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Características físico-químicas de ácidos húmicos em diferentes etapas da vermicompostagem

Resumos

Amostras de materiais coletados em diferentes estádios de vermicompostagem foram submetidas a procedimentos de extração de ácidos húmicos. Técnicas de titulação potenciométrica, termogravimetria (DTG), difração de raios X e espectrofotometria no uv/visível e no infravermelho foram utilizadas no estudo desses materiais. Os dados de titulação foram submetidos ao ajuste por regressão não-linear, determinando-se, assim, cinco valores de pKa característicos de cinco classes de grupos tituláveis. Nas curvas DTG, foram observadas duas etapas, sendo a primeira característica da separação de estruturas alifáticas e, ou, alicíclicas e a segunda, a decomposição de estruturas aromáticas. A difratometria de raios X apresentou diferenças marcantes nos resultados, principalmente nos três primeiros picos onde parecem ocorrer reorganização estrutural e polimerização ao longo do processo de vermicompostagem. Os espectros do infravermelho não apresentaram diferenciação entre os espectros. Os valores da razão E4/E6 encontrados estão de acordo com os característicos dos ácidos húmicos, mas não fornecem informações que possam contribuir para a elucidação da estrutura e formação desses ácidos.

titulação; termogravimetria; difração; espectrofotometria; regressão não-linear


Samples of materials, collected at different stages of vermicompostaging, were submitted to extraction procedures of humic acids. Titration, termogravimetry (DTG), X-ray diffraction, spectrophotometry in the uv/visible and infrared techniques, were used in the study of these materials. The data from the potentiometry titration analysis were submitted to adjustment by non-linear regression, determining thus five values of pKa's characteristic of five classes of titrable groups. In the DTG curves two stages can be observed, being the first one characteristic of the separation of aliphatic and/or alycyclic structures and the second of decomposition of aromatic structures. The X-ray diffraction technique exhibed marked differences in the results, mainly in the first three peaks, were a structural reorganization and a polymerization along the vermicompostaging process. The infrared spectra practically no differentiation between the samples. The values for the ratio E4/E6 found are in accordance with the characteristic values for humic acids, but do not supply information that can contribute to the elucidation of the structure and formation of these acids.

titration; termogravimetry; diffraction; spectrophotometry; non-linear regression


ARTIGO

Características físico-químicas de ácidos húmicos em diferentes etapas da vermicompostagem

C. R. G. BrighentiI; E. L. ReisII; C. ReisII

IDepartamento de Engenharia de Biossistemas - Universidade Federal de São João Del, Rei Praça Dom Helvécio, 74, CEP: 36301-160, São João Del Rei - MG, e-mail: carlabrighenti@ufsj.edu.br

IIDepartamento de Química - Universidade Federal de Viçosa - Viçosa - MG, e-mail: efraim@ufv.br

RESUMO

Amostras de materiais coletados em diferentes estádios de vermicompostagem foram submetidas a procedimentos de extração de ácidos húmicos. Técnicas de titulação potenciométrica, termogravimetria (DTG), difração de raios X e espectrofotometria no uv/visível e no infravermelho foram utilizadas no estudo desses materiais. Os dados de titulação foram submetidos ao ajuste por regressão não-linear, determinando-se, assim, cinco valores de pKa característicos de cinco classes de grupos tituláveis. Nas curvas DTG, foram observadas duas etapas, sendo a primeira característica da separação de estruturas alifáticas e, ou, alicíclicas e a segunda, a decomposição de estruturas aromáticas. A difratometria de raios X apresentou diferenças marcantes nos resultados, principalmente nos três primeiros picos onde parecem ocorrer reorganização estrutural e polimerização ao longo do processo de vermicompostagem. Os espectros do infravermelho não apresentaram diferenciação entre os espectros. Os valores da razão E4/E6 encontrados estão de acordo com os característicos dos ácidos húmicos, mas não fornecem informações que possam contribuir para a elucidação da estrutura e formação desses ácidos.

Palavras-chave: titulação, termogravimetria, difração, espectrofotometria, regressão não-linear.

ABSTRACT

Samples of materials, collected at different stages of vermicompostaging, were submitted to extraction procedures of humic acids. Titration, termogravimetry (DTG), X-ray diffraction, spectrophotometry in the uv/visible and infrared techniques, were used in the study of these materials. The data from the potentiometry titration analysis were submitted to adjustment by non-linear regression, determining thus five values of pKa's characteristic of five classes of titrable groups. In the DTG curves two stages can be observed, being the first one characteristic of the separation of aliphatic and/or alycyclic structures and the second of decomposition of aromatic structures. The X-ray diffraction technique exhibed marked differences in the results, mainly in the first three peaks, were a structural reorganization and a polymerization along the vermicompostaging process. The infrared spectra practically no differentiation between the samples. The values for the ratio E4/E6 found are in accordance with the characteristic values for humic acids, but do not supply information that can contribute to the elucidation of the structure and formation of these acids.

Keywords: titration, termogravimetry, diffraction, spectrophotometry, non-linear regression.

Introdução

A transformação da matéria orgânica, resultante da ação combinada das minhocas do tipo Eisenia foetida e da microflora que vive em seu trato digestivo, é conhecida como vermicompostagem. O valor agronômico do vermicomposto, quanto às características físico-químicas, é compatível com as características dos compostos convencionais, porém atinge mais rapidamente o estádio de maturação[1]. A maturação é a segunda fase do processo em que ocorre a humificação dos intermediários mais estáveis e a redução dos organismos patogênicos remanescentes, melhorando a qualidade do produto final [2]. Nesta fase há formação de ácidos húmicos (AH). A composição elementar do ácido húmico é C308H328O90N5, com a massa molecular de 5.539,949 g mol-1 e análise elementar de 66,78% C, 5,97% H, 25,99% O e 1,26% N [3].

Dentre alguns métodos utilizados para caracterização de macromoléculas, aplicados ao estudo de substâncias húmicas, destacam-se: titulação, termogravimetria, difratometria e espectrofotometria no uv-visível e infravermelho [4].

As curvas de titulação de substâncias húmicas não apresentam pontos de inflexão bem definidos, dificultando a aplicação de métodos clássicos da primeira e segunda derivada. Titulações levadas até um pH preestabelecido também estão sujeitas a erros devido à ampla faixa de pK dos grupos ionizáveis [5]. Para quantificar a estequiometria e as constantes de ionização condicionais dos grupos ionizáveis em substâncias húmicas, os dados das titulações potenciométricas devem ser tratados por métodos numéricos baseados em regressão linear ou não-linear [6].

As análises termogravimétricas permitem estudar a estabilidade térmica e estimar o grau de aromaticidade do material húmico [7]. Com a perda de massa registrada abaixo de 673 K, devida à desidratação e à eliminação de grupamentos funcionais das partes alifáticas, uma estimativa do "grau de aromaticidade" pode ser obtida, determinando-se a perda de massa acima de 673 K [8].

As análises de difração de raios X têm sido utilizadas para caracterizar a natureza dos compostos húmicos dos solos e o produto de suas interações com metais. No DRX normalmente ocorrem picos fracos e linhas difusas [9].

Em função da grande quantidade e variabilidade de grupos cromóforos existentes nas macromoléculas húmicas, os espectros obtidos no uv/visível são geralmente formados pela sobreposição de várias bandas, sem picos definidos [10]. Na faixa do visível, as absorbâncias em 465 e 665 nm e a relação entre estas (E4/E6) têm sido usadas para caracterização de substâncias húmicas [4]. Segundo Chen, Senesi e Schnitzer [11], a razão E4/E6 está relacionada ao tamanho e ao peso molecular das substâncias húmicas. Stevenson [12] relatou que a razão E4/E6 diminui com o aumento do peso molecular e com a quantidade de estruturas aromáticas.

Outro método utilizado para caracterização de substâncias húmicas é o infravermelho com transformada de Fourier (FTIR). Embora existam diferenças entre os espectros, a feição geral é bastante similar, ocorrendo variações nas proporções entre os sinais e pequenos deslocamentos na freqüência de absorção [10]. A informação provida pela análise comparativa entre espectros é de maior valia que a análise isolada.

Neste trabalho, pretendeu-se caracterizar fisico-quimicamente ácidos húmicos extraídos ao longo do processo de vermicompostagem, sendo feita inicialmente a extração dos ácidos a partir da metodologia proposta pela Sociedade Internacional de Substâncias Húmicas, seguida pela titulação potenciométrica, espectrometria por difração de raios x, termogravimetria e espectrofotometria no uv/visível e infravermelho, com os objetivos de distinguir diferentes grupos carboxílicos, fenólicos e amínicos e determinar se o vermicomposto atingiu grau satisfatório de estabilização.

Materiais e Métodos

1. Obtenção das amostras

As amostras foram obtidas no minhocário MINHOBOX ® situado em Juiz de Fora - MG, que utiliza o sistema de minhocultura verticalizada em caixas, em que o esterco é curtido durante 35 dias em leiras prismáticas montadas em canteiros e depois de atingir cor e granulometria estabelecida é adicionado em caixas organizadas em prateleiras, com capacidade para 62,5 L de esterco previamente curtido e 2 L de minhoca em cada caixa, onde permanece por mais 28 dias.

2. Coleta da amostra

Foram separadas três leiras (denominadas S, T e Q) em que se efetuou o reviramento das leiras a cada dois dias. A coleta foi realizada de sete em sete dias.

Coletaram-se amostras desde o dia da montagem das leiras com a matéria-prima crua (esterco bovino) até a total humificação da matéria orgânica e obtenção do vermicomposto propriamente dito, num total de 30 amostras, sendo 10 amostras de cada leira.

3. Extração de ácidos húmicos

Depois de seca ao ar por 24 horas, cada amostra foi triturada e pulverizada em grau de porcelana e passada em peneira de 80 mesh. As frações pulverizadas foram embaladas, etiquetadas separadamente em frascos de vidro e armazenadas em refrigerador a 3º C.

Pesaram-se 30 g de amostra de vermicomposto, colocando em agitação com 150 mL de NaCl 0,5 mol L-1 por 4 horas em atmosfera de nitrogênio para pré-lavagem das amostras. Em seguida, centrifugou-se a mistura, descartando o sobrenadante. Diluiu-se o resíduo sólido em 300 mL de NaOH 0,1 mol L-1, colocando-o em agitação por 20 horas, em atmosfera de N2, para evitar a oxidação dos AHs. Após a agitação branda por 20 horas, centrifugou-se o material a 5.000 g (FCRmédia) por 20 minutos. Recolheu-se o sobrenadante, e imediatamente reduziu-se o pH para 2,0, por gotejamento de solução aquosa de HCl 1:1. Esse extrato foi mantido no refrigerador. O resíduo sólido foi novamente submetido à extração, da mesma forma. Esse sobrenadante foi misturado ao anterior, ajustando-se novamente o pH para 2,0. O extrato acidificado foi deixado em geladeira para precipitação dos AHs. Após 18 horas, retirou-se por sifonação o excesso de sobrenadante (fração ácido fúlvico), que foi descartado. Centrifugou-se o restante do material a 5.000 g (FCRmédia) por 10 minutos, eliminando o sobrenadante. Ressobilizou-se o ácido húmico em 300 mL de solução de NaOH 0,1 mol L-1, em atmosfera de N2, repetindo o processo duas vezes. Lavou-se o AH com solução HCl 0,01 mol L-1 até a clarificação do sobrenadante, que foi levado para o congelador até a sua solidificação. Algumas horas depois, cada amostra foi descongelada, o excesso de água retirado e novamente congeladas para serem liofilizadas. Obteve-se um sólido escuro na forma granular.

4. Experimentos de caracterização do vermicomposto

4.1. Titulação potenciométrica

As titulações com NaOH, em força iônica constante, foram executadas no sistema potenciométrico, com eletrodo combinado Ag/AgCl, interfaceado a um microcomputador. O titulante foi adicionado por um sistema automatizado, sendo o volume do titulante e o pH da solução medidos após cada adição. A concentração de ácido húmico inicial era de 6 g L-1.

O sistema de titulação, desenvolvido no Laboratório de Instrumentação e Quimiometria da UFV, foi baseado no potenciômetro da ORION, onde a propulsão do titulante é feita através de uma bomba peristáltica IZMATEC e, o controle das injeções, através de válvulas solenóides de "teflon".

Todo o sistema foi gerenciado, e os dados adquiridos por um programa desenvolvido em Visual Basic. As curvas de titulação foram preparadas no programa Microcal Origin.

4.1.1. Análise por regressão não-linear

Utilizou-se um programa de ajuste multiparamétrico baseado em regressão não-linear, modificado do original, utilizado por Masini, Abate e Lima [13]. O programa usa a equação geral que descreve a titulação de mistura de um ácido forte com N ácidos fracos, ou seja:

em que V é o volume do titulante e Vo é o volume inicial presente na cela antes do início da titulação; VHA0 e VHAN são, respectivamente, o volume de equivalência para o ácido forte e para o sítio ionizável HAN; KW é a constante de ionização da água a 25ºC e CB é a concentração do titulante (mol L-1). O termo AN é definido por em que KHAN é a constante de ionização do sítio HAN. VHAN KHAN são os parâmetros ajustáveis no cálculo, o qual é realizado, minimizando-se o erro da soma, em que m é o total de dados (V, pH) usados na regressão, pH(med) refere-se ao pH experimental e pH(calc) o pH calulado. Os valores de pH(calc) foram calculados, usando-se uma sub-rotina baseada no método de Newton-Raphson.

4.2. Análise termogravimétrica

As medidas termogravimétricas foram realizadas em uma termobalança SHIMADZU, modelo TGA-50, em atmosfera dinâmica de N2 (150 mL min-1), utilizando-se amostras com massa de 6 a 15 mg, em cadinho de platina, com granulometria entre 325 a 400 mesh, a uma taxa de aquecimento de 10 ºC min-1 e temperatura final de 1.000 ºC.

4.3. Análise espectrométrica por difração de raios X

Os difratogramas foram obtidos de lâminas escavadas com amostras de AHs em um difratômetro RIGAKU, com goniômetro horizontal com tubo de cobre e filtro de níquel (radiação CuKα), de 10 a 50 º2θ, com velocidade angular de 4 2θ/ min. Para digitalização dos dados, foi utilizado o programa raios X, desenvolvido pelo Departamento de Solos da UFV.

4.4. Análise espectrofotométrica no uv/visível

As leituras na faixa do uv/visível foram feitas em um espectrofotômetro HITACHI, modelo U2000, utilizando-se células de quartzo com caminho ótico de 10 mm. Utilizou-se cerca de 2 mg do AH em 10 mL de NaHCO3 0,05 mol L-1, para ajuste do pH. Na faixa do visível, as absorvâncias em 465 e 665 nm e a relação entre estas (E4/E6) foram utilizadas.

4.5. Análise espectrofotométrica no infravermelho

Utilizou-se um espectrofotômetro modelo Perkin Elmer (FT-IR 1000). Obtinham-se os espectros com pastilhas preparadas com 100 mg de KBr pulverizado e secado a 110 ºC e 1 mg de ácido húmico de vermicomposto. A leitura foi feita na faixa de 4.000-400 cm-1.

Resultados e Discussão

1. Titulação potenciométrica

Foram obtidas curvas de titulação das 30 amostras utilizando-se cerca de 70 pontos.

Utilizou-se para ajuste dos dados com os seguintes valores: Vmáximo= 20 mL; Vazão = 1,852 g min-1; Incremento =0,1 mL; Resolução: 0,003.

A calibração dos eletrodos foi feita a partir da titulação de 25 mL de solução de HCl 0,1046 mol L-1 com 50 mL de solução-padrão de NaOH 0,1026 mol L-1.

1.1 Regressão não-linear

Através de gráficos de derivadas de titulações dos AHs, conseguiu-se pré-estabelecer um valor inicial para a constante de dissociação de grupos carboxílicos e fenólicos. Foi traçado o gráfico de dpH/dmL como função do pH e depois a segunda derivada (dpH2/d2mL); o valor no qual esta tendia a zero fornecia o volume de equivalência aproximado para cada grupo ácido.

Aos dados obtidos nas titulações, aplicou-se, então, o programa de ajustes por regressão não-linear modificado, para diferenciar os grupos ácidos, permitindo a determinação dos pKa.

No caso de AHs de vermicomposto, consideraram-se 11 parâmetros a serem calculados pelo programa, sendo um deles o volume para neutralizar o excesso de ácido forte; os outros 10 referentes aos volumes de neutralização de cada um dos cinco ácidos fracos e respectivos pKs.

Os valores atribuídos inicialmente são baseados no gráfico da derivada segunda, a partir do qual é possível estabelecer um intervalo possível de existência de um grupo titulável e, a partir daí, refinar os valores até que estes possam convergir adequadamente. Os valores de pK iniciais foram baseados nos cinco valores citados por Masini, Abate e Lima [13] para AHs de vermicomposto.

Utilizando o programa, verificou-se a existência de cinco constantes de equilíbrio para alguns AHs das etapas de vermicompostagem. Em outros, notou-se a existência de dois dos pKs calculados com valores aproximadamente iguais ou mesmo iguais, supondo-se, portanto, a existência de dois grupos com pKs não distinguíveis pelo programa, como se verifica no Tabela 1.

O primeiro volume VHCl é correspondente ao excesso de ácido forte, e os outros cinco volumes (V1,..., V5) correspondem ao volume de equivalência para cada grupo titulável.

Analisando os dados tratados, foram determinadas cinco classes de grupos tituláveis, compatíveis com os resultados da literatura com relação a substâncias húmicas [13,14], sendo HA1, HA2 e HA3, as três primeiras (pK < 7), tituladas em uma região de pH típica para grupamentos carboxílicos e as duas últimas, HA4 e HA5 (pK > 7), atribuídas a grupamentos fenólicos. Os três primeiros valores médios de pKa encontrados foram próprios para grupos carboxílicos. Os dois últimos pKa foram próprios de fenóis. O valor de pKa normalmente obtido para o sexto grupo em AH extraído do solo e comercial foi próximo de 10,0 e atribuído a grupos fenólicos.

Em estudo comparativo, Shin, Monsallier e Choppin [15] demonstraram ocorrer alteração química com alguma perda de grupos carboxílicos no AH purificado em relação ao não-purificado.

Na Figura 1 comparou-se a curvas de titulação experimental com a curva ajustada pelo programa de regressão não-linear, sendo que, a maior parte da curva gerada coincidiu com a curva de titulação real, evidenciando um bom ajuste pelos dados gerados.


2. Análise termogravimétrica

Para ácidos húmicos, é comum utilizar a razão da perda de massa versus temperatura (curva TG), em que se observam dois picos principais. O primeiro, em baixa temperatura (≈ 260 ºC), é atribuído à decomposição de celulose; o outro, em temperatura mais elevada (> 400 ºC), relacionado com a decomposição de celulose+lignina [16].

As principais etapas da pirólise que as substâncias húmicas geralmente admitem são desidratação até 473 K, eliminação dos grupamentos funcionais entre 520 e 580 K e decomposição do "núcleo central" a uma temperatura superior a 673 K.

A decomposição térmica foi um processo complexo, ocorrendo em duas etapas superpostas. A comparação da curva TG com sua primeira derivada, permitiu localizar o ombro a 400 ºC e confirmar o decaimento a 260 ºC (Figura 2).


A primeira reação representou a separação de estruturas alifáticas e, ou, alicíclicas e, a segunda, a decomposição de estruturas aromáticas, sendo mais rápida que a segunda. Assim, é esperado que exista algum tipo de diferença de natureza estrutural, talvez em nível molecular.

A estabilidade térmica dos ácidos húmicos foi estudada por meio das medidas termogravimétricas em nitrogênio. As curvas indicaram que a perda do peso foi de 52,5 % a 91,7 % de massa total, com a ressalva de que, em média, 73,19 % ocorriam abaixo de 400 ºC (Tabela 2), o que foi indicativo de uma proporção pequena de estruturas aromáticas.

Considerando que grupos funcionais e cadeias alifáticas se decompõem ~ 300 ºC e que os núcleos aromáticos o fazem em temperaturas > 400 ºC, concluiu-se que os AHs nas amostras 1Q, 2T, 4Q, 4S, 6Q, 6T, 7Q, 7S e 10S apresentam estrutura aromática em maior proporção do que nas amostras menos maturadas, já que a perda de massa foi mais lenta. Observou-se que a amostra de 65 dias de vermicompostagem apresentou um dos maiores teores de estruturas aromáticas.

Os resultados obtidos foram promissores e indicaram a utilidade do DTG na análise do processo de humificação, estando de acordo com os encontrados em AHs por Busnot et al. [8].

Houve coincidência no comportamento de variação de perda de massa após 400 ºC entre as leiras Q e S, sendo a única diferença observada da 5ª para 6ª semana onde uma teve um aumento (Q) e a outra uma diminuição (S). A partir da 8ª semana ocorreu uma estabilização no grau de aromaticidade, indicando, o término do processo. A amostra 10S alcançou aumento acentuado na perda de massa, mostrando talvez uma diferenciação na composição da leira S (Figura 3).


O fato de o AH não ter sido purificado provocou aumento no resíduo como previsto por Campanella e Tomasseti [17].

3. Análise espectrométrica por difração de raios X

Uma difração-padrão de ácido húmico mostra usualmente bandas próximas de 3,5 Å devido à condensação de anéis aromáticos. A intensidade e a extensão dessas bandas serão dependentes da constituição dos compostos húmicos, isto é, do grau de aromaticidade e da natureza dos componentesalifáticos, como carboxílico (-COOH) e hidroxílico (-OH). Um aumento na banda de 3,5 Å indicará decréscimo no número de anéis condensados e imperfeição na sua estrutura [9].

A sobreposição dos difratogramas dos AHs evidenciou aumento de cristalinidade com o transcorrer do processo de vermicompostagem, caracterizando a presença de lignina e metabólitos microbiológicos, sendo a amostra do 1º dia completamente amorfa aos raios X, na faixa estudada, o que evidenciou abundância em matéria orgânica carbonizada, enquanto nas demais vão se definindo cerca de 15 picos, sendo os principais correspondentes aos espaçamentos 0,718; 0,417; 0,359; 0,243; e 0,170 nm (Figura 4). Desses, os três primeiros são os que mais variaram durante o processo, e o correspondente ao espaçamento de 0,359 nm foi o último a se definir, apresentando amplitude máxima a partir do 49º dia. Schnitzer, Kodama e Ripmeester [18] atribuíram as bandas na região entre 0,41-0,47 nm a grupamentos alifáticos de cadeias laterais e as bandas em torno de 0,35 nm a grupamentos aromáticos em ordenamento semelhante ao do plano (002) do grafite.


Os resultados obtidos apresentaram-se coerentes com essas expectativas, uma vez que os picos que correspondem aos espaçamentos de 0,718 e 0,417 nm tiveram evolução simultânea e atingiram o máximo antes do espaçamento de 0,359 nm, que corresponderia aos núcleos aromáticos. Uma vez que os principais picos somente se definiram após a sétima semana, é esperado que a polimerização e o ordenamento cristalino dos ácidos húmicos não ocorram totalmente nos 30 primeiros dias de decomposição ativa.

É possível verificar alterações nos difratogramas de raios X, onde ocorrem variações na intensidade dos picos durante todo o processo. A amostra 2S também não apresentou os picos presentes nas demais. Esses resultados obtidos apontaram para uma grande utilidade da difração de raios X no acompanhamento do processo de humificação, uma vez que diferenças marcantes de cristalinidade e ordenamento dos átomos dos ácidos húmicos foram observadas. Isso parece indicar que o processo de humificação não se dá com grandes diferenciações na composição qualitativa dos grupamentos funcionais da mistura, mas sim com reorganização estrutural e possível polimerização de grupamentos de menor massa molar. Contudo, esse processo ainda é um campo aberto para maiores elucidações.

4. Análise espectrofotométrica no uv/visível

O espectrofotômetro utilizado apresentou uma porta serial (RS-232), que permitiu o interfaceamento com microcomputador. Dessa forma, os resultados provenientes da análise as análises puderam ser adquiridos e salvos utilizando um software de gerenciamento e aquisição de dados desenvolvido em Visual Basic.

Nos espectros uv/visível de ácidos húmicos, a absorção diminui com comprimento de onda crescente e dá pouca informação estrutural. Com a maioria das amostras, entretanto, um ombro na região de 250-270 nm é observado (Figura 5).


A razão E4/E6 é governada principalmente pelo peso molecular médio e tamanho das cadeias que constituem o ácido húmico. Nas amostras estudadas, os valores da razão E4/E6 sofrem pequenas variações, sendo os valores mais baixos obtidos nas amostras das duas primeiras semanas. Dentre estas, a amostra 2S apresentou o menor valor, assim como na análise da difração de raios X. Nas outras amostras, não houve variação relacionada com o tempo de maturação, indicando que não houve mudanças no tamanho das cadeias durante esse período. Os valores encontrados estão de acordo com o esperado para ácidos húmicos, o qual geralmente é menor do que 5,0 [19]. Na Tabela 3 são apresentados os resultados da razão E4/E6 para as 30 amostras.

Verifica-se que ocorre uma variação brusca na razão E4/E6 durante as duas primeiras semanas e estes valores continuam oscilando a cada semana, mas é interessante notar que os valores obtidos para as amostras extraídas das leiras S e Q têm sempre comportamentos semelhante de aumento ou diminuição, indicando que o peso molecular estaria sendo alterando durante todo o processo. O único ponto de incoerência ocorreu na oitava semana, sendo que a tendência após a nona semana é de estabilização do processo (Figura 6).


5. Análise espectrofotométrica no infravermelho

Os espectros apresentaram bandas características de grupos fenólicos e carboxílicos, mas as diferenças espectrais foram praticamente inexistentes.

O espectro apresentado na Figura 7 é um exemplo do que ocorreu de maneira geral. Apresentou, na região de 3.500-3.000 cm-1, banda forte e larga, centrada em aproximadamente 3.400 cm-1, que pode ser atribuída ao estiramento υ(O-H), que corresponde a vários grupos contendo OH fenólico. Há também uma banda localizada na região de 1.750-1.500 cm-1, onde apareceram os estiramentos υ(C=O) de grupos carboxílicos e estiramento assimétrico υas(C=O) dos carboxilatos, indicando alta concentração de grupos carboxílicos. A estrutura complexa de bandas nessa região também recebe contribuição da deformação d(N-H) e do estiramento υ(C=C) aromático. Essas bandas encontradas estão de acordo com trabalhos feitos anteriormente [7, 13, 20].


A banda localizada na região de 3.000 -2800 cm-1 é atribuída ao estiramento υ(C-H). Há ainda uma banda na região entre 1.120-1.050 cm-1 que pode ser atribuída ao estiramento υ(C-O) de álcoois, que aparece nos espectros de quase todas as amostras, à exceção da 1Q.

Os espectros apresentaram aspectos muito similares, com picos característicos em determinadas regiões, variando de intensidade, mas com poucas variações nas freqüências de absorvância. Na comparação de espectros de ácidos húmicos extraídos de diferentes etapas do processo de vermicompostagem, poucas diferenças foram observadas.

Na Tabela 4 são apresentados alguns picos característicos de ácido húmico de vermicomposto citados por Landgraf, Silva e Rezende [21].

Dessa forma, a análise espectroscópica no infravermelho dos ácidos húmicos de vermicomposto apenas confirmou a presença de grupos carboxílicos e fenólicos, não sendo possível a diferenciação nas diversas etapas da vermicompostagem.

Conclusões

A caracterização das amostras foi realizada através de titulação potenciométrica, de termogravimetria, de difratometria de raios X, de espectrofotometria no uv/visível e no infravermelho, verificando a existência de similaridades e, ou, dissimilaridades entre as amostras, de acordo com o decorrer do processo.

O programa de ajuste por regressão não-linear mostrou-se eficiente no cálculo de pKa dos diferentes ácidos, distinguindo cinco grupos tituláveis nos ácidos húmicos estudados. As curvas de titulação obtidas apresentaram resultados satisfatórios, que puderam ser confirmados pela sobreposição quase que total das curvas geradas pelo programa.

As bandas presentes nos espectros do infravermelho apenas confirmaram a presença de grupos carboxílicos e fenólicos nas amostras. Com o resultado da espectrofotometria no uv/visível foram calculadas as razões E4/E6, diferenciando as amostras das duas primeiras semanas de vermicompostagem das demais.

Os difratogramas de raios X apresentaram diferenças marcantes, indicando uma reorganização estrutural nas amostras estudadas. Três picos principais foram identificados em quase todas as amostras.

Os termogramas apresentaram dois picos principais atribuídos à eliminação de grupamentos funcionais e à decomposição de estruturas aromáticas.

Pelos resultados obtidos verificou-se que o ácido húmico de vermicomposto aqui estudado mantém suas principais características, mas sofre transformações estruturais, como o aumento da cristalinidade.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Dez 2010
  • Data do Fascículo
    Set 2010
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