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O CONCEITO DE "CENA" NA OBRA DE JACQUES RANCIÈRE: A PRÁTICA DO "MÉTODO DA IGUALDADE"* * Artigo relacionado ao projeto "conceito de "cena" em Jacques Rancière como ferramenta teórico-metodológica para a análise histórica da arte", financiado com recursos do Edital 01/2015 FAPEMIG..

RESUMO

O presente artigo pretende sistematizar os principais elementos do conceito de "cena", termo fundamental para a conexão entre teoria e método no pensamento do filósofo francês Jacques Rancière. O "método da igualdade" empregado por Rancière pretende, entre outras coisas, delimitar os diferentes momentos de conflito entre regimes de verdade e atos de tomada da palavra - independentemente de classificações feitas a priori como dados para se investigar um objeto de estudo - por meio do conceito de "literalidade", que demonstra duas lógicas distintas de circulação das palavras: de um lado, uma lógica "policial"; de outro, uma lógica "política". Desta maneira, o conceito de "cena" é um elemento central em uma significativa mudança da relação teoria-metodologia-objeto defendida por boa parte do meio acadêmico, inclusive na área de história, nos dias atuais, uma vez que toma a própria noção de historicidade como descontínua e considera amplamente a racionalidade das palavras em vez da minuciosa articulação dos fatos.

Palavras-chave:
Rancière; Jacques; Método da igualdade; Cenas de dissenso

ABSTRACT

This article intends to systematize the main elements of the concept of 'scene', a fundamental term for the connection between theory and method in the thought of the French philosopher Jacques Rancière. Rancière's 'method of equality' aims, among other things, to delineate the different moments of conflict between regimes of truth and acts of taking the word - regardless of classifications made a priori as data to investigate an object of study - through of the concept of 'literality', which demonstrates two distinct logics of word circulation: on the one hand, a 'police' logic; on the other, a 'political' logic. In this way, the concept of 'scene' is a central element in a significant change in the theory-methodology-object relation defended by a fair amount of the academic world, including in history field, nowadays, since it takes the very notion of historicity as discontinuous and broadly considers the rationality of words rather than the detailed articulation of facts.

Keywords:
Rancière; Jacques; Method of equality; Scenes of dissensus

Falemos em primeiro lugar do sentido da cena como implementação de um método. O método que segui em meu trabalho consiste em escolher uma singularidade, cujas condições de possibilidade se pretendem reconstruir a partir de uma exploração de todas as redes de significações que se tecem ao redor dela. É a aplicação do 'método Jacotot': 'aprender qualquer coisa e a isso relacionar todo o resto', um método que apliquei instintivamente antes mesmo de ter lido Jacotot (Rancière, 2012aRANCIÈRE, J. "La méthode de l'égalité". Montrouge: Bayard, 2012a., p. 122).

Nesta afirmação, feita por Jacques Rancière em uma série de entrevistas, publicadas em livro no ano de 2012 sob o título La méthode de l'égalité, podemos notar o reconhecimento de uma postura que se mostrou constante em seu trabalho de investigador: a da convergência entre teoria e prática na implementação de um método. Seria algo tão raro esta postura, a ponto de enfatizá-la no início de um artigo? Acreditamos que sim, ainda mais em uma atualidade em que se culpa constantemente a "teoria" pelas incongruências da "prática" cotidiana.

Gostaríamos de propor, a despeito desta constatação, o aprofundamento de um tema ainda pouco explorado nos trabalhos de Rancière para seus comentadores: qual a importância do conceito de "cena" para sua abordagem teórico-metodológica? Em nosso entendimento, o autor utiliza-o de modo abrangente, percorrendo temas como imprensa operária, educação, história, política, chegando até a análise da arte e da literatura nos últimos duzentos anos. Para compreender a relevância deste conceito na obra rancieriana, buscaremos fazer uma breve análise retroativa de sua obra, de modo a estabelecer os principais momentos em que o filósofo francês emprega o conceito de "cena" como fundamental para a convergência entre teoria e prática na aplicação de seu método, também chamado pelo próprio autor de "método da igualdade".

Pretendemos, a partir desta démarche, demonstrar as várias aplicações deste conceito para a investigação de temas que são atravessados por conhecimentos de múltiplas áreas, abrindo caminhos para questionar inclusive a ideia de "interdisciplinaridade" como elemento-chave na pesquisa de assuntos relacionados, por exemplo, às ciências humanas. Iniciaremos, portanto, nossa narrativa de maneira retroativa, partindo de 2012 para o início de sua obra e chegando às questões mais candentes de seu pensamento.

1. Um tempo reencontrado: o do "filósofo plebeu"

Em La méthode de l'égalité, Rancière afirma um dos aspectos principais de seu método, que funciona em conjunção com o conceito de "cena":

Em certa medida, é o método dos 'ignorantes', o inverso do método que se dá, em primeiro lugar, um conjunto de determinações gerais que funcionam como causas e ilustra seus efeitos através de um certo número de casos concretos. Na cena, as condições são imanentes à sua efetuação. O que quer dizer também que a cena, tal como a concebo, é fundamentalmente anti-hierárquica (Rancière, 2012aRANCIÈRE, J. "La méthode de l'égalité". Montrouge: Bayard, 2012a., pp. 122-123).

A partir desta assertiva, o autor demonstra em seus procedimentos teórico-metodológicos uma distinção bastante clara em relação a vários pesquisadores de filosofia e ciências humanas, apegados aos quadros estabelecidos a priori para fundamentar suas análises. Prefere empregar, em contrapartida, a "cena" como forma de conceber uma singularidade inserida em uma rede complexa de relações, em que o trabalho de construí-la se dá ao mesmo tempo que ela é identificada. Curiosamente, um primeiro exemplo que cita neste livro para explicitar o que significa uma cena é retirado de suas primeiras pesquisas, quando investigava a imprensa operária de meados do século XIX na França, publicado em sua tese A noite dos proletários [1981]: os escritos de Louis Gabriel Gauny, o "marceneiro poeta", ou ainda, o "filósofo plebeu".

Quando pesquisou nos arquivos da imprensa operária do século XIX os escritos de Gauny, Rancière deparou-se com a seguinte descrição literária de um dia de trabalho do filósofo plebeu como taqueador em uma casa em construção, publicado no jornal Le Tocsin des Travailleurs, em 1848:

Acreditando estar em casa, enquanto não acaba o cômodo onde coloca os tacos, ele aprecia sua disposição; se a janela dá para um jardim ou domina um horizonte pitoresco, por um momento para os braços e plana mentalmente na espaçosa perspectiva para apreciar, melhor do que os proprietários, as casas vizinhas (Rancière, 1988RANCIÈRE, J. "A Noite dos Proletários". São Paulo: Companhia das Letras, 1988., p. 86).

A princípio, este texto não seria "político" ou mesmo "engajado", porque não denuncia - conforme as regras do discurso e as figuras retóricas de linguagem - os mecanismos de opressão que dominam o trabalhador que usa suas mãos e ferramentas para sobreviver. Entretanto, Rancière vê neste trecho de Gauny uma inversão de facto da relação entre o trabalhador e o proprietário da casa, na medida em que, enquanto olha as casas vizinhas "acreditando estar em casa", seus braços param sua atividade, subvertendo a hierarquia dada a priori entre quem deve usar os braços para trabalhar e quem pode apenas ter a liberdade de olhar. Em outras palavras, "ela define a constituição de outro corpo que já não está 'adaptado' à divisão policial dos lugares, funções e competências sociais" (Rancière, 2012bRANCIÈRE, J. "O espectador emancipado". São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012b., p. 61). Divisão esta que pressupõe, antes de qualquer outro critério, quem deve mandar e quem deve obedecer em um mundo determinado pelas hierarquias do trabalho e do ócio. Por isso, se partíssemos das estratificações sociológicas dadas a priori, poderíamos concluir que este trecho de Gauny seria visto tão somente como "apolítico" ou mesmo "alienado" dos problemas sociais de seu tempo. Entretanto, entendemos que Gauny não faz apenas a inversão da relação entre o trabalhador e o proprietário, mas também da relação entre o operário e o intelectual.

Na comparação que faz entre o tipógrafo boêmio e o marceneiro poeta em A noite dos proletários, o autor aponta na postura de Gauny uma crítica direta àquele que troca o dia pela noite para se dedicar às palavras, dizendo que esta seria "a pior das escravidões": "Não é ao lado da jornada de trabalho e da relação com a ferramenta que a liberdade deve estabelecer seus limites, mas nelas" (Rancière, 1988RANCIÈRE, J. "A Noite dos Proletários". São Paulo: Companhia das Letras, 1988., p. 84). Em outros termos, a liberdade do trabalhador não depende da libertação do trabalho manual em favor do trabalho intelectual, mas, sim, de uma prática de emancipação tomada de princípio. Por isso, Gauny torna-se um "marginal interno": "um taqueador que trabalha por empreitada, segundo seus horários, sem patrão, supervisor ou colegas" (Rancière, 1988RANCIÈRE, J. "A Noite dos Proletários". São Paulo: Companhia das Letras, 1988., p. 84). Em sua atividade como taqueador, que trabalha independente do olhar e da vigilância do patrão, exerce uma liberdade que não depende da concessão daqueles que separam o trabalho como castigo do ócio como libertação: exerce sua liberdade no trabalho, subvertendo as linhas que separam a ordem das profissões e dos prazeres na sociedade da relação capital/trabalho.

Mas isso não seria, pelo contrário, uma conformação de Gauny às ideologias de dominação que valorizam o trabalho produtivo? Não, pois ele não depende da concessão do patrão e de sua avaliação pessoal para parar sua atividade braçal e se dar ao luxo de simplesmente olhar a vizinhança, como se fosse o proprietário da casa. Ele não depende do fim de seu expediente ditado pelo patrão para poder exercer o ócio, como aqueles que usam as noites para se dedicarem às palavras:

Quem vive do trabalho das próprias mãos pode usar os braços contra o pensamento dos senhores ou o pensamento contra a materialidade. Mas quem vive do pensamento não pode mais fazer uso de artimanhas no registro do trabalho bem feito/apenas feito. Sempre tem que fazer mais, alienar sem reservas o que tem de mais precioso (Rancière, 1988RANCIÈRE, J. "A Noite dos Proletários". São Paulo: Companhia das Letras, 1988., p. 82).

Desta maneira, Gauny não apenas subverte a relação entre o tipógrafo boêmio e o marceneiro poeta, mas também entre o trabalhador e o intelectual - que tem como profissão a escrita e as palavras -, pois este último acaba sempre por se tornar escravo daquilo que critica, gastando todas as suas energias e dando o melhor de si ao denunciar as armadilhas da dominação pelo capital. O filósofo plebeu não é escravo de seu trabalho, pois, quando está desempregado, não se desespera com o fato de não ter dinheiro ou não fazer poupança para o consumo e para o ócio, mas, sim, como disse Gauny:

Se suas tentativas são infrutíferas, deixando a busca de trabalho para o dia seguinte, caminha bastante para satisfazer sua necessidade de ação e, como filósofo plebeu, desfrutar das deliciosas folgas da liberdade, que a pompa do sol, que o sopro dos ventos, que seu pensamento de acordo com as fugas da natureza enchem de serenidade e de energia (Rancière, 1988RANCIÈRE, J. "A Noite dos Proletários". São Paulo: Companhia das Letras, 1988., p. 89).

Neste sentido, poderíamos fazer a relação entre o texto aparentemente "apolítico" de Gauny e o estabelecimento de uma prática de liberdade que não tem nada em comum com a lógica da conscientização e da denúncia - que caminha de mãos dadas com a ordem predeterminada das classes, das profissões e dos prazeres da sociedade, sempre partindo do ponto de vista da norma sociológica vigente e da hierarquia pressuposta dos "lugares de fala" -, mas, sim, com uma liberdade exercida de facto, que não depende do intelectual e de seu discurso comprometido com os que sofrem para desfrutar do sol, do vento e de seu tempo livre. Em outros termos, o exercício da liberdade é uma questão de princípio, não de promessa futura.

Esta cena identificada por Rancière é colocada em paralelo com a história narrada sobretudo nos livros II e III da República de Platão, em que as personagens deste diálogo discutem quais seriam os elementos principais da formação de uma cidade. No primeiro capítulo do livro Le philosophe et ses pauvres [1983], o filósofo francês trabalha de maneira mais detalhada acerca desta narrativa platônica (Rancière, 2007RANCIÈRE, J. "L'ordre de la cité". In: _____. Le philosophe et ses pauvres. Paris: Flammarion, 2007. pp. 17-52., pp. 17-52), mas vamos, em primeiro lugar, trazer alguns aspectos principais desta passagem da obra do pensador ateniense.

Quando Sócrates e seus interlocutores dialogam a respeito dos itens essenciais de uma cidade (369 c), propõem inicialmente que esta não haveria de passar de quatro ou cinco pessoas, de modo a suprir suas necessidades básicas - um agricultor para a alimentação, um construtor para a moradia, um tecelão para as roupas, um sapateiro para os calçados e um artífice que cuida do "relativo ao corpo". Entretanto, quando se pergunta se é melhor que cada um deva pôr o seu trabalho à disposição de todos, ou que cada um trate do que é seu, executando todas as tarefas por conta própria, foi respondido que a primeira alternativa seria melhor, pois cada um é por natureza diferente dos outros e, por sua vez, feito para realizar um trabalho - e não vários:

A obra não costuma ficar à espera de que tenha um tempo livre quem a está fazendo... Ao contrário, é necessário que aquele que está realizando um trabalho o acompanhe passo a passo, sem que o tenha como algo que propriamente não seja do seu ofício [...] Por conseguinte, tudo cresce e se torna mais belo e fácil quando cada um, de acordo com sua natureza e no momento certo, deixando de lado os outros, faz um único trabalho (Platão, 2006PLATÃO. "A República". São Paulo: Martins Fontes, 2006., p. 64, 370 b-c).

É colocado, portanto, como critério principal para o bom funcionamento da cidade, que cada um exerça apenas uma profissão, pois a obra "não espera" o tempo livre de cada um. Contudo, à medida que as necessidades aumentam em uma cidade, ela ficará cada vez mais populosa e, quanto mais luxuosas serão, mais ultrapassarão o "suprimento do necessário". Neste caso, o número de profissões aumentará e é exatamente neste momento que entram os imitadores e "artífices de toda espécie de objetos", os quais já pertencem ao excesso e ao luxo. Por isso, adverte-se, ao final do livro II, que se deve "manter vigilância sobre os que criam os mitos", de modo a moldar as almas das crianças e, assim, conseguir uma forma justa de educar os membros da cidade (Platão, 2006PLATÃO. "A República". São Paulo: Martins Fontes, 2006., p. 75, 377 c).

Na primeira metade do livro III, Sócrates e seus interlocutores admitem que, no controle ostensivo que se deve fazer aos mitos que se contam para as crianças, deve-se evitar todo tipo de mentira que seja prejudicial à cidade. Por quê? Porque deve apenas caber aos que governam a cidade a conveniência de mentir em benefício dela, não permitindo que os demais tenham acesso à mentira (Platão, 2006PLATÃO. "A República". São Paulo: Martins Fontes, 2006., pp. 91-92, 389 b-c). Notamos que, seguindo a linha de raciocínio do diálogo platônico, apenas os governantes deveriam ter acesso à mentira para promover o "bem comum", até mesmo para manter o princípio colocado no início que cada um deve ter apenas um único trabalho e não se ocupar de dois ou mais ofícios - inclusive o de administrar a cidade.

Entretanto, as personagens do diálogo admitem precisar forjar uma "mentira única e genuína" (gennaión ti èn pseudoménous), surgida pela "necessidade" (pseudõn tõn én déonti gignoménon), para persuadir os chefes e o resto da cidade acerca da manutenção do princípio de que cada um deve exercer apenas uma profissão. Qual a saída encontrada? Em uma antiga "história fenícia" que conta sobre a diferença de natureza entre os habitantes da cidade, separando as profissões conforme o metal que se lhes misturou na alma: ouro para os capazes de comandar, prata para os seus auxiliares, ferro e bronze para os agricultores e demais artesãos (Platão, 2006PLATÃO. "A República". São Paulo: Martins Fontes, 2006., pp. 128-129, 414 c - 415 b).

Por que Rancière equipara o relato de Gauny às narrativas sobre as profissões e a ordem da cidade na república platônica? Porque, no diálogo exposto pelo pensador ateniense, aqueles que se dedicam apenas a uma profissão não teriam "tempo livre" para exercer o lazer (scholé), tampouco para administrar as coisas da cidade (Rancière, 2007RANCIÈRE, J. "L'ordre de la cité". In: _____. Le philosophe et ses pauvres. Paris: Flammarion, 2007. pp. 17-52., pp. 22-24). Assim como o trabalhador não poderia ter duas ou mais ocupações, também não teria o direito de mentir ou de inventar mitos que perturbassem a ordem da cidade, ou seja: não poderiam imitar. Os governantes, porém, não têm apenas a permissão, mas devem mentir para o bem da cidade, lançando mão de mitos e de imitações de ações (mímesis) para manter a ordem baseada na diferença de naturezas entre os que mandam e os que apenas trabalham e obedecem. Portanto, apenas os governantes podem ser "duas coisas em uma só": aos demais, restaria apenas o dever de serem "únicos". Quando Gauny descreve, por sua vez, o dia de trabalho do taqueador, demonstra que ele está também empregando seu "tempo livre" para olhar da janela como se fosse o proprietário da casa em obras, da mesma forma que perturba a ordem entre os que trabalham com as mãos e os que observam - contrariando, desta maneira, a ordem da cidade ideal de Platão. Sendo "duplo" (marceneiro e poeta, filósofo e plebeu), Gauny iguala-se a seus patrões e aos que comandam o que é comum e coletivo, usando a palavra literária para ultrapassar a divisão do trabalho fundada pelo mito dos três metais.

Desta maneira, Rancière defende que a apropriação literária da palavra feita pelos trabalhadores da França do século XIX não se confunde com a tarefa daqueles que pretendem, por meio da capacidade discursiva (lógica) da palavra, denunciar as armadilhas ideológicas da opressão proletária. A "preocupação exagerada em preservar a pureza popular, plebeia ou proletária" - presente em boa parte da historiografia dos movimentos operários - está, por sua vez, intimamente associada à separação sempre repetida entre as "massas que fazem a história" e aqueles que "falam em seu nome", sendo que os últimos reivindicam a si a tarefa de representar as massas fielmente (Rancière, 1988RANCIÈRE, J. "A Noite dos Proletários". São Paulo: Companhia das Letras, 1988., pp. 10-12).

Continuando nosso raciocínio, a chamada apropriação literária da palavra aqui mencionada nada tem em comum com a mera "fantasia" ou com a "ilusão" que poderiam ser atribuídas à literatura, mas, sim, com um elemento fundamental da obra rancieriana: a literalidade (littérarité). Esta literalidade, ao contrário do que se poderia pensar inicialmente, não é o lugar de disputa entre "verdade" e "ficção", mas entre duas lógicas distintas de circulação das palavras: a lógica policial e a lógica política. Trataremos mais adiante da ideia de literalidade como forma de confronto entre duas lógicas de conceber a relação entre as hierarquias sociais e seus "lugares de fala". De todo modo, a apropriação literária das palavras, feita pelos trabalhadores da França após 1830 na imprensa operária local - seguindo o exemplo anterior - expõe o cerne de dois problemas fundamentais de nosso momento atual: o de que, em primeiro lugar, "não há real em si [...] O real é sempre objeto de uma ficção, ou seja, de uma construção do espaço no qual se entrelaçam o visível, o dizível e o factível" (Rancière, 2012bRANCIÈRE, J. "O espectador emancipado". São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012b., p. 74); em segundo, que o processo que funda ao mesmo tempo a literatura e a ciência social moderna é a "abolição da divisão que opõe a racionalidade ficcional das intrigas à sucessão empírica dos fatos", ou seja, de que "o mundo obscuro das atividades materiais e dos fatos cotidianos é suscetível da mesma racionalidade que os agenciamentos da ação trágica"(Rancière, 2017RANCIÈRE, J. "Les Bords de la Fiction". Paris: Éditions du Seuil, 2017., pp. 10-11). Esta última assertiva é, conforme o autor em seu livro Les Bords de la Fiction (2017), "o axioma que funda a ciência social moderna" (Rancière, 2017RANCIÈRE, J. "Les Bords de la Fiction". Paris: Éditions du Seuil, 2017., p. 11).

A partir destes argumentos, não poderíamos afirmar que essas mesmas "massas anônimas" - cujo exemplo de Gauny é apenas um entre os vários descritos em A noite dos proletários - não têm dado suas próprias respostas, apropriando-se da palavra e de seus múltiplos sentidos em sua literalidade para ultrapassar os espaços predeterminados entre quem pode ou não falar na cidade, justamente por não ter "tempo livre" para isso? Notamos aqui, após esta exposição, que o próprio argumento do "tempo livre" é apenas o tergiversar em relação a uma mentira não tão "única e genuína" quanto defenderiam os construtores da cidade: a de que o artífice de Platão e o trabalhador da época de Gauny não poderiam tomar a palavra, mas teriam somente a voz para indicar a dor e o prazer. Mais uma vez, é o excesso de palavras, próprio de sua literalidade, que põe a nu "os modos de comunicação que funcionam para legitimar a própria ordem adequada" (Rancière, Panagia, 2000RANCIÈRE, J., PANAGIA, D. "Dissenting Words: A conversation with Jacques Rancière". Diacritics, Baltimore (USA), Vol. 30, Nr. 2, pp. 113-126, Summer 2000. Disponível em: http://www.jstor.org/stable/1566474 (Acessado em 09 de novembro de 2009).
http://www.jstor.org/stable/1566474...
, p. 115).

2. A palavra e a voz: a "cena original" da política

A separação entre os proprietários da palavra (lógos) e os usuários da voz (foné) é, por sua vez, o princípio colocado por Aristóteles no livro I da Política que fundamenta todo o edifício da "filosofia política", ocupada com a partilha dos modos de fazer, de ser e de dizer conforme a divisão a priori entre o homem como "animal sociável" (zõon polítikón) e os outros animais (Aristóteles, 2009ARISTÓTELES. "A política". São Paulo: EDIPRO, 2009., p. 16, 1253 a 7-18). Em seu livro O desentendimento, Rancière trata desta questão elaborando uma outra cena, que explicita os usos do princípio aristotélico para problematizar as relações entre igualdade e desigualdade políticas como atos de palavra (Rancière, 1996aRANCIÈRE, J. "O Desentendimento". São Paulo: Ed. 34, 1996a.).

No início do segundo capítulo de O desentendimento, o filósofo francês relata uma série de artigos escritos pelo contrarrevolucionário Pierre-Simon Ballanche na Revue de Paris no ano de 1829, sob o título "Fórmula geral da história de todos os povos aplicada à história do povo romano" (Ballanche, 1829BALLANCHE [Pierre-Simon]. "Essais de palingénésie sociale, par M. Ballanche. Formule générale de l'histoire de tous les peuples, appliquée a l'histoire de le peuple romain. Troisième Fragment". Revue de Paris, Paris, Vol. 6, pp. 70-98, 1829. Disponível em: http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k5778672n (Acessado em 07 de outubro de 2016).
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). No terceiro fragmento, Ballanche faz uma recriação literária do relato do historiador romano Tito Lívio sobre o fim da guerra dos romanos contra os volscos, em que houve a retirada dos plebeus para o monte Aventino em contraposição aos patrícios, relato este descrito pelo historiador latino em parte do livro II de sua Ab urbe condita libri [História de Roma] (Tito Lívio, 1989TITO LÍVIO. "História de Roma". Vol. I. São Paulo: Paumape, 1989., pp. 134-152 [Livro II, § 22-33]). Diferentemente de Tito Lívio, Ballanche retoma o momento de secessão plebeia em relação aos patrícios não a partir do ponto de vista dos administradores da cidade, mas no dos plebeus.

Sediados no Aventino, os plebeus começaram a se organizar de modo independente, dando a si outros nomes: a personagem de Paterculus - inexistente na narrativa de Tito Lívio - que tomou a palavra para tratar com os patrícios que iam ao Aventino para negociar com os plebeus foi chamado de Brutus, por ser aquele que vai "consultar os oráculos dos plebeus", assim como Brutus consultou os oráculos dos patrícios (Ballanche, 1829BALLANCHE [Pierre-Simon]. "Essais de palingénésie sociale, par M. Ballanche. Formule générale de l'histoire de tous les peuples, appliquée a l'histoire de le peuple romain. Troisième Fragment". Revue de Paris, Paris, Vol. 6, pp. 70-98, 1829. Disponível em: http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k5778672n (Acessado em 07 de outubro de 2016).
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, p. 78).

O "Brutus plebeu", assim descrito pelo autor do ensaio, será um dos que travará diálogo com o deputado Menênio Agripa, enviado pelos senadores romanos para o Aventino para negociar um acordo com os plebeus. Quando Menênio conta a fábula da revolta dos membros do corpo contra o estômago (Tito Lívio, 1989TITO LÍVIO. "História de Roma". Vol. I. São Paulo: Paumape, 1989., pp. 149-150 [Livro II, § 32]) - como forma de argumentar acerca da necessidade de haver os que comandam para o equilíbrio do conjunto -, Ballanche dá a esta passagem uma escrita bem diferente daquela feita pelo historiador romano: disse que este apólogo explica "uma ordem das coisas onde os plebeus não são mais que órgãos sem vontade", mas que foi apreendido pela "multidão ignorante". A própria multidão teria respondido a Menênio que, apesar de sua sabedoria reconhecida, não aceitariam viver como animais estúpidos (Ballanche, 1829BALLANCHE [Pierre-Simon]. "Essais de palingénésie sociale, par M. Ballanche. Formule générale de l'histoire de tous les peuples, appliquée a l'histoire de le peuple romain. Troisième Fragment". Revue de Paris, Paris, Vol. 6, pp. 70-98, 1829. Disponível em: http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k5778672n (Acessado em 07 de outubro de 2016).
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, pp. 87-88). Como a multidão não podia falar ao mesmo tempo, o Brutus plebeu é chamado para argumentar contra o deputado, afirmando que: "O plebeu não é um bruto, uma vez que ele recebeu o dom da fala, bem como o patrício. Vou usar a palavra! A palavra é o fogo sagrado de Prometeu!" (Ballanche, 1829BALLANCHE [Pierre-Simon]. "Essais de palingénésie sociale, par M. Ballanche. Formule générale de l'histoire de tous les peuples, appliquée a l'histoire de le peuple romain. Troisième Fragment". Revue de Paris, Paris, Vol. 6, pp. 70-98, 1829. Disponível em: http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k5778672n (Acessado em 07 de outubro de 2016).
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, p. 89). Diante desta frase, Menênio franze as sobrancelhas em sinal de reprovação. Brutus continua, apesar de a multidão não ter entendido o significado do que disse, apontando que os plebeus não têm casamentos que dão a eles a formação de famílias, tampouco terras que lhes dão um túmulo, mas não são desprovidos de inteligência, pois possuem a palavra. Se os plebeus obedecem, não o fazem como brutos: eles compreendem a palavra e, por isso, não podem ser tratados como parvos. Por isso, Brutus diz que Agripa, em seu apólogo, quer apenas restabelecer uma antiga ligação que une o patrão e o cliente (Ballanche, 1829BALLANCHE [Pierre-Simon]. "Essais de palingénésie sociale, par M. Ballanche. Formule générale de l'histoire de tous les peuples, appliquée a l'histoire de le peuple romain. Troisième Fragment". Revue de Paris, Paris, Vol. 6, pp. 70-98, 1829. Disponível em: http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k5778672n (Acessado em 07 de outubro de 2016).
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, pp. 89-90). Em meio à fala de Brutus, uma voz na multidão propõe que se faça um tratado entre plebeus e patrícios. Menênio responde, contudo, que seria impossível fazer um tratado com uma sociedade sem regras fixas, sem assembleias legítimas. Entretanto, a multidão começa a gritar em favor do tratado e o deputado romano acaba se retirando do Aventino.

Após a retirada de Agripa, Brutus explica o que tinha falado e que causou a reprovação do deputado Menênio: inspirado pelo sacerdote servo de Aricia, ele soube que Prometeu, em uma época mais remota, foi o "chefe da primeira secessão plebeia", e que, por ser um Titã, fez parte dos "plebeus do Olimpo". Tendo consultado os oráculos sagrados, eles teriam respondido: "A palavra é um sinal de inteligência; tens o sinal da inteligência? Conhece-te a ti mesmo" (Ballanche, 1829BALLANCHE [Pierre-Simon]. "Essais de palingénésie sociale, par M. Ballanche. Formule générale de l'histoire de tous les peuples, appliquée a l'histoire de le peuple romain. Troisième Fragment". Revue de Paris, Paris, Vol. 6, pp. 70-98, 1829. Disponível em: http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k5778672n (Acessado em 07 de outubro de 2016).
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, p. 91).

Quando Menênio Agripa volta ao Senado romano, a possibilidade de um tratado com os plebeus é recebida com furor pelos patrícios, cuja fala atribuída a Ápio Cláudio escrita por Ballanche é marcada pela desigualdade dada de princípio. Ápio Cláudio afirma:

Um tratado com uma raça impura! Um tratado com uma raça sem passado, sem futuro! [...] Possuem a palavra como nós, ousaram dizer isso, dizer a Menênio! [...] ele não soube responder-lhes que tinham uma palavra transitória, uma palavra que é um som fugidio, espécie de mugido, sinal da necessidade e não da manifestação da inteligência. São privados da palavra eterna que estava no passado, que estará no futuro (Ballanche, 1829BALLANCHE [Pierre-Simon]. "Essais de palingénésie sociale, par M. Ballanche. Formule générale de l'histoire de tous les peuples, appliquée a l'histoire de le peuple romain. Troisième Fragment". Revue de Paris, Paris, Vol. 6, pp. 70-98, 1829. Disponível em: http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k5778672n (Acessado em 07 de outubro de 2016).
http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k57...
, pp. 93-94).

É neste momento que Rancière faz a comparação entre o texto de Tito Lívio e o de Ballanche de maneira mais clara e incisiva. Enquanto o historiador romano afirma que o apólogo de Menênio teria sido o responsável pela persuasão dos plebeus para que estes fizessem um acordo com os patrícios, Ballanche, por sua vez, "censura ao historiador latino sua incapacidade de pensar o acontecimento a não ser como revolta, um levante da miséria e da cólera que institui uma relação de forças privada de sentido" (Rancière, 1996aRANCIÈRE, J. "O Desentendimento". São Paulo: Ed. 34, 1996a., p. 36).

Todavia, poderíamos dizer que Rancière teria comparado ambos sem nenhum critério mais rigoroso entre a realidade e a ficção, pois Ballanche não teria fontes históricas, documentos ou testemunhos quaisquer que dessem sustentação a seu relato. De qualquer maneira, Rancière bem aponta em seu livro Os Nomes da História que, para os historiadores antigos como Tácito ou mesmo Tito Lívio, refazer um discurso "não é tarefa de documentação, mas de invenção. Trata-se de saber o que pôde dizer um personagem deste tipo em tal situação. [...] Estes são pedaços de retórica, compostos segundo as regras da conveniência e da verossimilhança" (Rancière, 1994RANCIÈRE, J. "Os Nomes da História". São Paulo: EDUC/Pontes, 1994., p. 35). Assim, a forma da história escrita pelos romanos - conforme os cânones retóricos da inventio, dispositio e elocutio - já pressupõe "lugares de fala" dados, colocando o deputado Agripa em relação de superioridade aos plebeus, conforme sua posição de autoridade.

Rancière aponta nesta cena, portanto, uma questão inaugural da diferença tomada a priori entre a palavra e a voz, usando do relato literário de Ballanche para criticar a postura de Tito Lívio:

O discurso que Ballanche atribui a Ápio Cláudio apresenta perfeitamente o argumento da querela. Entre a linguagem daqueles que têm um nome e o mugido dos seres sem nome, não há situação de troca linguística que possa ser constituída, não há regras ou código para a discussão. Esse veredito não reflete apenas a obstinação dos dominantes ou sua cegueira ideológica. Exprime estritamente a ordem do sensível que organiza sua dominação, que é essa própria dominação (Rancière, 1996aRANCIÈRE, J. "O Desentendimento". São Paulo: Ed. 34, 1996a., p. 37).

Notamos aqui que o filósofo francês, ao tratar da recriação literária de Ballanche, não a coloca inicialmente em um patamar inferior de veracidade em relação ao relato de Tito Lívio. Identifica, em torno da cena do diálogo entre Menênio Agripa e os plebeus, as diferentes formas de narrar o acontecimento e, por sua vez, as diferentes formas de enunciar o dano que estabelece a partilha do sensível - pondo em discussão a diferença estabelecida de antemão entre, de um lado, aqueles que têm a palavra para deliberar acerca do que é justo e útil para a cidade e, de outro, aqueles que não têm direito ao uso da palavra, mas apenas a voz para indicar a dor e o prazer.

Desta maneira, Rancière, em seu "método da igualdade", não hierarquiza a priori - conforme o "lugar de fala" de cada um de acordo com normas gerais determinadas de princípio - qual seria a forma mais "legítima" e "real" de narrar o diálogo entre o deputado romano e os plebeus. Procura, sim, demonstrar que as diferentes formas de narrar as falas das partes envolvidas estão, de fato, em um litígio: aquele que está no cerne da distribuição das profissões, das ocupações, dos lazeres e, sobretudo, dos "lugares de fala" como critérios-base para considerar as palavras e ações dos plebeus como dotadas de sentido. Assim, o autor vê nesta confrontação entre Tito Lívio e Ballanche - ainda que este último tenha usado uma apropriação "literária" do acontecimento - o litígio entre duas formas de conceber a partilha do sensível: a primeira, em que os plebeus não teriam como estabelecer acordos, pois não poderiam usar a palavra do mesmo modo que os patrícios; a segunda, em que os plebeus contrariam a partilha do sensível assumida de princípio pelos romanos para a administração da cidade. Os plebeus, portanto, na segunda concepção, "tornaram-se seres passíveis de firmar promessas e estabelecer contratos", falando da mesma maneira que os patrícios e, destarte, expondo a "pura contingência de toda ordem social" (Rancière, 1996aRANCIÈRE, J. "O Desentendimento". São Paulo: Ed. 34, 1996a., p. 38).

É possível, neste ponto, percebermos o quanto o autor considera que a palavra dotada de sentido (lógos) está relacionada a uma contagem feita de maneira implícita, a qual confere, de antemão, a própria existência das partes do conflito. Ora, se o uso da palavra para deliberar e julgar a respeito do que é de todos e o que é de cada um está intimamente relacionado à pressuposição ou não de uma contagem feita de princípio, podemos demonstrar, a partir de cenas específicas, quais são os usos da palavra que remontam a uma contagem pressuposta e quais os que não partem de tal contagem. Dito de outra forma, as cenas estabelecem o litígio entre basicamente duas lógicas de conceber a relação entre o comum e a divisão das partes: a lógica policial e a lógica política.

No interior do pensamento rancieriano, a distinção entre política e polícia é emblemática como forma de estabelecer duas lógicas em confronto na nossa atualidade. A polícia seria, nas palavras do autor, "o conjunto dos processos pelos quais se operam a agregação e o consentimento das coletividades, a organização dos poderes, a distribuição dos lugares e funções e os sistemas de legitimação dessa distribuição" (Rancière, 1996aRANCIÈRE, J. "O Desentendimento". São Paulo: Ed. 34, 1996a., p. 41). A política seria, por sua vez, a atividade "que rompe a configuração sensível na qual se definem as parcelas e as partes ou sua ausência a partir de um pressuposto que por definição não tem cabimento ali: a de uma parcela dos sem-parcela" (Rancière, 1996aRANCIÈRE, J. "O Desentendimento". São Paulo: Ed. 34, 1996a., p. 42).

Seguindo o raciocínio do autor, a construção das cenas seria a forma pela qual se torna possível estabelecer o confronto entre as lógicas policial e política de uso da palavra, considerando não exatamente a "época" ou o "contexto geral" desta singularidade como determinantes das conclusões, mas, sim, levando em conta a partilha do sensível que é tomada a priori para hierarquizar os "lugares de fala" e a credibilidade de cada um deles. Por isso, a visão de tempo/espaço defendida por Rancière difere substancialmente daquela sustentada até então pelos chamados "historiadores de ofício", pois ele defende que esta cena do monte Aventino, por exemplo, não é apenas uma "narrativa de origem", mas uma fórmula que não para de se repetir, pois "o nome dos atores, do cenário e dos acessórios pode mudar", mas "a fórmula é a mesma". Sua proposta, então, consiste em "criar, em torno de um conflito singular, uma cena onde se põe em jogo a igualdade ou desigualdade dos parceiros do conflito enquanto seres falantes" (Rancière, 1996aRANCIÈRE, J. "O Desentendimento". São Paulo: Ed. 34, 1996a., p. 62).

É desta forma que a criação de cenas de dissenso está atrelada a um problema fundamental tratado pelo autor em O Desentendimento: o da "inscrição de uma parcela dos sem-parcela" (Rancière, 1996aRANCIÈRE, J. "O Desentendimento". São Paulo: Ed. 34, 1996a., p. 123). A confusão entre política e Estado de direito faz-nos, a princípio, acreditar que o todo da sociedade coincide com a soma de suas partes. Entretanto, sempre há esse "erro de contagem" que, para ser exposto, necessita daquilo que o autor chama de "cena polêmica". Conforme entrevista concedida a Davide Panagia, o autor afirma que, ainda na cena entre patrícios e plebeus citada anteriormente,

[...] os últimos tiveram que construir uma cena polêmica para que os 'barulhos' que saíram de suas bocas pudessem contar como proferimentos argumentativos. Essa situação extrema nos lembra o que constitui a base da ação política: certos sujeitos que não contam criam uma cena polêmica comum, onde colocam em discussão o status objetivo do que está 'dado' e impõem um exame e discussão dessas coisas que não eram 'visíveis', que não eram consideradas anteriormente (Rancière, Panagia, 2000RANCIÈRE, J., PANAGIA, D. "Dissenting Words: A conversation with Jacques Rancière". Diacritics, Baltimore (USA), Vol. 30, Nr. 2, pp. 113-126, Summer 2000. Disponível em: http://www.jstor.org/stable/1566474 (Acessado em 09 de novembro de 2009).
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, p. 125).

Portanto, concordamos com outros autores que pesquisam a temática, as "cenas polêmicas" aqui tratadas por Rancière encontram-se intimamente relacionadas ao entrelaçamento dos conceitos de dano, de dissenso - visto aqui como desentendimento - e de desidentificação entre identidades/temporalidades postas a priori na definição dos lugares de fala (Marques, Lelo, 2014MARQUES, Â. C. S.; LELO, T. V. "Aspectos poéticos-comunicacionais da filosofia política de Rancière a partir dos conceitos de dano, dissenso e desidentificação". Intexto, Porto Alegre, Nr. 31, pp. 52-67, dez. 2014.).

3. A "cena" como aplicação do "método da igualdade": tempo, espaço, palavra

Construir uma cena depende, por sua vez, de uma concepção de tempo/espaço que se define de maneira distinta do que se entende canonicamente como "tempo histórico" - que, de maneira sincrônica ou diacrônica, coloca-se como base para estabelecer os diferentes "tempos" e "espaços" propícios para a interpretação por parte do historiador. Rancière, em La méthode de l'égalité, trata deste assunto de maneira mais explícita quando expõe, em primeiro lugar, a diferença fundamental entre literalidade e literatura. Não há, na reflexão do autor, uma relação essencial do ato literário como um ato de subversão da ordem estabelecida, pois a literatura, surgida como um regime histórico da arte da escrita - que teria emergido como tal há mais de duzentos anos -, não coincide com os atos de literalidade, ou seja: como "capacidade de qualquer pessoa de se apoderar das palavras" (Rancière, 2012aRANCIÈRE, J. "La méthode de l'égalité". Montrouge: Bayard, 2012a., p. 102).

Vamos aprofundar aqui os elementos básicos desta distinção. Rancière já teria escrito, em O Desentendimento, que o nó próprio da palavra como lógos e sua relação com a aísthesis - a partilha do sensível - se resolve quando se compreende que a "lógica da demonstração" está indissoluvelmente ligada à "estética da manifestação", ou seja: é a partilha entre as diversas ocupações e usos da palavra, feita de antemão, que torna cada ato de palavra do ser falante como o cerne do litígio que a política insere na ordem policial. Desta forma, o autor entende que a estética como discurso autônomo não pode ser tratada, como afirma um sem-número de correntes filosóficas, como uma questão apenas de "autorreferencialidade" - que lembraria a comunhão religiosa entre o sensível e o suprassensível -, mas, sim, como o que "coloca em comunicação dois regimes separados de expressão" (Rancière, 1996aRANCIÈRE, J. "O Desentendimento". São Paulo: Ed. 34, 1996a., p. 68). Quais seriam esses dois regimes separados? Quando Kant, em sua terceira crítica [Crítica da faculdade do juízo, 1790], afirma que o juízo de gosto sobre o belo não depende de nenhum interesse, o filósofo alemão usa o exemplo do palácio. Neste exemplo, quando me perguntam se acho belo o palácio que vejo ante mim, não importa se recrimino a "vaidade dos grandes", que usam o povo para o supérfluo, ou mesmo se estas coisas são feitas somente para "embasbacar" [Angaffen]; para o juízo de gosto sobre a beleza do palácio, "quer-se saber somente se esta simples representação do objeto em mim é acompanhada de complacência, por indiferente que sempre eu possa ser com respeito à existência do objeto desta representação" (Kant, 2008KANT, I. "Crítica da faculdade do juízo". Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008., p. 50, Parte I, § 2). A partir deste exemplo dado por Kant, Rancière entende, por sua vez, que há na estética autonomizada a partir do kantismo

[...] a apreciação do sensível que se separa de todo julgamento sobre seu uso e define assim um mundo de comunidade virtual - de comunidade exigida - sobreimpresso no mundo das ordens e das partes que dá a cada coisa seu uso (Rancière, 1996aRANCIÈRE, J. "O Desentendimento". São Paulo: Ed. 34, 1996a., p. 68).

Por isso, conclui que a estética - longe de ser a caracterização religiosa do inefável sobre a experiência dos sentidos - é primeiramente a "emancipação das normas da representação"; em segundo, é a "constituição de um tipo de comunidade do sensível que funciona sob o modo da presunção, do como se que inclui aqueles que não estão incluídos" (Rancière, 1996aRANCIÈRE, J. "O Desentendimento". São Paulo: Ed. 34, 1996a., p. 68).

É neste ponto que vemos, destarte, como o autor faz as diferentes conexões entre a literatura como prática historicamente autônoma das formas de escrita e os atos de literalidade, que são os atos de tomada da palavra que quebram a ordem a priori das ocupações e formas de perceber. Por isso, Rancière construiu o conceito de "regimes de identificação da arte", como formas diferentes de identificar e inserir a inteligibilidade da arte no interior de conceitos tomados a priori, conforme a partilha das ocupações e a ordem da cidade. Destarte, entende que a ideia de "literalidade" é uma maneira pela qual "a palavra se apodera dos corpos" de modo "trans-histórico" - pode passar tanto pelos monges do Egito quanto por Dom Quixote, pela Revolução Francesa etc. Em contrapartida, compreende que a "revolução estética" é o momento historicamente datado em que se põe em marcha a autonomização da estética - em que se combinam "formas de inteligibilidade daquilo que se chama arte" e, simultaneamente, "toda uma série de consequências quanto à distribuição das competências, mas também às maneiras de pensar em que consiste a comunidade" (Rancière, 2012aRANCIÈRE, J. "La méthode de l'égalité". Montrouge: Bayard, 2012a., pp. 104-105).

Por conseguinte, para que se chegue a estas conclusões, é necessário desvincular-se de uma espécie de historicismo - que vincula o que é visível e pensável à luz de noções específicas de tempo e de espaço, as quais funcionam como limitadoras da interpretação dos vestígios do passado. Como se daria esta desvinculação? Em primeiro lugar, desvinculando a noção de espaço de uma concepção completamente material-empírica, considerando-a também como "uma disposição, uma distribuição, um conjunto de relações". Desta forma, é possível desvincular a ideia de espaço de uma submissão a duas coisas: a primeira, à noção de ideologia como "estrutura de ilusão"; a segunda, à ideia de tempo como "operador de interdição". Explicaremos melhor estas questões, com base em suas considerações em La méthode de l'égalité.

Se desvinculamos a noção de espaço de uma estratificação social dada a priori, dificultamos o risco de interpretar que as pessoas não teriam capacidade para compreender algo porque são incapazes de ver o que acontece com elas. Por quê? O próprio autor afirma, em sua crítica a um conceito comum de ideologia, que há uma explicação corrente acerca dos processos de dominação: "[...] as pessoas são dominadas porque elas não compreendem as leis de dominação, e não as podem compreender porque o lugar em que se encontram faz com que elas não possam as perceber" (Rancière, 2012aRANCIÈRE, J. "La méthode de l'égalité". Montrouge: Bayard, 2012a., p. 106).

Ao contrário desta explicação ideológica - que pressupõe um círculo de dominação que, por sua vez, presume a ignorância de grupos e indivíduos em uma situação qualquer devido ao fato de sua "incapacidade de ver" os mecanismos que os dominam - Rancière propõe que, em vez de pensar em termos de visão correta ou incorreta, pensemos em termos de lugar. Deslocar a noção de espaço de uma ideia historicista mais tradicional implica, simultaneamente, "reprimir as questões de origem", como se a origem do pensamento, do conhecimento e da política definisse melhor uma suposta "conscientização" do estado atual das coisas. É, na visão do autor, entender que "a origem em si mesma é sempre uma espécie de cena" (Rancière, 2012aRANCIÈRE, J. "La méthode de l'égalité". Montrouge: Bayard, 2012a., p. 107). A partir desta assertiva, é possível entender que, mesmo nas análises históricas mais comuns feitas na atualidade, coloca-se a "origem" de algo como critério temporal canônico indispensável para pensar o momento presente. Entretanto, o próprio resgate de uma origem é sempre feito a posteriori - combinando elementos de uma época passada na medida em que eles nos trazem critérios para pensar o presente -, o que implica, em última instância, uma prática sempre anacrônica de combinação de diferentes linhas de temporalidade em um mesmo tempo. Em seu artigo sobre o anacronismo e a verdade do historiador, publicado na revista L'inactuel em 1996, Rancière assevera que:

O conceito de anacronismo é anti-histórico porque oculta as condições mesmas de toda historicidade. Há história na medida em que os homens não se "parecem" com seu tempo, na medida em que eles agem em ruptura com "seu" tempo, com a linha de temporalidade que lhes põe em seu lugar e lhes impõe fazer de seu tempo tal ou qual "emprego". Mas essa ruptura não é possível senão pela possibilidade de conectar esta linha de temporalidade a outras, pela multiplicidade de linhas de temporalidade presentes em "um" tempo (Rancière, 1996bRANCIÈRE, J. "Le concept d'anachronisme et la vérité de l'historien". L'inactuel, Belval (FR), Nr. 6, pp. 53-68, 1996b., p. 66).

Ora, se em toda interpretação histórica há a conexão de diferentes linhas de temporalidade em um mesmo tempo, o tempo não pode ser um "operador de interdição" - de modo a pressupor o impedimento de alguém em pensar ou agir de tal ou qual maneira em um momento específico, apenas por pertencer a um determinado "tempo" ou "época". Se assim fosse, chegaríamos a conclusões de difícil solução a respeito de momentos históricos de grandes conflitos. O autor continua sua argumentação, afirmando que:

O que me interessa a cada vez, e em particular na medida em que todas as formas de interdição, de proscrição, de prescrição passam sempre pela ideia que 'este não é ainda o tempo', 'este não é mais o tempo' ou 'nunca foi o tempo de', é que o tempo funciona sempre como o álibi do interdito. Diz-se: 'isto não é mais possível', 'isto foi a um momento, mas não é mais agora', ou 'isso só pode acontecer nesse tempo' (Rancière, 2012aRANCIÈRE, J. "La méthode de l'égalité". Montrouge: Bayard, 2012a., p. 108).

Desta feita, Rancière pretende, no entanto, utilizar o tempo como coexistência de linhas heterogêneas de possibilidades:

[...] deve-se passar por uma certa ideia de topografia, de disposição, de distribuição das possibilidades para eventualmente repensar o tempo como coexistência. O que o tempo classicamente nega é a coexistência. Claro que se supõe ser o espaço a forma da coexistência, mas para pensar o tempo como coexistência, deve-se, de uma certa forma, metaforizá-lo, frequentemente, de maneira espacial (Rancière, 2012aRANCIÈRE, J. "La méthode de l'égalité". Montrouge: Bayard, 2012a., p. 108).

Pensar o espaço fora de uma noção clássica do tempo como delimitador de possibilidades é, de certa forma, evitar o perigo de reduzir apenas a um grupo ou ao momento presente a possibilidade de "conhecer" as grandes questões de um determinado momento passado. Talvez, os próprios grupos ou indivíduos, por mais que fossem dominados, conhecessem sua própria situação e, por sua vez, pensaram suas práticas de liberdade fora do critério de emancipação intelectual imposto por um modelo escolar bastante comum ainda em nossa atualidade: o do embrutecimento.

É neste momento que podemos retornar a outra inspiração de Rancière em seu pensamento: os trabalhos de Joseph Jacotot. Em O mestre ignorante, o filósofo francês expõe, a partir da prática de Jacotot como professor e como pesquisador, uma diferença fundamental entre o ato emancipado de aprender e o de embrutecer:

Instruir pode, portanto, significar duas coisas absolutamente opostas: confirmar uma incapacidade pelo próprio ato que pretende reduzi-la ou, inversamente, forçar uma capacidade que se ignora ou se denega a se reconhecer e a desenvolver todas as consequências desse reconhecimento. O primeiro ato chama-se embrutecimento e o segundo, emancipação (Rancière, 2002RANCIÈRE, J. "O mestre ignorante". Belo Horizonte: Autêntica, 2002., pp. 11-12).

O que difere, então, a vontade de aprender do suposto dever de domesticar os outros? O pressuposto da igualdade de inteligências. Quando, em uma interpretação histórica, fazemos a análise sociológica das "lutas por representações" em um momento histórico específico - ou mesmo quando tratamos de um indivíduo tão simples quanto um moleiro do século XVI -, corremos o risco de interpretar qualquer ato de palavra como se tivesse, necessariamente, que estar envolvido em um conflito de classes, ou de culturas etc. Não pensamos, na maioria das vezes, na possibilidade que os atos de tomada da palavra podem ser feitos por grupos e/ou indivíduos sem a necessidade de alguém que precisou explicar a eles qual o "seu lugar no mundo". Por isso, Jacotot pensou em fazer convergir o ato de aprender com a emancipação das inteligências, utilizando o seguinte método: "aprender qualquer coisa e a isso relacionar todo o resto, segundo o princípio de que todos os homens têm igual inteligência" (Rancière, 2002RANCIÈRE, J. "O mestre ignorante". Belo Horizonte: Autêntica, 2002., p. 38).

Pretendemos, ao fim desta breve exposição dos aspectos principais do "método da igualdade" proposto por Rancière, baseado em seu conceito de "cena", buscar a união coerente entre teoria e método na leitura e interpretação das chamadas "fontes históricas", propondo uma mudança significativa da maneira de pensar a relação teoria-metodologia-objeto no que diz respeito ao proposto até então por boa parte do meio acadêmico da área de história. Em vez de buscar - como na prática usual dos "historiadores de ofício" - relacionar um evento particular a uma generalidade já supostamente "dada" pelas estruturas sociais, econômicas e culturais de uma "época", pretendemos atuar como historiadores que não pensam seu ofício a partir de uma disciplina específica e de seus cânones tradicionais. Com base nas noções de "indisciplinaridade" (Rancière, Baronian, Rosello, Elliot, 2008RANCIÈRE, J., BARONIAN, M.-A., ROSELLO, M.; ELLIOT, G. (trad.). "Jacques Rancière and Indisciplinarity". Art & Research, Glasgow (UK), Vol. 2, Nr. 1, pp. 1-10, Summer 2008. Disponível em: http://www.artandresearch.org.uk/v2n1/jrinterview.html (Acessado em 03 de julho de 2018).
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) e de descontinuidade temporal, buscaremos apontar as diferentes cenas que demonstram os conflitos entre regimes de verdade a partir de atos de tomada da palavra - e não somente da articulação e verificação dos fatos por meio de "fontes históricas". Este é o caminho teórico-metodológico que almejamos realizar, enfim, em nossas futuras pesquisas históricas da relação entre arte, história e política.

  • *
    Artigo relacionado ao projeto "conceito de "cena" em Jacques Rancière como ferramenta teórico-metodológica para a análise histórica da arte", financiado com recursos do Edital 01/2015 FAPEMIG..
  • 1
    O texto completo de Gauny encontra-se transcrito em Rancière (1983, pp. 44-49).
  • 2
    Ver também: Rancière (1996a, p. 37)RANCIÈRE, J. "O Desentendimento". São Paulo: Ed. 34, 1996a..
  • 3
    Sobre o conceito de partilha do sensível, o autor afirma, no livro-entrevista A partilha do sensível (2005), que "é um recorte dos tempos e dos espaços, do visível e do invisível, da palavra e do ruído que define ao mesmo tempo o lugar e o que está em jogo na política como forma de experiência". Seria, em outros termos, o "sistema de formas a priori determinando o que dá a sentir", a definição do que é comum a todos e a parte que caberia a cada um, o que, na visão do autor, não é mera consequência de determinada ordem de classes ou de "lugares de fala" de uma época específica, mas, sim, é o que está em jogo a todo momento nos diversos usos da palavra (Rancière, 2005RANCIÈRE, J. "A partilha do sensível". São Paulo: Ed. 34, 2005., p. 16).

Referências

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  • BALLANCHE [Pierre-Simon]. "Essais de palingénésie sociale, par M. Ballanche. Formule générale de l'histoire de tous les peuples, appliquée a l'histoire de le peuple romain. Troisième Fragment". Revue de Paris, Paris, Vol. 6, pp. 70-98, 1829. Disponível em: http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k5778672n (Acessado em 07 de outubro de 2016).
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  • GAUNY, G. "Le travail à la tâche". In: J. Rancière (org.). Le philosophe plébéien Paris: La Découverte/Maspero; Saint-Denis: PUV, 1983. pp. 44-49.
  • KANT, I. "Crítica da faculdade do juízo". Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008.
  • MARQUES, Â. C. S.; LELO, T. V. "Aspectos poéticos-comunicacionais da filosofia política de Rancière a partir dos conceitos de dano, dissenso e desidentificação". Intexto, Porto Alegre, Nr. 31, pp. 52-67, dez. 2014.
  • PLATÃO. "A República". São Paulo: Martins Fontes, 2006.
  • RANCIÈRE, J. "A Noite dos Proletários". São Paulo: Companhia das Letras, 1988.
  • RANCIÈRE, J. "A partilha do sensível". São Paulo: Ed. 34, 2005.
  • RANCIÈRE, J. "La méthode de l'égalité". Montrouge: Bayard, 2012a.
  • RANCIÈRE, J. "Les Bords de la Fiction". Paris: Éditions du Seuil, 2017.
  • RANCIÈRE, J. "O Desentendimento". São Paulo: Ed. 34, 1996a.
  • RANCIÈRE, J. "O espectador emancipado". São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012b.
  • RANCIÈRE, J. "O mestre ignorante". Belo Horizonte: Autêntica, 2002.
  • RANCIÈRE, J. "Os Nomes da História". São Paulo: EDUC/Pontes, 1994.
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  • RANCIÈRE, J. "Le concept d'anachronisme et la vérité de l'historien". L'inactuel, Belval (FR), Nr. 6, pp. 53-68, 1996b.
  • RANCIÈRE, J., BARONIAN, M.-A., ROSELLO, M.; ELLIOT, G. (trad.). "Jacques Rancière and Indisciplinarity". Art & Research, Glasgow (UK), Vol. 2, Nr. 1, pp. 1-10, Summer 2008. Disponível em: http://www.artandresearch.org.uk/v2n1/jrinterview.html (Acessado em 03 de julho de 2018).
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  • RANCIÈRE, J., PANAGIA, D. "Dissenting Words: A conversation with Jacques Rancière". Diacritics, Baltimore (USA), Vol. 30, Nr. 2, pp. 113-126, Summer 2000. Disponível em: http://www.jstor.org/stable/1566474 (Acessado em 09 de novembro de 2009).
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  • TITO LÍVIO. "História de Roma". Vol. I. São Paulo: Paumape, 1989.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Maio 2019
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2019

Histórico

  • Recebido
    15 Dez 2017
  • Aceito
    08 Abr 2018
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