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A meditatio mortis montaigniana

Resumos

Este artigo investiga o ensaio "Que philosopher c'est apprendre a mourir", de Michel de Montaigne. Trata-se de um texto que é um bom exemplo da forma como o filósofo rejeita a tradição metafísica na qual o problema da morte sempre foi pensado. Mostramos que a originalidade deste ensaio reside no fato de Montaigne nos aconselhar a seguir a natureza, que, em seu pensamento, se confunde com o costume.

ensaio; morte; costume


This paper investigates the essay "Que philosopher c'est apprendre a mourir", by Michel de Montaigne. This text is a good example of how the philosopher rejects the metaphysical tradition in which the problem of death has always been thought. We expose that the originality of this essay lies in the fact that Montaigne advises us to follow nature, which, in his thought, is indistinguishable from custom.

essay; death; custom


ARTIGOS

A meditatio mortis montaigniana* * Este artigo é uma versão bastante reduzida de um dos capítulos da tese A meditação da morte em Montaigne, que defendi em maio de 2012 na Universidade de São Paulo. Mais uma vez agradeço a apreciação que dela fez a banca examinadora: Sérgio Cardoso (orientador), Maria Cristina Theobaldo, Maria das Graças de Souza, Sérgio Araújo e Telma Birchal.

Eduino José Orione

Professor do Departamento de Letras da UNIFESP, E-mail: eduino.jose@unifesp.br

RESUMO

Este artigo investiga o ensaio "Que philosopher c'est apprendre a mourir", de Michel de Montaigne. Trata-se de um texto que é um bom exemplo da forma como o filósofo rejeita a tradição metafísica na qual o problema da morte sempre foi pensado. Mostramos que a originalidade deste ensaio reside no fato de Montaigne nos aconselhar a seguir a natureza, que, em seu pensamento, se confunde com o costume.

Palavras-chave: ensaio; morte; costume

ABSTRACT

This paper investigates the essay "Que philosopher c'est apprendre a mourir", by Michel de Montaigne. This text is a good example of how the philosopher rejects the metaphysical tradition in which the problem of death has always been thought. We expose that the originality of this essay lies in the fact that Montaigne advises us to follow nature, which, in his thought, is indistinguishable from custom.

Keywords: essay; death; custom

O ensaio "Que filosofar é aprender a morrer" (I,20) está entre aqueles que Montaigne escreveu logo que iniciou a composição dos Ensaios, e aproxima-se muito da leçon (um conjunto de citações e de exemplos que serviam de base para reflexões de caráter moral). Porém, ainda que incorpore ensinamentos da tradição literária, não se trata apenas de uma "lição". Prova disso é Montaigne se valer de autores estoicos e epicuristas, fazendo um uso livre de suas formulações éticas e desvinculando-as de seu solo metafísico de origem. O resultado é, como pretendemos mostrar aqui, uma apropriação particular do vocabulário ético helenístico ("seguir a natureza").

A estrutura argumentativa do ensaio compõe-se de quatro partes: a 1ª (parágrafos 1 e 2) relaciona o mote "filosofar é aprender a morrer" à vida feliz por meio de uma oposição entre a virtude e a volúpia; a 2ª (parágrafos 3-28) apresenta um embate entre a posição de Montaigne e a do "vulgo"; a 3ª (parágrafos 29-47) é composta pelo "monólogo da Natureza"; por fim, na conclusão (parágrafo 48), o autor critica as práticas funerais de sua época. Vejamos em detalhe cada uma delas.

A 1ª parte é composta pelos dois parágrafos iniciais: o primeiro é bastante curto, o segundo é um pouco mais extenso e desdobra a questão levantada no anterior: a apresentação do mote herdado da Antiguidade. Montaigne mostra que a noção segundo a qual a filosofia é uma preparação para a morte possui duas origens, a platônica (da qual ele se afasta), e a helenística (da qual ele a princípio se aproxima): "Diz Cícero que filosofar não é outra coisa senão preparar-se para a morte" (I, 20, 81/120)1 1 MONTAIGNE, Michel de. Les Essais. Paris: PUF, 1999 (3 volumes). Todas as citações originais de Montaigne foram extraídas desta edição e aparecerão em francês nas notas de rodapé, como neste caso: "Ciceron dit que Philosopher ce n'est autre chose que s'aprester à la mort". Indicaremos, respectivamente, com algarismo romano o livro e com algarismos arábicos o capítulo e as páginas da edição Villey e da tradução brasileira (citada no corpo do artigo) de Rosemary Abílio para a editora Martins Fontes (São Paulo, 2000/2002). . Não deixa de ser significativa a menção a Cícero como fonte do mote, pois é mais que sabido que a sua origem encontra-se em Platão, que cunhou-o no Fédon, com o qual as Tusculanas mantêm uma relação direta. No sentido platônico, a preparação para a morte reside na filosofia ser um exercício ascético de separação da alma (que conhece) em relação ao corpo (que obscurece o conhecimento, pelos desvios que os sentidos impõem à alma). Este divórcio prenuncia a morte, que nada mais é do que a separação da alma (imortal) de seu invólucro carnal – o corpo (mortal). Ao contrário de ver na filosofia o exercício antecipatório de uma separação alma/corpo, os helenísticos, para os quais a vida humana é finita, veem na aceitação da morte algo necessário para a construção de uma vida feliz; ela faz parte da condição humana; precisamos aceitá-la como uma imposição da natureza. Para os estoicos a morte não deve ser temida, seja porque não é um mal, e sim um "indiferente" (ocasião de aprimoramento moral), seja por fazer parte da ordem racional e divina da natureza. Ambas as filosofias sabem o que é a morte; os ensinamentos morais delas oriundos, relativos à finitude humana, têm, portanto, uma forte sustentação ontológica.

Já na 1ª parte do ensaio Montaigne não adere a nenhuma corrente em particular quando afirma que as escolas (toute la sagesse et discours) que viram a filosofia como preparação para a morte coincidem ao dizer que filosofar é ensinar o homem a viver bem (a ser feliz), o que tem como correlato o destemor da morte. Todos concordam em que os homens desejam ser felizes, e em que a filosofia é o caminho para se chegar à felicidade: "Na verdade, ou a razão se abstém ou ela deve visar apenas a nosso contentamento, e todo o seu trabalho deve ter como objetivo, em suma, fazer-nos viver bem e a nosso gosto (aise)" (I, 20, 81/120)2 2 "De vray, ou la raison se mocque, ou elle ne doit viser qu'a nostre aise" . Convém dizer que o termo aise ("bem estar") associa-se à eudaimonia enquanto vida boa e bem sucedida. A filosofia nos põe na direção correta de sermos felizes, o que nasce não da entrega às paixões, mas do exercício do julgamento e do cálculo correto da ação. O 1o parágrafo termina afirmando que todos coincidem na ideia de que o papel da filosofia é o de conduzir os homens à vida feliz e de ensiná-los a viver bem: "Todas as opiniões do mundo coincidem em que o prazer é nossa meta (but), embora adotem meios diferentes para isso" (I, 20, 81/120)3 3 "Toutes les opinions du monde sont là, que le plaisir est nobre but, quoy qu'elles en prennent divers moyens" . Esta referência ao plaisir assinala que a reflexão montaigniana sobre a morte está vinculada ao tema da felicidade humana e do lugar que nela é ocupado pelo prazer. Quem desfizesse da felicidade não seria sequer ouvido: "pois quem escutaria alguém que estabelecesse como fim nosso penar e descontentamento?" – completa Montaigne na sequência (I, 20, 81/120)4 4 "car qui escouteroit celuy qui pour sa fin establiroit nostre peine et mesaise" , fazendo questão de reforçar que o consenso entre toutes les opinons acerca da finalidade da vida e dos ensinamentos morais é a busca da felicidade, ainda que haja divergências (divers moyens) quanto à forma da condução mais indicada e eficaz para alcançarmos este fim.

O 2o parágrafo afirma, por sua vez, que as diferenças entre as correntes do pensamento antigo resumem-se a uma pura distinção de palavras: "As dissensões das seitas filosóficas, nesse caso, são verbais" (I, 20, 81/120)5 5 "Les dissensions des sectes Philosophiques, en ce cas, sont verbales" . As discordâncias são sutilezas verbais que não merecem sequer atenção; são fruto de obstinação e de provocação (d'opiniastreté et de picoterie), o que, inclusive, denigre um pouco a reputação de homens entretidos com uma ocupação tão séria (si saincte profession) (I, 20, 81/120). Montaigne confirma a sua independência face à autoridade da tradição, tanto pela incorporação de um ensinamento epicurista (a felicidade liga-se ao prazer) em um ensaio no qual Sêneca está muito presente, como pela redução da polêmica entre as escolas à uma mera "distinção de palavras". Se pensarmos que o estoicismo e o epicurismo constituíram-se pelo embate que travaram entre si, chamar tal discussão de dissenção "verbal" é esvaziar-lhes o dogmatismo. De qualquer forma, independentemente das "diferenças" pouco louváveis encontradas entre as seitas filosóficas, elas concordam naquilo que é decisivo: "Não importa o que eles digam, na própria virtude o fim último a que visamos é a volúpia " (I, 20, 82/120)6 6 "Quoy qu'ils disent, en la vertu mesme, le dernier but de nostre visée, c'est la volupté". .

Este contrapor-se à noção platônico-estoica segundo a qual a vida virtuosa resulta de uma adoção de hábitos austeros e inacessíveis ao homem comum é bastante provocador: "Apraz-me azucriná-los com esse termo pelo qual têm forte aversão" (I, 20, 82/ 120)7 7 "Il me plaist de battre leurs oreilles de ce mot qui leur est si fort à contrecoeur". . Contudo, esta diferença marcada da posição de Montaigne em relação aos que tratam a virtude de maneira mais ascética, dificilmente seria, ela mesma, puramente uma divergência "verbal" menor. Ele não se distingue de muitos (talvez da maioria) por uma simples questão d'opiniastreté et de picoterie, pois existe no ensaio uma concepção bastante particular da vida virtuosa e feliz.

A palavra "volúpia" tem conotações ligadas aos prazeres do corpo, ao sensualismo, à entrega às paixões; usá-la como o termo que designa o fim último da virtude não é algo gratuito ou sem consequências. Ora, Montaigne não apenas utiliza um termo que indica "um supremo prazer e extensa satisfação", mas o aplica à virtude: "ele convém melhor para apoiar a virtude do que para apoiar qualquer outra coisa" (I, 20, 82/120)8 8 "quelque supreme plaisir et excessif contentement" (...) "il est mieux deu à l'assistance de la vertu qu'à nulle autre assistance". . Tal associação entre volúpia e virtude estabelece, porém, uma distinção clara no uso do termo, visando especificar aquilo que torna a virtude voluptuosa, já que, para Montaigne, ela é prazerosa e leva ao contentamento. Para tanto, ele diferencia duas volúpias: uma está ligada à virtude; a outra, plus basse, liga-se às paixões e conduz à dor. Esta distinção leva em conta que a virtude autêntica é mais forte, nervosa, robusta e viril (plus gaillarde, nerveuse, robuste, virile [I, 20, 82/120]). O filósofo chega a criticar o erro de enxergar na "baixa" volúpia a fonte de alegria e de felicidade; ela é desqualificada por ser menos isenta de incômodos e de obstáculos do que a virtude autêntica, que produz autêntica volúpia. Aquilo que existe de negativo na "baixa" volúpia é que, nela, a apreciação dos prazeres é momentânea, fluida e periclitante (son goust est plus momentanée, fluide et caduque [p.82/121]); aqui tudo está ligado aos impulsos e não ao caráter (que é resultado da virtude estável). Fora isso, ela comporta mais dores do que prazeres ("ela tem suas vigílias, seus jejuns e suas lidas, e o suor e o sangue" [I, 20, 82/121]9 9 "elle a ses veillées, ses jeusnes et ses travaux et la sueur et le sang" ), dores que, aparentemente, servem de aguilhão para o prazer ("Erramos grandemente ao julgar que essas inconveniências lhe servem de aguilhão e de comedimento para sua doçura" [I, 20, 82/121]10 10 "Nous avons grand tort d'estimer que ces incommoditez luy servent d'aiguillon et de condiment à sa douceur". ). Tais dores, no fundo, acabam por tornar esta volúpia pesada demais, levando a "uma saciedade tão pesada que se iguala à penitência" (I, 20, 82/121)11 11 "une sacieté si lourde qu'elle equipolle à penitence" .

Só a vida autenticamente conduzida pela virtude é, segundo o autor dos Ensaios, voluptuosa; a sacieté si lourde o é falsamente, visto ser permeada de excesso e desregramento. Por outro lado, Montaigne critica aqueles que afirmam que a vida virtuosa, na qual ele localiza a autêntica volúpia, é dolorosa. Da mesma forma como os defensores da "baixa" volúpia erram ao ver os empecilhos que lhe são próprios como uma espécie de condimento das paixões, como um aguilhão dos prazeres, estão igualmente equivocados aqueles que identificam uma vida virtuosa com uma constante e penosa prática de sacrifícios, que a tornam inacessível à maioria dos homens e acessível a raríssimos sábios. Tal visão é, segundo o filósofo, distorcida; resulta do falso entendimento dos que desconhecem o que seja a virtude. Ele mostra que é incorreto tomar os empecilhos da "baixa" volúpia como componentes que visam a tornar-lhe mais intenso o prazer. E é igualmente incorreto ver nas pretensas dificuldades da vida virtuosa elementos que "enobrecem, aguçam e realçam o prazer divinal e perfeito que ela nos proporciona" (I, 20 82/121)12 12 "anoblissent, aiguisent et rehaussent le plaisir divin et parfait qu'elle nous moienne". .

As formulações mais corretas sobre este problema parecem ser outras, e podem ser reconhecidas quando revertemos os termos presentes nestas duas formulações equivocadas. Ao invés da comum distinção "virtude/(baixa) volúpia", Montaigne estabelece a associação "virtude/volúpia". Ele faz isto porque a vida virtuosa, preenchida pela autêntica virtude, que é gaillarde, nerveuse, robuste e virile, é verdadeiramente aquela vida feliz que todos buscam e que os filósofos reconhecem como o nosso desejo último. Montaigne identifica, em suma, a existência de duas opiniões, uma acerca da volúpia (tida como a felicidade acessível a todos), outra acerca da virtude (tida como a felicidade acessível apenas aos sábios) – e desqualifica as duas, por serem equivocadas e resultarem de um erro grosseiro. A virtude não se localiza num "além", assim como a felicidade não se localiza no futuro distante, pois ambas (virtude e felicidade) engendram-se mutuamente. Só diz que a virtude é dolorosa quem não é virtuoso: "Por certo é bem indigno de conviver com a virtude aquele que iguala seu custo ao seu fruto, e não lhe conhece nem as graças nem o uso" (I, 20, 82/121)13 13 "Celuy-là est certes bien indigne de son accointance, qui contrepoise son coust à son fruit, et n'en cognoist ny les graces ny l'usage". . Os homens de virtude sabem que ela não separa, ao longo da vida, o seu custo e o seu fruto (son coust e son fruit). Ascetismo e concepções rígidas da virtude são rejeitados por Montaigne, que sabe não haver distinção, na virtude, entre meio (a busca, pretensamente dolorosa e ascética, da virtude) e fim (o gozo pleno das benesses da virtude adquirida), tanto que escreve: "em todos os prazeres que conhecemos a própria busca é aprazível. O empreendimento impregna-se da qualidade da coisa a que visa, pois é uma boa parcela da coisa em si e tem a mesma natureza dela" (I,20, 82/121)14 14 "tous les plaisirs que nous cognoissons, la poursuite mesme en est plaisante. L'entreprise se sent de la qualité de la chose qu'elle regarde, car c'est une bonne portion de l'effect et consubstancielle". . Alegria e prazer se fazem presentes em todos os momentos da vida prazerosa: "A ventura e a beatitude que reluzem na virtude enchem todas as suas dependências e vias de acesso, até a primeira entrada e a última barreira" (I, 20, 82/121)15 15 "L'heur et la beatitude qui reluit en la vertu, remplit toutes ses appartenances et avenues, jusques à la premiere entrée et extreme barriere". . Ora, entre os benefícios da virtude está o desprezo pela morte, cujo temor não combina com uma vida feliz.

Segundo Marcel Conche, Montaigne compartilha com Platão a visão de que a vida feliz é uma vida mista que combina prazer e temperança, ainda que o platonismo, na visão montaigniana, eleve a razão humana a um lugar muito alto e reserve ao corpo humano e aos desejos carnais um lugar muito baixo. No entendimento de Conche, para o autor dos Ensaios, o homem não é a associação de um animal e de um deus. A alma deve unir-se ao corpo porque é preciso consentir à vida corpórea, o que não significa uma resignação à nossa condição, e sim a obtenção de prazeres que nela possam existir. Além disso, Montaigne não reconhece que o prazer do conhecimento seja "puro", se em nada porque não concebe o conhecimento como o produto da separação da alma em relação ao corpo. Por seu turno, Epicuro vê a saúde como sinônimo do prazer, como um sentimento agradável que viver causa quando estamos livres de ameaças e incômodos. A novidade epicurista, que tanto escândalo causou entre os estoicos, teria sido, de acordo com Gérard Lebrun, tomar a saúde como critério de apreciação do bom e do mau. Marcel Conche chega a afirmar que, para Epicuro, o prazer de ter le ventre plein é fundamental. Na visão epicurista, comer e beber, por serem prazeres em movimento, são ainda mesclados de dor; já o prazer de ter le ventre plein é um prazer do repouso.

No estoicismo, o prazer é contrário à natureza. Marcel Conche compara Aristóteles e os estoicos mostrando que, enquanto o primeiro não viu nenhum mal nos prazeres corporais, mas apenas no seu excesso, os últimos entendem que o prazer invariavelmente comporta um excesso. Montaigne, portanto, distancia-se do estoicismo ao afirmar que todo o trabalho da razão tende a nos fazer viver bem e à notre aise. Mas – perguntamos – as afirmações feitas no início do ensaio I,20 (le plaisir est notre but; en la vertu même, le dernier but de notre visée, c'est la volupté) aproximam-no ou não do epicurismo? Ora, para os epicuristas, o homem, para ser feliz, deve simplificar a vida renunciando a tudo o que seja vão e supérfluo; deve reduzir suas exigências e limitar os seus desejos àqueles que Epicuro chamou de "naturais e necessários", aos quais opôs os "naturais e não necessários", e, sobretudo, os desejos que não são "nem naturais nem necessários". Estes últimos, com os quais os homens mais se debatem, devem ser excluídos da vida do sábio porque eles não nascem da natureza e sim da opinião; por isso, são vazios e sem objeto. Ser feliz é restringir-se aos desejos "naturais e necessários" que, por serem finitos, podem ser completamente satisfeitos. Uma vez satisfeita a natureza, temos todo o prazer possível. Ao invés disso, os desejos "não naturais", originados da opinião e não da natureza, por serem vazios, são insaciáveis e infinitos. O sábio epicurista faz a triagem dos desejos e atém-se àqueles que, oriundos da natureza, podem ser realizados. O insensato não apenas desconhece tal distinção, como entrega-se aos desejos vãos e vazios, criados artificialmente pela opinião; e nunca é feliz porque estes desejos não têm satisfação possível.

Se Montaigne se afasta dos platônicos e dos estoicos por reconhecer neles aquilo que Conche denomina sentimentos negativos e tendências autorepressivas, autoacusadoras e ascéticas, ele aparentemente se aproxima dos epicuristas. Mas tal aproximação não indica adesão. Epicuro valoriza o prazer de ter le ventre plein, atendo-se à satisfação de ter comido (ainda que Platão já tivesse dito que a ausência de dor é simples aparência de prazer). Montaigne dá valor ao prazer de comer, de estar comendo. Como diz Marcel Conche, o primeiro encontra prazer no repouso, o segundo insere-o no movimento, pois "ama a mudança" e alcança contentamento no "inacabado". Além disso, Montaigne também rejeita, em Epicuro, o que rejeitara em Platão: a presença de prazeres "puros". Como o platonismo associa tais prazeres apenas à alma, e o epicurismo vincula os prazeres "naturais e necessários" ao corpo, conclui-se que os preceitos das duas filosofias são igualmente muito rigorosos, e obstaculizam a entrada da vida virtuosa ao impor ao homem limites dos quais ele não é capaz.

Na verdade, se a associação entre volúpia e virtude caracteriza a postura montaigniana quanto ao problema da vida feliz, isto não o aproxima de Epicuro e sim de Aristóteles, para quem a felicidade, que não existe sem o prazer, é o fim de nossas ações. Pensamos que, ao invés de dizer que Montaigne "ama a mudança" e contenta-se com o "inacabado", seria mais correto aproximá-lo do aristotelismo, que associa o prazer à virtude, entendida como uma disposição para atos bons (criada pela repetição e pelo hábito), que produz a ação fácil e desimpedida, que ele realiza à son aise, isto é, seguindo um movimento conforme a sua natureza moral (sua disposição, seu ethos).

Os homens, como sabemos, não perseguem o mesmo prazer. A maioria se fixa nos prazeres corporais que, por nos serem familiares, muitos julgam ser os únicos existentes, o que o homem virtuoso, por seu turno, sabe ser falso. O sábio tem, inclusive, a noção exata de que os prazeres corporais, por admitirem excesso, podem tornar o caráter perverso. A Ética a Nicômaco distingue entre os prazeres ligados à atividade e os prazeres ligados a estados e processos (aqueles que nos restituem ao nosso estado natural: comer, por exemplo). Estes se ligam a coisas agradáveis por acidente, e, como atuam em processos, costumam agir como remédios; são prazeres acidentais. Já o primeiro tipo é ocupado pelos prazeres ligados a coisas agradáveis por natureza e que estimulam a atividade. Eles não são devires e tampouco se ligam ao devir, mas à atividades e a fins; são produzidos quando fazemos uso de nossas potencialidades. Além disso, eles não têm um fim diferente deles próprios, tal como ocorre com os prazeres que reconstituem a nossa perfeição natural. Se nenhuma atividade impedida é perfeita, e se a felicidade está na classe das atividades perfeitas, a definição aristotélica não poderia ser outra: a felicidade é atividade desimpedida de todas as nossas disposições ou de algumas delas. Cremos que algo próximo disso é o que leva Montaigne a dizer que seu maior desejo é viver à son aise.

Por fim, separando o pensamento montaigniano do epicurismo, há, segundo Conche, a polêmica relativa à distinção rígida que os epicuristas fazem entre desejos que são produtos da natureza e desejos que brotam da opinião. Para o autor dos Ensaios, os desejos humanos não permitem esta triagem porque a natureza humana é uma segunda natureza criada pelo hábito. Montaigne, portanto, não rejeita a noção epicurista de desejo "natural e necessário" apenas por vê-lo com uma espécie de contraface da noção platônica de desejo "puro". Para ele, todos os desejos humanos nascem das opiniões que o costume naturaliza. Nascidos da opinião e da imaginação, são todos invariavelmente vazios e vãos. No entanto, estas coisas vazias e vãs que são a opinião e a imaginação tornam-se, na filosofia montaigniana, a essência do homem16 16 CONCHE, Marcel. Montaigne et la philosophie. 3ed. Paris, PUF, 1999. p.93. . Diferentemente dos estoicos, Montaigne concebe o prazer como finalidade, isto é, aproxima-se dos epicuristas, ainda que reconheça o prazer não no repouso e sim no movimento. Por outro lado, próximo dos epicuristas, ele elege o prazer como guia e signo de uma vida conforme a natureza, adotando o conselho de "seguir a natureza". Entretanto, inverte o sentido que este ensinamento tem nas filosofias pós-aristotélicas: se o prazer é signo de uma vida conforme a natureza, a "natureza" é, agora, produto do costume, visto que nossa natureza não passa de costumes inveterados.

Tal processo de naturalização das opiniões costumeiras é explicado por Marcel Conche nos seguintes termos. Analisando a natureza do homem, Montaigne discerne, por trás dela, o costume; e, por trás do costume, a opinião. Ora, todas as opiniões humanas são vazias e insubstanciais porque, face a uma razão que exigiria uma verdadeira justificação, cada uma delas é tão válida e arbitrária quanto a contrária. A verdade é que as opiniões acabam por constituir a nossa substância e a nossa natureza; delas nasce uma maneira costumeira de viver e de agir, da qual resulta, por sua vez, uma nova maneira de ser, uma nova determinação de nossa natureza17 17 Ibidem. p. 94. . Chamemo-la ainda de "natureza", pois aquilo que o costume imprimiu em nós é tão poderoso quanto ela. Natureza é, em suma, o uso que vamos fazendo de nós mesmos. Quando Montaigne formula, com vocabulário epicurista, que o prazer é um guia natural a ser seguido no rumo da boa vida, ele, na verdade, vale-se de uma formulação literária tradicional – mas para esvaziá-la de seu dogmatismo original. Eis o ponto que mais nos interessa: a renovação da meditatio mortis por meio do uso das formulações morais que se apoiavam na noção metafísica de natureza. O ponto alto desta originalidade da meditatio mortis montaigniana é o "monólogo da Natureza" (final do I,20), no qual os ensinamentos ético-metafísicos da tradição transformam-se em meros argumentos com os quais Montaigne entretém a própria imaginação, visto que é ela que teme a morte.

A 2ª parte do "Que filosofar é aprender a morrer" é um trecho bastante extenso que vai do 3º ao 28º parágrafo. Montaigne, agora, contrapõe-se àqueles que viram as costas para a morte, tentando a todo custo ignorar essa fatalidade inalienável da condição humana: todos morreremos. O "vulgo" recusa-se a qualquer tipo de preparação para a morte. Tal postura é tida pelo filósofo como a pior que se pode adotar, por vários motivos, que ele fará questão de detalhar, tanto que arrola argumentos e exemplos que visam a combater esta recusa de pensar na morte. Para tanto, ele mobiliza um conjunto grande de ideias, examina uma considerável gama de opiniões, e lança mão de todos os recursos possíveis para desqualificar a opinião do "vulgo": exemplos (literários ou não), citações célebres de autores helenísticos, traços de seu autorretrato.

Montaigne assume duas posições relativas ao enfrentamento da morte como condição de vida virtuosa e feliz: devemos encarar a determinação fatal de nossa condição porque a morte é universal e inevitável; e devemos saber afastar o temor que isto nos causa se quisermos ter uma vida feliz. Estas duas constatações são as bases de sua argumentação para derrubar a disposição do "vulgo" para a cegueira; a elas acrescentar-se-á o recurso ao autorretrato. Por enquanto, estas duas ideias já permitem a Montaigne firmar uma posição e defender suas opiniões a partir da convicção expressa numa frase célebre: "A morte é o objetivo (but) de nossa caminhada, é o objeto necessário de nossa mirada" (I, 20, 84/123)18 18 "Le but de nostre carriere, c'est la mort, c'est l'object necessaire de nostre visée". . Se tomarmos but como equivalente a "objetivo", firma-se a convicção, adotada por vários leitores, de que o filósofo vê a morte como "finalidade" de nossa vida, e não o seu "fim" (conclusão, término). Cremos ser importante notar que, com o termo but, reforçado pela expressão nostre visée, a finitude penetra nossa vida, que caminha para o fim; se ela fosse só o bout, seria externa, exterior à vida. Também vale reforçar que Montaigne utiliza o termo but para a morte e para o prazer (a meditatio mortis, sempre inserida no quadro da vida feliz, implica em uma reflexão sobre o prazer). A frase lapidar le but de nostre carriere, c'est la mort é seguida da refutação, por Montaigne, da opinião defendida pelo "vulgo": "O remédio do vulgo é não pensar nisso" (I, 20, 84/123)19 19 "Le remede du vulgaire c'est de n'y penser pas". . Tal postura é por ele fortemente desqualificada na pergunta: "Mas de que brutal estupidez lhe pode advir uma tão grosseira cegueira?" (I, 20, 84/123)20 20 "Mais de quelle brutale stupidité luy peut venir un si grossier aveuglement?" . Os termos pejorativos brutale stupidité e grossier aveuglement designam uma postura inadequada ao homem de juízo, pois ela rebaixa nosso entendimento e nossa dignidade.

Contudo, não há exemplaridade mais eficaz nos Ensaios do que a do próprio autor (de onde o autorretrato). Montaigne, como vemos, elege um adversário (o "vulgo") contra o qual entra em disputa direta, tentando vencer a disposição para a cegueira que este assume diante da morte. Ele mostra que prepararmo-nos para ela é o melhor caminho que podemos seguir; apenas assim teremos uma vida sem o temor que compromete a felicidade. No conjunto dos argumentos que compõem este embate, destaca-se a utilização do próprio caráter moral do filósofo (seu ethos ou sua "natureza"), decisivo para consolidar a força das suas respostas ao "vulgo". Montaigne começa referindo-se a si mesmo, dizendo que acaba de completar 39 anos e que, provavelmente, tem ainda outro tanto a viver. Mas ele não acredita que, em sua idade, a morte esteja fora de cogitação. A possibilidade de ter ainda metade da vida a viver não o engana; serve-lhe, antes, de reforço para enfatizar a universalidade e a inevitabilidade da morte. A listagem cômica de mortes imprevistas leva à interpelação: "Com esses exemplos tão frequentes e tão comuns passando ante nossos olhos, como é possível que possamos nos desembaraçar do pensamento da morte, e que a cada instante não nos pareça que ela nos agarra pela gola?" (I, 20, 85/126)21 21 "Ces exemples si frequens et si ordinaires nous passant devant les yeuxs, comme est-il possible qu'on se puisse defaire du pensement de la mort, et qu'à chaque instant il ne nous semble qu'elle nous tient au collet?" . Tal pergunta, calcada em casos irrefutáveis, colhidos seja nos relatos históricos, seja no campo do l'effect et l'experience (do qual os livros também fazem parte), deveriam silenciar o "vulgo", pois tais casos confirmam a necessidade de preparação constante para a morte. Não é o que ocorre.

A discussão prossegue e Montaigne se depara com uma objeção do "vulgo" que opõe aos raciocínios do filósofo a constatação de que, ainda que a morte possa nos surpreender a qualquer momento, e pelos mais variados motivos, isso nada conta, desde que "não nos atormentemos com isso" (I, 20, 85/ 126)22 22 "pourveu qu'on ne s'en donne point de peine" . Nota-se que esta objeção tem alguma força: não é porque a morte é universal, inevitável e imprevisível, que devemos, obrigatória e necessariamente, pensar nela o tempo todo. Dada a sua pertinência, tal ponderação é, inclusive, assumida por Montaigne, quando afirma "sou da mesma opinião (je suis de cet avis)", completando que "seja qual for a maneira como possamos nos proteger dos golpes, mesmo que sob a pele de um bezerro, não sou homem de recuar diante disso" (I, 20 85/126)23 23 "je suis de cet avis, et en quelque maniere qu'on se puisse metre à l'abri des coups, fut ce sous la peau d'un veau, je ne suis pas homme qui y reculasse". . Mais uma vez ele confessa que o seu propósito é o de seguir uma vida feliz e sem tormentos, valendo-se de qualquer meio para se livrar dos golpes da fortuna; não se sente nem um pouco constrangido a portar-se com a dignidade de um sábio estoico: "me basta passar o tempo como me agrada; e a melhor situação que eu me possa conceder, adoto-a, por menos gloriosa e exemplar aos outros que vos parecer" (I, 20, 85-86/126)24 24 "il me suffit de passer a mon aise; et le meilleur jeu que je me puisse donner, je le prens, si peu glorieux au reste et exemplaire que vous voudrez". . Disposto ao debate, Montaigne concede, assim, alguma validade à posição do "vulgo", reconhecendo que, mesmo conscientes da imprevisibilidade da morte, não é necessário que passemos o tempo todo rigidamente pensando nela. Muitas vezes, o esquecimento da morte pode ser benéfico, pois a sua perspectiva constante diante de nós pode nos atormentar e paralisar. Não se deve dizer, então, que as opiniões do "vulgo" são, todas elas, indignas de consideração. Como esta última tem algum peso, Montaigne não a rejeita completamente; todavia, ela não anula a sua defesa da preparação constante para a morte como a exclusiva atitude de um homem de juízo. Não pensar na morte o tempo todo se diferencia de uma distração absoluta, e, em especial, da "cegueira" e da "estupidez" de quem não leva a morte "tão a sério", tomando um caminho equivocado rumo à vida feliz. Como diz o filósofo, "é loucura pensar em chegar assim a isso" (I, 20, 86/127)25 25 "c'est folie d'y penser arriver par là". . Não pensar na morte é pior do que pensar nela, que é a melhor trilha que podemos seguir, tanto que o autor dos Ensaios continua sustentando o porquê devemos nos manter firmes em tal via.

Os argumentos em favor da preparação para morrer caminham no sentido de mostrar que a desatenção pode ter consequências nefastas. Os homens inconscientes vivem bem até o momento em que a morte chega (em geral de modo imprevisto); é quando se deparam com uma autêntica tragédia:

Os homens vão, vêm, andam, dançam e nenhuma notícia de morte. Tudo isso é muito bonito. Mas, também quando ela chega (...) que tormentos, que gritos, que dor e que desespero os abatem! Já vistes algum dia algo tão rebaixado, tão mudado, tão confuso? (I, 20, 86/127)26 26 "Ils vont, ils viennent, ils trottent, ils dansent, de mort nulle nouvelles. Tout cela est beau. Mais aussi quand elle arrive (...) quels tourments, quels cris, quelle rage, et quelle desespoir les accable? Vites-vous jamais rien si rabaissé, si changé, si confus?" .

Paga-se caro demais por não pensar na morte. A postura da maioria dos homens (a nonchalance bestiale) nous vend trop cher ses denrées. Inexiste, então, alternativa melhor que a de preparar-se contra este inimigo invencível: "aprendamos a enfrentá-lo de pé firme e a combatê-lo" (I, 20, 86/128)27 27 "aprenons à le soutenir de pied firme, et à le combattre". . Eis-nos diante do vocabulário "bélico" que sustenta a leitura daqueles que vinculam o ensaio I,20 ao estoicismo. De qualquer forma, depois deste arrazoado que reitera que a morte, diferentemente dos demais infortúnios próprios à condição humana, é universal, inevitável e imprevisível, Montaigne defende a premeditação como o caminho a ser seguido, numa direção oposta à do "vulgo". Devemos seguir na contramão, trilhar a via incomum e invulgar, exclusiva dos homens de juízo: "tomemos um caminho totalmente contrário ao habitual. Eliminemos-lhe a estranheza, trilhemo-lo, acostumemo-nos a ele" (I, 20, 86/128)28 28 "prenons voye toute contraire à la commune. Ostons luy l'estrangeté, pratiquons le, accoustumons le". . Eis, então, aquilo que praticamente encerra a polêmica travada ao longo de quase toda a 2ª parte do ensaio: "Não pensemos em nenhuma outra coisa com tanta frequência quanto na morte. A todo instante, representemo-la à nossa imaginação e sob todos os aspectos" (I, 20, 86/128)29 29 "N'ayons rien si souvent en la teste que la mort. A tous instant representons la à nostre imagination et en tous visages". . Adotemos uma atenção vigilante diante da possibilidade de morrermos; façamos isto em qualquer situação cotidiana.

Voltamos ao ponto em que a reflexão montaigniana liga-se à concepção aristotélica de que a virtude nasce do hábito. No que tange à coragem para enfrentar o medo de morrer, temos como alternativa primeira a meditatio mortis. Todavia, ainda que a preparação virtuosa para morrer encontre neste hábito de meditar um bom caminho, persiste o paradoxo de que morrer é, ao mesmo tempo, a nossa maior tarefa e algo que nos ocorre uma única vez. Como gerar uma disposição moral diante daquilo que não permite repetição?

Tal questão, levantada no I,20 na última objeção do "vulgo" a Montaigne, é retomada no ensaio "Do exercício" (II,6) e equacionada por meio daquilo que é a pedra de toque da experiência montaigniana da morte: a imaginação (exercida na meditatio mortis e validada no exercício aproximativo do morrer relatado no II,6). A justificação para isso reside na percepção de que, em primeiro lugar, a morte é uma experiência humana que só pode ser imaginada; para ela, só é possível encontrar substitutos imaginativos (sono e desmaio). Em segundo lugar, porque, como vimos dizendo, a originalidade de Montaigne na tradição das filosofias da morte, em especial as helenísticas, reside na transformação do vocabulário por elas construído com base na metafísica em argumentos de função imaginativa e consolatória. Esta operação é possível porque, se pensarmos com Marcel Conche, para Montaigne a imaginação é não apenas o solo original das opiniões que o costume naturaliza e transforma em razões: ela é a própria essência do homem.

Mas analisemos um pouco mais o autorretrato. Montaigne reafirma a sua predisposição "natural" (gerada pelo hábito) para a premeditação da morte: "nunca um homem duvidou tanto de sua vida, nunca um homem contou menos com sua duração" (I, 20, 88/129)30 30 "jamais homme ne se défia tant de sa vie, jamais homme ne feit moins d'estat de sa durée" . Esta tendência se faz presente nele cotidianamente, pois é algo que constitui "de dentro" o seu caráter: "Como homem que continuamente vou incubando meus pensamentos e dando-lhes a luz em mim, a todo o momento estou preparado para o que posso ser" (I, 20, 88/130)31 31 "Comme celuy qui continuellement me couvre de mes pensées, et les couche en moy, je suis à tout l'heure preparé environ ce que je puis estre". . Ele exercita a premeditação em função de sua tendência "natural": "A cada minuto me parece que escapo de mim" (I, 20, 88/129)32 32 "A chaque minute il me semble que je m'eschape". . E confirma que, homem que continuamente "incuba" seus pensamentos e os dá à luz em si, experimenta (sempre experimentou) que a preparação para a morte é a conduta correta e adequada de um homem de juízo, distinto do "vulgo", o qual, mergulhado na brutale stupidité, no grossier aveuglement e na nonchalance bestiale, é incapaz de exercer qualquer bom julgamento (não pensar na morte é a prova disso). O papel central do autorretrato deve-se, então, à exemplaridade moral que ele fornece ao conjunto dos argumentos que compõem a polêmica com o "vulgo". Após a desmontagem paulatina da opinião comum, o golpe final se encontra na força com que o filósofo assegura, a partir de sua própria experiência, que a premeditação da morte é própria de um homem de juízo, e que, efetivamente, ela torna a vida melhor. Tanto é assim que na conclusão deste trecho aparece outra célebre citação de Sêneca que Montaigne mais uma vez toma como sua: "Quem ensinasse os homens a morrer estaria ensinando-os a viver" (I, 20, 90/133)33 33 "Qui apprendroit les hommes à mourir, leur apprendroit à vivre". .

Finalmente, no parágrafo 16, a pugna entre o filósofo e a brutale stupidité do "vulgo" se encerra, não sem que antes este lhe dirija um argumento extremo: "Dir-me-ão que a realidade ultrapassa de tão longe a imaginação que não há batalha tão fácil que não se perca, quando se chega a ela" (I, 20, 90/133)34 34 "On me dira que l'effect surmonte de si loing l'imagination qu'il n'y a si belle escrime qui ne se perde, quand on en vient là". . Trata-se de uma objeção importante, dado que o "vulgo" não se engana ao afirmar que, efetivamente, nunca estamos preparados para enfrentar a morte, pois não sabemos como reagiremos quando chegar a nossa vez. Morrer é uma experiência única, que extrapola qualquer exercício da imaginação. Só saberemos como reagiremos quando lá chegarmos. Diante disto, o exercício premeditativo pode, ao fim e ao cabo, revelar-se vão. Quem garante que uma longa preparação será mesmo útil e nos tranquilizará no momento de morrermos? Apenas no instante efetivo da morte conheceremos nossa reação, ou seja, no mais singular de todos os instantes. O "vulgo" questiona a validade da experiência, que não valeria para a morte visto que morrer não permite a geração de um hábito. Tanto é assim que Montaigne reconhece-lhe algum sentido; permanece, todavia, seguro de sua posição, virando-lhe as costas quando afirma: "Deixai-os falar; sem a menor dúvida, premeditá-la dá grande vantagem" (I, 20, 90/133)35 35 "Laissez les dire: le premediter donne sans doubte grand avantage". . Montaigne continua certo de que a preparação para a morte, ainda que não possa nos ensinar a morrer bem, dada a impossibilidade de exercício antecipatório, leva-nos a viver bem. A resposta ao golpe extremo do "vulgo" é sucinta: Laissez les dire. Premeditar a morte é muito mais vantajoso do que não pensar nela. O debate está concluído. Os parágrafos finais (19-28) marcam uma transição para a 3ª parte do ensaio. Tal transição é permeada por um discurso consolatório, ainda na voz de Montaigne, que, de modo paulatino, acaba por ceder a palavra à natureza.

A meditatio montaigniana se equaciona mais claramente quando enfrenta a dificuldade da preparação para a morte nos seguintes termos: morrer é algo que só pode ser imaginado e não vivido; a imaginação, porém, deforma e distorce tudo, tornando terrível aquilo que na maioria das vezes não o é. Logo, é a faculdade da imaginação, e não a do entendimento, que precisa de apoio e sustentação; é a ela que a meditação deve, por fim, dirigir-se. Como diz Luiz Eva: a imaginação, em Montaigne, não é apenas um veículo das perturbações, mas um "instrumento de dizimação dos males que ela mesma gera"36 36 EVA, Luiz Antonio Alves. A figura do filósofo. São Paulo: Loyola, 2007. p.412. . Prova disto é justamente a articulação argumentativa do ensaio I,20: esgotados os argumentos dirigidos ao "vulgo", chega o momento de acalmar a imaginação, tanto a dos leitores, como a do próprio Montaigne (da mesma forma que, nas Cartas a Lucílio, Sêneca também fala a si próprio). Este é o sentido maior do consolatório "monólogo da Natureza".

Em resumo: o ensaio I,20 discute e equaciona um problema moral. Resolvido este, ou antes, defendido um ponto de vista (na 2ª parte do ensaio), a questão se resume (na 3ª) em sensibilizar o leitor, movendo-lhe os afetos, em relação à perspectiva defendida, e isto é feito pela incorporação de elementos consolatórios herdados da tradição. O "monólogo da Natureza" ilustra, contudo, o modo como Montaigne reinventa a tradição da meditatio mortis apropriando-se do vocabulário moral a ela ligado, mas apagando sua vinculação metafísica original. Ele configura, ao nosso ver, aquilo que Jean Starobinski chama de "apóstrofe do espírito à imaginação"37 37 STAROBINSKI, Jean. Montaigne em movimento. Trad. Maria Lúcia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. p.170. , presente em uma passagem do ensaio "Da experiência" (III,13), na qual o espírito lança mão de argumentos para acalmá-la, pois, como dissemos, é ela que teme a morte.

Starobinski afirma ter Montaigne, no ensaio "Que apenas após a morte se deve julgar sobre nossa felicidade" (I,19), encarado a hora mortis como unificadora dos atos humanos – e logo abandonado esta ideia. Esta mudança seria confirmada pela aceitação de uma das advertências do "monólogo": a morte não nos diz respeito nem vivos nem mortos; vivos, porque existimos; mortos, porque não mais existimos. Segundo o intérprete, a partir desta ideia Montaigne teria passado a ver que a vida é uma longa hora da verdade, e isto o levou a um retorno ao presente e a uma aceitação da finitude. Acreditamos, porém, que tomar esta fala de Epicuro como uma expressão do pensamento do autor dos Ensaios só tem sentido se a submetermos à articulação do I,20, isto é, se percebermos que o "monólogo da Natureza" serve para consolar e confortar a imaginação. A exigência deste cuidado vem da constatação de que esta parte do ensaio explicita a inovação a que Montaigne submete as artes de morrer helenísticas, as quais, como disse Jules Brody, forneceram-lhe, de antemão, o modelo para romper com as artes de morrer cristãs. Tal inovação reside em um tratamento muito particular do vocabulário e dos conceitos morais com os quais as escolas antigas formulam conselhos, advertências e exortações: aquele que neutraliza ou anula o alicerce metafísico que sustentava este repertório. Como vimos, um bom índice desta ruptura com a tradição filosófica reside no fato de a natureza se confundir, em Montaigne, com uma "segunda natureza", construída pela sedimentação costumeira das práticas e opiniões humanas. Logo, quando lemos, no ensaio I,20, que, para enfrentar a morte, a própria natureza estende-nos a mão e nos dá coragem, salta aos olhos que esta célebre formulação moral tem um sentido absolutamente distinto daquele que tinha na literatura estoica e epicurista. Mas em que termos é possível tomar o conselho de Epicuro como portador de algum sentido dentro da meditatio montaigniana? O próprio Starobinski sugere um bom caminho quando analisa a "prosopopéia do espírito" do III,13. Podemos, contudo, fazer o que ele não faz: aproximar esta última e a "prosopopéia da natureza" que compõe a 3ª parte do I,20.

No "Da experiência", o filósofo lida com os tormentos do cálculo renal através de um alegórico "debate interior" entre duas das faculdades da alma (que são três: razão ou entendimento, imaginação ou fantasia, memória), sob a forma de uma "apóstrofe do espírito à imaginação". Neste "debate", duas instâncias do eu se cindiram: um "ele" (o espírito) prega e tenta persuadir um "tu" (a imaginação), porque esta, diante da doença, corre o risco de inquietar-se. Neste "discurso no discurso", o espírito, lançando mão de argumentos fortes e frágeis, socorre e reconforta a sua imaginação. Montaigne diz:

trato minha imaginação o mais brandamente que posso e, se pudesse, livrá-la-ia de todo trabalho e contestação. É preciso ajudá-la e lisonjeá-la, e enganá-la se pudermos. Meu espírito é apropriado para esse serviço (...) Ele diz que é para o meu bem que tenho cálculos renais" (III, 13, 1090/461)38 38 "Or je trete mon imagination le plus doucement que je puis et la deschargerois, se je pouvois, de toute peine et constetation. Il faut secourir et flatter, et piper qui peut. Mon esprit est proper à ce sevice. (...) Il dict que c'est pour mon mieux que j'ai la gravele". .

O teor desta apóstrofe do espírito à imaginação é não só muito parecido com aquele da apóstrofe que a natureza nos dirige no final do ensaio I,20, como reitera o que Montaigne confessou quando acolheu a posição do "vulgo": "seja qual for a maneira como possamos nos proteger dos golpes, mesmo que sob a pele de um bezerro, não sou homem de recuar diante disso". Se Jean Starobinski toma as palavras da "mãe natureza", em especial aquela citação de Epicuro, como palavras de Montaigne, podemos concordar com o comentador desde que se admita que elas equivalem ao discurso que o espírito dirige à imaginação no final dos Ensaios. Vale lembrar, inclusive, que, se no "Da experiência" encontramos uma crítica dirigida às artes de viver e às ciências (sobretudo a medicina), no I,20 Montaigne já discutia as regras de conduta das seitas filosóficas, pois não aderia a nenhuma delas e subvertia o conteúdo das formulações reunidas no "monólogo da Natureza".

A apóstrofe do espírito à imaginação é uma pele de bezerro (un peau d'un veau) da qual o filósofo se serve quando sua imaginação se aflige diante da doença e da morte. No trecho final do I,20, esta apóstrofe leva o ensaio a assumir a característica mais típica da leçon: o florilégio de citações e de conselhos morais oriundos da tradição. Trata-se de um discurso composto por um número enorme de citações, no qual quem fala diretamente não é o autor, mas sim a natureza personificada, que se dirige aos homens num tom simultaneamente professoral e maternal, consolando-os e ensinando-os a não temer a morte. Entretanto, esta passagem inspirada em Lucrécio fornece, a contrapelo, a singularidade deste "monólogo", pois aqui a prosopopéia se restringe a consolar a imaginação. De modo semelhante ao III,13, a apóstrofe do espírito (encarnado na "mãe natureza") mescla argumentos fortes e frágeis com os quais socorre e reconforta a imaginação humana (a de Montaigne aí incluída). Reencontramos aqui conhecidas passagens senequianas: "A vida por si só não é bem nem mal : é o lugar do bem e do mal conforme a fazeis para eles" (I, 20, 93/138)39 39 "La vie n'est de soy ny bien ny mal: c'est la place du bien et du mal selon que vous la leur faictes"; "l'utilité du vivre n'est pas en l'espace, elle est en l'usage". . Frases como estas já haviam aparecido na 2ª parte do ensaio, marcando uma transição do discurso de Montaigne para a fala da natureza, em uma aparente continuidade de um discurso a outro. E vemos incorporar-se ao "monólogo" outro célebre ensinamento helenístico, que tanto horror provoca na ortodoxia cristã: pior do que morrer seria ter que viver para sempre; a eternidade nos seria insuportável; amaldiçoaríamos a natureza se ela não nos permitisse morrer nunca. Ora, a meditatio concilia Montaigne com a finitude. A prova de que o destemor da morte é galardão da vida virtuosa encontramos em uma passagem do I,20 que, aliás, é uma das mais belas dos Ensaios: "Quero que ajamos, que prolonguemos as tarefas da vida tanto quanto pudermos, e que a morte me encontre plantando minhas couves, mas despreocupado dela, e mais ainda de meu jardim imperfeito" (I, 20, 89/131-132)40 40 "Je veux qu'on agisse, et qu'on allonge les offices de la vie tant qu'on peut, et que la mort me treuve plantant mes chous, mais nonchalant d'elle, et enconre plus de mon jardin imparfait". . Esta nonchalance, obviamente, não se confunde com aquela outra, bestiale, própria de quem não consegue exercer o juízo e desconhece que a vida virtuosa é prazerosa. Ela indica que o filósofo consegue o que tanto almeja: viver à son aise.

Por fim, a apropriação do mote "filosofar é aprender a morrer" pode ser entendida quando diferenciamos o que, em Montaigne, significa "filosofar" e qual o sentido que nele tem o "aprender a morrer". Como sabemos, os Ensaios se situam fora de qualquer ordem do mundo e de qualquer finalismo: neles, filosofar não é ocupar-se do ser e sim do eu (que não é uma essência – alma ou razão – mas uma instância de julgamento). Se filosofar é ensaiar-se, ensaiar-se é por em ação a instância de julgamento. No caso da morte, Montaigne busca naturalizá-la e integrá-la à vida. Diante do morrer, o melhor é seguir a natureza. A grande novidade do ensaio I,20 reside em tomar esta formulação (e todo o repertório aconselhativo a ela associado) retirando-lhe, porém, o estofo metafísico. Transformar o vocabulário ético-metafísico em argumentos de função puramente imaginativa é a inovação semântica distintiva da maneira montaigniana de tratar a matéria tradicional. Eis a nova chave: seguir a natureza é conformar-se à nossa natureza constituída pelo hábito (conselho nascido da experiência de si). Como a morte só pode ser imaginada, e como a imaginação tende a distorcer as coisas, não podemos deixar de temê-la. Logo, na meditatio, a tarefa do entendimento é não apenas a de naturalizá-la, habituando-nos a ela como forma de integrá-la à vida, mas também a de acalmar a imaginação (e isso também se faz pelo hábito). Tudo aqui caminha para a criação de uma disposição para nosso fim último: viver bem. Meditar a morte é uma terapêutica da imaginação.

Artigo recebido em 31/05/2012 e aprovado 06/06/2012

  • ARISTÓTELES. Éthique a Nicomaque. Trad. J. Tricot. Paris: Vrin, 1972.
  • BIRCHAL, Telma. O eu nos Ensaios de Montaigne Belo Horizonte, UFMG, 2007.
  • BRODY, Jules. Lectures de Montaigne Lexington: French Forum, 1982.
  • CONCHE, Marcel. Montaigne et la philosophie 3ed. Paris: PUF, 1999.
  • EPICURO. Antologia de textos Trad. Agostinho da Silva. São Paulo: Nova Cultural, 1988. (Os pensadores)
  • EVA, Luiz Antonio Alves. A figura do filósofo São Paulo: Loyola, 2007.
  • LEBRUN, Gerard. "A neutralização do prazer". Trad. Hélio Schwartzman. In: NOVAES, Adauto (org). O desejo São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
  • LUCRÉCIO. Da natureza Trad. Agostinho da Silva. São Paulo, Nova Cultural, 1988. (Os pensadores)
  • MONTAIGNE. Michel de. Les essays Ed. Pierre Villey. Paris: PUF, 1988.
  • _____. Os ensaios Trad. Rosemary Costhek Abílio. São Paulo: Martins Fontes, 2000-2001. (3 volumes)
  • PLATÃO. Fédon Trad. Paul Vicaire. 4ed. Paris: Belles Lettres, 2005.
  • STAROBINSKI, Jean. Montaigne em movimento Trad. Maria Lúcia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
  • SÊNECA, Lúcio Aneu. Cartas a Lucílio Trad. J. A. Segurado e Campos. 2ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2004.
  • *
    Este artigo é uma versão bastante reduzida de um dos capítulos da tese A meditação da morte em Montaigne, que defendi em maio de 2012 na Universidade de São Paulo. Mais uma vez agradeço a apreciação que dela fez a banca examinadora: Sérgio Cardoso (orientador), Maria Cristina Theobaldo, Maria das Graças de Souza, Sérgio Araújo e Telma Birchal.
  • 1
    MONTAIGNE, Michel de.
    Les Essais. Paris: PUF, 1999 (3 volumes). Todas as citações originais de Montaigne foram extraídas desta edição e aparecerão em francês nas notas de rodapé, como neste caso: "Ciceron dit que Philosopher ce n'est autre chose que s'aprester à la mort". Indicaremos, respectivamente, com algarismo romano o livro e com algarismos arábicos o capítulo e as páginas da edição Villey e da tradução brasileira (citada no corpo do artigo) de Rosemary Abílio para a editora Martins Fontes (São Paulo, 2000/2002).
  • 2
    "De vray, ou la raison se mocque, ou elle ne doit viser qu'a nostre aise"
  • 3
    "Toutes les opinions du monde sont là, que le plaisir est nobre but, quoy qu'elles en prennent divers moyens"
  • 4
    "car qui escouteroit celuy qui pour sa fin establiroit nostre peine et mesaise"
  • 5
    "Les dissensions des sectes Philosophiques, en ce cas, sont verbales"
  • 6
    "Quoy qu'ils disent, en la vertu mesme, le dernier but de nostre visée, c'est la volupté".
  • 7
    "Il me plaist de battre leurs oreilles de ce mot qui leur est si fort à contrecoeur".
  • 8
    "quelque supreme plaisir et excessif contentement" (...) "il est mieux deu à l'assistance de la vertu qu'à nulle autre assistance".
  • 9
    "elle a ses veillées, ses jeusnes et ses travaux et la sueur et le sang"
  • 10
    "Nous avons grand tort d'estimer que ces incommoditez luy servent d'aiguillon et de condiment à sa douceur".
  • 11
    "une sacieté si lourde qu'elle equipolle à penitence"
  • 12
    "anoblissent, aiguisent et rehaussent le plaisir divin et parfait qu'elle nous moienne".
  • 13
    "Celuy-là est certes bien indigne de son accointance, qui contrepoise son coust à son fruit, et n'en cognoist ny les graces ny l'usage".
  • 14
    "tous les plaisirs que nous cognoissons, la poursuite mesme en est plaisante. L'entreprise se sent de la qualité de la chose qu'elle regarde, car c'est une bonne portion de l'effect et consubstancielle".
  • 15
    "L'heur et la beatitude qui reluit en la vertu, remplit toutes ses appartenances et avenues, jusques à la premiere entrée et extreme barriere".
  • 16
    CONCHE, Marcel.
    Montaigne et la philosophie. 3ed. Paris, PUF, 1999. p.93.
  • 17
    Ibidem. p. 94.
  • 18
    "Le but de nostre carriere, c'est la mort, c'est l'object necessaire de nostre visée".
  • 19
    "Le remede du vulgaire c'est de n'y penser pas".
  • 20
    "Mais de quelle brutale stupidité luy peut venir un si grossier aveuglement?"
  • 21
    "Ces exemples si frequens et si ordinaires nous passant devant les yeuxs, comme est-il possible qu'on se puisse defaire du pensement de la mort, et qu'à chaque instant il ne nous semble qu'elle nous tient au collet?"
  • 22
    "pourveu qu'on ne s'en donne point de peine"
  • 23
    "je suis de cet avis, et en quelque maniere qu'on se puisse metre à l'abri des coups, fut ce sous la peau d'un veau, je ne suis pas homme qui y reculasse".
  • 24
    "il me suffit de passer a mon aise; et le meilleur jeu que je me puisse donner, je le prens, si peu glorieux au reste et exemplaire que vous voudrez".
  • 25
    "c'est folie d'y penser arriver par là".
  • 26
    "Ils vont, ils viennent, ils trottent, ils dansent, de mort nulle nouvelles. Tout cela est beau. Mais aussi quand elle arrive (...) quels tourments, quels cris, quelle rage, et quelle desespoir les accable? Vites-vous jamais rien si rabaissé, si changé, si confus?"
  • 27
    "aprenons à le soutenir de pied firme, et à le combattre".
  • 28
    "prenons voye toute contraire à la commune. Ostons luy l'estrangeté, pratiquons le, accoustumons le".
  • 29
    "N'ayons rien si souvent en la teste que la mort. A tous instant representons la à nostre imagination et en tous visages".
  • 30
    "jamais homme ne se défia tant de sa vie, jamais homme ne feit moins d'estat de sa durée"
  • 31
    "Comme celuy qui continuellement me couvre de mes pensées, et les couche en moy, je suis à tout l'heure preparé environ ce que je puis estre".
  • 32
    "A chaque minute il me semble que je m'eschape".
  • 33
    "Qui apprendroit les hommes à mourir, leur apprendroit à vivre".
  • 34
    "On me dira que l'effect surmonte de si loing l'imagination qu'il n'y a si belle escrime qui ne se perde, quand on en vient là".
  • 35
    "Laissez les dire: le premediter donne sans doubte grand avantage".
  • 36
    EVA, Luiz Antonio Alves.
    A figura do filósofo. São Paulo: Loyola, 2007. p.412.
  • 37
    STAROBINSKI, Jean.
    Montaigne em movimento. Trad. Maria Lúcia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. p.170.
  • 38
    "Or je trete mon imagination le plus doucement que je puis et la deschargerois, se je pouvois, de toute peine et constetation. Il faut secourir et flatter, et piper qui peut. Mon esprit est proper à ce sevice. (...) Il dict que c'est pour mon mieux que j'ai la gravele".
  • 39
    "La vie n'est de soy ny bien ny mal: c'est la place du bien et du mal selon que vous la leur faictes"; "l'utilité du vivre n'est pas en l'espace, elle est en l'usage".
  • 40
    "Je veux qu'on agisse, et qu'on allonge les offices de la vie tant qu'on peut, et que la mort me treuve plantant mes chous, mais nonchalant d'elle, et enconre plus de mon jardin imparfait".
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Fev 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 2012

    Histórico

    • Recebido
      31 Maio 2012
    • Aceito
      06 Jun 2012
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