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A RESPOSTA DE LOCKE AO CETICISMO

LOCKE’S RESPONSE TO SKEPTICISM

RESUMO

Neste artigo, proponho que o exame da resposta de Locke ao ceticismo requer que consideremos ao menos três sentidos distintos em que o ceticismo surge no horizonte do Ensaio. O ceticismo é abordado, direta ou indiretamente, (i) como um resultado geral da investigação filosófica, (ii) como decisão metódica de duvidar e ainda (iii) como resultado de um problema particular que desafia a pretensão de conhecimento. Penso que, por meio do exame de como Locke reage a tais questões, obtemos uma imagem mais precisa e nuançada da relação de Locke com a filosofia cética.

Palavras-chave:
Skepticism; Locke; Sensitive knowledge; Descartes; Constructive skepticism

ABSTRACT

In this paper I propose that examining Locke’s response to skepticism requires us to consider at least three distinct senses in which skepticism appears on the horizon of the Essay. Skepticism is addressed, directly or indirectly, (i) as a general outcome of philosophical inquiry, (ii) as a methodical decision to doubt, and also (iii) as the result of a particular problem that challenges the claim to knowledge. I think that by examining how Locke reacts to such issues, we get a more accurate and nuanced picture of Locke’s relationship to skeptical philosophy.

Keywords:
Ceticismo; Locke; Conhecimento sensitivo; Descartes; Ceticismo construtivo

1. Introdução

O Ensaio sobre o Entendimento Humano (1689), de John Locke, é usualmente reconhecido como marco inaugural da epistemologia moderna, pelo modo autônomo e sistemático como problematiza a noção de “conhecimento”: seu objetivo central é “investigar qual é a origem, a certeza e a extensão do conhecimento humano, e quais são os fundamentos e graus da crença, opinião e assentimento” (1.1.2).1 1 Nas citações do Ensaio sobre o Entendimento Humano, os três números separados por pontos indicam, sucessivamente, o livro, o capítulo e o número do parágrafo da edição citada. A tradução do texto para o português é minha. Seja ou não esse juízo correto,2 2 Já o Quod Nihil Scitur (1581), de Francisco Sanches, ocupa-se de um exame crítico da noção de conhecimento, mostrando que nada se conhece segundo a definição de conhecimento como “perfeito entendimento de algo” para propor, em seu lugar, “uma espécie de conhecimento científico que seja firme, fácil e possível” (cf. Sanches, QNS, 23 ss., 100). Retornarei a este ponto na seção 3. pouco se leva em conta o que Locke diz, em seguida, sobre a utilidade do seu estudo:

Eu pensei que o primeiro passo rumo à satisfação de diversas investigações a que a mente dos homens está bastante apta a realizar era o de realizar uma pesquisa dos nossos entendimentos, um exame de seus poderes e ver a quais coisas ele se adapta... Como os homens estendem suas investigações além de suas capacidades e deixam seus pensamentos vagar em profundezas que não lhe dão pé, eles levantam questões e multiplicam disputas que nunca chegam a uma clara resolução e são próprias apenas para prolongar e aumentar suas dúvidas, e finalmente confirmá-los num perfeito ceticismo... (1.1.7, itálico meu)

A despeito de haver importantes análises da resposta de Locke ao ceticismo, que consideraremos adiante, ela não está entre os temas mais debatidos acerca de sua filosofia. Em parte, isso se deve ao fato de o ceticismo ser pouco mencionado (ao menos explicitamente) no Ensaio. Locke só volta a se referir diretamente ao ceticismo no livro quarto, quando, ao tratar do “conhecimento sensitivo”, defronta-se com um problema que decorre diretamente de suas opções filosóficas mais básicas. Locke assume que é “evidente que a mente não conhece nada imediatamente, mas apenas pela intervenção das ideias que possui [das coisas]”.3 3 “Ideia” aqui designa “tudo aquilo que é objeto de nosso entendimento quando uma pessoa pensa” (1.1.8). (4.4.3, cf. 2.1,1-2) Ao mesmo tempo, na trilha de Aristóteles, Locke é um empirista para quem a mente é originalmente como uma folha de papel em branco e todos os materiais do conhecimento provêm da experiência sensível (2.1.3-4). Assim, o que a nossa mente primeiramente obtém dos nossos sentidos são “ideias de sensação” e, posteriormente, ao perceber suas próprias ações, produz “ideias de reflexão” (ibid.). Como podemos ter acesso ao mundo exterior diretamente pelos sentidos, se tudo a que temos acesso são apenas nossas “ideias de sensação”?

No início do quarto livro do Ensaio, Locke propõe que haja três graus diversos de certeza do conhecimento. O grau superior é o do conhecimento intuitivo (pelo qual conhecemos de modo imediatamente certo que um círculo não é um triângulo ou que existimos); em seguida, vem o conhecimento demonstrativo (pelo qual, com base em verdades intuitivas deduzimos outras, como na matemática). Nisso a análise de Locke parece próxima da que encontramos nas Regras para a Direção do Espírito, de Descartes (embora haja claras diferenças quanto ao conteúdo, na medida em que Locke inclui na esfera da certeza intuitiva proposições acerca de ideias sensíveis, como “branco não é preto”).4 4 V. Descartes (AT), X, Regra III, pp. 366-370. Locke afasta-se de Descartes mais claramente, porém, ao propor que haja um terceiro grau de certeza, o “conhecimento sensitivo”, que “[...] vai além da mera probabilidade e, mesmo sem alcançar perfeitamente os dois graus prévios de certeza, pode passar sob o nome de conhecimento” (4.2.14). Quando nossos sentidos efetivamente percebem ideias sensíveis, diz ele, temos conhecimento sensitivo, isto é, temos certeza de que existe um objeto externo à mente que causa essa percepção (ainda que não possamos, por esse meio, saber como é esse objeto em si mesmo).

É nesse momento que Locke reencontra o cético. A seu ver, “ninguém pode seriamente ser tão cético a ponto de estar incerto da existência das coisas que vê e sente” (4.11.3). Ainda assim, ele oferece em apoio dessa certeza alguns argumentos adicionais. O conhecimento sensitivo que temos desses objetos permite-nos plenamente agir no mundo (4.11.3). Além disso, nossos sentidos produzem ideias específicas de objetos que não podem ser causadas pelos próprios sentidos (por exemplo, os olhos não produzem cores no escuro) (4.11.4). As ideias sensíveis impõem-se também de um modo evidente e involuntário, o que exige uma causa exterior (4.11.5). Elas se acompanham de dor ou prazer de um modo diferente do que ocorre no caso das ideias da memória (4.11.6). Finalmente, as ideias provenientes de órgãos dos sentidos diversos testemunham, às vezes, das verdades umas das outras (4.11.6).

Mas mesmo esse conjunto de razões, diz Locke, talvez não pareça suficiente para um cético que pretenda sustentar que todas as nossas percepções poderiam ser apenas “uma série de aparências enganadoras de um longo sonho do qual não há realidade” (4.11.8). O seu exame dessa hipótese, em linha gerais, reitera a mesma razão principal apresentada acima (a dor e o prazer continuariam nos afetando do mesmo modo), agora acompanhada de uma ironia: se esse cético não se satisfaz com a sensação de dor quando aproximamos o dedo da chama de uma vela, que ele ponha então sua mão numa fornalha de vidro e será forçado a despertar por uma certeza maior do que desejaria (ibid.).

Neste artigo, pretendo delinear o que penso ser uma nova estratégia de exame da resposta de Locke ao ceticismo, distinguindo três diferentes sentidos com que ele é abordado no Ensaio. Para justificar isso, partirei de um exame das interpretações mais usuais, que nos permitirá distinguir, nas seções 2 e 3, duas abordagens gerais do problema, uma eminentemente voltada para a exegese conceitual, outra de natureza historiográfica, que pouco dialogam entre si. Na seção 4, exporei quais são os diferentes sentidos com que o ceticismo surge no horizonte do Ensaio, que, como veremos, correspondem a versões distintas pelas quais historicamente podemos nos referir a essa problemática.

2. Locke cético e anticético

No programa típico dos cursos de introdução ao empirismo britânico, Locke comparece como aquele que sustenta a existência de objetos externos de um modo tal que imediatamente mereceu as críticas de Berkeley, cujo idealismo radical, por sua vez, conduziu Hume a uma crítica ainda mais profunda. Em consonância com isso, a tendência de leitura usual acerca da resposta de Locke ao ceticismo é a de que estamos diante de um ponto fraco do Ensaio. Um paradigma interpretativo encontra-se, por exemplo, no importante estudo de Yolton (1968)YOLTON, J. W. “John Locke and the Way of Ideas”. Oxford, Oxford at the Clarendon Press, 1968.. Nele, Yolton examina como o Ensaio foi recebido e criticado por vários de seus contemporâneos como uma obra cética (bem ao contrário, então, do que Locke parece ter pretendido). É o caso de Stillingfleet (1967-8)STILLINGFLEET, E. “The Bishop of Worcester’s Answer to Mr. Locke’s Letter”. London: Printed by J. H. for Henry Mortlock at the Phoenix in S Paul’s Church-yard, 1967., Sergeant (1697)SERGEANT, J. “Solid Philosophy Asserted, Against the Fancies of the Ideists: Or, The Method to Science Farther Illustrated. With Reflexions on Mr. Locke’s Essay concerning Human Understanding”. By J. S. London, Printed for Roger Clevil, 1697. 8°. 1 p.l., [14 p. of ‘Epistle’], [xxxvi p. of Preface], 1967. 460 pp., Norris (1704)NORRIS, J. “An Essay Towards the Theory of the Ideal or Intelligible World. Designed for Two Parts. The First considering it Absolutely in itself, and the Second in Relation to Human Understanding”. London: S. Manship. 8°. 2 Vols, 1704., Lee (cuja obra, originalmente publicada em 1702, se intitula Anti-Scepticism, or Notes upon each chapter of Mr. Lock’s Essay...) e Berkeley (1710)BERKELEY, G. (1710). “A Treatise Concerning the Principles of Human Knowledge”. In: Philosophical Works. Ed. M. Ayers. London: Everyman, 1975., dentre outros. Locke é acusado tanto de um ceticismo religioso e moral (por conta de sua crítica ao inatismo, frequentemente tido como fundamento da moralidade pelos teólogos da época), quanto de um ceticismo epistemológico (pela adoção da “via das ideias”, que deveria conduzi-lo coerentemente a negar a existência do mundo real).

Yolton não se limita a reapresentar essas críticas: ele julga que ao menos parte delas é pertinente e que as reações de Locke mostrariam que ele “não compreendeu o problema” (1968, p. 113). Locke teria tentado uma conciliação insatisfatória entre a teoria das ideias e o empirismo escolástico, e não tomou as críticas recebidas como uma ocasião para aprofundar a reflexão sobre suas opções. Ele simplesmente se limitou a reiterar suas convicções, por causa de sua “relutância em renunciar às crenças de senso comum da experiência ordinária” (pp. 138 et seq.) Em uma obra posterior, Yolton concede que Locke teria reconhecido a relevância da demanda justificatória cética (pois afinal busca responder a ela), mas o seu juízo é basicamente o mesmo: ele não vê “...como se possa dizer [...] que (Locke) dedica atenção e cuidado em justificar essas teses [sobre o conhecimento do mundo exterior]. Ele estava muito mais interessado em afirmá-los como um meio de ir adiante na tarefa de mostrar a origem, a extensão e a certeza do conhecimento” (1970, p. 12). Ao afirmar que “[...] ninguém pode ser tão cético a ponto de acreditar que estamos sonhando...” (4.11.8), Locke simplesmente tratou o cético com desdém (in a cavalier fashion) (ibid, p. 12).5 5 Ver também Yolton (1993): “Locke não tem paciência com os céticos” (p. 246) e “o ceticismo sobre os sentidos simplesmente não é um problema para ele” (p. 248). Em suma, da condenação de Locke como cético passamos, por assim dizer, a uma espécie de condenação (justa ou não) de sua tentativa de responder ao cético.

Há uma ampla literatura recente sobre o conhecimento sensitivo em Locke. Os principais debates sobre o tema dão-se, principalmente, sobre saber se o conhecimento sensitivo pode se harmonizar com a definição geral de conhecimento oferecida por Locke (isto é, uma percepção de um acordo ou desacordo entre ideias);6 6 Já o bispo Stillingfleet, na sua correspondência com Locke, acusou-o de ter proposto um tipo de conhecimento incompatível com sua própria definição (1698, 7-8, apud Stuart, 2016, p. 364). Para uma síntese do debate, ver Weinberg, 2013, pp. 410-411. ou saber se Locke de fato adotou uma teoria representacional do conhecimento (ou bem, em vez disso, alguma forma de realismo direto);7 7 A posição ortodoxa é a de admitir que Locke sustenta uma teoria representacional do conhecimento, cf. p. ex. Chappell (1994), Bolton (2004) e Newman (2004). Mas essa leitura é recusada, por exemplo, por Yolton (1984) e Lennon (2004). ou ainda determinar se o conhecimento sensitivo seria um “conhecimento com C maiúsculo” e não apenas uma probabilidade disfarçada de conhecimento.8 8 Van Leeuwen (1970), Newman (2004) e Rickless (2008), por exemplo, entendem que Locke propõe uma forma de probabilismo, por oposição, p. ex., a Nagel (2016). Bem mais raramente ela se detém num exame direto da sua resposta ao ceticismo (embora o tema, naturalmente, seja sempre abordado de modo subsidiário). Duas exceções recentes merecem ser consideradas mais de perto.

Jeniffer Nagel (2016)NAGEL, J. “Locke on sensation and skepticism”. In: STUART, M. (ed.). A Companion to Locke, 2016. pp. 313-333. concentra-se no problema da conciliação entre o conhecimento sensitivo e a definição geral de conhecimento proposta por Locke. Em resumo, sua sugestão, baseada na resposta que Locke oferece às críticas de Stillingfleet, é a de que o conhecimento sensível de uma ideia determinada (uma rosa, por exemplo) corresponde a um acordo entre, de um lado, a ideia de que estamos percebendo a rosa (e não apenas lembrando ou imaginando) e, de outro, a ideia da existência de uma causa (externa à mente) que produz essa percepção (pp. 22-26). O fato de que esse acordo se dê por uma simples coincidência temporal é o que explicaria, a seu ver, o grau inferior de certeza do conhecimento sensitivo relativamente aos demais.

Importa aqui sobretudo o modo como Nagel (2016)NAGEL, J. “Locke on sensation and skepticism”. In: STUART, M. (ed.). A Companion to Locke, 2016. pp. 313-333. considera, em seguida, as consequências de sua interpretação diante de diferentes tipos de ceticismo. Primeiramente, propõe ela, como a nossa capacidade de monitorar a fonte de nossas percepções é suscetível a erro (problema esse, aliás, que Locke não aborda mais detidamente), essa concepção de conhecimento sensitivo não pareceria impedir que o cético possa continuar supondo que apenas sonhamos perceber algo (pp. 19-20). Locke pode, porém, ter se contentado com o objetivo “mais modesto” de explicar que as dúvidas céticas não afetam a vida comum (pp. 20-21). Diante da hipótese do sonho, em particular, Locke lançaria mão de uma estratégia específica, ao afirmar que essa hipótese nada mudaria no modo como a certeza do prazer e da dor nos conduziria à felicidade ou infelicidade.9 9 Como disse na exposição inicial da resposta de Locke ao ceticismo, não me parece que haja propriamente uma mudança de estratégia em vista de responder a essa hipótese extrema, pois ele reitera igualmente seus principais argumentos usados (valendo-se agora de uma versão hiperbólica do mesmo exemplo). A ironia de Locke aqui apenas evidenciaria, a meu ver, que ele sequer admite a plausibilidade dessa hipótese, por razões que serão expostas logo adiante. Neste caso, ela avalia que Locke poderia ser bem-sucedido particularmente contra o ceticismo pirrônico – não por razões epistemológicas (pois Sexto Empírico, a seu ver, admitiria uma dúvida igualmente radical10 10 Comentando, em outro momento do artigo, a interpretação de Rickless (2008), segundo a qual o conhecimento sensitivo seria apenas uma crença altamente justificada, Nagel (2016) assinala que, mesmo nesse caso, a resposta de Locke permaneceria insuficiente diante de um cético como Sexto Empírico, que argumenta contra todas as formas de justificação, contrapondo-se à noção acadêmica de provável ou persuasivo (p. 12). ), mas apenas na medida em que os pirrônicos buscam apenas a tranquilidade da alma: “... se Locke pode mostrar que nossos propósitos práticos são bem atendidos pelos nossos métodos empíricos de discernir que objetos são reais ou não, o cético que tem como objetivo a tranquilidade terá dificuldade em demandar uma forma mais alta de certeza aqui” (p. 35). Já um cético que, como Hume, demandasse uma certeza mais alta, permaneceria aqui inabalado: “... qualquer cético radical que não compartilhe a visão de Locke sobre a função da racionalidade humana não se moverá [por esse argumento]” (ibid.). O resultado final dessas considerações é o seguinte: “pode-se sustentar que Locke faz mais progressos na questão sobre por que não somos ordinariamente afetados pelas dúvidas céticas, do que na questão sobre como essas dúvidas podem ser racionalmente dissipadas” (ibid.).

Shelley Weinberg (2013)WEINBERG, S. “Locke’s Reply to the Skeptic”. Pacific Philosophical Quarterly, 94, 2013. pp 389-420., por sua vez, focaliza o problema a partir de sua interpretação não-inferencial do conhecimento sensitivo. Segundo Weinberg, “devemos ver o cético propondo duas questões diferentes” (pp. 389-390). Uma é a de simplesmente saber se há coisas exteriores à mente, outra é a de requerer uma prova (inferencial) da existência de coisas fora da mente. No seu entender, Locke teria recusado a segunda questão, por ser baseada num falso pressuposto, e pretenderia oferecer uma resposta apenas à primeira questão (ibid.).

Seria bem-sucedida essa resposta não inferencial ao cético? Aqui é preciso comparar o conhecimento sensitivo e o intuitivo. Ambos, diz ela, são não inferenciais, e sua imediatez lógica satisfaria o que ela denomina de “requerimentos psicológicos” do conhecimento, isto é, ambos se impõem ao nosso assentimento de modo incontornável e, nessa medida, resistem a uma “atitude cética”. Nesse sentido, o “problema cético tradicional” (inferencial) seria ocioso, pois as nossas percepções sensíveis dos objetos externos oferecem uma evidência de sua existência “para além da dúvida” (p. 400). Em contrapartida, esses diferentes graus de certeza do conhecimento corresponderiam a diferentes “requerimentos normativos” (p 391). Diversamente do conhecimento intuitivo, o conhecimento sensitivo não ofereceria uma “garantia epistêmica plena”, pois, quando nos perguntamos se o que estamos percebendo poderia ser um sonho contínuo ou ilusão de um gênio maligno, não podemos oferecer uma prova adicional de que isso não ocorre (pp. 403-404). Neste plano reflexivo, devemos nos contentar com os “argumentos probabilísticos” com que Locke corrobora sua prova principal de que há conhecimento sensitivo: o acordo existente entre as ideias de nossos sentidos etc., mencionados acima (p. 405). Isso significa igualmente que a certeza “psicológica” do conhecimento sensitivo não abole a pertinência da dúvida cética num contexto reflexivo. Podemos sempre “... dar um passo atrás para questionar reflexivamente se eu devo aceitar o que parece ser psicologicamente inevitável, de um modo tal que posso pensar que tudo poderia ser um sonho...” (p. 407) Em síntese, esta seria a nossa situação cognitiva:

Assim como a minha experiência continuada de certeza do meu conhecimento intuitivo me torna incapaz de uma atitude cética, também minha experiência continuada da certeza de meu conhecimento sensitivo – embora com rupturas intermitentes para uma dúvida cética reflexiva – me torna incapaz de uma atitude cética. O ceticismo não pode ser nem mantido na experiência nem dissolvido a partir dos limites de nosso próprio entendimento... (ibid.)

Exponho aqui essas interpretações, sem discuti-las mais detalhadamente, apenas para assinalar que elas convergem num ponto importante. Para ambas, a resposta de Locke ao cético só pode ter um alcance circunscrito e limitado (seja pela certeza “psicológica” e transitória da percepção, seja por nos contentarmos com um padrão de racionalidade “menos exigente”, compatível apenas com as certezas da vida comum). Isso significa que a resposta de Locke não poria em xeque a pertinência do problema enquanto tal (seja numa esfera “reflexiva”, seja segundo uma racionalidade mais exigente). Na leitura de Nagel, esse mesmo problema estaria igualmente presente nas hipóteses cartesianas do sonho, do gênio maligno, nos argumentos céticos de Hume ou mesmo no pirronismo antigo (interpretado como um ceticismo “rústico”, que recusa crenças em geral e, em particular, sobre a existência de objetos externos).11 11 Nagel não explicita a interpretação do pirronismo suposta em sua interpretação, mas, pelo modo como subordina a recusa radical de crença desses filósofos à obtenção de ataraxía, ela claramente corresponde à oferecida por Burnyeat em “Can the skeptic live his skepticism?” (1983) Essa interpretação foi objeto de intensa controvérsia, recebendo mais recentemente importantes críticas de comentadores como Perin (2010). Mas seriam de fato todos esses argumentos equivalentes? Teria Locke compreendido desse modo o problema cético que enfrentou? Procurarei adiante mostrar que essas leituras não só simplificam a relação de Locke com o ceticismo, mas supõem uma interpretação da cogência do problema cético “radical” (especialmente em sua versão cartesiana) da qual ele não parece compartilhar.

3. Locke como um “semicético”

Ativemo-nos até aqui a uma linha de abordagem do problema voltada a um exame conceitual e hermenêutico do conhecimento sensitivo em Locke. É dela que provém a bibliografia mais abundante. Mas há uma outra vertente, basicamente historiográfica, com a qual a abordagem anterior pouco se comunica, e que busca situar Locke no contexto da retomada do ceticismo filosófico antigo ao final do Renascimento. Desde os anos 1960, principalmente graças a Richard Popkin, produziu-se um amplo panorama da transmissão de materiais provenientes do ceticismo antigo por meio de temas e de círculos intelectuais diversos.12 12 Ver Popkin (2003). Esta é a versão definitiva de sua História do Ceticismo na modernidade, primeiramente publicada em 1960, posteriormente revista e largamente ampliada nas edições de 1979 e 2003. E embora, na História de Popkin, Locke ocupe um lugar relativamente discreto,13 13 Ver Popkin (2003, pp. 257-261). não deixamos de encontrar indicações relevantes sobre o seu contato com o debate moderno acerca do ceticismo (via Gassendi, Huet ou Bayle) ou sobre como tópicos de sua filosofia repercutem discussões céticas (voltaremos a esse ponto). O seu juízo é o de que a filosofia de Locke é um “semiceticismo”, próximo das posições de filósofos como Wilkins e Glanvill.14 14 Popkin (2003, p. 260).

Passarei aqui ao largo de alguns estudos mais pontuais15 15 Ver, por exemplo, Bolton (1983), Rogers (2003), Maia Neto (2010). para me concentrar no importante trabalho de Van Leeuwen (1970)VAN LEEUWEN, H. G. “The Problem of Certainty in English Thought 1630-1690”. The Hague, Martinus Nijhoff, 1970.. Discutindo o problema da certeza no pensamento inglês de 1630 a 1690 (ao qual Popkin dedica um capítulo16 16 Popkin (2003, pp. 208-218). ), Van Leeuwen sugere, com base em uma análise comparativa de vários filósofos, que o Ensaio de Locke é a versão sistemática e mais bemacabada de um conjunto de teorias elaboradas no círculo de intelectuais em torno à Royal Society. Assim como o Ensaio, essas teorias adotaram uma metodologia de orientação aristotélica, ao propor que se devem considerar padrões de prova diversos em diferentes áreas de investigação ou situações cognitivas diversas. De modo correlato, trataram da diferenciação dos diversos graus de certeza e de probabilidade segundo nossas diversas faculdades cognitivas, e de sua pertinência na aplicação de áreas diferentes do saber. Van Leeuwen situa a origem dessa discussão em uma questão interpretativa sobre a perspectiva de obtenção de certeza segundo o método indutivo de Bacon e sua História Natural, seguindo o progresso evolutivo das teorias que daí emergiram (capítulo 1). Elas foram inicialmente propostas, segundo ele, em um sentido teológico, nas obras de Chillingworth e Tillotson, que, em busca de um ponto de acordo entre católicos e protestantes, sustentaram que os assuntos de fé são incompatíveis com a pretensão de certeza absoluta, neles bastando uma “certeza moral”, menos perfeita, própria dos assuntos da vida prática e suficiente para acolher as verdades básicas do cristianismo (capítulos 2 e 3). Em seguida, nas obras de Wilkins e Glanvill, essas teorias migraram para um contexto laico, onde passaram a justificar o tipo de ciência praticada pela Royal Society, tal como apresentada nos textos de Boyle e Newton: uma ciência que não deve visar a uma certeza absoluta, mas apenas uma certeza “moral” baseada na experiência e no teste de hipóteses mediante a observação meticulosa da relação entre os fenômenos (capítulos 4 e 5).

Retomando uma expressão de Popkin, Van Leeuwen entende que essas teorias exemplificam um “ceticismo construtivo”,17 17 Ver Van Leeuwen (1963, pp. 12, 82, 89, 105, 141). Glanvill, no seu Scepsis Scientifica, refere-se à sua posição como um “ceticismo personalizado” (ibid., p. 82). porque incorporam, por vezes explicitamente, diversos elementos céticos – sejam provenientes do ceticismo da Nova Academia, por meio de Cícero, de onde Tillotson extrai a noção de “probabilidade”;18 18 Tillotson, por exemplo, refere-se diretamente à noção acadêmica do “provável” (v. ibid., pp. 40-41). ou de Descartes, quando aceitam que o reconhecimento da incapacidade de autovalidação de nosso entendimento conduz ao abandono da pretensão de uma certeza incondicional. Ao mesmo tempo, essas teorias claramente antecipam vários aspectos do Ensaio de Locke,19 19 Ver tb., no mesmo sentido, Woolhouse (1983, pp. 10, 14, 146-148). de tal modo que conduzem Van Leeuwen a sugerir que o conhecimento sensitivo de Locke é uma espécie de retomada da noção de “certeza moral” dos céticos construtivos, sob uma nova terminologia.

Van Leeuwen não oferece, nem pretende oferecer, o mesmo detalhamento conceitual das discussões exegéticas que mencionei acima. Trata-se não exatamente de um exame da coerência teórica da epistemologia de Locke, mas da herança intelectual proveniente do ceticismo, por meio de uma descrição comparativa dessas teorias; um exame que parece ter gerado menos debate.20 20 O único artigo em que encontrei uma discussão explícita da interpretação de Van Leeuwen acerca de Locke é Ferreira (1986). Ele pretende excluir Locke dessa linhagem cética porque ele proporia, a seu ver, uma “dicotomia absoluta” entre conhecimento e probabilidade que remontaria à oposição medieval entre scientia e opinio (p. 215) – mas a evidência que ele oferece (contraposta à de Van Leeuwen) não me parece suficiente para sustentar sua conclusão. Por certo Van Leeuwen acaba por tocar no problema de determinar se o conhecimento sensitivo seria ou não uma forma de probabilidade, que posteriormente exploram Newman (2004)NEWMAN, L. “Sensitive Knowledge and the Veil of Perception”. Pacific Philosophical Quarterly, Vol. 85, Nr. 3, 2004. e Rickless (2008)RICKLESS, S. C. “Is Locke’s Theory of Knowledge Inconsistent?” Philosophy and Phenomenological Research, 77, 2008. pp. 83-104., embora sem considerar essas evidências históricas, exclusivamente com base em uma leitura interna de Locke. Essa é uma razão adicional pela qual parece haver lugar para um novo exame dessa questão, que eventualmente possa conciliar as perspectivas dessas duas vertentes que distinguimos. Para fazer isso, penso que é preciso começar indagando quantos e quais são, afinal, os sentidos em que o “ceticismo” surge no Ensaio.

4. Os três sentidos do ceticismo em Locke

Proponho que se podem distinguir três sentidos diferentes em que Locke aborda o ceticismo no Ensaio, cuja relação não é imediatamente evidente: (i) o ceticismo considerado como um resultado da investigação filosófica, (ii) o ceticismo como uma decisão metódica de duvidar e (iii) o ceticismo na forma de um “problema cético” que, se não for respondido, nos leva a concluir pela impossibilidade de obter conhecimento. Ao menos no caso dos dois primeiros, Locke parece oferecer uma espécie de protótipo da distinção que, mais tarde, Hume estabelecerá entre o que denomina “ceticismo antecedente” e “ceticismo consequente”.21 21 Ver Hume (2004, seção XII, pp. 204-206). No caso de Locke, esses ceticismos por vezes parecem se sobrepor, mas isso não impede de reconhecer que eles são, ao menos em princípio, distintos. O exame dessa distinção e do modo como se articulam certamente contribui, penso eu, não só para a elucidação de sua resposta aos céticos, mas para reconhecer mais precisamente como diferentes versões do ceticismo informaram essa discussão.

4.1. O “ceticismo perfeito” como consequência da investigação filosófica

O ceticismo que Locke considera na sua introdução – o “ceticismo perfeito” que se confirmaria, como vimos no início, diante das disputas filosóficas intermináveis – não pode ser imediatamente identificado como uma decisão pontual de duvidar da existência dos objetos externos, nem resumido num único problema cético a ser respondido. Mesmo que ele dependa de alguma decisão filosófica, ele é antes uma decorrência da experiência filosófica em um sentido mais amplo, uma espécie de prognóstico sobre nossa capacidade de encontrar a verdade, e nisso se aproxima claramente do modo como os antigos céticos (pirrônicos ou acadêmicos) formularam sua filosofia. Sexto Empírico, por exemplo, diz que a suspensão do juízo é o resultado a que os céticos foram conduzidos quando, diante das anomalias das coisas, tentaram determinar ao que deviam dar assentimento,22 22 Sextus Empiricus (2000), HP, I, 12. e logo se depararam com o conflito (diaphonía) das filosofias, insuperável por causa da ausência de um critério racional para decidir a disputa. No pirronismo de Sexto, a diaphonía converteu-se num argumento para consolidar essa posição, que, desde o Renascimento, passou a ser amplamente empregado nos debates intelectuais teológicos e filosóficos.

Locke não enfrenta diretamente esse argumento como um “problema cético”. Ele o aborda de modo indireto, procurando contribuir para sua resposta (isto é, para a superação da situação que ocasionaria esse ceticismo), através da mesma perspectiva metodológica aristotélica dos “céticos construtivos”, como sugeriu Van Leeuwen. Mas é importante notar que, se levamos a sério a pretensão de Locke em oferecer ele próprio um exame adequado do conhecimento e da probabilidade, isto é, um exame novo, diante das obras já existentes no círculo da Royal Society que ele evidentemente conheceu, é razoável admitir que sua tarefa envolve também uma revisão sistemática, não apenas da fronteira entre conhecimento e probabilidade, mas também dos limites do nosso conhecimento. Não seria essa revisão igualmente informada pelos materiais provenientes do ceticismo que estavam em circulação por meio desses e de outros autores?

De fato, Locke dedica a maior parte do capítulo sobre a “extensão do nosso conhecimento” (4.3) a um exame da nossa ignorância, que, diz ele, “é infinitamente maior que a do nosso conhecimento” (4.3.22). A conexão desse exame com a introdução do Ensaio é imediata, pois ele serve, segundo Locke, para “acalmar as disputas, [e promover] a melhoria do conhecimento útil” [itálico meu]:

Se descobrimos quão longe vão nossas ideias claras e distintas, nós confinamos nossos pensamentos na contemplação dessas coisas que estão ao alcance do nosso entendimento e não nos lançamos no abismo de escuridão, no qual não temos olhos para ver nem faculdades para perceber, apoiados na presunção de que nada escapa do alcance da nossa compreensão. (ibid.)

E não é preciso ir longe, diz ele, para perceber a “loucura da presunção humana”:

A coisa mais banal e óbvia que cruza nosso caminho tem lados obscuros em que a visão mais capaz não pode penetrar. Os mais claros e amplos entendimentos dos homens pensantes encontram-se embaraçados e perdidos diante de cada partícula de matéria. (ibid.).

Não localizei nenhuma discussão sobre o ceticismo de Locke que leve esses textos em consideração, mas já o tom desse exame crítico parece evocar uma obra cética que ele sabidamente conheceu e usou como fonte de suas ideias pedagógicas, a saber, os Ensaios de Montaigne.23 23 V. Pierre Villey (1911). O autor oferece uma extensa comparação de passagens atestando diversas semelhanças nas reflexões de ambos. Outras passagens mostram que ele também considera, de modo pontual, possivelmente por intermédio de Montaigne, outros argumentos provenientes do ceticismo antigo. Locke afirma, por exemplo, que não podemos tomar os “poucos e estreitos canais” das nossas faculdades perceptivas como sendo os únicos capazes de conhecer as coisas (4.3.22-23) Alegar, diz ele, que faculdades perceptivas diferentes das nossas não existem porque nós não as concebemos é como tratar um cego como critério para dizer o que são as cores.24 24 Cf. Montaigne (1999), 588-590). Montaigne usa a mesma analogia para retomar argumentos céticos de Sexto Empírico (v. p. ex. HP I, pp. 94-99). Nas suas palavras, “[...] a cegueira de uma toupeira não é argumento contra a visão de uma águia” (4.3.23). Em uma conclusão bastante concessiva ao ceticismo, Locke considera que não podemos sequer saber quais faculdades complementariam a nossa, nem como nossas ideias se relacionam com aquilo que desconhecemos; podemos dizer com confiança apenas que aquilo que nossos sentidos e mente conhecem é somente um ponto comparado com a vastidão do resto (ibid.).

Não se trata de propor que Locke seria cético, nem que haja uma plena admissão dos diversos argumentos céticos acerca dos sentidos, mas sim de notar que ele empreende aí uma revisão circunscrita e particular desses materiais (como, a seu modo, fizeram Bacon e Descartes). Seu propósito é usálos para calibrar nossa pretensão de conhecimento, limitando nossa presunção de conhecer o que não está em nosso alcance25 25 Na mesma direção, Wolterstorff (1996, p. 226) comenta de passagem: “Locke não tinha mais intenção do que os céticos de ir acima do nível da doxa. Doxa basta para nossa vida no mundo, é o que nos foi concedido por Deus. Mas devemos regular a doxa.” e, também, como veremos, para rebater teses filosóficas particulares no Ensaio. O argumento que acabamos de mencionar, em particular, tem consequências diretas para a interpretação de sua admissão das ideias simples como a base da realidade do conhecimento (v. 4.4.4), da qual depende, por sua vez, o exame do conhecimento sensitivo.

4.2. O ceticismo impraticável decorrente das hipóteses cartesianas

Parece haver outro tipo de ceticismo na mira de Locke, que não se confunde com esse que vimos, a julgar pelas suas características. Não é um resultado involuntário, por assim dizer, dos debates filosóficos, mas decorre de uma decisão voluntária de duvidar; não é um ceticismo “perfeito”, posto que se apresenta em graus. É dele que se trata na discussão do conhecimento sensitivo: “ninguém pode seriamente ser tão cético a ponto de estar incerto da existência das coisas que vê e sente” (4. 11. 3, grifo meu). Ou ainda, mais adiante:

Mas se ainda, depois de tudo isso [i.e., das razões que ele acabara de oferecer contra o ceticismo], alguém for tão cético a ponto de desconfiar dos sentidos e afirmar que tudo o que vemos e ouvimos, sentimos e provamos, pensamos e fazemos durante nossa existência não é senão uma série de aparências enganadoras de um sonho do qual não há realidade; e assim questionar a existência de todas as coisas, ou o nosso conhecimento de alguma coisa etc. (4, 11, 8, grifo meu).

Eis aqui o ceticismo cartesiano, que, diversamente do anterior, parece-me que Locke pretende recusar de modo categórico. O que Locke quer exatamente dizer quando afirma que esse ceticismo não pode ser praticado “seriamente”? Weinberg pensa, como vimos, que se trata de uma impraticabilidade factual (diante da evidência psicológica da certeza dos sentidos), mas não de direito (em um sentido “reflexivo”). Eu penso que Locke pretende, ao menos, ir além disso; que a seu ver se trata também de uma impossibilidade teórica ou reflexiva e é por isso que ele não se ocupa de oferecer uma nova resposta à hipótese do sonho para além da que antes ofereceu. (Como eu disse, Locke reitera, em linhas gerais, as mesmas razões que ele opõe ao grau inferior de ceticismo sobre a existência de objetos sensíveis, às quais ele acrescenta agora um exemplo hiperbólico: a fornalha, em vez da chama de uma vela.26 26 Ver p. 2 e, para uma leitura diversa, nota 9, acima. ) Mais exatamente, Locke teria considerado que essa hipótese por si mesma não tem nenhuma força – ao menos, desde que retirada do contexto das Meditações. Se assim for, a objeção de Locke deveria ser compreendida como uma decorrência imediata de sua crítica da pertinência da estratégia metódica cartesiana (que seria, por sua vez, uma condição implícita para admitir a validade da hipótese do sonho). Este é um passo interpretativo delicado, porque envolve discutir uma tendência arraigada na epistemologia contemporânea, que tende a ser assumida, pareceme, de modo acrítico como um pressuposto da interpretação do problema: a saber, a tendência de supor que o argumento do sonho possui (como outros problemas céticos que lhe seriam similares) uma espécie de validade imediata, que acaba por torná-lo invulnerável.

Vejamos melhor esse ponto. Se observamos o texto das Meditações com atenção, podemos ver que não é claro que o próprio Descartes tenha tomado a sua hipótese do sonho como sendo capaz de, por si mesma (i.e., separada do contexto metódico específico das Meditações), oferecer um problema cético merecedor de resposta. Na primeira Meditação, Descartes avisa que vai “proibir-se cuidadosamente de crer” (AT VII, 18)27 27 “acurate... assensionem esse cohibendam” (Descartes, AT VII, 18). nas coisas que não sejam inteiramente certas e indubitáveis; ele vai tomá-las como se fossem inteiramente falsas, de modo tal que “o menor motivo de dúvida... bastará para rejeitá-las inteiramente” (ibid.).28 28 “Satis erit ad omnes rejiciendas si aliquam rationem dubitandi in unaquaque reperero” (id.). Os argumentos céticos que se seguem destinam-se a efetivar esse projeto, isto é, a extrair consequências precisas da decisão de assumir como falso o que é apenas duvidoso (uma atitude que, certamente, não corresponde aos nossos procedimentos usuais). Isso é bastante claro no primeiro argumento que Descartes oferece, o argumento do erro dos sentidos, pelo qual deveríamos tratar os sentidos de modo geral como falsos por nos terem uma vez enganado (ibid.). Esse argumento, uma primeira tentativa de pôr o método em prática, que exibe explicitamente as consequências desse método de duvidar, é imediatamente abandonado (pois ele nos aproximaria da loucura, ao menos se temos em vista nossos critérios epistêmicos usuais). Descartes reitera, porém, uma dúvida de teor similar quando propõe sua hipótese de que não podemos distinguir nossas percepções atuais de um sonho. Podemos tender a admitir que esse argumento, em alguma medida, parece mais plausível considerado em si mesmo; mas não deveríamos encontrar nele uma instância do mesmo procedimento de tratar o meramente duvidoso como o fazemos com o sabidamente falso? Deixaremos aqui de lado o problema de saber como exatamente a inferência do argumento do sonho transformaria o duvidoso no falso.29 29 Ver Eva (2001) e (2013). Seja como for, esse argumento parece também converter uma estupefação que Descartes considera quase capaz de o persuadir que está sonhando30 30 “Et fere hic ipse stupor mihi opinionem somni confirmet,” (AT VII, 19, meu itálico). em uma decisão de que ele está de fato sonhando.31 31 “Age ergo somniemus.” (ibid.). E ele mesmo vai se referir a essas dúvidas, ao final do percurso, como “risíveis e exageradas (hyperbolicae)” (AT VII, 89).

Penso que Locke estava atento ao modo como a admissão de que estamos sonhando decorre de uma decisão voluntária e exagerada. Mais exatamente, a alegação de que “ninguém pode ser tão cético a ponto de” duvidar da existência do mundo exterior deveria ser assim entendida: não podemos sustentar de fato uma dúvida a respeito do estado de vigília e de nosso conhecimento do mundo exterior se nos apoiamos nos critérios que realmente usamos para nos orientarmos cognitivamente pelos sentidos. Talvez esses critérios possam ser metodicamente alterados, como implicitamente faz Descartes em vista de seu projeto demonstrativo, mas tais são os critérios que naturalmente utilizamos para conhecer os objetos dos sentidos como os conhecemos.

A questão passaria a ser, assim, a de saber quão legítima ou proveitosa pode ser essa distorção dos critérios usuais que aplicamos. Descartes pretende que o espaço reflexivo criado por suas hipóteses dubitativas permita demonstrar a existência de um Deus veraz e a existência de objetos externos.32 32 Sobre a prova cartesiana da existência de objetos materiais, ver, dentre outros, Guéroult (1956, II, xiv, pp. 76 ss.) e Garber (1992, cap. 3, pp. 63 ss.). E a função dessa dúvida não é a de oferecer uma premissa dessa demonstração; ela visa, segundo Descartes, conduzir o leitor a poder visualizar melhor essa prova, por assim dizer, ao se habituar a duvidar dos sentidos (pondo de lado seus padrões cognitivos usuais).33 33 Cf. Descartes AT, VII, p. 12 (Descartes, 1979, p. 79): “Ora, embora a utilidade de uma dúvida tão geral não se revele desde o início, ela é todavia muito grande, porque nos liberta de toda sorte de prejuízos e nos prepara um caminho muito fácil para acostumar nosso espírito a desligar-se dos sentidos e, enfim, naquilo que torna impossível que possamos ter qualquer dúvida quanto ao que descobriremos depois ser verdadeiro”. Ora, é bastante claro que Locke não compartilha do juízo de Descartes sobre a força da sua prova. Locke também pretendeu demonstrar a existência de Deus, mas sem recorrer a suposições que ele julga falsas, como a de que possuímos uma ideia inata de Deus (Locke critica a existência de ideias inatas em geral no livro primeiro do Ensaio e a ideia inata de um Deus, em particular, na sua prova da existência de Deus, em 4.10). Nessa medida, a estratégia cartesiana seria, antes de mais, inútil aos olhos de Locke. Porém, mais do que isso, Locke teria compreendido que a estratégia cartesiana se vale de uma dúvida fictícia que não pode ser posta adequadamente em prática e que alguns céticos parecem tratar como se estivéssemos diante de uma dúvida plausível. Nas suas palavras:

quão vão, digo eu, é esperar demonstração e certeza em coisas que não são capazes disso, e recusar assentimento a proposições muito racionais e agir contrariamente a verdades muito plenas e claras, porque não podem torná-las tão evidentes a ponto de superar sempre a menor (não direi razão) mas simulação de dúvida. Aqueles que nos afazeres ordinários da vida apenas admitissem demonstrações plenas e diretas não teriam certeza de nada nesse mundo se não de perecer rapidamente... (4.11.10, grifo meu, v. tb. 4.11.8)

Em suma, além de impraticável, essa “simulação de dúvida” rejeita o padrão cognitivo próprio dos nossos sentidos sem ser de fato capaz de oferecer em troca conhecimento demonstrativo sobre a existência dos objetos externos.

Podemos obter, assim, um esclarecimento, ao menos parcial, de como Locke compreenderia a relação entre essa forma de ceticismo e aquela a que se refere no início do Ensaio. Alimentar, como faz Descartes, a ideia de que devemos nos valer de um padrão intuitivo-demonstrativo no âmbito do conhecimento sensitivo é apenas levar lenha para a fogueira do debate interminável dos filósofos e confirmar o ceticismo.34 34 Como vimos, Nagel (2016, p. 35) entende que a resposta de Locke e o ceticismo radical dependem de diferentes “concepções de racionalidade”. Essa afirmação em si me parece correta, mas isso pode ser entendido de vários modos. Sobretudo não se trata, para Locke, de uma escolha entre padrões de racionalidade possíveis e equivalentes, posto que ele oferece razões, não para refutar o ceticismo cartesiano em particular, mas para sustentar que esse padrão demonstrativo é incompatível com o conhecimento sensível. Em contrapartida, mostra-se aí também uma importante divergência entre Locke e os “céticos construtivos”, pois Chillingworth, por exemplo, rebaixa a percepção sensível ao grau de certeza moral em vista da possibilidade de confusão entre o sonho e a vigília.35 35 ApudVan Leeuwen (1970), p. 23. Por contraste, se essa confusão, segundo Locke, é apenas o resultado de uma “simulação de dúvida”, essa parece ser uma razão a mais para conferir ao conhecimento sensitivo um estatuto superior, de conhecimento propriamente dito.

Finalmente, embora Locke recuse tal decisão excessiva e impraticável de duvidar, podemos cogitar que uma versão mais branda do mesmo tipo de “ceticismo” talvez fosse mais bem-vinda, como ocasião de exame crítico pontual de teses filosóficas. Afinal, para além das considerações gerais sobre o limite de nosso conhecimento, Locke argumenta, no Ensaio, contra teses aristotélicas e cartesianas com base em argumentos céticos tradicionais, como na sua discussão do inatismo (por exemplo, sua crítica da ideia inata de Deus deriva da constatação de que alguns povos não possuem tal ideia, cf. 1.4.8- 11), ou na sua crítica da noção aristotélica de substância (comparada com o expediente fantasioso usado pelo sábio hindu, que, indagado sobre onde estaria o mundo, disse que estava sobre um elefante, e indagado sobre onde estava o elefante, disse que estaria sobre uma tartaruga, e assim prosseguiria infinitamente se não acabasse reconhecendo que não sabia a resposta, cf. 2.23.2). Isso nos permitiria igualmente compreender como Locke incorpora outros aspectos do ceticismo construtivo (em particular, as críticas de Glanvill ao dogmatismo no estudo da natureza).

4.3 O ceticismo como “problema”: o “véu das ideias” e o conhecimento sensitivo

Importa notar agora que a recusa da hipótese do sonho por Locke não significa que ele desqualifique o problema do véu das ideias enquanto tal, mas sim que ele não o confunde com a hipótese do sonho e outras análogas. Essa precisão me parece decisiva para compreender o sentido de sua estratégia de prova da existência do mundo exterior, evitando confundir os problemas que Locke parece distinguir. Mesmo que o argumento do sonho também se enquadre, é claro, na categoria de “problema cético”, ele seria, para Locke, um pseudoproblema. Porém, Locke acolhe e responde o famoso problema do “véu das ideias” com um efetivo problema “cético” (mesmo que a ele não se refira como tal) em uma versão diferente dessa, proposta por ele mesmo no início do capítulo intitulado “Da Realidade do Conhecimento”:

Se nosso conhecimento das nossas ideias termina nelas mesmas e não vai além, quando algo além é visado, os nossos pensamentos mais sérios serão de menos uso que os devaneios de um cérebro louco, e as verdades sobre ele construídas não teriam mais peso do que os discursos de um homem que profere com segurança as coisas que vê claramente num sonho. (4.4.4)

Prestemos atenção: não se trata aqui de saber por que não estamos sonhando agora (esse seria, a seu ver, um falso problema), mas sim de mostrar que a nossa impossibilidade de duvidar da existência dos objetos externos corresponde, efetivamente, a um conhecimento real da sua existência como causa de nossas ideias (sem o que, aí sim, estaríamos numa situação similar aos que de fato estão sonhando), sem que isso requeira uma demonstração metafísica como a de Descartes. Esse é o “problema reflexivo”, nos termos de Weinberg, que Locke vai efetivamente enfrentar e responder, por meio de uma argumentação complexa e elaborada ao longo de diversos capítulos e que envolve a prova da realidade do mundo exterior (de 4.4 a 4.11).

Nessa prova reside o âmago da resposta de Locke ao ceticismo, não aquele que ele pretendeu superar, mas aquele de que foi acusado. Compreendê-la adequadamente exige reconstruir e examinar esse percurso sem perder de vista os diferentes pontos acima apresentados e, em particular, o modo como, segundo Locke, as ideias simples, ainda que relativas aos nossos “canais” sensitivos humanos, são portadoras de certeza no escopo dessas faculdades. Mas abordar esse ponto vai além do escopo deste trabalho. Vou me limitar aqui, sem pretender mais do que ilustrar o eventual interesse dessa abordagem, a uma comparação entre um esclarecimento que Locke oferece sobre o conhecimento sensitivo e uma fonte cética antiga.

Vimos acima que, dentre outras características, o conhecimento sensitivo se impõe a nós, segundo Locke, de modo involuntário (4.11.5). Em segundo lugar, Locke não pretende que o seu padrão de certeza se estenda para além do terreno da vida prática (ver tb. 4.11.8, 10).36 36 “... as nossas faculdades não estão adaptadas à totalidade do ser, e nem para alcançar um conhecimento perfeito, claro e abrangente das coisas, livre de toda dúvida e escrúpulo, mas apenas para a preservação de nós próprios, a quem essas faculdades servem e estão ao serviço da vida. Elas servem bem à sua finalidade se derem alguma notícia dessas coisas, que são convenientes ou inconvenientes para nós. Pois aquele que vê uma vela arder e tiver experimentado o poder da sua chama, pondo nela o seu dedo, não duvidará que isso é uma coisa que existe fora dele, lhe faz mal e provoca uma dor aguda: o que é garantia suficiente, quando não se requer uma certeza maior para dirigir suas ações do que a certeza própria das ações...” (4.11.8). Ora, o cético pirrônico Sexto Empírico, nas suas “Hipotiposes Pirrônicas”, explica que o filósofo cético, embora não possua um critério de verdade, admite um critério para a vida prática, a saber, o phainómenon (isto é, aquilo que aparece) (HP I, 21). Esse critério permite ao cético viver a vida quotidiana em seus vários aspectos, admitindo o modo como a natureza nos faz capazes de pensamento e sensação, aquilo que nossas sensações nos impõem involuntariamente, as leis e costumes de seu país e as práticas constitutivas das “artes” que adota. Não temos evidência de que Locke tenha lido Sexto e, ademais, há diferenças importantes entre o modo como esses filósofos acolheriam a experiência e a vida prática como critério: Locke julga que podemos obter conhecimento demonstrativo na moral e sustenta, afinal, que nossa experiência sensível nos permite conhecer a existência de objetos externos ao eu.37 37 Diversamente de Nagel, deixarei aqui em suspenso o problema de saber como interpretar Sexto, lembrando apenas que um problema de sua leitura decorre de que ele afirma expressamente que o cético admite “crenças” (dógmata) (HP I, 13).

Mas prestemos atenção ao seguinte exemplo que Locke oferece para explicar o que são os “objetos externos à mente”, dos quais teríamos conhecimento sensitivo:

[...] enquanto eu escrevo isso, eu tenho, pelo papel que afeta os meus olhos, aquela ideia produzida na minha mente que qualquer objeto causa e que chamo “branco”, pela qual eu sei que realmente existe aquela qualidade ou acidente (isto é, aquela aparência (appearance) diante dos meus olhos sempre causa a mesma ideia) (4.11.12, grifo meu).

Como vemos, o “objeto externo” aqui não é propriamente um objeto, uma ideia complexa de substância, mas sim uma qualidade que causa uma ideia simples, “branco” (aliás, uma qualidade que Locke considera “secundária”, isto é, de um tipo que, embora sendo objetiva, não pode ser identificada ao que o objeto é em si mesmo). Mais ainda, trata-se literalmente apenas da “aparência” ou “aparecer” (appearence) do branco que causa em mim sempre a mesma ideia de branco, não do objeto em si (sobre o qual Locke diz que não chegamos a possuir conhecimento). Assim, ao menos a julgar por esse texto, o “objeto” do mundo exterior cuja existência Locke pretende que nossos sentidos provem é, surpreendentemente, o aparecer do branco (aparecer que é causa da ideia do branco).

Esse esquema perceptivo possui uma intrigante e inesperada semelhança com o que Sexto Empírico apresenta na seguinte passagem:

Dizemos, então, que para o cético o critério é o aquilo que aparece (phainómenon), querendo dizer com isso as representações sensíveis (phantasíai), uma vez que essas consistem em sensações e afecções involuntárias e logo não estão sujeitas a questionamento. Portanto, presumivelmente ninguém discutirá se uma coisa existente [hypokeímenon] aparece deste ou daquele modo; o que se discute é se de fato corresponde àquilo que aparece... (HP I, 22, cf. Sexto Empírico, 1997SEXTO EMPÍRICO. “Hipotiposes Pirrônicas, livro 1”, capítulos 1 a 12, tradução de Danilo Marcondes. O que nos faz pensar, 12 de setembro de 1997, pp. 115-122.).

Também este texto distingue entre, de um lado, as representações e, de outro, o próprio aparecer de algo na experiência (noutro texto, Sexto fala da doçura do mel). Igualmente, embora não entre em mais detalhes sobre sua relação, ele os identifica, sugerindo que temos acesso a esse aparecer a partir de nossas próprias representações. Como em Locke, parece haver uma espécie de transparência (na falta de uma explicação mais precisa) entre nossa representação (ideia) e o aparecer (fenômeno) que por ela se manifesta. Em contrapartida, o aparecer, em Sexto, é identificado como uma coisa, um objeto existente (hypokeimenon, termo que se pode traduzir mesmo por “substância”), cujo aparecer não está ele próprio em discussão (diversamente do problema de saber se o aparecer é similar ou não às coisas em si mesmas).

Este paralelo por si só tampouco prova, nem pretende provar, nenhum ceticismo oculto de Locke, e é preciso mais investigação sobre se este aspecto particular do texto sextiano teria podido chegar a ele.38 38 Há igualmente diferenças importantes no modo como esse modelo é desenvolvido por Locke. Enquanto Sexto simplesmente indica que as representações são virtualmente os fenômenos, Locke entende ser necessário explicar como, a partir das nossas ideias, podemos conhecer os objetos da nossa experiência. Sexto suspende o juízo sobre se o fenômeno corresponde à coisa em si, mas Locke analisa o fenômeno por meio da distinção entre qualidades primárias e secundárias (embora, como dissemos, reconheça claramente que não está em nosso alcance conhecer o modo como se dá a relação real entre o fenômeno e a coisa em si). Por ora, diremos apenas que ele nos oferece elementos novos e inexplorados para examinar sua noção de conhecimento sensitivo e mesmo para sugerir novas hipóteses, seja sobre como se dá aí o acordo entre ideias que produziriam conhecimento, ou sobre se Locke admite ou não uma teoria representacionalista das ideias. Provisoriamente, essa similaridade nos faz suspeitar que as fronteiras usualmente traçadas entre o ceticismo antigo e moderno não são claras como se supõe. Talvez o ceticismo antigo possua em latência problemas que exigiram um equacionamento próprio no terreno idealista moderno, mas talvez haja também alguma incompreensão da estratégia de Locke, derivada da desatenção ao modo como ele demarca os problemas epistemológicos próprios que pretendeu responder.

Considerações finais

Nosso objetivo aqui foi o de mostrar que há lugar, diante do que nos oferece a bibliografia disponível sobre o tema, para um exame renovado da resposta de Locke ao ceticismo, sob diversos aspectos. Em particular, parece ser decisivo, como vimos, levar em conta os diferentes sentidos em que Locke se defronta com o ceticismo: recusando categoricamente, de uma parte, o ceticismo cartesiano, e, de outra, fazendo justiça, ao menos implicitamente, à tradição histórica do ceticismo (do pirronismo e da filosofia da Nova Academia aos céticos construtivos da Royal Society), reconhecendo os limites intransponíveis da nossa ignorância e coibindo a presunção desmedida de nossas capacidades, para aquietar as disputas filosóficas (v. 4, 3, 22).

  • 1
    Nas citações do Ensaio sobre o Entendimento Humano, os três números separados por pontos indicam, sucessivamente, o livro, o capítulo e o número do parágrafo da edição citada. A tradução do texto para o português é minha.
  • 2
    Já o Quod Nihil Scitur (1581), de Francisco Sanches, ocupa-se de um exame crítico da noção de conhecimento, mostrando que nada se conhece segundo a definição de conhecimento como “perfeito entendimento de algo” para propor, em seu lugar, “uma espécie de conhecimento científico que seja firme, fácil e possível” (cf. Sanches, QNS, 23 ss., 100). Retornarei a este ponto na seção 3.
  • 3
    “Ideia” aqui designa “tudo aquilo que é objeto de nosso entendimento quando uma pessoa pensa” (1.1.8).
  • 4
    V. Descartes (AT), X, Regra III, pp. 366-370.
  • 5
    Ver também Yolton (1993)YOLTON, J. W. “A Locke Dictionary”. Oxford and Cambridge: Blackwell Publishers, 1993.: “Locke não tem paciência com os céticos” (p. 246) e “o ceticismo sobre os sentidos simplesmente não é um problema para ele” (p. 248).
  • 6
    Já o bispo Stillingfleet, na sua correspondência com Locke, acusou-o de ter proposto um tipo de conhecimento incompatível com sua própria definição (1698, 7-8, apud Stuart, 2016, p. 364STUART, M. “The Correspondance with Stillinglfleet”. In: STUART, M. A Companion to Locke, 2016. pp. 354-369.). Para uma síntese do debate, ver Weinberg, 2013, pp. 410-411WEINBERG, S. “Locke’s Reply to the Skeptic”. Pacific Philosophical Quarterly, 94, 2013. pp 389-420..
  • 7
    A posição ortodoxa é a de admitir que Locke sustenta uma teoria representacional do conhecimento, cf. p. ex. Chappell (1994)CHAPPELL, V. (ed.). “The Cambridge Companion to Locke”. Cambridge: Cambridge University Press, 1994., Bolton (2004)BOLTON, M. B. “Locke on the Semantic and Epistemic Role of Ideas”. Pacific Philosophical Quarterly, 85(3), 2004. e Newman (2004)NEWMAN, L. “Sensitive Knowledge and the Veil of Perception”. Pacific Philosophical Quarterly, Vol. 85, Nr. 3, 2004.. Mas essa leitura é recusada, por exemplo, por Yolton (1984)YOLTON, J. W. “Perceptual Acquaintance from Descartes to Reid”. Minneapolis, MN: University of Minnesota Press, 1984. e Lennon (2004)LENNON, T. M. “Through a Glass Darkly: More on Locke’s Logic of Ideas”. Pacific Philosophical Quarterly, Vol. 85, Nr. 3, 2004. pp. 322-37..
  • 8
    Van Leeuwen (1970)VAN LEEUWEN, H. G. “The Problem of Certainty in English Thought 1630-1690”. The Hague, Martinus Nijhoff, 1970., Newman (2004)NEWMAN, L. “Sensitive Knowledge and the Veil of Perception”. Pacific Philosophical Quarterly, Vol. 85, Nr. 3, 2004. e Rickless (2008)RICKLESS, S. C. “Is Locke’s Theory of Knowledge Inconsistent?” Philosophy and Phenomenological Research, 77, 2008. pp. 83-104., por exemplo, entendem que Locke propõe uma forma de probabilismo, por oposição, p. ex., a Nagel (2016)NAGEL, J. “Locke on sensation and skepticism”. In: STUART, M. (ed.). A Companion to Locke, 2016. pp. 313-333..
  • 9
    Como disse na exposição inicial da resposta de Locke ao ceticismo, não me parece que haja propriamente uma mudança de estratégia em vista de responder a essa hipótese extrema, pois ele reitera igualmente seus principais argumentos usados (valendo-se agora de uma versão hiperbólica do mesmo exemplo). A ironia de Locke aqui apenas evidenciaria, a meu ver, que ele sequer admite a plausibilidade dessa hipótese, por razões que serão expostas logo adiante.
  • 10
    Comentando, em outro momento do artigo, a interpretação de Rickless (2008)RICKLESS, S. C. “Is Locke’s Theory of Knowledge Inconsistent?” Philosophy and Phenomenological Research, 77, 2008. pp. 83-104., segundo a qual o conhecimento sensitivo seria apenas uma crença altamente justificada, Nagel (2016)NAGEL, J. “Locke on sensation and skepticism”. In: STUART, M. (ed.). A Companion to Locke, 2016. pp. 313-333. assinala que, mesmo nesse caso, a resposta de Locke permaneceria insuficiente diante de um cético como Sexto Empírico, que argumenta contra todas as formas de justificação, contrapondo-se à noção acadêmica de provável ou persuasivo (p. 12).
  • 11
    Nagel não explicita a interpretação do pirronismo suposta em sua interpretação, mas, pelo modo como subordina a recusa radical de crença desses filósofos à obtenção de ataraxía, ela claramente corresponde à oferecida por Burnyeat em “Can the skeptic live his skepticism?” (1983) Essa interpretação foi objeto de intensa controvérsia, recebendo mais recentemente importantes críticas de comentadores como Perin (2010)PERIN, C. “The Demands of Reason. An Essay on Pyrrhonian Scepticism”. Oxford University Press, 2010..
  • 12
    Ver Popkin (2003)POPKIN, R. “The History of Scepticism from Savonarola to Bayle”. Oxford: Oxford University Press, 2003.. Esta é a versão definitiva de sua História do Ceticismo na modernidade, primeiramente publicada em 1960, posteriormente revista e largamente ampliada nas edições de 1979 e 2003.
  • 13
    Ver Popkin (2003, pp. 257-261)POPKIN, R. “The History of Scepticism from Savonarola to Bayle”. Oxford: Oxford University Press, 2003..
  • 14
    Popkin (2003, p. 260)POPKIN, R. “The History of Scepticism from Savonarola to Bayle”. Oxford: Oxford University Press, 2003..
  • 15
    Ver, por exemplo, Bolton (1983), Rogers (2003)ROGERS, G. A. J. “John Locke and the Skeptics”. In: PAGANINI, G. (ed.). The Return of Scepticism. From Hobbes and Descartes to Bayle, 2003. pp. 37-54., Maia Neto (2010)MAIA NETO, J. R. “Locke’s Influence on Hume’s Religious Skepticism”. In: MCKENNA, A., MOREAU, P.-F. (orgs.). Libertinage et Philosophie. pp. 163-176, 2010..
  • 16
    Popkin (2003, pp. 208-218)POPKIN, R. “The History of Scepticism from Savonarola to Bayle”. Oxford: Oxford University Press, 2003..
  • 17
    Ver Van Leeuwen (1963, pp. 12, 82, 89, 105, 141). Glanvill, no seu Scepsis Scientifica, refere-se à sua posição como um “ceticismo personalizado” (ibid., p. 82).
  • 18
    Tillotson, por exemplo, refere-se diretamente à noção acadêmica do “provável” (v. ibid., pp. 40-41).
  • 19
    Ver tb., no mesmo sentido, Woolhouse (1983, pp. 10, 14, 146-148)WOOLHOUSE, R. S. “Locke”. Brighton, Sussex, 1983..
  • 20
    O único artigo em que encontrei uma discussão explícita da interpretação de Van Leeuwen acerca de Locke é Ferreira (1986)FERREIRA, M. J. “Locke’s ‘constructive scepticism’ – A Reappraisal”. Journal of the History of Philosophy, Vol. 24, Nr. 2, April 1986. pp 211-222.. Ele pretende excluir Locke dessa linhagem cética porque ele proporia, a seu ver, uma “dicotomia absoluta” entre conhecimento e probabilidade que remontaria à oposição medieval entre scientia e opinio (p. 215) – mas a evidência que ele oferece (contraposta à de Van Leeuwen) não me parece suficiente para sustentar sua conclusão.
  • 21
    Ver Hume (2004HUME, D. (1748). «Investigações sobre o entendimento humano e sobre os princípios da moral». Tradução de J. O. de Almeida Marques. São Paulo: Editora Unesp, 2004., seção XII, pp. 204-206).
  • 22
    Sextus Empiricus (2000)SEXTUS EMPIRICUS. “Outlines of Scepticism”. (HP) Translation by J. Annas e J. Barnes. Cambridge: Cambridge University Press, 2000., HP, I, 12.
  • 23
    V. Pierre Villey (1911)VILLEY, P. “L’influence de Montaigne sur les Idées Pédagogiques de Locke et de Rousseau”. Paris: Hachette, 1911. O autor oferece uma extensa comparação de passagens atestando diversas semelhanças nas reflexões de ambos.
  • 24
    Cf. Montaigne (1999)MONTAIGNE, M. de. “Les Essais”. Paris: Presses Universitaires de France, 1999., 588-590). Montaigne usa a mesma analogia para retomar argumentos céticos de Sexto Empírico (v. p. ex. HP I, pp. 94-99).
  • 25
    Na mesma direção, Wolterstorff (1996, p. 226)WOLTERSTORFF, N. “Locke and the Ethics of Belief”. Cambridge, Cambridge University Press, 1996. comenta de passagem: “Locke não tinha mais intenção do que os céticos de ir acima do nível da doxa. Doxa basta para nossa vida no mundo, é o que nos foi concedido por Deus. Mas devemos regular a doxa.”
  • 26
    Ver p. 2 e, para uma leitura diversa, nota 9, acima.
  • 27
    “acurate... assensionem esse cohibendam” (Descartes, AT VII, 18).
  • 28
    “Satis erit ad omnes rejiciendas si aliquam rationem dubitandi in unaquaque reperero” (id.).
  • 29
    Ver Eva (2001)EVA, L A. «Sobre o argumento cartesiano do sonho e o ceticismo moderno». Revista Latinoamericana de Filosofia, Vol. XXVII, Nr. 2 (primav.), 2001. pp. 199-225. e (2013EVA, L A. “Age ergo somniemus. Descartes et la Fiction du Rêve.” Science et Esprit, 65/3 (2013). pp. 281-298.).
  • 30
    “Et fere hic ipse stupor mihi opinionem somni confirmet,” (AT VII, 19, meu itálico).
  • 31
    “Age ergo somniemus.” (ibid.).
  • 32
    Sobre a prova cartesiana da existência de objetos materiais, ver, dentre outros, Guéroult (1956GUÉROULT, M. «Descartes selon l’ordre des raisons». 2 Vols. Paris, Aubier, 1956., II, xiv, pp. 76 ss.) e Garber (1992GARBER, D. «Descartes’ Metaphysical Physics». Chicago and London: University of Chicago Press, 1992., cap. 3, pp. 63 ss.).
  • 33
    Cf. Descartes AT, VII, p. 12 (Descartes, 1979, p. 79DESCARTES, R. (1640). “Meditações (Med.)”. In: Discurso do Método; Meditações; Objeções e Respostas; As paixões da alma; Cartas. Coleção Os Pensadores, 2a edição. São Paulo: Abril Cultural, 1979.): “Ora, embora a utilidade de uma dúvida tão geral não se revele desde o início, ela é todavia muito grande, porque nos liberta de toda sorte de prejuízos e nos prepara um caminho muito fácil para acostumar nosso espírito a desligar-se dos sentidos e, enfim, naquilo que torna impossível que possamos ter qualquer dúvida quanto ao que descobriremos depois ser verdadeiro”.
  • 34
    Como vimos, Nagel (2016, p. 35)NAGEL, J. “Locke on sensation and skepticism”. In: STUART, M. (ed.). A Companion to Locke, 2016. pp. 313-333. entende que a resposta de Locke e o ceticismo radical dependem de diferentes “concepções de racionalidade”. Essa afirmação em si me parece correta, mas isso pode ser entendido de vários modos. Sobretudo não se trata, para Locke, de uma escolha entre padrões de racionalidade possíveis e equivalentes, posto que ele oferece razões, não para refutar o ceticismo cartesiano em particular, mas para sustentar que esse padrão demonstrativo é incompatível com o conhecimento sensível.
  • 35
    ApudVan Leeuwen (1970), p. 23VAN LEEUWEN, H. G. “The Problem of Certainty in English Thought 1630-1690”. The Hague, Martinus Nijhoff, 1970..
  • 36
    “... as nossas faculdades não estão adaptadas à totalidade do ser, e nem para alcançar um conhecimento perfeito, claro e abrangente das coisas, livre de toda dúvida e escrúpulo, mas apenas para a preservação de nós próprios, a quem essas faculdades servem e estão ao serviço da vida. Elas servem bem à sua finalidade se derem alguma notícia dessas coisas, que são convenientes ou inconvenientes para nós. Pois aquele que vê uma vela arder e tiver experimentado o poder da sua chama, pondo nela o seu dedo, não duvidará que isso é uma coisa que existe fora dele, lhe faz mal e provoca uma dor aguda: o que é garantia suficiente, quando não se requer uma certeza maior para dirigir suas ações do que a certeza própria das ações...” (4.11.8).
  • 37
    Diversamente de Nagel, deixarei aqui em suspenso o problema de saber como interpretar Sexto, lembrando apenas que um problema de sua leitura decorre de que ele afirma expressamente que o cético admite “crenças” (dógmata) (HP I, 13).
  • 38
    Há igualmente diferenças importantes no modo como esse modelo é desenvolvido por Locke. Enquanto Sexto simplesmente indica que as representações são virtualmente os fenômenos, Locke entende ser necessário explicar como, a partir das nossas ideias, podemos conhecer os objetos da nossa experiência. Sexto suspende o juízo sobre se o fenômeno corresponde à coisa em si, mas Locke analisa o fenômeno por meio da distinção entre qualidades primárias e secundárias (embora, como dissemos, reconheça claramente que não está em nosso alcance conhecer o modo como se dá a relação real entre o fenômeno e a coisa em si).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    Ago 2023

Histórico

  • Recebido
    22 Fev 2023
  • Aceito
    03 Abr 2023
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