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ATESTAÇÃO E ÉTICA EM PAUL RICOEUR: IMPLICAÇÕES DA DIALÉTICA ENTRE O SUJEITO E A ALTERIDADE PARA UMA ÉTICA DA COMPAIXÃO

ATTESTATION AND ETHICS IN PAUL RICOEUR: IMPLICATIONS OF THE DIALECTICS OF ONESELF AND THE OTHER FOR AN ETHICS OF COMPASSION

RESUMO

A teoria da atestação em Ricoeur aponta para a necessidade da relação dialética entre o sujeito e a alteridade na reflexão ética. Entretanto, posicionamentos críticos a essa teoria argumentam que o uso do sujeito como ponto de partida dessa reflexão inviabiliza uma genuína percepção da alteridade. Ao considerar esse debate, o presente artigo objetiva analisar as implicações dessa dialética ricoeuriana para a construção ética, especialmente no entendimento da compaixão. O percurso metodológico de análise inclui uma perspectiva preliminar da noção ricoeuriana de alteridade do sujeito em La symbolique du mal e De l’interprétation, uma problematização da relação entre atestação e ética em The Problem of the Foundation of Moral Philosophy e dos conceitos de ética e alteridade na perspectiva da atestação em Soi-même comme un autre e Parcours de la reconnaissance. Finalmente, o estudo observa repercussões das articulações entre o sujeito e a alteridade para a compaixão na reflexão ética, em diálogo com a contribuição de Martha Nussbaum. Sem negar os riscos de reduplicação do sujeito na pretensa percepção da alteridade, o artigo conclui que a dialética entre o sujeito e a alteridade é necessária para uma melhor compreensão e desenvolvimento de si mesmo e do outro.

Palavras-chave:
Ricoeur; Atestação; Ética; Compaixão; Sujeito; Alteridade

ABSTRACT

The theory of attestation in Ricoeur points to the need of a dialectical relationship between oneself and the other in ethics. However, critics of this theory have argued that the use of the self as the starting point of this reflection hinders a genuine perception of otherness. Taking this debate into account, the present article aims to analyze the implications of this Ricoeurian dialectics for ethics, especially the understanding of compassion. The methodological steps of this analysis include a preliminary perspective of Ricoeur’s notion of the otherness of the self in La symbolique du mal and De l’interprétation, a problematization of the relationship between attestation and ethics in The Problem of the Foundation of Moral Philosophy and of the concepts of ethics and otherness in the perspective of attestation in Soimême comme un autre and Parcours de la reconnaissance. Finally, the study explores the repercussions of the articulations of oneself and the other for ethical compassion, in dialogue with Martha Nussbaum. Without denying the risks of the reduplication of the self in the alleged perception of otherness, the article concludes that the dialectics of oneself and the other is necessary for a better understanding and development of oneself and the other.

Keywords:
Ricoeur; Attestation; Ethics; Compassion; Oneself; Otherness

1. Introdução

A chamada “pequena ética” de Paul Ricoeur em Soi-même comme un autre (1990) possui como chave de leitura o conceito de atestação. De fato, o próprio Ricoeur indica que esse conceito constitui a senha para o livro como um todo (Ricoeur, 1990, p. 335RICOEUR, P. “Soi-même comme un autre”. Paris: Éditions du Seil, 1990.). Conforme a introdução dessa obra indica, o filósofo francês procura reformular a compreensão de sujeito, de modo que essa reformulação seja uma alternativa contemporânea viável à tradição cartesiana, que foi duramente criticada, especialmente pelos mestres da suspeita (Freud, Marx, Nietzsche). Ao assumir a ideia de um cogito ferido, que é uma expressão que intitula a descrição da filosofia de Ricoeur por Gagnebin (1997)GAGNEBIN, J. M. “Uma filosofia do cogito ferido: Paul Ricoeur”. Estudos Avançados, Vol. 11, Nr. 30, pp. 261-272, 1997.,1 1 Veja outras discussões, também em língua portuguesa, da problematização de Ricoeur sobre o sujeito e sua elaboração da noção de si mesmo, em Piva (1999); Homem (2004); Carvalho (2006); Meireles (2016); Silva (2017). Ricoeur (1965RICOEUR, P. “De l’interprétation: essai sur Freud”. Paris: Éditions du Seuil, 1965.; 1975bRICOEUR, P. “Phenomenology and Hermeneutics”. Noûs, Vol. 9, Nr. 1, pp. 85-102, 1975b.; 1990RICOEUR, P. “Soi-même comme un autre”. Paris: Éditions du Seil, 1990.) rejeita o pressuposto cartesiano de uma consciência imediata do sujeito e aponta para a necessidade de elaboração de uma perspectiva marcada pela humildade epistêmica, caracterizada pela constante presença dialética da confiança e da suspeita.2 2 A rejeição do pressuposto cartesiano de uma consciência imediata do sujeito já aparece em De l’interprétation: essai sur Freud (1965) e no ensaio Phenomenology and Hermeneutics (1975). A dialética da confiança e suspeita é elaborada na introdução de Soi-même comme un autre (1990). Podemos destacar pelo menos três aspectos do direcionamento desse projeto ricoeuriano. Primeiramente, ao contestar que o conhecimento do sujeito seja construído abstratamente por sua consciência imediata da realidade, o pensador francês argumenta que o caminho do conhecimento se dá fenomenologicamente por intermédio de mediações que permitem a percepção e compreensão da realidade. O reconhecimento e a investigação fenomenológica dessas mediações caracterizam a reflexão hermenêutica de Ricoeur. O segundo aspecto a ser destacado na proposta do cogito ferido é que o sujeito não se define apenas pelo pensar ou conhecer. De acordo com sua perspectiva concreta da experiência humana, o filósofo francês ressalta que o sujeito é um agente capaz de agir e, com isso, criar uma identidade (narrativa) e se considerar moralmente responsável por suas ações. Essa ênfase sublinha a reflexão ética de Ricoeur. Em sua reformulação do conceito de sujeito, ele não deseja restringir a discussão para uma dimensão epistêmica, mas abarcar também o âmbito da ética.

Em realidade, esses dois aspectos colocados aqui, o caminho hermenêutico e o ético, não se dividem. A ênfase na experiência da ação não desemboca apenas na reflexão ética, mas define em grande medida a noção ricoeuriana de mediação hermenêutica, onde o conhecimento se constrói na interpretação de ações objetificadas, especialmente na linguagem, na história e na cultura. Como Pellauer (2007)PELLAUER, D. “Ricoeur: A Guide for the Perplexed”. London: Continuum, 2007. enfatiza, a proposta ricoeuriana de mediação hermenêutica representa uma reversão do modelo cartesiano do conhecimento de si mesmo, na medida em que a consciência do sujeito deixa de ser o ponto de partida da reflexão filosófica para se tornar seu ponto de chegada. Em outros termos, Ricoeur não questiona a necessidade filosófica de conhecer a si mesmo. Antes, sua revisão se situa particularmente no ponto de partida desse conhecimento, que se projeta para a objetificação externa da experiência da ação. A mudança desse ponto de partida também envolve a ampliação da noção de conhecimento do sujeito, que abarca a dimensão ética. De acordo com o pensador francês, o conceito de atestação constitui precisamente a conexão entre o agente e a ação, o sujeito e a sua objetificação. Nas suas palavras, atestação é “a segurança de ser eu mesmo agindo e sofrendo.” Desse modo, atestação é a confiança no poder de reconhecer a mim mesmo como agente da objetificação de minhas ações e dizer “sou eu aqui” (Ricoeur, 1990, p. 35RICOEUR, P. “Soi-même comme un autre”. Paris: Éditions du Seil, 1990.).3 3 Ao longo deste artigo, as citações diretas de textos que se encontram originalmente em outras línguas seguem tradução livre para o português. Em outros termos, os produtos das ações (objetificações) atestam ou dão testemunho do seu agente, isto é, do sujeito. Assim, é possível reconhecer a si mesmo por meio da atestação, e não pela via cartesiana de uma consciência direta e indubitável de mim mesmo.

Uma vez que a atestação provê a conexão entre o sujeito e suas objetificações externas, a projeção do sujeito para fora de si mesmo sublinha um aspecto fundamental da hermenêutica ricoeuriana, a saber, a ideia de que a alteridade é crucial para a compreensão e a própria definição do sujeito.4 4 Exemplos de literatura secundária, em língua portuguesa, sobre a atestação ricoeuriana incluem: Botton (2009); Salles e Salles (2014); Sequeira (2016); Beato (2016); Belli (2019); Portocarrero (2020; 2021); Souza (2021). Aliás, Ricoeur expressa essa noção no próprio título de Soi-même comme un autre. Conforme Pérez (2001, p. 142)PÉREZ, J. “The Concept of Attestation in the Philosophy of Paul Ricoeur”. Tese (Doutorado em Filosofia), Drew University, 2001. salienta em seu estudo da atestação em Ricoeur, “a alteridade não é algo externo ao sujeito,” mas é “parte de sua própria constituição.” Kaufmann (2010, p. 244)KAUFMANN, S. “The Attestation of the Self as a Bridge between Hermeneutics and Ontology in the Philosophy of Paul Ricoeur”. Tese (Doutorado em Filosofia), Marquette University, 2010. explicita esse conceito ricoeuriano tanto na dimensão hermenêutica quanto na ontológica. De uma perspectiva hermenêutica, o sujeito entende a si mesmo por meio da alteridade. Em termos ontológicos, o sujeito se constitui como tal por meio de seu reconhecimento e apropriação da alteridade. O papel crucial do outro na teoria ricoeuriana de atestação sublinha o encontro do conhecimento de si mesmo em suas dimensões epistêmica, ontológica e ética.

Muldoon (1998)MULDOON, M. S. “Ricoeur’s Ethics: Another Version of Virtue Ethics? Attestation is Not a Virtue”. Philosophy Today, Vol. 42, Nr. 3, pp. 301-309, 1998. corretamente argumenta que, a despeito dos diálogos que Ricoeur desenvolve com a noção aristotélica de ação e sua elaboração do conceito de phronesis, sua discussão ética não deve ser confundida com algum tipo de reformulação contemporânea ou neoaristotélica da ética da virtude, como encontramos em MacIntyre (1984)MacINTYRE, A. C. “After Virtue: A Study in Moral Theory”. Notre Dame, IN: University of Notre Dame Press, 1984.. Em vez de um foco nas virtudes, a reflexão ética de Ricoeur se estabelece a partir da noção de atestação (Muldoon, 1998MULDOON, M. S. “Ricoeur’s Ethics: Another Version of Virtue Ethics? Attestation is Not a Virtue”. Philosophy Today, Vol. 42, Nr. 3, pp. 301-309, 1998.). É interessante notar, entretanto, que a importância da alteridade na reflexão ética ricoeuriana é distinta da compreensão de alteridade no pensamento ético de Lévinas. Conforme Ricoeur (1990)RICOEUR, P. “Soi-même comme un autre”. Paris: Éditions du Seil, 1990. salienta, Lévinas não trabalha com o conceito de atestação de si mesmo, pois ele teme que isso levaria às certezas cartesianas do sujeito, que Ricoeur também procura evitar por meio da constante dialética da atestação entre confiança e suspeita. Ao passo que Ricoeur valoriza a reflexão sobre alteridade de Lévinas (1947LÉVINAS, E. “Le temps et l’autre”. Paris: Arthaud, 1947.; 1961LÉVINAS, E. “Totalité et Infini. Essai sur l’extériorité”. LaHaye: Martinus Nijhoff, 1961.; 1974LÉVINAS, E. “Autrement qu’ être ou au de là de l’essence”. LaHaye: Martinus Nijhoff, 1974.), ele discorda da pressuposição de uma completa assimetria entre o sujeito e a alteridade (Ricoeur, 1990RICOEUR, P. “Soi-même comme un autre”. Paris: Éditions du Seil, 1990.; Kemp, 1995KEMP, P. “Ricoeur between Heidegger and Levinas: original affirmation between ontological attestation and ethical injunction”. Philosophy and Social Criticism, Vol. 21, Nr. 5-6, pp. 41-61, 1995.).5 5 Kemp (1995) argumenta que a crítica de Ricoeur a Lévinas se baseia quase que praticamente em Autrement qu’ etre ou au de là de l’essence (1974). Kemp (1995) sugere que a crítica de Ricoeur seria atenuada se ele reconhecesse em Totalite et Infini (1961) a presença indireta de algum nível do conceito de atestação. De fato, Ricoeur (1995) reconhece em Lévinas o conceito de testemunho, que é um conceito próximo ao de atestação (Pierron, 2003). Mesmo que a proposta de Kemp esteja correta, a presença indireta do conceito de atestação em Lévinas não encontra obviamente o nível de desenvolvimento que observamos em Ricoeur.

Por sua vez, é precisamente nessa questão da relação do sujeito com a alteridade que críticas se levantam contra o conceito de atestação em Ricoeur. Já no título provocativo de seu ensaio (Oneself as Another or Another as Oneself?), Venema (2002)VENEMA, H. “Oneself as Another or Another as Oneself?”. Literature & Theology, Vol. 16, Nr. 4, pp. 410-426, 2002. questiona se em Soi-même comme un autre o sujeito é mesmo um outro, ou se o outro acaba sendo uma repetição de si mesmo. Em seu comentário da crítica ricoeuriana de Lévinas em Soi-même comme un autre, Venema (2002)VENEMA, H. “Oneself as Another or Another as Oneself?”. Literature & Theology, Vol. 16, Nr. 4, pp. 410-426, 2002. argumenta que Ricoeur tem dificuldades de estabelecer uma relação adequada que não reduza o outro a um mero espelhamento ou reflexo do próprio sujeito. Provavelmente, o contra-argumento ricoeuriano seria que a sua teoria de atestação prevê a presença constante da suspeita (especialmente a suspeita de si mesmo), em relação dialética com a confiança. Essa seria uma dialética não hegeliana, no sentido de que ela não prevê uma síntese final que elimine a tensão. Contudo, embora esse seja um princípio metodológico da atestação ricoeuriana, Anderson (1994)ANDERSON, P. S. “Agnosticism and Attestation: An Aporia concerning the Other in Ricoeur’s ‘Oneself as Another”’. The Journal of Religion, Vol. 74, Nr. 1, pp. 65-76, 1994. ressalta que, no final das contas, o caminho da suspeita está apenas a serviço da (re)configuração da confiança na teoria de atestação de Ricoeur. Por isso, ela questiona se o papel da suspeita na dialética da atestação ricoeuriana é adequado e suficiente.

À luz desse debate, o presente artigo não pretende aprofundar a concepção epistêmica da hermenêutica da suspeita em Ricoeur (cf. Scott-Baumann, 2012SCOTT-BAUMANN, A. “Ricoeur and the Hermeneutics of Suspicion”. London: Bloomsbury, 2012.), embora essa seja uma rota relevante para o debate, mas objetiva agregar a essa discussão a dimensão ética da relação entre o sujeito e a alteridade na teoria da atestação de Ricoeur. O artigo não tem a intenção de defender a teoria ricoeuriana das críticas que se levantam com respeito ao seu conceito de alteridade e da real capacidade do sujeito de duvidar de si mesmo em sua percepção do outro. Essa preocupação é certamente válida. Contudo, a proposta do artigo é alargar a discussão para incluir a compreensão ricoeuriana acerca da necessidade da relação entre o sujeito e a alteridade para a construção da ética. Assim, o artigo sugere que essa compreensão tem repercussões para o entendimento da compaixão no contexto da reflexão ética.

Como percurso metodológico para essa discussão, o artigo introduzirá brevemente uma perspectiva preliminar da noção ricoeuriana de alteridade do sujeito em La symbolique du mal (1960) e De l’interprétation (1965). A seguir, a discussão terá como foco a relação entre atestação e ética no ensaio The Problem of the Foundation of Moral Philosophy (1978) e os conceitos de ética e alteridade, a partir da perspectiva da atestação, nas obras Soi-même comme un autre (1990) e Parcours de la reconnaissance (2004). A discussão de Parcours de la reconnaissance é potencialmente significativa para o debate problematizado acima, visto que sua publicação é posterior às críticas de Anderson (1994)ANDERSON, P. S. “Agnosticism and Attestation: An Aporia concerning the Other in Ricoeur’s ‘Oneself as Another”’. The Journal of Religion, Vol. 74, Nr. 1, pp. 65-76, 1994. e Venema (2002)VENEMA, H. “Oneself as Another or Another as Oneself?”. Literature & Theology, Vol. 16, Nr. 4, pp. 410-426, 2002., que se concentraram na obra Soi-même comme un autre. Finalmente, o artigo observa repercussões e implicações das articulações entre o sujeito e a alteridade para a compaixão na reflexão ética. Essas implicações serão delineadas em diálogo com a contribuição da filósofa norte-americana Martha Nussbaum sobre os julgamentos envolvidos na compaixão, cuja reflexão tem o potencial de aprofundar e problematizar questões acerca da dialética ricoeuriana.

2. Perspectivas preliminares da noção ricoeuriana de alteridade do sujeito

Em La symbolique du mal, Ricoeur (1960)RICOEUR, P. “La symbolique du mal”. Paris: Aubier, 1960. menciona o nascimento da subjetividade em sua discussão fenomenológica da invocação na confissão. Esse nascimento é definido pela primeira pessoa se tornando reflexivamente uma segunda pessoa, que tem a condição de observar a si mesma. Em outros termos, a subjetividade se constitui pela capacidade de estar consciente de si mesmo. Aqui encontramos uma espécie de alteridade interna do sujeito que é qualificada pela tarefa ética de autoanálise. Essa análise própria efetuada pela alteridade reflexiva do sujeito envolve a suspeita de si mesmo, em suas ações e motivos, e pressupõe uma condição de autoalienação, expressa em momentos de angústia em que o sujeito não consegue compreender a si mesmo.

Essa temática também aparece em De l’interprétation, onde Ricoeur (1965)RICOEUR, P. “De l’interprétation: essai sur Freud”. Paris: Éditions du Seuil, 1965. apresenta, em diálogo com Freud, uma arqueologia do sujeito e critica o pressuposto cartesiano de uma consciência transparente que direta e claramente entende a si mesma. Nessa discussão, o filósofo francês elabora a noção freudiana de autoalienação produzida pelas ilusões da consciência e trata da necessidade de suspeitar de uma compreensão direta e clara de si mesmo, o que sublinha a tarefa hermenêutica de interpretar indireta e regressivamente as formas de expressão dos desejos na consciência. Essa tarefa pressupõe uma certa alteridade interna do sujeito, que procura interpretar a si mesmo. Além disso, Ricoeur discerne nesse processo hermenêutico o recurso terapêutico contra a autoalienação.

Desse modo, em última instância, o filósofo francês conceitua o papel hermenêutico dessa alteridade do sujeito como um projeto ético-filosófico, e não em termos estritamente epistemológicos. Para além de uma ética restrita aos conceitos de moralidade, ele entende a ética como busca de uma vida autêntica, em relação aos desejos e à liberdade do sujeito. Mais especificamente, a filosofia é definida como ética no sentido em que ela promove liberdade, que é o resultado final das ações contra a autoalienação. Nesse contexto, o conceito ricoeuriano de liberdade se associa à noção de desejo último do sujeito. De fato, o objetivo da ética é discernir no sujeito o seu “desejo de ser” (Ricoeur, 1965, p. 53RICOEUR, P. “De l’interprétation: essai sur Freud”. Paris: Éditions du Seuil, 1965.), que se expressa indiretamente em objetificações do sujeito, especialmente na linguagem e na cultura. Portanto, essas objetificações epistemologicamente atestam ou dão testemunho do sujeito, não apenas no sentido ontológico do ser, mas também no plano ético do desejo de ser, que pressupõe uma existência autêntica caracterizada particularmente pela liberdade.

3. A relação entre atestação e ética

Embora o conceito de atestação receba maior elaboração em Soi-même comme un autre,6 6 Para uma leitura geral do conceito de atestação em Ricoeur na literatura secundária, veja: Lewis (1991), Anderson (1994), Greisch (1995), Kemp (1995), Muldoon (1998), van der Heiden (2001; 2014), Pérez (2001), Pierron (2003), Sugimura (2005), Hall (2007, pp. 28-36), Kaufmann (2010), Amalric (2011), Thouard (2013), Purcell (2013), Pavan (2015), Vandevelde (2015), Tasso (2017). ele já é discutido no ensaio The Problem of the Foundation of Moral Philosophy (1978).7 7 Esse ensaio foi inicialmente publicado em 1975. Veja Ricoeur (1975a). No entanto, o conteúdo da versão em inglês, traduzida por David Pellauer, foi revisado e ampliado pelo próprio Ricoeur. Veja Ricoeur (1978). Por conta dessas revisões, o presente artigo utiliza a versão em inglês. Para os propósitos do presente artigo, a discussão de atestação nesse ensaio é particularmente útil para verificarmos como Ricoeur articula esse conceito a partir de uma perspectiva explicitamente ética.

À semelhança de De l’interprétation, o filósofo francês discute a ética a partir da noção de liberdade. Em diálogo com a filosofia kantiana, Ricoeur argumenta que a existência da liberdade não pode ser comprovada ou observada empiricamente. No entanto, ela pode ser atestada. Este é, de fato, um exemplo interessante do conceito de atestação no pensamento ricoeuriano, que se aproxima da noção de objetificação na ótica hegeliana da liberdade, especialmente elaborada no parágrafo 4 de Hegel (1820)HEGEL, W. F. (1820). “Grundlinien der Philosophie des Rechts”. Leipzig: F. Meiner, 1911.. Na ausência da prova, a liberdade pode apenas atestar ou dar testemunho de si mesma “nas obras onde ela se objetifica” (Ricoeur, 1978, p. 176RICOEUR, P. “The Problem of the Foundation of Moral Philosophy”. Philosophy Today, Vol. 22, Nr. 3, pp. 175-192, 1978.). Nesse sentido, “eu não posso ver a minha liberdade, nem posso provar que eu sou livre. Eu posso apenas me postular como livre e acreditar que sou assim” (Ricoeur, 1978, p. 176RICOEUR, P. “The Problem of the Foundation of Moral Philosophy”. Philosophy Today, Vol. 22, Nr. 3, pp. 175-192, 1978.). É precisamente nesse contexto que a ligação entre ética e atestação se torna claramente evidente. Nessa ligação, a pergunta fundamental da ética é a seguinte: “o que significa para alguém atestar a sua liberdade?” (Ricoeur, 1978, p. 177RICOEUR, P. “The Problem of the Foundation of Moral Philosophy”. Philosophy Today, Vol. 22, Nr. 3, pp. 175-192, 1978.). A resposta para essa questão se distancia da tentativa de observar a liberdade em si mesma e se concentra no seu fazer, isto é, na apropriação do conceito da liberdade por meio de suas obras.

De acordo com essa perspectiva, Ricoeur (1978, p. 177)RICOEUR, P. “The Problem of the Foundation of Moral Philosophy”. Philosophy Today, Vol. 22, Nr. 3, pp. 175-192, 1978. define a ética como o movimento que se inicia na subjetividade da crença na liberdade (a afirmação primordial “eu posso”) e avança para “a real história onde eu possa atestar esse ‘eu posso’”. Mais uma vez, à semelhança de De l’interprétation, o pensador francês relaciona a liberdade com o desejo. De maneira mais específica, ele discerne o desejo de ser, que é primário, no “desejo de fazer algo, que seria a expressão, a marca e a assinatura desse ser-capaz-de-fazer-algo” (Ricoeur, 1978, p. 177RICOEUR, P. “The Problem of the Foundation of Moral Philosophy”. Philosophy Today, Vol. 22, Nr. 3, pp. 175-192, 1978.).

É curioso notar que, até esse ponto, a discussão ética de Ricoeur se dá em primeira pessoa, isto é, em sua reflexão sobre o sujeito. Somente a partir dessa reflexão ele elabora a questão ético-moral da segunda pessoa. De acordo com o filósofo francês, é na discussão da liberdade postulada na segunda pessoa que nós entramos no campo do problema moral, onde surge a vontade de que a liberdade do outro (sua liberdade) possa existir. Mas por que essa vontade da liberdade do outro não antecede a discussão ética da liberdade do sujeito? Isto é, por que a ética precisa começar com a atestação da liberdade na primeira pessoa? A resposta para essas perguntas é formulada a partir de uma pressuposição ricoeuriana fundamental, a saber, que a liberdade do outro é análoga à minha própria liberdade. Na argumentação de Ricoeur (1978, p. 178)RICOEUR, P. “The Problem of the Foundation of Moral Philosophy”. Philosophy Today, Vol. 22, Nr. 3, pp. 175-192, 1978., é “necessário começar com autoafirmação da liberdade e o requerimento de dar a si mesmo uma história real em obras reais, pois a liberdade na segunda pessoa é verdadeiramente análoga à essa liberdade primária”.

Nessa argumentação, o pensador francês se considera husserliano, uma vez que a quinta meditação cartesiana (cf. Husserl, 1931HUSSERL, E. (1931). “Méditations cartésiennes: Introduction à la phénoménologie.” Traduit par Gabrielle Peiffer et Emmanuel Levinas. Paris: J. Vrin, 1966.) salienta que a problemática da segunda pessoa só pode nascer com base na compreensão da primeira pessoa. Em outras palavras, “o outro é realmente um outro eu”, especialmente no sentido ético: “se eu não soubesse o que para mim significa ser livre, e ter realmente me tornado livre, eu não poderia querer isso para outros” (Ricoeur, 1978, p. 178RICOEUR, P. “The Problem of the Foundation of Moral Philosophy”. Philosophy Today, Vol. 22, Nr. 3, pp. 175-192, 1978.). À luz desse espelhamento da minha liberdade na segunda pessoa, que Ricoeur (1978, p. 178)RICOEUR, P. “The Problem of the Foundation of Moral Philosophy”. Philosophy Today, Vol. 22, Nr. 3, pp. 175-192, 1978. denomina de “reduplicação analógica da minha liberdade” no outro, ele argumenta que, “se eu não acreditar que sou livre, eu também não vou acreditar que a outra pessoa é livre”. Portanto, o pensamento ético-moral se resume na tarefa de fazer com que a liberdade da outra pessoa seja similar à minha própria, visto que “a outra pessoa é como eu” (Ricoeur, 1978, p. 178RICOEUR, P. “The Problem of the Foundation of Moral Philosophy”. Philosophy Today, Vol. 22, Nr. 3, pp. 175-192, 1978.). Em síntese, “o problema do reconhecimento da liberdade na segunda pessoa constitui o fenômeno central da ética” (Ricoeur, 1978, p. 178RICOEUR, P. “The Problem of the Foundation of Moral Philosophy”. Philosophy Today, Vol. 22, Nr. 3, pp. 175-192, 1978.).

De fato, essa discussão ético-moral, que se estabelece a partir da ótica da liberdade, reúne vários elementos que se conectam no pensamento ricoeuriano, a saber, a atestação de si mesmo, a ideia de que o outro é como eu e a noção de reconhecimento do outro. Se é no plano do reconhecimento do outro que o projeto ético-moral realmente lida com a alteridade, a ótica da liberdade requer que o processo comece com a atestação de si mesmo e de sua liberdade, o que assume uma alteridade interna ao sujeito, que se projeta na alteridade do outro. De acordo com essa perspectiva, à luz da noção de liberdade, não se pode genuinamente desejar para o outro o que não se experimenta ou se deseja para si mesmo. Aqui se encontra o elo fundamental entre atestação e alteridade no plano ético-moral. Contudo, essa projeção da alteridade interna de si mesmo para a alteridade do outro, em termos de reconhecimento, não é algo dado. Antes, Ricoeur (1978, p. 183)RICOEUR, P. “The Problem of the Foundation of Moral Philosophy”. Philosophy Today, Vol. 22, Nr. 3, pp. 175-192, 1978. salienta que “o reconhecimento da liberdade da outra pessoa [...] busca encarnação,” isto é, ele precisa ser objetificado e atestado por meio das ações do sujeito.

A partir dessas proposições, faz-se necessário aprofundar as dimensões do conceito de alteridade, em suas conexões com a atestação, a ética e o reconhecimento, no pensamento ricoeuriano.

4. Dimensões da alteridade e suas conexões com a atestação, a ética e o reconhecimento

A obra Soi-même comme un autre contém provavelmente o maior desenvolvimento do conceito de atestação em Paul Ricoeur.8 8 Veja também o breve ensaio “L’attestation: entre phenomenologie et ontologie” (Ricoeur, 1991). Nela, as últimas elaborações da hermenêutica de si lidam com as determinações éticas e morais da ação (estudos 7-9). Essas elaborações articulam as conexões entre ação e agente a partir das noções de imputação e responsabilidade. O pensador francês sublinha que a reflexão ética constitui o desenvolvimento completo da dialética interna da alteridade do sujeito (idem/ipse), que se projeta para a alteridade da outra pessoa na medida em que a autonomia de si se relaciona com a solicitude para com o próximo e a justiça para cada indivíduo. É interessante notar que o conceito básico de desejo de liberdade para o outro, conforme esboçado no ensaio The Problem of the Foundation of Moral Philosophy, parece se ampliar aqui para as noções correlatas, e mais específicas, de solicitude e justiça.

Por sua vez, a ideia de alteridade é concebida em termos de polissemia, ainda que ela seja definida de forma geral como passividade. Seguindo a perspectiva de pluralidade polissêmica, Ricoeur estipula uma diversidade de centros de alteridade. Mais precisamente, ele destaca três importantes centros, dois dizem respeito à alteridade do próprio sujeito e o terceiro refere-se à alteridade da(s) outra(s) pessoa(s). No que diz respeito à alteridade do sujeito, o pensador francês identifica o próprio corpo e também a consciência como centros de alteridade. Em realidade, Ricoeur (1990, p. 369)RICOEUR, P. “Soi-même comme un autre”. Paris: Éditions du Seil, 1990. fala da consciência como “a passividade oculta mais profunda”, que se expressa particularmente pela chamada voz da consciência, por meio da qual o sujeito parece interagir, isto é, dialogar consigo mesmo.

Na sua reflexão sobre a consciência como um centro de alteridade, o filósofo francês interage com dois interlocutores, a saber, Heidegger e Lévinas. Ricoeur aprecia a ênfase de Lévinas em relação à alteridade. De Heidegger, ele aprecia o foco na questão da consciência. Aliás, é do pensador alemão que ele adota a noção de consciência (gewissen) como atestação, em termos do testemunho da consciência, que Ricoeur diferencia da certeza cartesiana do ego. Ele argumenta que Lévinas não trabalha com o conceito de atestação por querer evitar precisamente essa certeza. Na medida em que Ricoeur compartilha dessa preocupação de Lévinas, a atestação da consciência acerca de si mesmo não é absoluta, mas sempre envolve a suspeita. No entanto, ao manter as ideias de atestação e suspeita em tensão dialética, o pensamento ricoeuriano se diz distante de uma dissimetria radical entre o sujeito e o outro, conforme pressuposto por Lévinas (Ricoeur, 1990RICOEUR, P. “Soi-même comme un autre”. Paris: Éditions du Seil, 1990.; 1991RICOEUR, P. “L’attestation: entre phenomenologie et ontologie”. In: GREISCH, J. e KEARNEY, R. (Orgs.). Les metamorphoses de la hermeneutique, pp. 381-403. Paris: Éditions du Cerf, 1991.). Em certo sentido, Ricoeur procura se situar entre Heidegger e Lévinas em suas considerações acerca da atestação da consciência como um centro de alteridade. Com Heidegger, ele articula o conceito de atestação e consciência. Mas Ricoeur se diz incomodado com a ausência de uma reflexão ética sobre essa questão em Heidegger, que acaba removendo o aspecto moral da consciência. Com Lévinas, ele vai agregar a discussão ética por meio da ênfase na alteridade, mas essa é uma alteridade da própria consciência de si mesmo.

Portanto, a alteridade é um elemento crucial no conceito ricoeuriano de atestação. Na medida em que o outro é também um centro de alteridade, sendo que a relação com o outro apresenta paralelos com a relação comigo mesmo (tendo em vista que o corpo e a consciência são centros de alteridade do próprio sujeito), conceitos correlatos à ética e o reconhecimento são fundamentais para a compressão ricoeuriana de atestação na dimensão do relacionamento com o outro. Esses conceitos são elaborados particularmente em Parcours de la reconnaissance (Ricoeur, 2004RICOEUR, P. “Parcours de la reconnaissance”. Paris: Éditions Stock, 2004.). Curiosamente, o mesmo movimento da reflexão ética que parte do sujeito para o outro, no ensaio The Problem of the Foundation of Moral Philosophy, que requer primeiramente a atestação da experiência de liberdade de si mesmo para então desejar a liberdade do outro, pode ser discernido na leitura conjunta de Soi-même comme un autre e Parcours de la reconnaissance. Embora essas duas obras desenvolvam conceitos acerca do sujeito e da alteridade da outra pessoa, é possível afirmar que Soi-même comme un autre oferece mais subsídios para a compreensão do sujeito, ao passo que em Parcours de la reconnaissance Ricoeur aprofunda suas noções acerca da alteridade da outra pessoa. Desse modo, pode-se dizer que de Soimême comme un autre à Parcours de la reconnaissance há um movimento de aprofundamento da reflexão ricoeuriana sobre o sujeito para a reflexão da outra pessoa, que deve ser propriamente reconhecida.

Isso não significa, entretanto, que Ricoeur inicie suas considerações sobre o reconhecimento em Parcours de la reconnaissance com uma reflexão sobre a alteridade do outro. Em vez disso, seguindo o padrão ricoeuriano do movimento de atestação na dimensão ética que parte de si para o outro, ele começa a reflexão com o reconhecimento de si mesmo, isto é, a constituição da identidade própria do sujeito. No movimento linguístico da voz ativa para a voz passiva, a discussão do reconhecimento se inicia com a dimensão cognitiva do ato de identificação, que se estabelece por meio da capacidade de se fazer distinções e se direciona para a dimensão moral do reconhecimento, que expressa em voz passiva “a demanda de ser reconhecido” (Ricoeur, 2004, p. 35RICOEUR, P. “Parcours de la reconnaissance”. Paris: Éditions Stock, 2004.). É nesse movimento da voz ativa (reconhecer) para a passiva (ser reconhecido) que o filósofo francês observa “a problemática do reconhecimento mútuo” (Ricoeur, 2004, p. 36RICOEUR, P. “Parcours de la reconnaissance”. Paris: Éditions Stock, 2004.). Com efeito, esse movimento do reconhecimento de si mesmo para o ser reconhecido pelo outro não define ações mutuamente exclusivas, visto que Ricoeur sugere uma relação dialética entre o pensamento reflexivo do reconhecimento de si mesmo e a alteridade do reconhecimento de outros. Nessa combinação, a identidade pessoal articulada pelo reconhecimento de si mesmo é “confrontada pela alteridade” (Ricoeur, 2004, p. 155RICOEUR, P. “Parcours de la reconnaissance”. Paris: Éditions Stock, 2004.). Isso significa que, quando uma pessoa é reconhecida por outros, ela é assegurada por meio de outras pessoas acerca de sua própria identidade em relação às suas capacidades.

Para o filósofo francês, o tema do reconhecimento mútuo assume uma assimetria fundamental entre o sujeito e o outro. Essa é uma elaboração significativa do pressuposto de que o outro é, de fato, um outro eu, conforme afirmado anteriormente em The Problem of the Foundation of Moral Philosophy. Em Parcours de la reconnaissance, a similaridade entre o outro e eu se estabelece de maneira assimétrica. Portanto, Ricoeur define a relação entre o sujeito e o outro em termos dialéticos, isto é, pressupondo tanto similaridade quanto assimetria. De acordo com Amalric (2011)AMALRIC, J. L. “Affirmation originaire, attestation, reconnaissance: Le cheminement de l’anthropologie philosophique ricœurienne”. Études Ricœuriennes / Ricœur Studies, Vol. 2, Nr. 1, pp. 12-34, 2011., a noção de reconhecimento em Ricoeur constitui uma expansão da dialética do ser e ato para incluir também a alteridade. O próprio Ricoeur (2004)RICOEUR, P. “Parcours de la reconnaissance”. Paris: Éditions Stock, 2004. indica que ele procura articular, à sua própria maneira, o ego da fenomenologia husserliana com a alteridade da fenomenologia de Lévinas. Nessa articulação, quando o reconhecimento de si mesmo se coaduna com o reconhecimento vindo de outros, o sujeito encontra a autoestima. De fato, desde L’attestation: entre phenomenologie et ontologie (1991) a noção ricoeuriana de autoestima se relaciona diretamente com o conceito de si mesmo como um outro, mais precisamente com a ideia de alteridade do próprio sujeito, que informa a noção de atestação em termos de reconhecimento (estima, respeito): “eu estimo a mim mesmo como um outro. É o outro em mim que eu respeito” (Ricoeur, 1991, p. 395RICOEUR, P. “L’attestation: entre phenomenologie et ontologie”. In: GREISCH, J. e KEARNEY, R. (Orgs.). Les metamorphoses de la hermeneutique, pp. 381-403. Paris: Éditions du Cerf, 1991.). Do mesmo modo, quando Ricoeur (2004)RICOEUR, P. “Parcours de la reconnaissance”. Paris: Éditions Stock, 2004. discute o reconhecimento dado ao outro, o sujeito oferece respeito.

Em contrapartida, o filósofo francês também identifica desafios no conceito de reconhecimento mútuo. O primeiro tipo de desafio diz respeito ao reconhecimento, mais precisamente à realidade da falta de reconhecimento ou do reconhecimento equivocado em relação ao outro, o que gera a luta para que reconhecimento que seja adequado, isto é, a demanda de ser reconhecido. O segundo tipo de desafio se refere à mutualidade. Ricoeur destaca aqui o risco de ela se olvidar da necessidade dialética de proximidade e distância, intimidade e respeito. Essa dialética tem papel ético e promove reconhecimento em termos de respeito ao outro, na medida em que ele encoraja a proximidade, sem ignorar a assimetria da relação do sujeito com o outro. Desse modo, Ricoeur afirma a necessidade de uma distância justa no coração da mutualidade. Por meio da “distância na proximidade” (Ricoeur, 2004, p. 377RICOEUR, P. “Parcours de la reconnaissance”. Paris: Éditions Stock, 2004.), para usar as palavras de Simone Weil, o pensamento ricoeuriano procura preservar a alteridade, onde o reconhecimento assume a assimetria da pluralidade.

Ricoeur (2004, p. 219)RICOEUR, P. “Parcours de la reconnaissance”. Paris: Éditions Stock, 2004. situa, portanto, a noção de justiça social no contexto da dimensão conflituosa da “pluralidade, alteridade, ação recíproca” e reconhecimento mútuo. Da perspectiva da voz passiva do reconhecimento, que sublinha a demanda de ser reconhecido, enquanto aspecto ético da atestação, “a atestação se tornou uma reivindicação, um direito de exigir, sob a rubrica da ideia de justiça social” (Ricoeur, 2004, p. 217RICOEUR, P. “Parcours de la reconnaissance”. Paris: Éditions Stock, 2004.). De acordo com a clarificação terminológica de Kaufmann (2010)KAUFMANN, S. “The Attestation of the Self as a Bridge between Hermeneutics and Ontology in the Philosophy of Paul Ricoeur”. Tese (Doutorado em Filosofia), Marquette University, 2010., Ricoeur utiliza a linguagem de reconhecimento mútuo, em vez de reconhecimento recíproco, por crer que a reciprocidade não leva em conta a assimetria no relacionamento entre as pessoas. Em contrapartida, a noção de mutualidade é mais ampla e pode ser definida no sentido de abarcar diferenças no relacionamento.

Em Parcours de la reconnaissance, Ricoeur (2004)RICOEUR, P. “Parcours de la reconnaissance”. Paris: Éditions Stock, 2004. aprofunda a discussão da alteridade, especialmente ao introduzir os conceitos de assimetria e distância, que informam a esfera ética da atestação em termos do reconhecimento do outro que é marcado pelo respeito. Essa elaboração, que é posterior às críticas de Anderson (1994)ANDERSON, P. S. “Agnosticism and Attestation: An Aporia concerning the Other in Ricoeur’s ‘Oneself as Another”’. The Journal of Religion, Vol. 74, Nr. 1, pp. 65-76, 1994. e Venema (2002)VENEMA, H. “Oneself as Another or Another as Oneself?”. Literature & Theology, Vol. 16, Nr. 4, pp. 410-426, 2002. à concepção de alteridade em Soi-même comme un autre, parece reforçar a ideia de suspeita do sujeito (já presente em La symbolique du mal e De l’interprétation: essai sur Freud, e elaborado em termos de atestação em Soi-même comme un autre) e prover ferramentas conceituais adicionais para evitar que a alteridade seja absorvida pela visão de si mesmo e, em última análise, se torne um conceito ilusório para ocultar uma reduplicação do sujeito. Ainda assim, os conceitos de assimetria e distância são colocados dialeticamente em relação à alteridade do próprio sujeito, que do ponto de vista ético-moral pode desejar a liberdade do outro com base na avaliação positiva de sua própria experiência de liberdade.

A última seção deste artigo procurará delinear implicações da conexão ricoeuriana da alteridade do próprio sujeito com a alteridade da outra pessoa para a compreensão da ética da compaixão, sem perder de vista a preocupação de Ricoeur com a assimetria e a distância na compreensão da alteridade.

5. Atestação, alteridade e a ética da compaixão

Diante do quadro amplo dos conceitos de atestação, alteridade e ética no pensamento ricoeuriano, conforme delineado nas seções anteriores, a presente seção propõe-se a observar caminhos para uma ética da compaixão que encapsule as dinâmicas e tensões da atestação, alteridade e ética, conforme propostas por Ricoeur. Para tanto, a seção inicia-se com uma breve descrição do conceito ricoeuriano de solicitude no estudo sete em Soi-même comme un autre acerca de si e a perspectiva ética, que contém reflexões pertinentes para a articulação da noção de alteridade e compaixão. A seguir, a seção destaca aspectos de julgamentos na fenomenologia da compaixão de Martha Nussbaum (1996NUSSBAUM, M. “Compassion: The basic social emotion.” Social Philosophy and Policy, Vol. 13, Nr. 1, pp. 27-58, 1996., 2001NUSSBAUM, M. “Upheavals of Thought: The Intelligence of Emotions.” Cambridge: Cambridge University Press, 2001.). A importância do uso de Nussbaum nesse artigo se justifica pelo fato de ela ter uma elaboração específica sobre a compaixão, que pode oferecer paralelos úteis sobre a dimensão dialética de si e do outro na ética da atestação em Ricoeur. De fato, Nussbaum é positivamente citada por Ricoeur em Soimême comme un autre (cf. Ricoeur, 1990, pp. 210, 224, 284-287RICOEUR, P. “Soi-même comme un autre”. Paris: Éditions du Seil, 1990.), mas os textos dela sobre compaixão utilizados aqui (especialmente o artigo “Compassion” e também a seção sobre compaixão em Upheavals of Thought) são posteriores à data de publicação dessa obra ricoeuriana. Portanto, o diálogo com Nussbaum fomentado nesse artigo representa uma possível interação que Soi-même comme un autre poderia ter com ela, caso fossem publicações contemporâneas.

5.1 Ética e solicitude em Ricoeur

Considerando que Ricoeur (1990, pp. 213-214, 219-220)RICOEUR, P. “Soi-même comme un autre”. Paris: Éditions du Seil, 1990. utiliza a discussão ética de Aristóteles sobre a amizade (cf. Ética a Nicômaco, livros 8-9) para articular seus conceitos sobre a solicitude em Soi-même comme un autre, nós analogamente usaremos o conceito ricoeuriano de solicitude nessa obra para a projeção de uma ética da compaixão. De fato, em alguns momentos Ricoeur (1990, pp. 223-224, 313)RICOEUR, P. “Soi-même comme un autre”. Paris: Éditions du Seil, 1990. emprega a linguagem de compaixão em Soi-même comme un autre e ela parece ser retratada de forma sinônima ao termo solicitude, que é mais abundantemente usado nessa obra. Ao mencionar a compaixão, o pensador francês enfatiza a ação de oferecer simpatia, que é entendida como um forte desejo de compartilhar a dor de outro (Ricoeur, 1990, p. 223RICOEUR, P. “Soi-même comme un autre”. Paris: Éditions du Seil, 1990.). Por sua vez, ele caracteriza a solicitude como sentimentos que se revelam em si pelo sofrimento do outro (Ricoeur, 1990, p. 223RICOEUR, P. “Soi-même comme un autre”. Paris: Éditions du Seil, 1990.). Para Ricoeur (1990, p. 223)RICOEUR, P. “Soi-même comme un autre”. Paris: Éditions du Seil, 1990., o sofrimento não se define apenas pela dor, seja ela física ou mental, mas também pela redução, ou mesmo destruição, da capacidade de agir.

Na discussão da seção anterior sobre atestação, ética e reconhecimento, foi mencionada a relação ética entre a solicitude para com o próximo e a justiça para cada indivíduo, assim como a relação entre o reconhecimento (tanto o de si mesmo como o que vem de outros) com a autoestima.9 9 Em sua discussão da ética do cuidado em Ricoeur, Carney (2015, p. 38) relaciona o reconhecimento de outros com a solicitude. Vários desses elementos fazem parte dos comentários de Ricoeur (1990, p. 211)RICOEUR, P. “Soi-même comme un autre”. Paris: Éditions du Seil, 1990. acerca de sua definição do que é ética, a saber, “buscar a boa vida com e para os outros em instituições justas.” Essa definição se estrutura em uma sequência de três partes: (1) a busca da boa vida se relaciona com a estima de si, (2) a solicitude projeta essa busca para a alteridade e (3) tal projeção se articula em termos de justiça institucional. Na relação entre as duas primeiras partes, o filósofo francês reconhece o perigo de iniciar o itinerário ético com a autoestima para então seguir para a alteridade, uma vez que o pensamento reflexivo da autoestima pode se fechar em si mesmo (Ricoeur, 1990, pp. 211-212RICOEUR, P. “Soi-même comme un autre”. Paris: Éditions du Seil, 1990.). No reconhecimento desse perigo, Ricoeur parece enunciar a mesma preocupação formulada Venema (2002)VENEMA, H. “Oneself as Another or Another as Oneself?”. Literature & Theology, Vol. 16, Nr. 4, pp. 410-426, 2002., indicada no início desse artigo, acerca do risco de uma pretensa visão do outro que, em realidade, nada mais é do que uma mera repetição ou reflexo de si mesmo. Nas palavras do pensador francês, não seria o outro apenas “uma reduplicação de mim mesmo” (“um outro mim mesmo, um alter ego”)? Mais especificamente, seria o outro genuinamente outro? (Ricoeur, 1990, p. 212RICOEUR, P. “Soi-même comme un autre”. Paris: Éditions du Seil, 1990.)

Ricoeur (1990, pp. 211-212)RICOEUR, P. “Soi-même comme un autre”. Paris: Éditions du Seil, 1990. parece sugerir que esse problema resulta de uma separação das duas primeiras partes da sequência ética, onde a solicitude seria equivocadamente vista como uma adição externa à autoestima. Mas ele propõe que a solicitude é, de fato, um desdobramento dialógico da autoestima. Nessa dialética, autoestima e solicitude não podem ser pensadas nem experimentadas de forma isolada ou separada. O filósofo francês salienta que a autoestima constitui o “momento reflexivo do desejo da boa vida,” ao passo que a solicitude coloca esse desejo no contexto da dinâmica de si e do outro. Nessa dinâmica, a solicitude indica que não é possível nem desejável alcançar a boa vida sem o(s) outro(s). Na dialética da autoestima e da solicitude, o si “percebe a si mesmo como um outro entre outros” (Ricoeur, 1990, p. 225RICOEUR, P. “Soi-même comme un autre”. Paris: Éditions du Seil, 1990.).

Algumas qualificações da compreensão da solicitude nessa dialética são significativas para a elaboração de uma ética da compaixão, especialmente as noções de igualdade, singularidade e similitude. Em primeiro lugar, a simpatia pelo outro na solicitude pressupõe uma consideração de igualdade. Nesse sentido, a simpatia é diferente da simples piedade ou pena do outro, tendo em vista que o mero sentimento de dó esconde uma certa felicidade própria de não estar na mesma situação do outro (Ricoeur, 1990, p. 223RICOEUR, P. “Soi-même comme un autre”. Paris: Éditions du Seil, 1990.). Antes, na solicitude a simpatia que vem de si se estende para o outro, no sentido de estabelecer um reconhecimento de igualdade, particularmente em termos da admissão que compartilhamos a realidade humana da fragilidade e da mortalidade (Ricoeur, 1990, p. 225RICOEUR, P. “Soi-même comme un autre”. Paris: Éditions du Seil, 1990.). Dadas as condições de desigualdade no contexto sociocultural e político, essa igualdade não é dada, mas deve ser buscada, como no caso da amizade entre pessoas diferentes (Ricoeur, 1990, p. 225RICOEUR, P. “Soi-même comme un autre”. Paris: Éditions du Seil, 1990.).

Em segundo lugar, a consideração de igualdade não significa o esquecimento da singularidade do outro. Aqui se encontra a dimensão de valor individual na solicitude, onde cada pessoa é vista como singular e “insubstituível em nossa afeição e em nossa estima” (Ricoeur, 1990, p. 226RICOEUR, P. “Soi-même comme un autre”. Paris: Éditions du Seil, 1990.). Finalmente, nesse quadro de igualdade e singularidade valorativa, Ricoeur (1990, p. 226)RICOEUR, P. “Soi-même comme un autre”. Paris: Éditions du Seil, 1990. destaca o conceito de similitude, de acordo com o qual a estima de si mesmo se encontra dialeticamente relacionada com a solicitude para com os outros. Esse conceito ilumina a perspectiva ética da atestação, visto que o postulado inicial ‘eu posso’, discutido anteriormente nesse artigo, expressa não apenas a confiança de que sou capaz de fazer algo, mas também inclui o sentimento de que eu encontro o meu valor individual nesse fazer. Assim como o outro é singular e insubstituível, eu também sou. Desse modo, Ricoeur (1990, p. 226)RICOEUR, P. “Soi-même comme un autre”. Paris: Éditions du Seil, 1990. enfatiza a dialética da “estima do outro como a mim mesmo e da estima de mim mesmo como um outro”. Nessa dialética, eu não posso ter autoestima, a menos que eu “estime os outros como a mim mesmo.”

Ricoeur (1990, p. 222)RICOEUR, P. “Soi-même comme un autre”. Paris: Éditions du Seil, 1990. ressalta que a solicitude é eticamente mais fundamental do que as definições de “obediência ao dever.” De forma geral, a solicitude é uma “espontaneidade benevolente” que se encontra intimamente relacionada com a autoestima, dentro da moldura ética da boa vida.

5.2 Julgamentos, alteridade e compaixão em Martha Nussbaum

A filosofia da alteridade busca aprofundar a dialética da identidade ao compreender os caminhos da dinamicidade entre o eu e o outro. No quadro da oposição identidade-diferença, o tema da alteridade “provocou disrupturas no discurso da filosofia ocidental que privilegia a unidade e a similaridade sobre a alteridade e a diferença” (Dahl, 2001, pp. 28-29DAHL, D. E. “Originary Passivity: Selfhood and Alterity in Ricoeur and Levinas”. Dissertação (Mestrado em Filosofia), University of Guelph, Canada, 2001.). A alteridade enquanto mediação entre eu-outro possibilita confrontar o próprio pensamento e aprofundar a concepção relacional da condição humana. Nesse sentido, o conceito de compaixão é fundamental para a discussão da alteridade, que, segundo Nussbaum (1996)NUSSBAUM, M. “Compassion: The basic social emotion.” Social Philosophy and Policy, Vol. 13, Nr. 1, pp. 27-58, 1996., é a ponte entre a dimensão individual e social, em que se concebem as preocupações dos outros em diálogo com nosso repertório pessoal.

Ao pensar as possibilidades de compreensão da mediação eu-outro, Nussbaum (1996NUSSBAUM, M. “Compassion: The basic social emotion.” Social Philosophy and Policy, Vol. 13, Nr. 1, pp. 27-58, 1996.; 2001NUSSBAUM, M. “Upheavals of Thought: The Intelligence of Emotions.” Cambridge: Cambridge University Press, 2001.) desenvolve uma fenomenologia da compaixão. No quadro maior de suas concepções teóricas, ela suscita o valor e o lugar das emoções como disposições cognitivas que requerem “pensar acerca do bemestar dos outros.” Essa ênfase na dimensão cognitiva das emoções significa que elas não são mera força irracional (Nussbaum, 1996, p. 28NUSSBAUM, M. “Compassion: The basic social emotion.” Social Philosophy and Policy, Vol. 13, Nr. 1, pp. 27-58, 1996.). Conforme a autora, a filosofia ocidental, dominada pela tradição estoica, valoriza a razão e a vontade como base para a moralidade, mas rejeita o papel das emoções (Nussbaum, 1996NUSSBAUM, M. “Compassion: The basic social emotion.” Social Philosophy and Policy, Vol. 13, Nr. 1, pp. 27-58, 1996.; Ruiz e Vallejos, 1999RUIZ, P. O.; VALLEJOS, R. M. “The role of compassion in moral education”. Journal of Moral Education, Vol. 28, Nr. 1, pp. 5-17, 1999.). Entretanto, a filósofa apresenta a compaixão como uma emoção por excelência para o bem-fazer do comportamento social e da relação com o outro, bem como desvenda a estrutura cognitiva da compaixão ao vinculá-la à dimensão ética.

Em sua discussão da estrutura cognitiva da compaixão, Nussbaum (1996)NUSSBAUM, M. “Compassion: The basic social emotion.” Social Philosophy and Policy, Vol. 13, Nr. 1, pp. 27-58, 1996. entende as emoções como julgamentos de valor. Ela compreende o conceito de compaixão como um conjunto de julgamentos em relação ao infortúnio e o sofrimento dos outros. Esses julgamentos transcendem julgamentos pessoais e valorizam outros indivíduos como parte de seu próprio círculo de preocupação (Nussbaum, 2001NUSSBAUM, M. “Upheavals of Thought: The Intelligence of Emotions.” Cambridge: Cambridge University Press, 2001.; Blum, 1987BLUM, L. “Compassion”. In: R. B. Kruschwitz e R. C. Roberts (eds.). The Virtues: Essays on Moral Character, pp. 229-236. Belmont: Wandsworth, 1987.). Ao comentar o pensamento de Nussbaum, Carr (1999, p. 411)CARR, B. “Pity and Compassion as Social Virtues”. Philosophy, Vol. 74, Nr. 3, pp. 411-429, 1999. ressalta que “a compaixão transcende nossos próprios julgamentos pessoais, ao compreendermos a situação em termos do coração e da mente das outras pessoas, funcionando como uma importante virtude social”. De fato, a teoria da compaixão de Nussbaum (1996NUSSBAUM, M. “Compassion: The basic social emotion.” Social Philosophy and Policy, Vol. 13, Nr. 1, pp. 27-58, 1996.; 2001NUSSBAUM, M. “Upheavals of Thought: The Intelligence of Emotions.” Cambridge: Cambridge University Press, 2001.) estrutura os processos de julgamentos com base na descrição estabelecida na Retórica de Aristóteles, mas amplia seus postulados que perfazem a compaixão como uma emoção.

A autora desenvolve uma complexa teoria da compaixão ao focar três julgamentos cruciais, conforme definidos por Aristóteles, para o ato de compaixão. Em realidade, Nussbaum utiliza o arcabouço teórico aristotélico da noção de piedade em sua reflexão sobre a concepção de compaixão. Ao se apropriar de Aristóteles, Nussbaum ressalta que o conceito de compaixão se refere à emoção da dor em relação ao sofrimento e infortúnio do outro, que compreende os seguintes julgamentos: (1) se o sofrimento é sério ao invés de trivial; (2) se o sofrimento não foi causado primariamente por atos culpáveis (ele/ela não é culpado); e (3) se o indivíduo visualiza a si mesmo em uma situação vulneravelmente similar (o mesmo infortúnio pode ocorrer com ele/ ela) (Nussbaum, 1996NUSSBAUM, M. “Compassion: The basic social emotion.” Social Philosophy and Policy, Vol. 13, Nr. 1, pp. 27-58, 1996.; Cates, 2003CATES, D. F. “Conceiving Emotions: Martha Nussbaum’s Upheavals of Thought”. Journal of Religious Ethics, Vol. 31, Nr. 2, pp. 325-341, 2003.). Nussbaum (1996NUSSBAUM, M. “Compassion: The basic social emotion.” Social Philosophy and Policy, Vol. 13, Nr. 1, pp. 27-58, 1996.; 2001NUSSBAUM, M. “Upheavals of Thought: The Intelligence of Emotions.” Cambridge: Cambridge University Press, 2001.) argumenta que esses três questionamentos cognitivos concernentes à seriedade do sofrimento, o fato de o indivíduo ser ou não merecedor e da visualização de possibilidades similares, constituem o fundamento da piedade.

No primeiro momento, o agente compassivo precisa reconhecer o tamanho do sofrimento do sofredor e compartilhar dessa experiência de sofrimento. O observador julga a seriedade do infortúnio e sofrimento acometido ao sofredor, e se compadece de situações não triviais, como acontecimentos relacionados à morte, assalto, doença, falta de alimento, separação nas relações, imobilidade, etc. Assim, a compaixão requer o reconhecimento de uma experiência compartilhada de sofrimento do outro, pois “se o sofrimento do sofredor não for sentido, não há espaço para uma resposta simpática além da piedade” (Carr, 1999, p. 428CARR, B. “Pity and Compassion as Social Virtues”. Philosophy, Vol. 74, Nr. 3, pp. 411-429, 1999.). Na medida em que o observador reconhece o sofrimento do outro e julga a condição humana do sofredor, ele/ela discerne uma humanidade comum e atenta para restrições permanentes ou temporárias impostas para o desenvolvimento humano. Conforme Nussbaum (2001, p. 310)NUSSBAUM, M. “Upheavals of Thought: The Intelligence of Emotions.” Cambridge: Cambridge University Press, 2001. pondera, “implícito na própria noção de compaixão está a concepção do florescimento (flourishing) humano, o melhor tipo [de pensamento] que o indivíduo com compaixão pode formar.” Ao explorar a teoria da compaixão de Nussbaum, Peterson (2017)PETERSON, A. “Compassion and education: Cultivating compassionate children, schools and communities”. London: Palgrave Macmillan, 2017. ressalta que o ato da compaixão tem como cerne uma concepção da humanidade que reconhece a vulnerabilidade e a dignidade do ser sofredor ao valorizar o desenvolvimento humano.

O segundo componente necessário para a compaixão envolve o julgamento da culpabilidade do sofredor, onde o observador não atribui culpa, ora porque não há falta nele, ora pelo fato de o sofrimento ser desproporcional à falta. Nussbaum (1996)NUSSBAUM, M. “Compassion: The basic social emotion.” Social Philosophy and Policy, Vol. 13, Nr. 1, pp. 27-58, 1996. reitera a importância da avaliação da culpabilidade do sofredor para a compaixão, ao abalizar o sofredor como não merecedor do sofrimento. Nesse segundo julgamento há o reconhecimento de situações de imprevisibilidade, nas quais certos acontecimentos desestabilizam nosso bem-estar e padrão social, pois estes não estão sempre sob o nosso controle. Tanto o julgamento da seriedade como o do não merecimento do sofrimento do sofredor assumem uma concepção positiva da humanidade e do desenvolvimento humano. Assim, há uma identificação empática com o sofredor, mas somos conscientes da nossa separação dele “ao compreendermos o sofrimento do outro como um outro” (Nussbaum, 1996, p. 35NUSSBAUM, M. “Compassion: The basic social emotion.” Social Philosophy and Policy, Vol. 13, Nr. 1, pp. 27-58, 1996.).

Para a autora, ao agir com compaixão, o indivíduo compreende a sua separação do sofredor, mas ao mesmo tempo se identifica com ele em sua própria possibilidade de sofrimento e vulnerabilidade, o que ocorre, mais propriamente, no terceiro julgamento consonante com a estrutura teórica de Aristóteles. O terceiro julgamento envolve colocar-se mentalmente em situação similar ao do sofredor, no sentido de revisitar a concepção de desenvolvimento humano e reconhecer as dificuldades, infortúnios e adversidades que se acumulam sobre a humanidade. Nessa avaliação, somos levados a pensar para além de nós, para o mundo e as dificuldades que nos assolam, tais como doenças, fome, separações, falta de liberdade, morte, etc. Nussbaum (1996)NUSSBAUM, M. “Compassion: The basic social emotion.” Social Philosophy and Policy, Vol. 13, Nr. 1, pp. 27-58, 1996. sublinha que esse olhar mais amplo é um processo dinâmico de negociação entre a análise de si mesmo e da própria situação confortável, por um lado, e a estrutura da sociedade marcada pelas incertezas dos padrões de vida, bem como a complexidade na alocação de recursos e bens, por outro.

Portanto, a compaixão não envolve apenas tomar a perspectiva do outro, mas busca sobretudo, por meio de um quadro de referência sobre o desenvolvimento humano, compreender a humanidade e a vulnerabilidade comum entre os seres humanos. Em uma perspectiva ampla, temos compaixão não apenas pelos amigos, familiares e conhecidos, mas pelo ser humano. Nesse sentido, Callan (1988, p. 10)CALLAN, E. “The Moral Status of Pity”. Canadian Journal of Philosophy, Vol. 18, Nr. 1, pp.1-12, 1988. ressalta que nos preocupamos com as pessoas “precisamente por conta de sua humanidade; porque elas são humanos que sofrem, ao invés de um ser humano particular que está sofrendo”. Em suma, por meio da reflexão sobre a concepção aristotélica da piedade aplicada ao conceito de compaixão, Nussbaum (1996NUSSBAUM, M. “Compassion: The basic social emotion.” Social Philosophy and Policy, Vol. 13, Nr. 1, pp. 27-58, 1996.; 2001NUSSBAUM, M. “Upheavals of Thought: The Intelligence of Emotions.” Cambridge: Cambridge University Press, 2001.) articula o conceito de desenvolvimento humano, que provê maior profundidade para as proposições do pensamento ético.

Em sua análise do trabalho de Nussbaum sobre a compaixão, Eynde (2004)EYNDE, M. V. “Reflection on Martha Nussbaum’s Work on Compassion from a Buddhist Perspective.” Journal of Buddhist Ethics, Vol. 11, pp. 46-67, 2004. enfatiza que os três julgamentos (seriedade, merecimento e similaridade) representam, em última instância, orientações éticas. No julgamento sobre a seriedade ou tamanho do sofrimento, é necessária a análise do valor externo ao self para que ocorra a compaixão. Isto é, faz-se necessário o reconhecimento de um outro mundo de experiência, em que atentamos para certos fatos humanos. O julgamento sobre o não merecimento corresponde a uma proposição de responsabilidade social, em que buscamos absolver o culpado e restaurar a sua relação com o meio e consigo mesmo. Em relação ao julgamento de situações similares entre o outro e si mesmo, isso inclui pensar a humanidade comum e a felicidade material, bem como o desenvolvimento humano.

Uma questão problemática dos julgamentos inerentes ao conceito de compaixão, articulados em diálogo com as pressuposições de Aristóteles, é que eles tendem a ser excessivamente voltados para o sujeito, que analisa o outro tendo a si mesmo como molde de referência (Carr, 1999CARR, B. “Pity and Compassion as Social Virtues”. Philosophy, Vol. 74, Nr. 3, pp. 411-429, 1999.). Em realidade, o que ocorre é uma constante renegociação das disposições entre si mesmo e o outro, em que os três tipos de julgamento contribuem para a constituição de si mesmo em relação ao mundo. Nos julgamentos de seriedade, merecimento e similaridade, o agente compassivo expande os limites do self para pensar o outro e a si mesmo, juntamente com as condições materiais e sociais do ser humano e seu desenvolvimento. Assim, a compaixão permite desenvolver um self constituído por um vínculo forte com as coisas e os outros.

Tendo como base os julgamentos de Aristóteles para a compreensão da estrutura da piedade e aplicando-os à compaixão, Nussbaum (1996)NUSSBAUM, M. “Compassion: The basic social emotion.” Social Philosophy and Policy, Vol. 13, Nr. 1, pp. 27-58, 1996. amplia a troca de papéis entre o si mesmo e o outro. Embora o terceiro julgamento relacionado a situações similares de vulnerabilidade e de impedimento para o desenvolvimento humano seja importante, ela propõe uma adaptação da compreensão desse julgamento em termos de sua perspectiva de julgamento eudemonístico, que ela considera um requerimento epistemológico indispensável para a compaixão.

O julgamento eudemonístico constitui uma reflexão em que o agente compassivo não apenas reconhece a si mesmo e o indivíduo sofredor como pessoas vulneráveis e com possibilidades de destinos similares, como também realiza o movimento de trazer as preocupações do outro indivíduo sofredor para o seu próprio círculo de referência e repertório cognitivo. Nesse sentido, há uma atitude participatória na situação do indivíduo sofredor ao “considerar o sofrimento do outro como parte significativa do seu próprio esquema de objetivos e fins. A pessoa deverá tomar o sofrimento da pessoa como se estivesse afetando o seu próprio desenvolvimento (flourishing)” (Nussbaum, 2001, p. 319NUSSBAUM, M. “Upheavals of Thought: The Intelligence of Emotions.” Cambridge: Cambridge University Press, 2001.).

Em realidade, o julgamento eudemonístico é o aspecto central da compreensão de compaixão em Nussbaum. Embora seja necessário identificar uma humanidade comum e reconhecer um vínculo entre eu e o outro, e com isso pensar como seria se eu enfrentasse essa mesma dor e sofrimento, o julgamento eudemonístico vai além de uma simples identificação na medida em que ele implica a valorização das possibilidades de desenvolvimento humano, na qual eu trago o outro como parte do meu repertório cognitivo e dos meus objetivos. Esse deslocamento do outro e de si mesmo afeta meus padrões de desenvolvimento, crenças e ações. Essencialmente, a virtude da compaixão em Nussbaum envolve “estarmos comprometidos com o outro de maneira que nós nos vinculemos às suas possibilidades de desenvolvimento” (Peterson, 2017, p. 32PETERSON, A. “Compassion and education: Cultivating compassionate children, schools and communities”. London: Palgrave Macmillan, 2017.). Consequentemente, para Nussbaum, o terceiro julgamento concernente à compaixão é basicamente o julgamento eudemonístico, em vez de um raciocínio apenas ligado à existência de situações similares entre sofredor e o agente compassivo.

Portanto, ao reconhecer o sofrimento como nocivo para o desenvolvimento humano, o indivíduo compassivo inicia um processo avaliativo de si próprio e do outro, por meio dos três julgamentos: seriedade, merecimento e julgamento eudemonístico. O julgamento de seriedade e merecimento requer uma leitura valorativa das minhas condições de desenvolvimento e como me entendo como ser humano, bem como as circunstâncias de sofrimento e desenvolvimento do outro. Por sua vez, o julgamento eudemonístico requer um deslocamento de pensar o outro e trazer esse outro para si próprio, ao reconhecer esse outro em meu repertório cognitivo. Trazer o outro para meu quadro de referência significa estabelecer uma ligação entre ele e eu, de modo a impactar os meus objetivos, crenças e ações. Nesse sentido, o outro estabelece um lugar em nós, em nossa identidade, de modo que a vida, a humanidade e o sofrimento do outro impactam o nosso próprio desenvolvimento e nos levam a apreciar formas de prover e proteger as condições para o desenvolvimento do outro.

6. Considerações Finais

Conforme observado neste artigo, a teoria da atestação em Ricoeur aponta para a necessidade da relação dialética entre o sujeito e a alteridade para a reflexão ética, especialmente na temática da compaixão. Para o filósofo francês, a dialética entre a alteridade do próprio sujeito e a alteridade da outra pessoa não pode ser pensada de forma simplista, mas deve ser qualificada pelo reconhecimento da assimetria e da exigência de certa distância na compreensão da alteridade. Além disso, Ricoeur não está alheio ao perigo de utilizar a si mesmo e a autoestima como ponto de partida da reflexão ética, ao destacar o risco de se pensar o outro de maneira não genuína, isto é, como uma duplicação de mim mesmo. Contudo, o filósofo francês não parece situar a raiz desse problema no uso do sujeito como ponto de partida, mas sim na perda do movimento dialético entre este e o outro, que resulta na indesejável reflexão estática do sujeito.

A necessidade da atestação de si mesmo no modelo ético ricoeuriano pode ser percebida nas qualificações da dialética da solicitude com a autoestima, que apontam para uma ética da compaixão, a saber, a igualdade, a singularidade e a similitude. Todas essas características valorativas demandam uma compreensão e um sentimento de si mesmo que dialeticamente se projetam para a compreensão e o sentimento em relação ao outro como também são informados por eles. Uma breve comparação desses conceitos ricoeurianos com a discussão de Nussbaum sobre os julgamentos envolvidos na compaixão parece aprofundar essa reflexão.

Tanto Ricoeur quanto Nussbaum articulam suas ideias éticas em diálogo com Aristóteles. O primeiro se apropria da discussão aristotélica da amizade para a compreensão da solicitude, ao passo que a segunda se apropria da teoria aristotélica da piedade para os julgamentos na fenomenologia da compaixão. Ambos entendem que a solicitude e a compaixão não são sentimentos destituídos de elementos cognitivos e interpretativos. Além disso, de modo similar à atestação e à autoestima em Ricoeur, a discussão de julgamentos de Nussbaum envolve o risco de se limitar ao sujeito, no sentido de ele enxergar o outro apenas a partir de suas próprias lentes de referência. Entretanto, também seria problemático se não houvesse nenhum tipo de referência no próprio sujeito, considerando que os julgamentos sobre o outro pressupõem, de alguma forma, a visualização de si mesmo na situação do outro e a consequente experiência de sentir, mesmo que de maneira aproximada, o sofrimento dele. A forte ênfase de desenvolvimento de Nussbaum acentua ainda mais essa perspectiva. A capacidade de reconhecimento da experiência compartilhada de uma humanidade comum não se restringe apenas a uma igualdade em termos de fragilidades e morte, mas se relaciona especialmente com a percepção de ausência, ou mesmo regressão, do desenvolvimento humano, que pode ser associada, de algum modo, à definição ricoeuriana de sofrimento enquanto incapacidade de agir. Ademais, a constante negociação da visão de si mesmo e do outro na abordagem de Nussbaum sobre os julgamentos, que pode ser relacionada à dialética de si mesmo e do outro em Ricoeur, amplia a compreensão e a estima de si mesmo e do outro, como também contribui, em última instância, para o desenvolvimento de si mesmo e do outro. Isso faz com que a ética da compaixão seja mais do que um sentimento de empatia e se projete na rota do florescimento da boa vida para si mesmo e para o outro.

  • 1
    Veja outras discussões, também em língua portuguesa, da problematização de Ricoeur sobre o sujeito e sua elaboração da noção de si mesmo, em Piva (1999)PIVA, E. A. “A questão do sujeito em Paul Ricoeur”. Síntese, Vol. 26, Nr. 85, pp. 205-237, 1999.; Homem (2004)HOMEM, E. C. “A ipseidade na ética argumentativa de Paul Ricoeur”. Tese (Doutorado em Filosofia), Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2004.; Carvalho (2006)CARVALHO, A. A. B. “Ricoeur e a hermenêutica do si: o discurso ricoeuriano sobre o sujeito a partir da virada lingüística”. Dissertação (Mestrado em Filosofia). Universidade Federal de Pernambuco, 2006.; Meireles (2016)MEIRELES, C. A. V. “O Cogito Partido e Ferido de Ricoeur: uma alternativa a Descartes e Nitzsche”. Klínesis, Vol. 8, Nr. 17, pp. 18-40, 2016.; Silva (2017)SILVA, J. F. P. “O problema da identidade pessoal em Paul Ricoeur: dimensão ética da ipseidade”. Dissertação (Mestrado em Filosofia), Universidade Federal de Santa Maria, 2017..
  • 2
    A rejeição do pressuposto cartesiano de uma consciência imediata do sujeito já aparece em De l’interprétation: essai sur Freud (1965) e no ensaio Phenomenology and Hermeneutics (1975). A dialética da confiança e suspeita é elaborada na introdução de Soi-même comme un autre (1990).
  • 3
    Ao longo deste artigo, as citações diretas de textos que se encontram originalmente em outras línguas seguem tradução livre para o português.
  • 4
    Exemplos de literatura secundária, em língua portuguesa, sobre a atestação ricoeuriana incluem: Botton (2009)BOTTON, J. B. “Promessa e Atestação em Paul Ricoeur”. Institutio, Vol. 2, Nr. 2, pp. 145-151, 2009.; Salles e Salles (2014)SALLES, D. M. N. N. L.; SALLES, S. S. “Os direitos humanos entre suspeição e atestação”. Revista Portuguesa de Filosofia, Vol. 70, Nr. 2-3, pp. 361-382, 2014.; Sequeira (2016)SEQUEIRA, R. V. M. A. R. “Desejo e Reconhecimento no pensamento de Ricoeur”. Tese (Doutorado em Filosofia), Universidade Nova de Lisboa, Portugal, 2016.; Beato (2016)BEATO, J. “Encarnação, atestação e esperança: Paul Ricoeur leitor de Gabriel Marcel.” In: PORTOCARRERO, M. L.; BEATO, J. (Orgs.). Ricœur em Coimbra: receção filosófica da sua obra, pp. 115-156. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2016.; Belli (2019)BELLI, F. P. “Contribuições do pensamento de Paul Ricoeur para a fundamentação filosófica dos direitos humanos”. Dissertação (Mestrado em Filosofia). Universidade Federal de Santa Catarina, 2019.; Portocarrero (2020PORTOCARRERO, M. L. “Testemunho e Interpretação na filosofia de P. Ricoeur”. Revista Filosófica de Coimbra, V. 29, Nr. 57, pp. 107-130, 2020.; 2021PORTOCARRERO, M. L. “Testemunho, Atestação e Conflito: Balizas da Antropologia Hermenêutica de Paul Ricœur”. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2021.); Souza (2021)SOUZA, T. L. “Filosofia & Religião: reflexões a partir de Paul Ricoeur.” Porto Alegre: Editora fi, 2021..
  • 5
    Kemp (1995)KEMP, P. “Ricoeur between Heidegger and Levinas: original affirmation between ontological attestation and ethical injunction”. Philosophy and Social Criticism, Vol. 21, Nr. 5-6, pp. 41-61, 1995. argumenta que a crítica de Ricoeur a Lévinas se baseia quase que praticamente em Autrement qu’ etre ou au de là de l’essence (1974). Kemp (1995)KEMP, P. “Ricoeur between Heidegger and Levinas: original affirmation between ontological attestation and ethical injunction”. Philosophy and Social Criticism, Vol. 21, Nr. 5-6, pp. 41-61, 1995. sugere que a crítica de Ricoeur seria atenuada se ele reconhecesse em Totalite et Infini (1961) a presença indireta de algum nível do conceito de atestação. De fato, Ricoeur (1995)RICOEUR, P. “Emmanuel Levinas: Thinker of Testimony”. In: Figuring the Sacred: Religion, Narrative, and Imagination, pp. 108-128. Tradução de David Pellauer. Minneapolis, MN: Fortress Press, 1995. reconhece em Lévinas o conceito de testemunho, que é um conceito próximo ao de atestação (Pierron, 2003PIERRON, J. P. “De la fondation à l’attestation en morale: Paul Ricœur et l’étique du témoignage”. Recherches de Science Religieuse, Vol. 91, Nr. 3, pp. 435-59, 2003.). Mesmo que a proposta de Kemp esteja correta, a presença indireta do conceito de atestação em Lévinas não encontra obviamente o nível de desenvolvimento que observamos em Ricoeur.
  • 6
    Para uma leitura geral do conceito de atestação em Ricoeur na literatura secundária, veja: Lewis (1991)LEWIS, J. “Attestation and Testimony: Paul Ricoeur’s Hermeneutics of the Self and Jean Nabert’s Hermeneutics of Testimony”. Journal of French and Francophone Philosophy, Vol. 3, Nr. 1, pp. 20-28, 1991., Anderson (1994)ANDERSON, P. S. “Agnosticism and Attestation: An Aporia concerning the Other in Ricoeur’s ‘Oneself as Another”’. The Journal of Religion, Vol. 74, Nr. 1, pp. 65-76, 1994., Greisch (1995)GREISCH, J. “Testimony and Attestation”. Philosophy and Social Criticism, Vol. 21, Nr. 5-6, pp. 81-98, 1995., Kemp (1995)KEMP, P. “Ricoeur between Heidegger and Levinas: original affirmation between ontological attestation and ethical injunction”. Philosophy and Social Criticism, Vol. 21, Nr. 5-6, pp. 41-61, 1995., Muldoon (1998)MULDOON, M. S. “Ricoeur’s Ethics: Another Version of Virtue Ethics? Attestation is Not a Virtue”. Philosophy Today, Vol. 42, Nr. 3, pp. 301-309, 1998., van der Heiden (2001van der HEIDEN, G. J. “Announcement, Attestation, and Equivocity: Ricoeur’s Hermeneutic Ontology between Heidegger and Derrida”. American Catholic Philosophical Quarterly, Vol. 85, Nr. 3, pp. 415-432, 2001.; 2014van der HEIDEN, G. J. “On the Way to Attestation: Trust and Suspicion in Ricoeur’s Hermeneutics”. International Journal of Philosophy and Theology, Vol. 75, Nr. 2, pp. 129-141, 2014.), Pérez (2001)PÉREZ, J. “The Concept of Attestation in the Philosophy of Paul Ricoeur”. Tese (Doutorado em Filosofia), Drew University, 2001., Pierron (2003)PIERRON, J. P. “De la fondation à l’attestation en morale: Paul Ricœur et l’étique du témoignage”. Recherches de Science Religieuse, Vol. 91, Nr. 3, pp. 435-59, 2003., Sugimura (2005)SUGIMURA, Y. “Pour une Philosophie du témoignage: Ricoeur et Heidegger autour de l’edée d’«attestation» (bezeugung)”. Études théologiques et religieuses, Vol. 80, Nr. 4, pp. 483-498, 2005., Hall (2007, pp. 28-36)HALL, D. W. “Paul Ricoeur and the Poetic Imperative: The Creative Tension Between Love and Justice”. Albany, NY: State University of New York Press, 2007., Kaufmann (2010)KAUFMANN, S. “The Attestation of the Self as a Bridge between Hermeneutics and Ontology in the Philosophy of Paul Ricoeur”. Tese (Doutorado em Filosofia), Marquette University, 2010., Amalric (2011)AMALRIC, J. L. “Affirmation originaire, attestation, reconnaissance: Le cheminement de l’anthropologie philosophique ricœurienne”. Études Ricœuriennes / Ricœur Studies, Vol. 2, Nr. 1, pp. 12-34, 2011., Thouard (2013)THOUARD, D. “Subjectivité et identité. Le sentiment de soi chez Paul Ricoeur”. In: CANIVEZ, P. e COULOUBARITSIS, L. (Orgs.). L’éthique et le soi chez Paul Ricœur: huit études sur Soi-même comme un autre, pp. 88-95. Villeneuve d’Ascq: Septentrion, 2013., Purcell (2013)PURCELL, S. “Hermeneutics and Truth: from aletheia to attestation”. Études Ricœuriennes / Ricœur Studies, Vol. 4, Nr. 1, pp. 140-158, 2013., Pavan (2015)PAVAN, C. “La réduction qui mène à l’ontologie: les implications de l’attestation chez Paul Ricœur”. Revue Philosophique de Louvain, Vol. 113, Nr. 1, pp. 105-143, 2015., Vandevelde (2015)VANDEVELDE, P. “Two French Variations on Truth: Ricoeur’s Attestation and Foucault’s ‘Parrhesiastic’ Attitude”. Journal of the British Society for Phenomenology, Vol. 46, Nr. 1, pp. 33-47, 2015., Tasso (2017)TASSO, B. C. “Afirmación originaria, Apropiación de sí y Atestación: tres ejes para una hermenéutica de la recepción en Paul Ricœur”. Critical Hermeneutics, Vol. 1, Nr. 1, pp. 91-124, 2017..
  • 7
    Esse ensaio foi inicialmente publicado em 1975. Veja Ricoeur (1975a)RICOEUR, P. “Le probleme du fondement de la morale”. Sapienza, Vol. 28, Nr. 3, pp. 313-337, 1975a.. No entanto, o conteúdo da versão em inglês, traduzida por David Pellauer, foi revisado e ampliado pelo próprio Ricoeur. Veja Ricoeur (1978)RICOEUR, P. “The Problem of the Foundation of Moral Philosophy”. Philosophy Today, Vol. 22, Nr. 3, pp. 175-192, 1978.. Por conta dessas revisões, o presente artigo utiliza a versão em inglês.
  • 8
    Veja também o breve ensaio “L’attestation: entre phenomenologie et ontologie” (Ricoeur, 1991RICOEUR, P. “L’attestation: entre phenomenologie et ontologie”. In: GREISCH, J. e KEARNEY, R. (Orgs.). Les metamorphoses de la hermeneutique, pp. 381-403. Paris: Éditions du Cerf, 1991.).
  • 9
    Em sua discussão da ética do cuidado em Ricoeur, Carney (2015, p. 38)CARNEY, E. “Depending on Practice: Paul Ricoeur and the Ethics of Care”. Les ateliers de l’éthique / The Ethics Forum, Vol. 10, Nr. 3, pp. 29-48, 2015. relaciona o reconhecimento de outros com a solicitude.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    Abr 2023

Histórico

  • Recebido
    08 Set 2021
  • Aceito
    10 Out 2022
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