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Caracterização de cálculos renais por análise térmica

Characterization of kidney stone by thermal analysis

Resumos

Dez amostras de cálculos renais foram estudadas por Análise Elementar de CHN (EA), Espectroscopia de Absorção no Infravermelho (IV) e Difração de raios X pelo método de Pó (XRD). O comportamento térmico das amostras foi estudado por Termogravimetria/Termogravimetria Derivada (TG/DTG) e por Calorimetria Exploratória Diferencial (DSC). Os resultados de EA, Espectroscopia de Absorção IV e XRD mostraram a presença de estruvita [NH4Mg(PO4).6H2O], apatita, oxalato de cálcio monohidratado e oxalato de cálcio dihidratado. As curvas TG e DSC permitiram classificar as amostras em dois grupos diferentes: Grupo I mostrando comportamento térmico típico de estruvita e Grupo II apresentando um perfil termoanalítico característico de mistura de oxalatos.

Pedras de Rins; Cálculo Urinário; Estruvita; Análise Térmica


Ten samples of kidney stone had been studied through elemental analysis of CHN (EA), Infrared Absorption Spectroscopy and X-Ray Powder Diffraction (XRD). The thermal behavior of the samples is studied by Thermogravimetry/Derivative Thermogravimetry (TG/DTG) and Differential Scanning Calorimetry (DSC). The results of AE, IV absorption Spectroscopy and XRD showed the presence of struvite (NH4Mg [PO4].6H2O), apatite, monohydrated calcium oxalate and dihydrated calcium oxalate. The TG and DSC curves allowed to classify the samples in two different groups: Group I show typical thermal behavior of struvite and Group II present a profile thermal analytical characteristic of a mixture of calcium oxalate.

Kidney stone; Urinary Calculi; Struvite; Thermal Analysis


Caracterização de cálculos renais por análise térmica

Characterization of kidney stone by thermal analysis

C. H. D. BrancoI; A. L. SilvaII, * * jmluiz@feg.unesp.br ; J. M. LuizII; L. P. MercuriIII; J. R. MatosIV

IHospital Escola da Faculdade de Medicina de Valença - RJ

IIFaculdade de Engenharia de Guaratinguetá - FEG/UNESP

IIICETEC-Universidade Cruzeiro do Sul-UNICSUL

IVDepto. de Química Fundamental-IQ/USP

RESUMO

Dez amostras de cálculos renais foram estudadas por Análise Elementar de CHN (EA), Espectroscopia de Absorção no Infravermelho (IV) e Difração de raios X pelo método de Pó (XRD). O comportamento térmico das amostras foi estudado por Termogravimetria/Termogravimetria Derivada (TG/DTG) e por Calorimetria Exploratória Diferencial (DSC). Os resultados de EA, Espectroscopia de Absorção IV e XRD mostraram a presença de estruvita [NH4Mg(PO4).6H2O], apatita, oxalato de cálcio monohidratado e oxalato de cálcio dihidratado. As curvas TG e DSC permitiram classificar as amostras em dois grupos diferentes: Grupo I mostrando comportamento térmico típico de estruvita e Grupo II apresentando um perfil termoanalítico característico de mistura de oxalatos.

Palavras Chaves: Pedras de Rins; Cálculo Urinário; Estruvita; Análise Térmica.

ABSTRACT

Ten samples of kidney stone had been studied through elemental analysis of CHN (EA), Infrared Absorption Spectroscopy and X-Ray Powder Diffraction (XRD). The thermal behavior of the samples is studied by Thermogravimetry/Derivative Thermogravimetry (TG/DTG) and Differential Scanning Calorimetry (DSC). The results of AE, IV absorption Spectroscopy and XRD showed the presence of struvite (NH4Mg [PO4].6H2O), apatite, monohydrated calcium oxalate and dihydrated calcium oxalate. The TG and DSC curves allowed to classify the samples in two different groups: Group I show typical thermal behavior of struvite and Group II present a profile thermal analytical characteristic of a mixture of calcium oxalate.

Keywords: Kidney stone; Urinary Calculi; Struvite; Thermal Analysis.

Introdução

Os cálculos urinários vêm afligindo o ser humano desde a antiguidade, sendo que os primeiros registros acusam a presença de cálculos renais em múmias egípcias datadas de 4.800 A.C [01]. Atinge cerca de 3 a 5% da população, ocorrendo principalmente em adultos com idade entre 30 e 50 anos de vida e com incidência três vezes maior no sexo masculino [02]. A composição química, a estrutura e o arranjo interno dos cálculos urinários são fundamentais para o entendimento dos mecanismos de sua formação e crescimento, permitindo uma correlação entre o quadro clínico e os hábitos de um paciente com a composição do cálculo a ser formado. Os mecanismos envolvidos na formação dos cálculos urinários são múltiplos e, para que isso ocorra, é necessária a participação de vários destes mecanismos. Esta precipitação de cristais é resultante da supersaturação urinária influenciada pela eliminação de solutos excretados pelos rins, pelo pH e pelo volume urinário. Quando existe a super-saturação ocorre a nucleação e são formados os cristais. Este núcleo formado servirá de superfície para depósitos de novos cristais levando ao crescimento do cálculo. Nancollas [3] e Robertson [4] relataram vários fatores fisico-químicos envolvidos na cinética do crescimento dos cristais e a formação de cálculos renais. Em decorrência destes mecanismos formadores e inibidores da cristalização/formação de cálculos, os pacientes formarão cálculos compostos por variadas espécies, sendo rara a formação de cálculos puros, porém sendo freqüente a predominância de um determinado elemento constituinte do cálculo urinário. Borden e Lyon [05] estudaram a influência do pH e da presença de magnésio na formação de cálculos de oxalato de cálcio. Eliiot [06] procurou correlacionar os aspectos clínicos e químicos na formação de cálculos de oxalatos de cálcio. Ansari e colaboradores [07] estudaram cerca de 1050 amostras de cálculo renal através da Difração de raios X. A decomposição térmica de estruvita, um mineral encontrado em tratos urinários e cálculos renais foi estudada por Frost [08]. Cerca de 200 cálculos renais foram estudados através Termogravimetria e por Espectroscopia Vibracional na Região do Infravermelho por Afzal e colaboradores [09].

Objetivos

Este trabalho tem como objetivo analisar as características de cálculos urinários através de técnicas analíticas e físico-químicas, visando à facilitação de estratégias, durante o ato cirúrgico, para melhor fragmentação do cálculo em função de sua constituição.

Materiais e Métodos

Dez amostras de cálculos renais provenientes de pacientes da Faculdade de Medicina de Valença (RJ) foram caracterizadas através da Análise Elementar (AE) de CHN, por Espectroscopia de Absorção na Região do IV (FTIR) e por Difratometria de raios X (XRD). Os resultados de Análise Elementar e Espectroscopia Vibracional na Região do Infravermelho foram obtidos na Central Analítica do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP-SP). Os resultados de Difração de raios X pelo método de pó foram obtidos no Departamento de Mineralogia e Geotectônia, do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (USP, SP). Na caracterização termoanalítica foram usadas as técnicas TG/DTG e DSC utilizando, respectivamente, uma termobalança TGA-50 e uma célula DSC-50 da Shimadzu do Laboratório de Análise Térmica "Prof. Ivo Giolitos" do Departamento de Química Fundamental do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP-SP), sob as seguintes condições: atmosfera dinâmica de ar sintético, razão de aquecimento de 10°C/min, cadinhos de Pt (para TG/DTG) e de Al (para DSC) e massa de amostra entre 2 e 5 mg.

Resultados e discussão

Os resultados de AE, Espectroscopia IV e Difração de raios X permitiram classificar as amostras em dois grupos distintos: GRUPO I) %C entre 2,5 e 3,7% e %N duas a cinco vezes maior do que nas amostras do grupo II; modos vibracionais característicos de fosfatos, indicando a presença de estruvita nas amostras. GRUPO II: %C entre 13 e 18%, modos vibracionais característicos de oxalato de cálcio mono hidratado, o que foi confirmado por XRD. Os resultados são apresentados na Tabela 1.

Os resultados de Espectroscopia Vibrational na Região do Infravermelho são mostrados nas Figuras 1 e 2. Segundo Afzal [09] a distinção entre as duas formas hidratadas do oxalato de cálcio pode ser acompanhada identificando a presença ou ausência de um pico adicional em 960 cm-1. A forma mono hidratada exibe dois picos de baixa intensidade em 952 e 880 cm-1, enquanto que a forma dihidratada, em lugar desses picos, mostra uma única absorção em 915 cm-1. Alem disso a forma mono hidratada mostra absorções em 660 e por volta de 515 cm-1, enquanto que a primeira absorção está ausente no dihidratado e em seu lugar aparece uma banda de absorção por volta de 600 cm-1. A banda de absorção por volta de 1639 cm-1 no dihidrato é larga e relativamente intensa. Ainda no caso dos dihidratos, a absorção em 780 cm-1 é larga e menos intensa do que nos monohidratos. Com relação à estruvita é relatado que os espectros na região do infravermelho apresentam uma banda de absorção forte e larga entre 3300-3030 cm-1 e um ombro em 2304 cm-1 atribuída a modos vibracionais na ligação N-H. Uma absorção muito forte e larga entre 1100-1000 cm-1 é característica do íon fosfato. Na região de 1437 cm-1 deve-se observar uma forte absorção devido à deformação do NH4+, alem de outras absorções em 1653, 1398, 881 e 760 cm-1. Conforme pode ser observado nas Figuras 1 e 2, os resultados aqui apresentados são compatíveis com as atribuições de Afzal [09].



Os difratogramas de raios X mostraram que algumas amostras apresentaram uma mistura de componentes, tais como apatita [Ca9(PO4)6 . CaX2] e estruvita [NH4Mg(PO4).6H2O]. Os resultados de XRD com a indicação do tipo dos cristais foram atribuídos conforme a comparação com a biblioteca PDF-II Ed. ICDD2001 e são apresentados na Tabela 1.

Através das curvas TG e DSC nas Figuras 3 a 6, das amostras analisadas, algumas considerações podem ser feitas em relação ao comportamento térmico e os resultados são apresentados na Tabela 2. As curvas TG na Figura 6 e DSC na Figura 4 das amostras 4, 5, 6, 7, 8 e 10 apresentam o mesmo padrão de comportamento térmico, atribuído a uma matriz de oxalato de cálcio. Pequenas variações são observadas com relação à posição dos eventos térmicos e também em relação à percentagem de massa perdida em cada uma das etapas. Entre 25ºC e aproximadamente 230ºC observa-se uma perda de massa que varia entre 7% e 14% que pode ser atribuída a saída de moléculas de água. Tal evento é acusado pelas curvas DSC com um pico endotérmico próximo a 170 ºC. Entre 225ºC e aproximadamente 500ºC observa-se uma perda de massa, que pode variar nas amostras, entre 10% e 23% sendo atribuída a decomposição térmica do oxalato de cálcio anidro até a formação do respectivo intermediário estável carbonato de cálcio. Nessa etapa, segundo Afzal [09], pode ocorrer a queima de matéria orgânica oriunda de tecidos e secreções do urotélio, que geralmente ficam impregnadas na matriz inorgânica. A queima desse material daria origem a um pico exotérmico, conforme pode ser observado nas curvas DSC na região de 450ºC. A última etapa de decomposição térmica envolve a liberação de CO2 a partir do carbonato de cálcio levando à formação do respectivo óxido. Observa-se ainda que o intermediário carbonato de cálcio permanece estável por uma faixa de temperatura da ordem de 80ºC.





As curvas TG e DSC mostram que as amostras 1, 2, 3 e 9, Figuras 5 e 3, respectivamente, formam outro grupo diferente do anterior. Em função dos resultados de Análise Elementar percebe-se que tais amostras apresentam um teor de nitrogênio maior do que as demais. Tal fato sugere que estas amostras apresentem uma matriz de Estruvita (fosfato duplo de amônio e magnésio hexahidratado). Além disso, os modos vibracionais apresentados nos espectros de absorção na região do infravermelho, dessas amostras, reforçam essa idéia. Do mesmo modo, as citações feitas por Afzal [09] em relação ao aspecto das curvas TG são coincidentes com o comportamento térmico apresentado por essas amostras. Entre 25ºC e 210ºC observa-se um perda de massa que pode chegar à 28% e é caracterizada por um pico DSC endotérmico bastante intenso próximo à 100ºC. Este pico pode ser atribuído a perdas de moléculas de água. Outro evento térmico importante ocorre de forma lenta e gradual até próximo a 890ºC onde há a formação de um resíduo com perda de massa por volta de 10,6%.

Os resultados obtidos através das técnicas termoanalíticas reforçam a observação feita através da Análise Elementar e da Espectroscopia de Absorção na Região do Infravermelho de que tais amostras podem ser classificadas em dois grupos distintos, com uma predominância de cálculos com uma matriz de Oxalato de Cálcio.

Conclusões

Apesar do reduzido número de amostras o presente trabalho possibilitou a abordagem de técnicas pouco utilizadas no meio clínico para a identificação dos cálculos urinários, apontando para a necessidade de uma melhor adequação dos laudos laboratoriais. As técnicas utilizadas mostraram-se eficiente, com resultados concordantes entre si, permitindo uma boa caracterização para este tipo de material podendo, futuramente, viabilizar uma correlação entre os diferentes tipos de cálculos renais e os dados clínicos do paciente. As amostras foram classificadas em dois grupos, com predominância de oxalato de cálcio. Cerca 40% das amostras apresentaram apatita em sua constituição. Este fato é surpreendente, pois a literatura indica que essa porcentagem geralmente está por volta de 5%.

As curvas TG/DTG e DSC confirmam a classificação das amostras em dois grupos distintos. As amostras do GRUPO I apresentam um comportamento térmico típico da estruvita, com perdas de massa entre 25 e 890ºC, de forma contínua sem formação de um intermediário estável. Um pico DSC, característico de desidratação, é observado próximo a 100ºC. As amostras do GRUPO II apresentam um perfil termoanalítico típico de oxalato de cálcio hidratado. Entre 25 e 230ºC são observadas perdas de massa, atribuída o processo de desidratação, evidenciadas por picos endotérmico nas curvas DSC. Entre 225 e 500ºC tem início o processos de decomposição térmica de oxalato de cálcio anidro e formação de carbonato de cálcio. Nessa etapa ocorre a queima de matéria orgânica de tecidos e secreções do urotélio, impregnada em matriz inorgânica, originando um pico DSC exotérmico, em torno de 450ºC. A etapa final de decomposição térmica envolve o liberação de CO2 a partir do CaCO3 e formação do respectivo óxido.

Agradecimentos

Os autores agradecem a Matheus M. Costa pela obtenção das curvas TG e DSC, Flávio M.S. Carvalho pela obtenção dos difratogramas de raios-x, a FAPESP, CAPES e CNPq.)

Bibliografia

Recebido 03 Novembro 2008

Aceito 08 Dezembro 2008

  • [01] P. C. Walsh, et al. Campbell's urology, 8th ed., Philadelphia: Saunders, (2002). v. 4, cap. 12, p. 3227-3452.
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  • [07] M. S. Ansari, N. P. Gupta, A. K. Hemal, P N. Dogra, A. Seth, M. Aron and T. P. Singh., Int. J. Urol, v. 12, p. 12 (2005).
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  • [9] M. Afzal, M. Iqbal, H. Ahmad. J. Thermal. Anal., v.38, 1671 (1992).Figura 3. Curvas DSC das amostras do Grupo I.
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Jan 2010
    • Data do Fascículo
      2009

    Histórico

    • Aceito
      08 Dez 2008
    • Recebido
      03 Nov 2008
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