oligossacarídeos principais, com diferentes tempos de retenção. A fração Sd30-80% apresentou quatro picos distintos, correspondentes a quatro diferentes oligossacarídeos. De acordo com a composição monossacarídica de cada um dos oligossacarídeos eluídos no HPLC é possível constatar que aqueles com maior teor de manose eluem mais rápido nas condições da corrida, enquanto aqueles com maior percentagem de glucosamina, permanecem mais tempo retidos na coluna hidrofóbica.

Durante todo o processo para obtenção de oligossacarídeos N-ligados observou-se comportamento semelhante das frações. A reprodutibilidade dos resultados sugere a eficácia da metodologia aplicada no que diz respeito a obtenção de oligossacarídeos N-ligados a partir das glicoproteínas dos líquens S. tomentosa e S. damaecornis, pertencentes à família Stictaceae.

Agradecimentos

Os autores agradecem a Fapesp, CNPq e FUNDUNESP pelo apoio financeiro dispensado ao trabalho.

Recebido em 28.01.2002

Aceito em 25.02.2002

  • 1 AHMADJIAN,V. The lichen symbiosis London: Blaisdell Publishing Company, 1967. 152p.
  • 2 AHMADJIAN,V.; HALE, M.E. The lichens New York: Academic Press, 1973. p.151-545.
  • 3 BERGER, E.G.; BUDDECKE, E.; KAMERLING, J.P.; KOBATA, A.; PAULSON, J.C.; VLIEGENTHART, J.F.G. Structure, biosynthesis and functions of glycoprotein glycans. Experientia, v.38, p.1129-1258, 1982.
  • 4 BOCHKOV, A.F. Carbohydrates. Midsomer Norton: Bookcraft. 1993. p.152.
  • 5 BRADFORD, M.M. A rapid and sensitive method for the quantitation of microgram quantities of protein utilizing the principle of protein-dye binding. Anal. Biochem., v.72, p.248-254, 1976 .
  • 6 CHAMBERS, J.A.A.; RICKWOOD,D. Biochemistry labfax. Oxford: Bios Scientific, 1993. v.1, p.17.
  • 7 CHIU, M.H.; TAMURA, T.; WADHWA, M.S.; RICE, K.G. J. In vivo targeting function of N-linked oligosaccharides with terminating galactose and N-acetylgalactosamine residues. Biol. Chem, v.269, p.16195-16202, 1994.
  • 8 CORRADI DA SILVA, M.L., STUBBS, J. H., TAMURA, T.; RICE, K. G. 1H NMR characterization of a hen ovalbumin tyrosinamide N-linked oligosaccharide library. Arch. Biochem. Biophys, v.318, p.465-475,1995.
  • 9 CORRADI DA SILVA, M.L.; IACOMINI, M.; JABLONSKI, E.; GORIN, P.A.J. Carbohydrate, glycopeptide and protein composition of the lichen Sticta sp and effect of storage.Phytochemistry, v.33, p.547-552, 1993.
  • 10 SILVA, M.L.C.; TAMURA, T.; RICE, K.G. Derivatization and purification of bisecting tyrosinamide-oligosaccharides from ovotransferrin. Arch. Biochem. Biophys, v.315, p.460-466, 1994.
  • 11 DUBOIS, M.; GILLES, K.A.; HAMILTON, J.K.; REBERS, P.A.; SMITH, F. Colorimetric method for determination of sugar and related substances. Anal. Chem., v.28, p.350-356, 1956.
  • 12 ELÍFIO, S.L.; CORRADI DA SILVA, M.L.; IACOMINI M.; GORIN, P.A.J. A lectin from the lichenized basidiomycete Dictyonema glabratum.New Phytol., v.148, p.327-334, 2000.
  • 13 FUKUDA, M.; KOBAT, A. Glycobiology a practical approach. New York: IRL PRESS, 1993, p.37-42.
  • 14 HARDY, M. R.; TOWNSEND, R. R.; LEE, Y. C. Monosaccharide analysis of glycoconjugates by anion-exchange chromatography with pulsed amperometric detection. Anal Biochem., v.170, p.54-62, 1988.
  • 15 MARCELLI, M.P.; AHTI, T. Recollecting Edvard August Vainio. São Paulo: CETESB, 1998. 188p.
  • 16 PETIT, P.; LALLEMANT, R.; SAVOYE, D. Purified phytolectin from the lichen Peltigera canina var. canina wich binds to the phycobiont cell wall and its use as cytochemical marker, in situ. New Phytol., v. 94, p.103-110, 1983.
  • 17 RICE, K.G.; CORRADI DA SILVA, M.L. Preparative purification of tyrosinamide N-linked oligosaccharides. J. Chromatogr. A, v.720, p.235-249, 1996.
  • 18 TAMURA, T.; WADHWA, M.; CHIU, M.H. CORRADI DA SILVA, M.L.; McBROOM, T.; RICE, K.G. Preparative of tyrosinamide-oligosaccharides as iodinatable glycoconjugates. Meth. Enzymol, v.247, p. 43-55, 1994.
  • 19 Tamura, T.; Wadhwa, M.S.; Rice, K.G. Reducing-end modification of N-linked oligosaccharides with tyrosine. Anal. Biochem., v.216, p.335-344, 1994.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Abr 2003
  • Data do Fascículo
    2002

Histórico

  • Aceito
    25 Fev 2002
  • Recebido
    28 Jan 2002
Fundação Editora da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - UNESP Instituto de Química / UNESP, 14801-970 Araraquara SP Brazil, Tel.: +55 16 3301-9636/3301-9631 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: ecletica@iq.unesp.br