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A Phýsis como fundamento do sistema filosófico estoico

Resumos

O presente artigo pretende demonstrar como a Física foi imprescindível para o sistema filosófico estoico, o que permitiu a sua utilização na Antiguidade como fundamento de todo o pensamento do Pórtico. Objetiva-se inferir tal papel preponderante reservado à Física estoica mediante a análise de alguns dos seus principais temas, tais como a Ontologia corporalista que a informa e as noções de lógos, deus e mistura total, concluindo-se o texto com uma breve exposição da teoria das conflagrações.

Estoicismo antigo; Ontologia; Metafísica; Causalismo; Conflagrações


The purpose of this paper is to demonstrate how Physics played a vital role in the development of the Stoic Philosophy System and allowed its use in ancient times as a basic element of the whole Portico's thought. This paper also intends to infer the significance of that role played by Stoic Physics, analyzing some of its main themes - the Ontology of the bodies, used, for instance, as an information source; and the notions of lógos, god and general mixture. Finally, the article provides a brief explanation of the conflagration theory.

Ancient Stoicism; Ontology; Metaphysics; Causalism; Conflagrations


ARTIGOS

A Phýsis como fundamento do sistema filosófico estoico1 1 Foram utilizadas neste texto, entre outras, as seguintes coleções de fragmentos estoicos e de filósofos antigos, indicadas no artigo pelas siglas em negrito: 1) ARNIM, 1968 [ SVF]. É esta a compilação clássica; 2) INWOOD; GERSON (Org.), 1997 [ IG]; 3) KIRK; RAVEN; SCHOFIELD. [ KRS]; 4) LONG; SEDLEY (Org.), 2006. [ LS]. Este volume é tido como a melhor compilação de fragmentos da Filosofia Helenística, superando atualmente a obra de Arnim no que se relaciona aos estoicos; 5) SCHUHL, 2002 [ ST]. Reúne o essencial dos escritos do estoicismo greco-romano, todos eles acompanhados de copiosas notas e de esclarecedoras notícias.

Andityas Soares de Moura Costa Matos

Doutor em Direito e Justiça pela UFMG. Professor e Coordenador do Curso de Direito da FEAD (Belo Horizonte). andityas.matos@fead.br

RESUMO

O presente artigo pretende demonstrar como a Física foi imprescindível para o sistema filosófico estoico, o que permitiu a sua utilização na Antiguidade como fundamento de todo o pensamento do Pórtico. Objetiva-se inferir tal papel preponderante reservado à Física estoica mediante a análise de alguns dos seus principais temas, tais como a Ontologia corporalista que a informa e as noções de lógos, deus e mistura total, concluindo-se o texto com uma breve exposição da teoria das conflagrações.

Palavras-Chave: Estoicismo antigo, Ontologia, Metafísica, Causalismo, Conflagrações

ABSTRACT

The purpose of this paper is to demonstrate how Physics played a vital role in the development of the Stoic Philosophy System and allowed its use in ancient times as a basic element of the whole Portico's thought. This paper also intends to infer the significance of that role played by Stoic Physics, analyzing some of its main themes - the Ontology of the bodies, used, for instance, as an information source; and the notions of lógos, god and general mixture. Finally, the article provides a brief explanation of the conflagration theory.

Keywords: Ancient Stoicism, Ontology, Metaphysics, Causalism, Conflagrations

A Física integra a parte do discurso filosófico responsável por todas as questões relativas ao mundo natural, conformando um conhecimento que, de acordo com muitos estudiosos, deveria se destinar apenas aos filósofos estoicos mais avançados na compreensão da doutrina, da qual a Física representaria o ápice.2 2 ALGRA, 2006, p. 173. Lima Vaz chega a sustentar que a Física estoica é o tronco que sustenta todo o sistema da Stoá enquanto unidade orgânica e perfeita.3 3 LIMA VAZ, Henrique Cláudio de. Escritos de filosofia IV: introdução à ética filosófica 1. Loyola: São Paulo, 1999, p. 153. Com efeito, a Física do Pórtico absorve a Ontologia, a Metafísica e a Teologia, além de várias ciências empíricas como a Meteorologia e a Astronomia.

Conforme as premissas fundamentais da Ontologia da Stoá, a realidade se compõe basicamente de entidades corpóreas (somata) - que podem ser causas ou sofrer a ação de outras causas - e de entidades incorpóreas (asómata) que, ao contrário, não existem como as corpóreas, apenas subsistem (huphistasthai) na mente; são quatro: o vazio (kenón), o tempo (chrónos), o espaço (tópos) e o exprimível (lektón).4 4 SELLARS, 2006, p. 83. Os corpos são coisas que se estendem nas três dimensões: comprimento, largura e profundidade. Para os estoicos, tudo que é real é corpóreo,5 5 HAHM, 1977, p. 3. tese inegociável e que lhes valeu inúmeras críticas por parte das escolas helenísticas rivais. Por seu turno, os incorpóreos não são corpos, mas também não podem ser classificados como não-existentes. São "algo" (tò tí), ou seja, "quase-seres" que expressam o movimento da natureza.6 6 GOLDSCHMIDT, 1953. Os três primeiros incorpóreos representam condições para os processos físicos, enquanto o último liga-se à Filosofia da Linguagem.7 7 BRUNSCHWIG, 2006, p. 236.

Pierre Aubenque entende que a categoria ontológica do "algo", criada pelos estoicos para agasalhar os incorpóreos, acaba por superar a ontologia aristotélica, na qual o "ser" (tò ón) ocupa o status de gênero mais geral.8 8 In: CHÂTELET, p.172 et seq. No estoicismo, ao contrário, existe uma categoria ainda mais ampla do que o "ser" de Aristóteles e que o assimila. Trata-se exatamente do , o gênero supremo da ontologia estoica,9 9 LS, p. 164. acima do ser que é, os estoicos concebiam, portanto, o "algo".10 10 BRUNSCHWIG, 2006, p. 244. Tanto os corpóreos como os incorpóreos são "algo", embora estes últimos não tenham existência (tò ón) propriamente dita. Devido ao seu caráter paradoxal, a doutrina sofreu modificações por parte de estoicos tardios e heterodoxos como Sêneca. O cordobês via o ser (quod est) como categoria última, ao qual se subsumiriam os corpos e os incorpóreos que, afinal, são quase-seres (quae quasi sunt).11 11 SÉNECA, 2006, XCV, 13-15, p. 346.

Há notícias doxográficas isoladas e pouco sistemáticas sobre outras categorias ontológicas pensadas pelos estoicos, tais como o "nada", que englobaria "algos" que não são corpóreos e nem incorpóreos, v.g., as entidades ficcionais e os limites geométricos,12 12 LS, p. 163-166. e os "não-algos" (oútina), cujo melhor exemplo são os conceitos universais e as formas puras à moda de Platão.13 13 BRUNSCHWIG, p. 247. Estas foram combatidas pelos estoicos, que as comparavam a fantasmas do pensamento, dado que não são um "algo" e nem um "algo qualificado", mas antes um "quasi-algo" ou um "quasi-algo qualificado", do mesmo modo que uma imagem de um cavalo nos surge na mente ainda que não haja nenhum cavalo presente.14 14 DIOGÈNE LAËRCE, Vies et opinions des philosophes, VII, 61 (ST, p. 36). De qualquer forma, a controvérsia acerca dos estatutos ontológicos estoicos é infindável, como se percebe nos textos de Brunschwig15 15 BRUNSCHWIG, p. 243-251. e de Caston.16 16 CASTON, 1999, p. 215-247.

Para os estoicos, o conceito (ennoia) fundamental que unifica todo o seu sistema físico - e também lógico e ético - encontra-se na noção de lógos. Se aceitarmos, como quer White, que a Física do Pórtico se sustenta sobre dois "compromissos a priori", quais sejam, as ideias de unidade e de coesão entre o cosmos e a razão divina,17 17 WHITE, 2006, p. 143. o lógos constitui o elemento capaz de refleti-las e de lhes conferir realidade corpórea. Há uma ordem imanente que rege o universo (kosmos) e mantém o seu equilíbrio, opondo-se ao kaos que pretende dissolver a realidade em indeterminações arbitrárias. Contra os epicuristas, que sustentavam ser o acidente o grande responsável pelo mundo, os estoicos opuseram um memorável argumento reproduzido por Cícero. Ele sustenta que a beleza e a complexidade do mundo, onde tudo se ajusta perfeitamente, são provas ontológicas da existência de uma inteligência superior que tudo governa e ordena. Não foram átomos rodopiando ao acaso que conformaram este nosso mundo, diz Cícero. Tal lhe parece tão impossível como obter de um só lance todos os versos dos Anais de Ênio lançando ao ar inumeráveis letras que, caindo ao solo, se organizariam de modo eventual, dando lugar ao poema inteiro. Com tal método aleatório não é possível obter sequer uma única linha dos Anais.18 18 CICÉRON. De la nature des dieux, II, XXXVII, 93 (ST, p. 442). O mesmo raciocínio deve ser aplicado ao universo para compreendermos quão absurda é a ideia de que ele teria surgido acidentalmente e sem o concurso do lógos, determinação demiúrgica racional (logikos) que perpassa a natureza. Na linha de Heráclito,19 19 "Todas as coisas são uma igual troca pelo fogo e o fogo por todas as coisas, como as mercadorias o são pelo ouro e o ouro pelas mercadorias" (Fr. 90, 219, KRS, p. 205). Zenão identifica o lógos com o fogo-artesão, artífice do mundo.20 20 DIOGÈNE LAËRCE, Vies et opinions des philosophes, VII, 156 (ST, p. 66). Trata-se de uma matéria extremamente sutil e capaz de sustentar os paradoxos do pensamento estoico, que exige ao lado de um racionalismo rigoroso, um materialismo estrito.21 21 LIMA VAZ, p. 150. Às vezes os estoicos chamam o lógos de deus (theos), mas não se trata de um ser divino pessoal como no cristianismo e sim do princípio de racionalidade que se encontra em todas as coisas, em especial no homem, que contém em si os logoi spermatikoi,22 22 ILDEFONSE, p. 26. ou seja, razões seminais individualizadas capazes de identificar a racionalidade humana com a do próprio Zeus.

Tão alto é o respeito do estoicismo pelo homem que a ordem reinante no interior deste vale como prova cabal da ordem universal, da qual é reflexo, conforme o conhecido silogismo de Marco Aurélio.23 23 "Ou um mundo organizado, ou uma papa, um amontoado sem ordem. É possível, acaso, subsista alguma ordem em ti, mas desordem no universo, e isso quando tudo se acha tão combinado, tão fundido, tão solidário?" (MARCO AURÉLIO, 27 [MARCO AURÉLIO, 1973, p. 285]). Parece-nos que o processo de construção da cosmologia estoica consistiu na exteriorização do que há de mais profundo no homem: a razão. É por isso que os estoicos viam propriedades morais na Física, posição duramente criticada por Pufendorf, para quem não há certo e errado na natureza, que à luz da ciência do seu tempo consistia apenas no movimento e na aplicação de forças físicas às coisas. Assumindo uma posição tipicamente positivista, Pufendorf acredita que o valor não está nos objetos, sendo-lhes imposto pelo entendimento humano.24 24 IRWIN, 2006, p. 390-392. Ora, a perspectiva da Stoá é diametralmente oposta. Reconhecendo o lógos em si mesmo, o filósofo estoico intui a sua existência no cosmos, que passa então a ter qualidades positivas tipicamente humanas: sabedoria, bondade, justiça etc. O Pórtico observa a natureza, em si amorfa e sem sentido, como extensão ou exteriorização da interioridade racional humana. Nessa perspectiva, o estoicismo foi o primeiro grande humanismo da História, incapaz de compreender o mundo separadamente do homem.

Por obra do estoicismo, o objeto (o cosmos) foi posto sob a mesma rubrica ontológica caracterizadora do sujeito (o ser racional), e assim se operou essa espécie de dialética mediante a qual o lógos, interior ao homem, se manifestou em todas as coisas que lhe são exteriores e, por isso mesmo, apenas aparentemente opostas. Não há oposição entre o humano e o mundo porque ambos são tributários do lógos, ambos são expressões ou momentos parciais da razão, que se apresenta em sua inteireza quando o pensamento estoico, exteriorizando o interior, supera os dualismos e os integra em um continuum espaço-temporal que, ao fim e ao cabo, se identifica com todo o Real. Coube aos estoicos reunificar o lógos - antes dilacerado pelos sofistas, que o fraturaram em phýsis e nómos - e recuperar a unidade perdida intuída pelos pré-socráticos.

A Física estoica enxerga o mundo como um ser vivo,25 25 A ideia estoica - também presente no Timeu de Platão - segundo a qual o planeta é um animal vivo de forma esférica foi retomada pela tradição mística do hermetismo neoplatônico, especialmente por Athanasius Kircher. Cf. ROOB, 2006, p. 163. um animal sábio26 26 CICÉRON, De la nature des dieux, II, XI, 29 (ST, p. 419). e totalmente racional27 27 DIOGÈNE LAËRCE, Vies et opinions des philosophes, VII, 139 (ST, p. 60). governado pela Providência (pronoia),28 28 DIOGÈNE LAËRCE, Vies et opinions des philosophes, VII, 138 (ST, p. 60). dono de uma única alma e de uma única substância, às quais se dirigem todas as percepções, impulsos e causas.29 29 MARCO AURÉLIO, IV, 40, p. 286. Ademais, como a consciência é um atributo superior à inconsciência, Zenão entende que o mundo, por ser hierarquicamente superior ao homem, apresenta-se como ser vivo consciente.30 30 CICÉRON, De la nature des dieux, II, VIII, 21-22 (ST, p. 416-417) e DIOGÈNE LAËRCE, Vies et opinions des philosophes, VII, 142-143 (ST, p. 61-62). Este raciocínio provocou a crítica cáustica de Carnéades, que lançando mão de um silogismo semelhante afirmou que o mundo é um ser letrado, eis que o alfabetizado é superior ao analfabeto.31 31 TATAKIS, 1931, p. 89.

A phýsis se apresenta aos olhos estoicos como algo sagrado, evocando a soma daquilo que é permanente e essencial nos fenômenos naturais.32 32 BLOCH, 1980, p. 15. Há inclusive quem classifique a Física estoica como uma "cosmobiologia".33 33 HAHM, 1977, p. 136. O mundo seria uma unidade perfeita, divina, viva, contínua e autocriadora, regida por leis inteligíveis e dirigida por uma espécie de Providência racional34 34 MARCO AURÉLIO, VII, 9, p. 299-300. que se encontra em todos os lugares. Assim, o mundo se identifica com deus e deus se identifica com o mundo.35 35 SÊNECA, 2005, VIII, 4, p. 39. É inegável o influxo de Heráclito na cosmologia estoica: "O deus é dia-noite, Inverno-Verão, guerra-paz, saciedade-fome [todos os contrários, é o que isto significa]".36 36 Fr. 67, 204; KRS, p. 197. Também Spinoza amalgama Deus e a natureza - Deus sive Natura, "Deus, ou seja, a Natureza", como se expressa o filósofo -, embora nos pareça exagerado falar de uma influência direta do estoicismo no seu pensamento.37 37 Long apresenta várias semelhanças e dessemelhanças verificáveis entre o estoicismo e a filosofia de Spinoza. Cf. LONG, 2006, p. 407-418.

No sistema filosófico da Stoá, a Teologia corresponde à parte da Física responsável pela descrição da coerência geral do universo e de seu desígnio providencial.38 38 ALGRA, 2006, p. 171. O deus estoico representa o sistema nervoso central do universo, esse enorme animal de forma imaculadamente esférica39 39 Tal porque, segundo Possidônio, a forma esférica é a que melhor se adapta ao movimento. Cf. DIOGÈNE LAËRCE, Vies et opinions des philosophes, VII, 140 (ST, p. 60). que unifica a vida, a dissemina e a partilha por inúmeros corpos particulares e determinados. Trata-se de uma visão continuísta, dinâmica, orgânica e racional da realidade física40 40 ILDEFONSE, 2007, p. 33. que, como já notamos, bebe da puríssima fonte de Heráclito: "Dando ouvidos, não a mim, mas ao Logos, é avisado concordar em que todas as coisas são uma."41 41 Fr. 50, 196; KRS, p. 193.

Segundo o Pórtico, há na natureza uma força (tonus) que governa o mundo e o mantém coeso mediante diferentes tensões (hexis)42 42 A concepção de tensões como meios de manutenção da unidade do mundo provém originalmente de Heráclito: "Eles não compreendem como é que o que está em desacordo concorda consigo mesmo [ à letra: como o que estando separado se reúne consigo mesmo]: há uma conexão de tensões opostas, como no caso do arco e da lira" (Fr. 51, 209; KRS, p. 199). impostas às coisas:43 43 PLUTARCH, Stoic self-contradictions, 1053f-1054b (IG, p. 171). trata-se do lógos-demiurgo que imprime qualidade e movimento aos corpos, conferindo forma à matéria (hylê) informe. Antes da ação do lógos, a matéria existe apenas como extensão tridimensional sem qualquer outro atributo.44 44 LONG, 2006, p. 410. O tonus pneumático que a informa se apresenta como movimento tensivo (toniké kínesis) mediante o qual o universo "respira", movendo-se simultaneamente para dentro e para fora. De acordo com Nemésio, o movimento para fora produz a quantidade e a qualidade enquanto o movimento para dentro garante a unidade e a substância do cosmos.45 45 NEMESIUS, De natura hominis, 70-71 (IG, p. 283). Com base nessa construção, Sambursky viu no estoicismo uma antecipação da noção de campo de força característica da Física dos nossos dias.46 46 WHITE, 2006, p. 150.

O pneûma, termo grego que pode ser traduzido tanto como "espírito" quanto como "vento", é uma substância dinâmica responsável pela coesão dos objetos materiais, pela organização dos seres vivos, pela percepção e pela vontade dos animais e, no homem, pela cognição e pelo entendimento.47 47 HANKINSON, 2006, p. 331. Cf. também VERBEKE, 1945. O lógos pneumático se manifesta no fogo como calor, no ar como frialdade e no homem como razão, capacidade própria de seres lógicos, ou seja, detentores da compreensão profunda do lógos, graças à qual, de acordo com Zenão, as representações do mundo são gravadas na alma (psychê) humana; e se transformam a cada passo, complementa Crisipo.48 48 Para uma análise da noção estoica de representação e uma breve exposição da consequente teoria da mente, cf. ARTHUR, 1983, p. 69-78. Aparenta-se o homem com os deuses, pois ambos são donos da mesma razão, que nos deuses é perfeita e nos homens perfectível.49 49 SÉNECA, Cartas a Lucilio, XCII, 27, p. 316. Eis um dos pontos em que Spinoza diverge dos estoicos, visto que o pensador judeu entende que o pensamento de Deus difere completamente do nosso, uma vez que somos apenas modos finitos de Deus.50 50 SPINOZA, Ethica, I, prop. 17, corol. 2, esc. In: SPINOZA, 1985.

A ideia de deus é descrita como uma pré-noção (prolêpseis) implantada na mente humana.51 51 Sobre as pré-noções, cf. JACKSON-McCABE, 2004, p. 323-347. Caso o homem utilize a sua razão retamente, não poderá deixar de conceber a existência de um princípio criador indestrutível, eterno, providencial e beneficente.52 52 ALGRA, 2006, p. 176. Tal princípio é uno e múltiplo ao mesmo tempo. Para um estoico, não há sentido em separar o deus único dos demais falsos deuses. A polêmica monoteísmo versus politeísmo parece ser absolutamente estéril e vã no tecido teórico do Pórtico. Deus encarna o princípio unitário que percorre todo o universo como uma descarga elétrica constante, capaz de variar as suas tensões e manifestações. Mas a unidade divina não implica unicidade, conclui Duhot. Presente em todas as coisas, deus se manifesta na multiplicidade de suas ações,53 53 DUHOT, 2006, p. 85. o que inclusive serve como comprovação de sua realidade ontológica.

Dentre as várias "provas" da existência de deus postas pelos estoicos,54 54 O tema é explorado com detalhes em BOYANCÉ, 1962, p. 46-71. Algra lista três que nos parecem particularmente interessantes e que originaram três argumentos (trópoi) clássicos, quais sejam: a) Consenso omnium, pois a religião e a crença nos deuses são fenômenos universais; b) Ex operibus dei, já que podemos antever deus na estrutura ordenada e racional do universo, cuja mais perfeita expressão reside nos movimentos regulares dos corpos celestes; e c) Ex gradibus entium, dado que o ateísmo acarreta consequências absurdas, tal como a afirmação de que o homem seria o melhor ente que a natureza teria a oferecer ao cosmos. Ora, sendo o homem sabidamente imperfeito, frágil, mortal e, no mais das vezes, vicioso e mau, a existência de um ente que lhe seja superior constitui um imperativo da razão.55 55 ALGRA, 2006, p. 180-181. Este argumento é particularmente importante, dado que Santo Tomás de Aquino e Santo Anselmo parecem ter se baseado nele para provar a existência do Deus cristão, aduzindo que uma noção perfeita como a de Deus não poderia existir apenas como conceito na mente de seres imperfeitos, sendo forçosa, portanto, a existência ontológica e não apenas epistemológica de Deus. Para os estoicos, deus é aquele ser em relação ao qual nada maior pode ser concebido.56 56 CICÉRON, De la nature des dieux, II, VI-VII, 18 (ST, p. 415-416). Algra discorda de nossa interpretação e sustenta que, apesar da fórmula de Santo Anselmo estar presente de maneira embrionária em alguns textos estoicos semelhantes ao de Cícero que ora citamos, esses filósofos não conceberam a divindade como verdade imediata e evidente, como faz Anselmo ao derivar os atributos divinos do próprio conceito de Deus. Cf. ALGRA, 2006, p. 184. Diógenes Laércio caracteriza o deus estoico como um ser vivo, imortal, racional, perfeito, pensante e dono de uma felicidade plena, incapaz de sofrer a ação de qualquer coisa má. Não possuindo forma humana, ele é o demiurgo e o pai de todas as coisas, pelas quais vela continuamente. Como são muitos os seus poderes, vários também são os seus nomes.57 57 DIOGÈNE LAËRCE, Vies et opinions des philosophes, VII, 147 (ST, p. 63).

A concepção dos estoicos acerca da divindade é bastante complexa,58 58 ALGRA, 2006, p. 184-189. revelando-se ao mesmo tempo monoteísta - deus é um ser único -, politeísta - ele se manifesta de várias formas de acordo com os seus poderes - e panteísta - estando em todas as partes e se expressando por meio da natureza. Segundo Duhot, ao contrário dos neoplatônicos que fundaram sua teologia negativa na transcendência absoluta de Deus, não ousando definir o que ele é, mas apenas o que ele não é, os estoicos deram origem a uma hiperteologia na qual deus é tudo. Por isso o deus estoico transcende os quadrantes limitados da nossa lógica de oposições. Ele liga a Física à Teologia e se exprime mediante todos os registros possíveis, sendo ao mesmo tempo transcendente e imanente, interior e exterior, pessoa e força etc.59 59 DUHOT, 2006, p. 79-80. Não obstante, nos chocamos ao ler no artigo de Algra60 60 ALGRA, 2006, p. 185. que se o deus estoico corresponde ao universo, ele necessariamente deve ser finito61 61 Notar a contradição dessa ideia com a informação veiculada por Diógenes Laércio, para quem o deus estoico é imortal. Cf. DIOGÈNE LAËRCE, Vies et opinions des philosophes, VII, 147 (ST, p. 63). e material, características que pareciam não trazer qualquer desconforto para a Teologia do Pórtico. Na esteira do pensamento grego tradicional, os estoicos concebiam deus como o ordenador do mundo. A matéria, eterna e incriada, lhe seria anterior. A tarefa divina consistiria então em conferir forma e qualidade ao ser bruto, ao substrato material que, informado pela ação divina, se revela como universo.62 62 DUHOT, 2006, p. 59. A matéria por si mesma é sem movimento e sem forma e depende de deus para se mover e se formar.63 63 SEXTUS EMPIRICUS, Against the professors, 9, 75-76 (LS, p. 269). É deus quem a qualifica, apresentando-se como razão na matéria. Dessa forma, a substância é a matéria, o princípio passivo, e a causa é deus, o princípio ativo. Long aduz que o deus dos estoicos equivale à qualificação da substância. Esta, por seu turno, se determina somente graças à constante interação causal com deus.64 64 LONG, 2006, p. 410. Tal esquema de pensamento nos recorda a distinção de Spinoza entre natura naturans e natura naturata, aquela indicando a natureza como causa ativa, ou seja, deus identificado a uma causa livre, e aquela evocando o aspecto passivo da realidade, que qualquer que seja ele, se dá por necessidade da natureza de Deus65 65 SPINOZA, Ethica, I, prop. 29, esc. e é como seu espelho. De maneira semelhante ao Deus impessoal de Spinoza, o demiurgo da Stoá é extensão e pensamento ao mesmo tempo, que mais não são do que modos diversos de se conceber a substância66 66 SPINOZA, Ethica, II, prop. 7, esc. presente em todas as coisas particulares, que derivam seus modos de existência dos atributos divinos. Cada coisa determinada é, para os estoicos e para Spinoza, uma ideia em Deus da qual Deus é causa.67 67 SPINOZA, Ethica, II, prop. 13, esc. Segundo o estoicismo e o spinozismo, a ordem e a conexão das ideias é idêntica à ordem e à conexão das coisas no mundo,68 68 SPINOZA, Ethica, II, prop. 7, esc. daí por que o pensar e o agir são, para Deus, uma única coisa.69 69 LONG, 2006, p. 411-412.

Assim como o aristotelismo, o estoicismo é radicalmente empirista, acreditando que a existência (einai) se compõe apenas de corpos70 70 Para o estoicismo, "corpo" é tudo aquilo que pode ser sujeito ativo ou passivo de algum fenômeno causal. que interagem das mais diversas maneiras. Tudo que existe é corpo: eis a afirmação básica do materialismo estoico.71 71 BRÉHIER, 1997, p. 6. Contudo, não devemos confundir tal postura com o materialismo amorfo que caracterizou a filosofia natural dos séculos XVII e XVIII. Esta, segundo White, via o mundo como uma espécie de composto formado por partículas sólidas e maçudas, regidas pela mecânica causalista. Newton ensina no seu Principia mathematica que Deus criou a matéria com partículas compactas, duras, impenetráveis e móveis chamadas globuli, para que assim a natureza tivesse duração constante.72 72 ROOB, 2006, p. 552. Ao contrário, para os estoicos o cosmos não é corpuscular e nem atomístico, assemelhando-se antes a um grande corpo sem interrupções ou emendas. De acordo com a Stoá, todo o universo material está vivo e pulsa como um animal, daí porque White prefere falar em vitalismo e não em materialismo.73 73 WHITE, 2006, p. 144. No mesmo sentido, Brunschwig contrapõe a postura teleológico-vitalista dos estoicos à visão antiteleológico-mecanicista própria dos epicuristas.74 74 BRUNSCHWIG, 2006, p. 234. De fato, os estoicos não se confundem com os "filhos da Terra" criticados por Platão no Sofista (246a-b) e que só acreditam na realidade do que pode ser tocado e oferece resistência.75 75 BRUNSCHWIG, 2006, p. 233. Concordamos com Duhot quando ele reprova estudiosos que utilizam conceitos contemporâneos e classificam o estoicismo como um simples materialismo que dissolve deus em interpretações físicas racionalistas.76 76 DUHOT, 2006, p. 61. Na verdade, o materialismo estoico foi uma reação contra o idealismo extremado de Platão, que conferindo primazia à Ideia e às formas puras, rebaixou a matéria a um status ontológico inferior. Se, como quer Platão, entendermos que a matéria é indigna de integrar o corpo de deus, somente poderemos chegar a duas conclusões, ambas inaceitáveis para o finalismo otimista do Pórtico que vê no cosmos um sistema unívoco, contínuo, belo e racional: ou o mundo é uma criação imperfeita de deuses intermediários e subalternos, como afirmarão os neoplatônicos, ou constituiu o resultado do trabalho de um deus malévolo, raciocínio coerente desenvolvido pelos gnósticos.

Ao assumir que tudo é corpo, a Stoá não limita a esfera de seu conhecimento. Ao contrário: para nela inserir elementos intangíveis como a alma e as virtudes, os estoicos acabam por corporalizar quase todo o universo, pois para eles corpo é tudo aquilo que pode agir ou sofrer ação e não simplesmente o que é palpável.77 77 BRUNSCHWIG, 2006, p. 234-235. Ademais, como nos recorda Duhot, a Física do Pórtico não conhecia o princípio da inércia, segundo o qual um corpo tende a manter o seu estado de movimento ou de imobilidade. Com tal postulado em mente, físicos modernos como Newton puderam conceber o universo à semelhança de um grande relógio que, uma vez posto a funcionar por Deus mediante um "peteleco" inicial, mantém-se indefinidamente em movimento. Por seu turno, os gregos em geral e os estoicos em especial somente poderiam imaginar um universo ativo pressupondo também a existência de um ser que constantemente o ordena e vigia. Este ente é o deus da Stoá, que para agir no cosmos precisa ser um corpo. Toda ação física a distância é tida como impossível para o Pórtico, razão pela qual seu deus é corpóreo e está em todos os cantos do universo, tocando-o na integralidade de sua superfície, imanente e necessário a todos os fenômenos físicos. Desse modo, a Física estoica parece ser causalista, inadmitindo a existência de movimentos sem causa no universo. Se houvesse algo no cosmos como uma causa incausada, todo o edifício racional da realidade desabaria. Todavia, lembremo-nos da advertência de Aubenque, para quem o termo "causalismo" se revela impróprio para descrever a mecânica cósmica do Pórtico. Acreditar na ação de determinadas causas produtoras de certos efeitos implica conceber séries causais autônomas e limitadas. Contudo, para a Stoá tudo está ligado: não há séries causais separadas, mas antes um tipo de simpatia universal, uma teia que unifica todos os eventos do mundo de maneira harmônica e racional, coordenando o movimento do todo e a coesão da substância.78 78 MARCO AURÉLIO, Meditações, VI, 35, p. 297. Tal concepção afasta radicalmente o Pórtico das ideias próprias do epicurismo, escola que não admite nenhum finalismo cósmico e nem reconhece qualquer racionalidade na Providência.79 79 BERA, 2002, p. 19.

Baseando-se em certas ideias de Heráclito, os estoicos descrevem os dois princípios (archai) - básicos, incorpóreos, informes e indestrutíveis - que regem o universo corpóreo: o primeiro, passivo (to paschon), radica-se na matéria, e o segundo, ativo (to poioun), identifica-se com a força racional que age sobre essa mesma matéria.80 80 SÉNECA, 2006, p. 167. Segundo Hahm, o estoicismo redistribuiu as quatro causas de Aristóteles em dois blocos, de maneira que o princípio ativo congregaria a causa motriz, a causa formal e a causa final, enquanto o princípio passivo corresponderia à causa material.81 81 HAHM, 1977, p. 44. O princípio passivo é amorfo e não possui poder de coesão ou de movimento. Já o princípio ativo é chamado de deus, de destino ou simplesmente de logos.82 82 DIOGÈNE LAËRCE, Vies et opinions des philosophes, VII, 134 (ST, p. 58-59). Ele é eterno e se move por si próprio, sendo responsável por toda forma, qualidade, individuação, diferenciação, coesão e mudança no mundo. Para Crisipo, o princípio ativo se compõe de elementos leves e sutis, como o são o fogo - também chamado de ether83 83 DIOGÈNE LAËRCE, Vies et opinions des philosophes, VII, 137 (ST, p. 59). - e o ar, enquanto o princípio passivo é feito de elementos mais rudes: terra e água. Ambos existem em todas as coisas do universo e agem de modo conjunto, apesar de estarem separados e de conservarem suas características e qualidades específicas.84 84 BOBZIEN, 2005, p. 17. A existência se mantém por força da mistura harmoniosa dos quatro elementos, dentre os quais o fogo - chamado de artesão por Zenão - representa um papel preponderante.85 85 DIOGÈNE LAËRCE, Vies et opinions des philosophes, VII, 137 (ST, p. 59). Durante as conflagrações, a terra, a água e o ar são reabsorvidos pelo fogo, razão seminal do mundo. Na realidade, esses três elementos não são seres diversos do fogo; são o próprio fogo, que se apresenta de diversos modos devido às diferentes tensões internas que o informam. Pode-se dizer então, com Bréhier, que todos os corpos são momentos ou aspectos da existência de um único ser, o fogo, cuja história corresponde à história do mundo.86 86 BRÉHIER, 1997, p. 10-11.

O universo existe graças a uma espécie de harmonia que garante o acordo de todas as coisas terrestres e celestes.87 87 DIOGÈNE LAËRCE, Vies et opinions des philosophes, VII, 140 (ST, p. 61). É que, segundo os estoicos, existem três tipos básicos de mistura: a) a justaposição, em que partes de elementos diferentes são mescladas, mas não dão origem a um terceiro elemento, como na mistura de sal e açúcar; b) a fusão, em que se cria um novo ente com base na mistura de outros; c) a mescla total (krasis di'holón, total simul), na qual a mistura destrói os elementos originais mantendo, contudo, as suas propriedades específicas. Nesta terceira espécie de mistura os elementos originais podem ser sintetizados novamente e extraídos da mescla. De acordo com a Física estoica, é este tipo de mistura que compõe o universo, o que explica a necessidade das periódicas conflagrações em que os elementos originais - fogo, água, ar e terra - são separados da mescla para se associarem novamente em um novo ciclo.88 88 ALEXANDER, On mixture, 216, 14 e 218, 6 (LS, p. 290-291) e STOBAEUS, Anthologium, I, 155 (LS, p. 291). Com base em Alexandre de Afrodísias, White explica que por conta da mistura universal deus permeia toda a matéria, formando-a e conformando-a,89 89 WHITE, 2006, p. 148. da mesma maneira que a alma faz com o corpo, estando em todos os seus lugares ao mesmo tempo.90 90 DIOGÈNE LAËRCE, Vies et opinions des philosophes, VII, 138 (ST, p. 60). Há contato por toda a parte e não simplesmente uma série de elementos causais que fazem girar o cosmos. No universo estoico tudo está ligado a tudo. Não importa o tamanho da área tridimensional ocupada pela mescla total, uma vez que ela se espalha por todo o universo. Chegamos assim a entender que ela não é constituída por corpúsculos ou pedaços que se unem, mas por um único grande corpo no qual inexistem junções ou superfícies separadas.91 91 WHITE, 2006, p. 164. Com o estoicismo inaugura-se o anticorpuscularismo, teoria segundo a qual todos os corpos apresentam estrutura radicalmente contínua, o que parece a White bem pouco promissor para o desenvolvimento da Física contemporânea.92 92 WHITE, 2006, p. 166. Ele está errado. Antecipando algumas teses da Física Quântica com a ideia de mescla total, os filósofos do Pórtico puderam afirmar a interpenetrabilidade dos corpos, eis que não há espaços vazios no mundo. Todos os corpos estão misturados em todos os seus pontos, não havendo conteúdo e nem continente: tudo está em tudo.93 93 BRÉHIER, 1997, p. 41.

Os estoicos oferecem uma visão global e unitária do mundo pretendendo nos convencer de que há um governo racional da realidade.94 94 FREDE, 2006, p. 204-205. O universo se apresenta como corpo unificado que se diversifica pela ação das várias tensões internas que determinam o lugar de cada corpo aparentemente particular na tessitura do cosmos.95 95 BRÉHIER, 1997, p. 42. Segundo a Stoá, há apenas um lugar absoluto no mundo, ocupado pela sua alma, o único corpo verdadeiro. A alma do mundo penetra os corpos parciais e é penetrada por cada um deles em lugares específicos, o que cria a ilusão da pluralidade de corpos.96 96 BRÉHIER, 1997, p. 53. Os limites (pérata) entre os corpos subsistem apenas na mente enquanto "ficções de geômetras"97 97 WHITE, 2006, p. 166. e, como tal, são meros construtos intelectuais98 98 A leitura dos textos de DIOGÈNE LAËRCE, Vies et opinions des philosophes, VII, 135 (ST, p. 59) e de PROCLUS, On Euclid's elements, I, 89 (LS, p. 299) parece legitimar essa interpretação, que é endossada por Long e Sedley, LS, p. 301 e WHITE, 2006, p. 167. e não propriamente incorpóreos, como os classifica Plutarco em prejuízo do Pórtico.99 99 PLUTARCH, On common conceptions, 1080e (LS, p. 299). Se os limites fossem incorpóreos, um corpo iria tocar outro com e em algo imaterial. Assistiríamos assim à ação de um incorpóreo, o que é impossível, por ser este ente totalmente passivo. Em uma tal hipótese, a Física estoica seria destruída.

A Cosmologia estoica não admite o atomismo dos epicureus, inscrevendo-se entre as teorias filosóficas antigas que descreviam a realidade como um continuum100 100 DIOGÈNE LAËRCE, Vies et opinions des philosophes, VII, 150 (ST, p. 64), SEXTUS EMPIRICUS, Against the professors, 10, 121-126 e 139-142 (LS, p. 299-300) e STOBAEUS, Anthologium, I, 142 (LS, p. 297). indeterminado - mas determinável - de espaço.101 101 BOBZIEN, 2005, p. 16-17. Uma das grandes intuições do Pórtico, que novamente pressagiou as atuais concepções da Física Quântica, reside na crença de que os corpos são divisíveis ao infinito, não havendo que se falar em unidades básicas da existência. Para os estoicos, qualquer parcela de um corpo pode ser fracionada indefinidamente, o que garante a linearidade e a unicidade de seu sistema cosmológico. O lógos se manifesta em cada uma das partes e, ao mesmo tempo, em todo o universo, penetrando o Real de modo inteligível e progressivo: nos ossos o lógos se mostra como força de coesão; nas plantas, como princípio de crescimento; na parte diretora da alma, revela-se enquanto intelecto102 102 DIOGÈNE LAËRCE, Vies et opinions des philosophes, VII, 156 (ST, p. 60). que irmana homens e deuses. Trata-se de uma scala naturae pela qual a razão está em todos os corpos, do mais bruto ao mais sutil.103 103 FREDE, 2006, p. 206. Perpassando toda a realidade, o lógos estoico inaugura um materialismo sui generis, integralmente racional, unificado e fundamentado em uma causalidade inescapável própria de um continuum energético de corpos.

Para comprovar a tese estoica acerca da comunicação entre todos os elementos do mundo, Crisipo oferece uma resposta paradoxal ao problema do continuum espacial posto por Demócrito, que nos convida a considerarmos um cone e as suas várias seções cônicas, circulares e vizinhas. Se afirmarmos que tais seções são desiguais umas das outras, de maneira que há seções menores e maiores de acordo com o aumento da abertura circular do cone, devemos forçosamente admitir que a superfície (epiphaneía) do cone é irregular e não lisa, pois as diferenças entre os tamanhos das seções, ainda que mínimas, produziriam rugosidades, o que não corresponde à realidade fenomênica. Por outro lado, se entendermos que as seções são iguais, não se trata, obviamente, de um cone, mas de um cilindro. Pois bem, Crisipo resolve o paradoxo afirmando que as seções cônicas não são iguais e nem desiguais entre si:104 104 PLUTARQUE, Des notions communes contre les stoïciens, XXXIX (ST, p. 171). elas simplesmente não existem, assim como não existe qualquer divisão no espaço.105 105 BRÉHIER, 1997, p. 7-8. Todos os corpos são, em última análise, um único e imenso corpo: o universo. Nele tudo está interligado e somente por meio de operações mentais arbitrárias falamos em partes e em todo.

Tudo está conectado porque tudo é um único corpo. Acreditar que os corpos terminam onde percebemos as suas superfícies não passa de um erro grosseiro, uma ilusão proporcionada pelos nossos sentidos imperfeitos. De acordo com a Stoá, os corpos não se tocam por meio de suas superfícies; eles se interpenetram. O que experimentamos sensivelmente como a aparente superfície de determinado corpo nada mais é do que o começo de sua degradação progressiva, que termina apenas nos limites exteriores do universo (to hólon) que fazem fronteira com o vazio.106 106 TATAKIS, 1931, p. 111. Por meio da mescla total, a racionalidade cósmica estoica une sem confundir, encontrando a unidade na diversidade fenomênica. Por isso estamos sujeitos a uma única lei natural (nómos physikós), poderosa o suficiente para sujeitar o mundo a ciclos periódicos nos quais tudo se dissolve pela ação das conflagrações (ekpyrôsis). Mas o cosmos é eterno. Deus não o destrói, apenas o consome por meio das conflagrações de modo a recriá-lo infinitamente a partir da unidade primeva.107 107 ALGRA, 2006, p. 192. A teoria das conflagrações foi gestada pelo antigo estoicismo para fazer face ao criticismo dos peripatéticos. Baseados nos argumentos de Aristóteles (De caelo 279b et seq.), eles acreditavam na eternidade do mundo.108 108 TATAKIS, 1931, p. 103. Também os Acadêmicos, avessos aos dogmatismos estoicos, negavam o eterno retorno que fundamenta as conflagrações periódicas. Dentro da própria Stoá surgiram dissensões. Boetus, discípulo de Diógenes de Babilônia, se perguntava como o ser pode surgir do não-ser, pois segundo a ideia tradicional o mundo seria totalmente destruído para depois renascer do nada. E mais: de que se ocupa deus durante as conflagrações? Quais seriam as causas desse cataclismo, já que nada externo ou interno ao universo pode extingui-lo?109 109 TATAKIS, 1931, p. 104. A reação ortodoxa não tardou. Explica o Pórtico que o motivo das conflagrações reside na gradativa falta de umidade no mundo, fenômeno que seca o cosmos e provoca periodicamente um incêndio purificador. Segundo o testemunho de Crisipo, o mundo arde quando não resta mais água sobre a terra, o que ocorre a cada 365 vezes 18.000 anos.110 110 Apud BERA, 2002, p. 98.

Provavelmente os estoicos tinham em mente o grande ano (annus magnus ou perfectus)111 111 WHITE, 2006, p. 157. - aludido por Platão (Timeu, 39d) e por Cícero112 112 CICÉRON, De la nature des dieux, II, XX, 51-53 (ST, p. 427-428). - quando imaginaram as conflagrações. Grande ano é o período que os corpos celestes levam para se encontrar todos na mesma posição relativa, i.e., uns em relação aos outros. Parece que o conceito foi introduzido por Pitágoras,113 113 ARNOLD, 1971, p. 193. tendo sido de capital importância para os alquimistas, que nele viam sentidos hermético-propiciatórios. A postulação do grande ano também foi fundamental para a astronomia indiana, que o conheceu graças a fontes gregas hoje perdidas.114 114 JONES, 2006, p. 373. Os medievais calcularam-no em 15.000 anos solares, enquanto modernamente diz-se que equivale a 25.868 anos solares,115 115 Para o cálculo do grande ano, cf. WAERDEN, 1952, p. 129-157. tempo que o ponto da Primavera leva para percorrer todo o Zodíaco.116 116 ROOB, 2006, p. 72. Assim, as conflagrações ocorreriam a cada grande ano,117 117 SVF, II, 596, 599 e 625. quando a Terra, as estrelas e os demais corpos celestes estivessem posicionados exatamente como estavam no momento da criação do cosmos. Na tessitura teórica do estoicismo as conflagrações garantem a preeminência do princípio da mudança na continuidade, garantidor da incorruptibilidade do fogo-demiurgo original que, diferentemente do fogo comum integrante dos quatro elementos,118 118 STOBAEUS, Anthologium, I, 213 (LS, p. 275). identifica-se com Zeus,119 119 Também chamado pelos estoicos de deus, inteligência ou destino. Cf. DIOGÈNE LAËRCE, Vies et opinions des philosophes, VII, 135 (ST, p. 59). o pai de todas as coisas e senhor do tempo.120 120 AETIUS, De placitis reliquiae, I, 7, 33 (LS, p. 274). A teoria das conflagrações demonstra a constância da Providência condutora do mundo, valendo como garantia contra as mudanças e a aparente instabilidade das coisas: o destino de tudo é conflagrar-se, queimar-se no fogo-artesão descrito por Heráclito e renascer para cumprir periódicos ciclos cósmicos.

Segundo Sêneca, após o mundo ter se dissolvido e os deuses terem se mesclado em um só com a suspensão momentânea das leis da natureza, Júpiter, confiando em si, recolhe-se à sua interioridade para meditar e dar origem novamente ao mundo, postura que deve ser imitada pelo sábio estoico quando se encontra em situações tidas pelos homens comuns como negativas. Espelhando-se no Júpiter das conflagrações, o sábio deve se concentrar em si, ficar sozinho consigo mesmo121 121 SÉNECA, 2006, p. 38-39. e criar um novo universo ético. Com base em evidências doxográficas da autoria de Orígenes e de Plutarco, White nos diz que o deus estoico existe em sua plenitude apenas durante as conflagrações, quando o todo se recolhe ao todo e o bem-razão se concentra. Durante a conflagração deus detém o todo da substância (tèn hólen ousían), sendo que nesse momento a alma do mundo cresce continuamente até consumir toda a matéria, interiorizando-a.122 122 WHITE, 2006, p. 153. Diferentemente, nos períodos "normais" da existência do mundo, deus se apresenta apenas enquanto imanência, identificando-se com o princípio ativo ou alma universal, o que levou muitos filósofos antigos a criticarem o estoicismo por confundir, na pessoa de deus, os conceitos de matéria e forma. Os estoicos responderam dizendo que as qualidades das coisas corpóreas são, elas mesmas, corpos,123 123 WHITE, 2006, p. 145-146. com o que a imanência formal de deus passa a ser entendida como elemento material.

Durante a conflagração tudo se reverte ao princípio ativo, tudo se transforma em fogo e em espírito (pneûma). Panécio dissente da ortodoxia estoica em razão desse ponto específico. Para ele não há conflagrações, eis que o mundo seria eterno. Isso também indicaria que, ao contrário do que pensavam Zenão e Crisipo, o mundo não é um ser vivo, já que nenhum animal pode viver para sempre.124 124 ARNOLD, 1971, p. 103. Profundamente materialista, Panécio julga impossível que o mundo se reverta ao princípio ativo, assim como é impensável que a alma sobreviva sem o corpo. Na verdade, diz Panécio, a mistura entre os quatro elementos configura-se como uma proporção constante e eterna.125 125 TATAKIS, 1931, p. 107-108. Contudo, a ideia de proporção ou medida perpétua que guia e mantém unívoco o universo não parece ser conflitante com a possibilidade das conflagrações; ao contrário, estas pressupõem aquela. A tese de Panécio não resiste à argumentação de Heráclito, inspiração maior do Pórtico: "Esta ordem do mundo [a mesma de todos] não criou nenhum dos deuses, nem dos homens, mas sempre existiu e existe e há-de existir: um fogo sempre vivo, que se acende com medida e com medida se extingue".126 126 Fr. 30, 217; KRS, p. 205.

A Física do estoicismo não se resolve em qualquer evolucionismo, dado que o mundo e os homens são sempre os mesmos nos infinitos ciclos cósmicos que atravessam. No ritmo vital de Zeus assentam-se as noções de estabilidade e de mudança, visto que os ciclos são necessários e não lúdicos ou gratuitos. O fogo original se entremostra absoluto, fatal e imodificável, tal como a fortaleza moral no homem de virtude, que não se incomoda com aquilo que lhe é exterior.127 127 ILDEFONSE, 2007, p. 64-66. O mundo se dilata no vazio infinito e arde graças à ação do fogo-demiurgo, que é o próprio Zeus. Garante-se assim a vitalidade cósmica e o dinamismo do lógos, que submete o universo à lei do eterno retorno, tudo regenerando e divinizando. Na contramão de Platão e de Aristóteles e retomando o pensamento pré-socrático, os estoicos entendiam que o mundo deve ser corruptível, já que é produto de geração. Segundo a imutável lei da natureza, tudo o que nasce deve morrer, inclusive o mundo. Todavia, ele renasce continuamente pela ação da palingenesia.128 128 REALE, 2004, p. 116-117. Depois da conflagração, o universo se refaz e se apresenta exatamente como era antes, inclusive com as mesmas pessoas, que repetirão os mesmos atos e viverão as mesmas vidas.129 129 LACTANTIUS, Divine institutes, 7, 23 (LS, p. 308) e ORIGEN, Against Celsus, 4, 68 e 5, 20 (LS, p. 310). Haverá de novo um Sócrates e um Platão, comenta o bispo e filósofo neoplatônico Nemésio com fincas em textos estoicos hoje perdidos.

Não podemos então falar em novos ciclos, mas antes na infinita recorrência130 130 Para o entendimento do conceito estoico de recorrência, cf. SALLES, 2003, p. 253-272. de um mesmo ciclo131 131 EUSEBIUS, Evangelical preparation, 15, 19 (LS, p. 309). que se repete indefinidamente.132 132 ALEXANDER, On Aristotle's prior analytics, 180, 33-36 e 181, 23-31 (LS, p. 309-310) e SIMPLICIUS, On Aristotle's physics, 886, 12-16 (LS, p. 309). Tal ocorre assim porque o mundo, governado pela razão, se organiza da melhor maneira possível, o que corresponde a apenas uma possibilidade entre infinitas outras. Isso quer dizer que, para o Pórtico, o mundo como é corresponde exatamente ao mundo como deve ser segundo a lei cósmica, motivo pelo qual nada pode ser renovado com as conflagrações, que criam sempre o mesmo mundo porque ele é o melhor dentre todos os possíveis.133 133 ARISTOCLES apud EUSEBIUS, Evangelical preparation 15, 14, 2 (LS, p. 276). O mundo compõe-se assim de uma substância única que mantém as coisas em constante movimento, umas cedendo lugar às outras periodicamente segundo a lei do eterno retorno134 134 ÉPICTÈTE, Entretiens, III, XXIV, 10 (ST, p. 1021). na qual Borges viu a marca indelével do pensamento hindu, presente tanto na filosofia pitagórica como na estoica. Segundo os antigos Vedas, o mundo morre e renasce infinitamente, repetindo grandes ciclos que se contam por calpas, unidade de medida que transcende a imaginação humana.135 135 " Imaginemos una pared de hierro. Tiene dieciséis millas de alto y cada seiscientos años un ángel la roza. La roza con una tela finísima de Benares. Cuando la tela haya gastado la muralla que tiene dieciséis millas de alto, habrá pasado el primer día de una de las calpas y los dioses duran lo que duran las calpas y despúes mueren" (BORGES, 2005, p. 272-273).

Conclui-se assim que para os estoicos, à diferença dos epicuristas, a Física não se identifica com um simples processo de explicação e de desmistificação da realidade natural, correspondendo antes a uma moral e a um modo de vida racional. A Física estoica já é sabedoria e não apenas um simples meio para alcançá-la.

Recebido em 11/08/2009.

Aprovado em 24/02/2010.

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  • SELLARS, John. Stoicism Berkeley: University of California, 2006.
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  • SÊNECA. Sobre a vida feliz Trad., introdução e notas João Teodoro D'Olim Marote. São Paulo: Nova Alexandria, 2005.
  • SPINOZA, Ethica, I, prop. 17, corol. 2, esc. In: SPINOZA, Baruch. The collected works of Spinoza Ethica. Trad. and edition E. Curley. Princeton: Princeton University, 1985. v. 1.
  • TATAKIS, Basile N. Panétius de Rhodes, le fondateur du moyen stoicisme: sa vie et son oeuvre. Paris: J. Vrin, 1931.
  • VERBEKE, Gerard. L'évolution de la doctrine du pneuma: du stoicisme a S. Augustin. Paris: Desclée de Brouwer; Louvain: Institut Superieur de Philosophie, 1945.
  • WAERDEN, Bartel Leendert van der. Das grosse Jahr und die ewige Wiederkehr. Hermes: Zeitschrift fur Klassische Philologie Wiesbaden, n. 80, p. 129-157, 1952.
  • WHITE, Michael J. Filosofia natural estóica (física e cosmologia). In: INWOOD, Brad (Org.). Os estóicos Trad. Paulo Fernando Tadeu Ferreira e Raul Fiker. São Paulo: Odysseus, 2006. p. 139-169.
  • 1
    Foram utilizadas neste texto, entre outras, as seguintes coleções de fragmentos estoicos e de filósofos antigos, indicadas no artigo pelas siglas em negrito: 1) ARNIM, 1968 [
    SVF]. É esta a compilação clássica; 2) INWOOD; GERSON (Org.), 1997 [
    IG]; 3) KIRK; RAVEN; SCHOFIELD. [
    KRS]; 4) LONG; SEDLEY (Org.), 2006. [
    LS]. Este volume é tido como a melhor compilação de fragmentos da Filosofia Helenística, superando atualmente a obra de Arnim no que se relaciona aos estoicos; 5) SCHUHL, 2002 [
    ST]. Reúne o essencial dos escritos do estoicismo greco-romano, todos eles acompanhados de copiosas notas e de esclarecedoras notícias.
  • 2
    ALGRA, 2006, p. 173.
  • 3
    LIMA VAZ, Henrique Cláudio de.
    Escritos de filosofia IV: introdução à ética filosófica 1. Loyola: São Paulo, 1999, p. 153.
  • 4
    SELLARS, 2006, p. 83.
  • 5
    HAHM, 1977, p. 3.
  • 6
    GOLDSCHMIDT, 1953.
  • 7
    BRUNSCHWIG, 2006, p. 236.
  • 8
    In: CHÂTELET, p.172 et seq.
  • 9
    LS, p. 164.
  • 10
    BRUNSCHWIG, 2006, p. 244.
  • 11
    SÉNECA, 2006, XCV, 13-15, p. 346.
  • 12
    LS, p. 163-166.
  • 13
    BRUNSCHWIG, p. 247.
  • 14
    DIOGÈNE LAËRCE,
    Vies et opinions des philosophes, VII, 61 (ST, p. 36).
  • 15
    BRUNSCHWIG, p. 243-251.
  • 16
    CASTON, 1999, p. 215-247.
  • 17
    WHITE, 2006, p. 143.
  • 18
    CICÉRON.
    De la nature des dieux, II, XXXVII, 93 (ST, p. 442).
  • 19
    "Todas as coisas são uma igual troca pelo fogo e o fogo por todas as coisas, como as mercadorias o são pelo ouro e o ouro pelas mercadorias" (Fr. 90, 219, KRS, p. 205).
  • 20
    DIOGÈNE LAËRCE,
    Vies et opinions des philosophes, VII, 156 (ST, p. 66).
  • 21
    LIMA VAZ, p. 150.
  • 22
    ILDEFONSE, p. 26.
  • 23
    "Ou um mundo organizado, ou uma papa, um amontoado sem ordem. É possível, acaso, subsista alguma ordem em ti, mas desordem no universo, e isso quando tudo se acha tão combinado, tão fundido, tão solidário?" (MARCO AURÉLIO, 27 [MARCO AURÉLIO, 1973, p. 285]).
  • 24
    IRWIN, 2006, p. 390-392.
  • 25
    A ideia estoica - também presente no
    Timeu de Platão - segundo a qual o planeta é um animal vivo de forma esférica foi retomada pela tradição mística do hermetismo neoplatônico, especialmente por Athanasius Kircher. Cf. ROOB, 2006, p. 163.
  • 26
    CICÉRON,
    De la nature des dieux, II, XI, 29 (ST, p. 419).
  • 27
    DIOGÈNE LAËRCE,
    Vies et opinions des philosophes, VII, 139 (ST, p. 60).
  • 28
    DIOGÈNE LAËRCE,
    Vies et opinions des philosophes, VII, 138 (ST, p. 60).
  • 29
    MARCO AURÉLIO, IV, 40, p. 286.
  • 30
    CICÉRON,
    De la nature des dieux, II, VIII, 21-22 (ST, p. 416-417) e DIOGÈNE LAËRCE,
    Vies et opinions des philosophes, VII, 142-143 (ST, p. 61-62).
  • 31
    TATAKIS, 1931, p. 89.
  • 32
    BLOCH, 1980, p. 15.
  • 33
    HAHM, 1977, p. 136.
  • 34
    MARCO AURÉLIO, VII, 9, p. 299-300.
  • 35
    SÊNECA, 2005, VIII, 4, p. 39.
  • 36
    Fr. 67, 204; KRS, p. 197.
  • 37
    Long apresenta várias semelhanças e dessemelhanças verificáveis entre o estoicismo e a filosofia de Spinoza. Cf. LONG, 2006, p. 407-418.
  • 38
    ALGRA, 2006, p. 171.
  • 39
    Tal porque, segundo Possidônio, a forma esférica é a que melhor se adapta ao movimento. Cf. DIOGÈNE LAËRCE,
    Vies et opinions des philosophes, VII, 140 (ST, p. 60).
  • 40
    ILDEFONSE, 2007, p. 33.
  • 41
    Fr. 50, 196; KRS, p. 193.
  • 42
    A concepção de tensões como meios de manutenção da unidade do mundo provém originalmente de Heráclito: "Eles não compreendem como é que o que está em desacordo concorda consigo mesmo [
    à letra: como o que estando separado se reúne consigo mesmo]: há uma conexão de tensões opostas, como no caso do arco e da lira" (Fr. 51, 209; KRS, p. 199).
  • 43
    PLUTARCH,
    Stoic self-contradictions, 1053f-1054b (IG, p. 171).
  • 44
    LONG, 2006, p. 410.
  • 45
    NEMESIUS,
    De natura hominis, 70-71 (IG, p. 283).
  • 46
    WHITE, 2006, p. 150.
  • 47
    HANKINSON, 2006, p. 331. Cf. também VERBEKE, 1945.
  • 48
    Para uma análise da noção estoica de representação e uma breve exposição da consequente teoria da mente, cf. ARTHUR, 1983, p. 69-78.
  • 49
    SÉNECA,
    Cartas a Lucilio, XCII, 27, p. 316.
  • 50
    SPINOZA,
    Ethica, I, prop. 17, corol. 2, esc. In: SPINOZA, 1985.
  • 51
    Sobre as pré-noções, cf. JACKSON-McCABE, 2004, p. 323-347.
  • 52
    ALGRA, 2006, p. 176.
  • 53
    DUHOT, 2006, p. 85.
  • 54
    O tema é explorado com detalhes em BOYANCÉ, 1962, p. 46-71.
  • 55
    ALGRA, 2006, p. 180-181.
  • 56
    CICÉRON,
    De la nature des dieux, II, VI-VII, 18 (ST, p. 415-416). Algra discorda de nossa interpretação e sustenta que, apesar da fórmula de Santo Anselmo estar presente de maneira embrionária em alguns textos estoicos semelhantes ao de Cícero que ora citamos, esses filósofos não conceberam a divindade como verdade imediata e evidente, como faz Anselmo ao derivar os atributos divinos do próprio conceito de Deus. Cf. ALGRA, 2006, p. 184.
  • 57
    DIOGÈNE LAËRCE,
    Vies et opinions des philosophes, VII, 147 (ST, p. 63).
  • 58
    ALGRA, 2006, p. 184-189.
  • 59
    DUHOT, 2006, p. 79-80.
  • 60
    ALGRA, 2006, p. 185.
  • 61
    Notar a contradição dessa ideia com a informação veiculada por Diógenes Laércio, para quem o deus estoico é imortal. Cf. DIOGÈNE LAËRCE,
    Vies et opinions des philosophes, VII, 147 (ST, p. 63).
  • 62
    DUHOT, 2006, p. 59.
  • 63
    SEXTUS EMPIRICUS,
    Against the professors, 9, 75-76 (LS, p. 269).
  • 64
    LONG, 2006, p. 410.
  • 65
    SPINOZA,
    Ethica, I, prop. 29, esc.
  • 66
    SPINOZA,
    Ethica, II, prop. 7, esc.
  • 67
    SPINOZA,
    Ethica, II, prop. 13, esc.
  • 68
    SPINOZA,
    Ethica, II, prop. 7, esc.
  • 69
    LONG, 2006, p. 411-412.
  • 70
    Para o estoicismo, "corpo" é tudo aquilo que pode ser sujeito ativo ou passivo de algum fenômeno causal.
  • 71
    BRÉHIER, 1997, p. 6.
  • 72
    ROOB, 2006, p. 552.
  • 73
    WHITE, 2006, p. 144.
  • 74
    BRUNSCHWIG, 2006, p. 234.
  • 75
    BRUNSCHWIG, 2006, p. 233.
  • 76
    DUHOT, 2006, p. 61.
  • 77
    BRUNSCHWIG, 2006, p. 234-235.
  • 78
    MARCO AURÉLIO,
    Meditações, VI, 35, p. 297.
  • 79
    BERA, 2002, p. 19.
  • 80
    SÉNECA, 2006, p. 167.
  • 81
    HAHM, 1977, p. 44.
  • 82
    DIOGÈNE LAËRCE,
    Vies et opinions des philosophes, VII, 134 (ST, p. 58-59).
  • 83
    DIOGÈNE LAËRCE,
    Vies et opinions des philosophes, VII, 137 (ST, p. 59).
  • 84
    BOBZIEN, 2005, p. 17.
  • 85
    DIOGÈNE LAËRCE,
    Vies et opinions des philosophes, VII, 137 (ST, p. 59).
  • 86
    BRÉHIER, 1997, p. 10-11.
  • 87
    DIOGÈNE LAËRCE,
    Vies et opinions des philosophes, VII, 140 (ST, p. 61).
  • 88
    ALEXANDER,
    On mixture, 216, 14 e 218, 6 (LS, p. 290-291) e STOBAEUS,
    Anthologium, I, 155 (LS, p. 291).
  • 89
    WHITE, 2006, p. 148.
  • 90
    DIOGÈNE LAËRCE,
    Vies et opinions des philosophes, VII, 138 (ST, p. 60).
  • 91
    WHITE, 2006, p. 164.
  • 92
    WHITE, 2006, p. 166.
  • 93
    BRÉHIER, 1997, p. 41.
  • 94
    FREDE, 2006, p. 204-205.
  • 95
    BRÉHIER, 1997, p. 42.
  • 96
    BRÉHIER, 1997, p. 53.
  • 97
    WHITE, 2006, p. 166.
  • 98
    A leitura dos textos de DIOGÈNE LAËRCE,
    Vies et opinions des philosophes, VII, 135 (ST, p. 59) e de PROCLUS,
    On Euclid's elements, I, 89 (LS, p. 299) parece legitimar essa interpretação, que é endossada por Long e Sedley, LS, p. 301 e WHITE, 2006, p. 167.
  • 99
    PLUTARCH,
    On common conceptions, 1080e (LS, p. 299).
  • 100
    DIOGÈNE LAËRCE,
    Vies et opinions des philosophes, VII, 150 (ST, p. 64), SEXTUS EMPIRICUS,
    Against the professors, 10, 121-126 e 139-142 (LS, p. 299-300) e STOBAEUS,
    Anthologium, I, 142 (LS, p. 297).
  • 101
    BOBZIEN, 2005, p. 16-17.
  • 102
    DIOGÈNE LAËRCE,
    Vies et opinions des philosophes, VII, 156 (ST, p. 60).
  • 103
    FREDE, 2006, p. 206.
  • 104
    PLUTARQUE,
    Des notions communes contre les stoïciens, XXXIX (ST, p. 171).
  • 105
    BRÉHIER, 1997, p. 7-8.
  • 106
    TATAKIS, 1931, p. 111.
  • 107
    ALGRA, 2006, p. 192.
  • 108
    TATAKIS, 1931, p. 103.
  • 109
    TATAKIS, 1931, p. 104.
  • 110
    Apud BERA, 2002, p. 98.
  • 111
    WHITE, 2006, p. 157.
  • 112
    CICÉRON,
    De la nature des dieux, II, XX, 51-53 (ST, p. 427-428).
  • 113
    ARNOLD, 1971, p. 193.
  • 114
    JONES, 2006, p. 373.
  • 115
    Para o cálculo do grande ano, cf. WAERDEN, 1952, p. 129-157.
  • 116
    ROOB, 2006, p. 72.
  • 117
    SVF, II, 596, 599 e 625.
  • 118
    STOBAEUS,
    Anthologium, I, 213 (LS, p. 275).
  • 119
    Também chamado pelos estoicos de deus, inteligência ou destino. Cf. DIOGÈNE LAËRCE,
    Vies et opinions des philosophes, VII, 135 (ST, p. 59).
  • 120
    AETIUS,
    De placitis reliquiae, I, 7, 33 (LS, p. 274).
  • 121
    SÉNECA, 2006, p. 38-39.
  • 122
    WHITE, 2006, p. 153.
  • 123
    WHITE, 2006, p. 145-146.
  • 124
    ARNOLD, 1971, p. 103.
  • 125
    TATAKIS, 1931, p. 107-108.
  • 126
    Fr. 30, 217; KRS, p. 205.
  • 127
    ILDEFONSE, 2007, p. 64-66.
  • 128
    REALE, 2004, p. 116-117.
  • 129
    LACTANTIUS,
    Divine institutes, 7, 23 (LS, p. 308) e ORIGEN,
    Against Celsus, 4, 68 e 5, 20 (LS, p. 310).
  • 130
    Para o entendimento do conceito estoico de recorrência, cf. SALLES, 2003, p. 253-272.
  • 131
    EUSEBIUS,
    Evangelical preparation, 15, 19 (LS, p. 309).
  • 132
    ALEXANDER,
    On Aristotle's prior analytics, 180, 33-36 e 181, 23-31 (LS, p. 309-310) e SIMPLICIUS,
    On Aristotle's physics, 886, 12-16 (LS, p. 309).
  • 133
    ARISTOCLES
    apud EUSEBIUS,
    Evangelical preparation 15, 14, 2 (LS, p. 276).
  • 134
    ÉPICTÈTE,
    Entretiens, III, XXIV, 10 (ST, p. 1021).
  • 135
    "
    Imaginemos una pared de hierro. Tiene dieciséis millas de alto y cada seiscientos años un ángel la roza. La roza con una tela finísima de Benares. Cuando la tela haya gastado la muralla que tiene dieciséis millas de alto, habrá pasado el primer día de una de las calpas y los dioses duran lo que duran las calpas y despúes mueren" (BORGES, 2005, p. 272-273).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Jul 2010
    • Data do Fascículo
      Jun 2010

    Histórico

    • Aceito
      24 Fev 2010
    • Recebido
      11 Ago 2009
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