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AGAMBEN E FOUCAULT: EXPLORANDO OS LIMITES DESSA APROXIMAÇÃO A PARTIR DO TEMA DO ‘DESTITUINTE’* * Artigo submetido em 05/02/2022. Aprovado em 06/02/2022. ** ** O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.

AGAMBEN AND FOUCAULT: EXPLORING THE LIMITS OF THIS PROXIMITY UNDER THE PERSPECTIVE OF THE ‘DESTITUENT’ THEME

RESUMO

A obra de Giorgio Agamben é marcada por constantes referências aos trabalhos de Michel Foucault, de modo que esse figura como um importante marco teórico para aquele. Entretanto, um esforço de aproximação dos dois autores se mostra deveras problemático à medida que se percebe que o filósofo italiano opera certas categorias metodológicas e conceituais fundamentais ao pensamento foucaultiano de maneira radicalmente distinta do filósofo francês. Tal incompatibilidade se apresenta com maior clareza quando nos propomos a explorar o tema do ‘destituinte’ na obra agambeniana, a partir do qual ontologia, política e ética se entrecruzam desvelando as diferenças entre os dois filósofos. Assim, para expor os limites dessa aproximação, primeiramente serão exploradas as distinções metodológicas entre os dois autores na abordagem do problema do ‘poder’, bem como a maneira como o conceito se formula na obra de cada um deles. Na sequência, serão apresentadas as linhas gerais da ‘ontologia modal’ e da ‘ética da inoperosidade’ agambenianas com o fim de explicitar ao final, à guisa de conclusão, a divergência entre as saídas éticas propostas por Foucault e Agamben em seus trabalhos tardios.

Palavras-chave:
Giorgio Agamben; Michel Foucault; Destituinte; Poder; Potência; Ética

ABSTRACT

The work of Giorgio Agamben is punctuated by constant references to Michel Foucault’s work, so that the latter appears as an important theoretical framework for the former. However, an effort to bring the two authors together proves to be quite problematic as it is perceived that the Italian philosopher operates certain methodological and conceptual categories fundamental to Foucauldian thought in a radically different way from the French philosopher. Such incompatibility is presented with greater clarity when we propose to explore the theme of the destituent in Agamben’s work, from which ontology, politics and ethics intersect, revealing the differences between the two philosophers. Thus, in order to expose the limits of this approximation, it will first be explored the methodological distinctions between the two authors in their approach of the problem of ‘power’, as well as the way in which the concept is formulated in the work of each of them. Next, the general lines of the agambenian ‘modal ontology’ and the ‘ethics of inoperability’ will be presented in order to conclusively explain the divergence between the ethical solutions proposed by Foucault and Agamben in their later works.

Keywords:
Giorgio Agamben; Michel Foucault; Destituent; Power; Potency; Ethics

Introdução

O tema do ‘destituinte’ aparece pela primeira vez na obra de Giorgio Agamben em 2013, em uma palestra pública proferida em Atenas a convite de Nicos Poulantzas e a juventude do Syriza, ainda no contexto das sublevações que vinham se acumulando contra as políticas de austeridade implementadas desde o colapso econômico de 2008, e que atingiram seu ponto auge em junho de 2011, na grande jornada de ocupação das praças de Atenas. Na ocasião, o filósofo italiano elaborou sua intervenção partindo do diagnóstico foucaultiano do final dos anos 1970 acerca do biopoder e da configuração de uma sociedade de segurança, para então sustentar que a sociedade europeia contemporânea já não podia mais ser considerada uma sociedade política, na medida em que vinha sendo conformada por uma arte de governar informada por fatores biológicos. Ou seja, uma vez que a prática governamental, por meio de seus dispositivos de segurança biométricos, passava a se desenvolver pautada no reino da vida nua, da necessidade biológica composta por elementos que escapam à vontade dos cidadãos, a ágora se tornava uma hibridização do público e do privado, fazendo a ética perder completamente seu sentido. Consequentemente, o elemento da decisão que marca a política se dissolve em um determinismo tecnocrata responsável pela instauração de um estado de exceção permanente (Agamben, 2014AGAMBEN, G. “Por uma teoria do poder destituinte”. 2014. Disponível em: https://5dias.wordpress.com/2014/02/11/por-uma-teoria-do-poder-destituinte-de-giorgio-agamben/ (Acessado em 05 de fevereiro de 2022).
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).

Para o filósofo italiano, o grande problema desse paradigma securitário – formulado e alimentado pelo acúmulo de dados estatísticos acerca do comportamento das populações – é que “cada dissenso, cada tentativa mais ou menos violenta de derrubar a sua ordem, cria uma oportunidade de governar numa direção rentável” (Agamben, 2014AGAMBEN, G. “Por uma teoria do poder destituinte”. 2014. Disponível em: https://5dias.wordpress.com/2014/02/11/por-uma-teoria-do-poder-destituinte-de-giorgio-agamben/ (Acessado em 05 de fevereiro de 2022).
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). Por esse motivo, a clássica forma revolucionária, que busca promover uma modificação política radical em termos de um poder constituinte, é apresentada como uma estratégia incapaz de romper o ciclo constituído nas sociedades de segurança. Como alternativa, Agamben sugere então a necessidade de se pensar algo como uma ‘potência destituinte’ que não possa ser capturada pela espiral da segurança, algo que exige “a redescoberta de uma forma-de-vida e o acesso a uma nova figura dessa vida política cuja memória o Estado Securitário tenta a todo o custo apagar” (Agamben, 2014AGAMBEN, G. “Por uma teoria do poder destituinte”. 2014. Disponível em: https://5dias.wordpress.com/2014/02/11/por-uma-teoria-do-poder-destituinte-de-giorgio-agamben/ (Acessado em 05 de fevereiro de 2022).
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Inspirado na concepção de ‘violência pura’ de Walter Benjamin – expressão que designa uma violência capaz de desativar a falsa díade entre a violência que faz as leis e a violência que as mantém (Benjamin, 2011a, pp. 121-156BENJAMIN, W. “Para uma crítica da violência”. In: Escritos sobre mito e linguagem (1915-1921). Trad. Susana Kampff Lages e Ernani Chaves. São Paulo: Editora 34, 2011a. pp. 121-156.) –, Agamben apresenta o conceito de ‘destituinte’ como uma força capaz de depor “de uma vez por todas a lei”, reabrindo uma nova época histórica que não se inscreve na dialética do poder constituinte/constituído, diga-se, aquela na qual o poder que destrói a ordem o faz apenas com o fim de recriá-la sob uma nova forma (Agamben, 2014AGAMBEN, G. “Por uma teoria do poder destituinte”. 2014. Disponível em: https://5dias.wordpress.com/2014/02/11/por-uma-teoria-do-poder-destituinte-de-giorgio-agamben/ (Acessado em 05 de fevereiro de 2022).
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).

Esse raciocínio já vinha sendo desenvolvido pelo filósofo italiano desde os primeiros volumes de seu projeto homo sacer – definido como uma arqueologia voltada a rediscutir a estrutura originária da política –, e é então recolocado de forma mais amadurecida em 2014 no livro “O uso dos corpos”, que traz um epílogo intitulado “Por uma teoria da potência destituinte”. Porém, se em 2013, dado o contexto político contemporâneo de tomada da vida nua pela prática governamental securitária, pensar o ‘destituinte’ aparecia como uma estratégia alternativa àquelas implicadas nas noções clássicas de ‘revolução’ e ‘poder constituinte’, em 2014 essa tarefa é colocada como uma via necessária, tendo em vista a ontologia política que o filósofo então nos apresenta como resultado geral de todo o projeto homo sacer.

Nesse processo, Giorgio Agamben nos remete com frequência aos trabalhos de Michel Foucault, tomando-os como um marco teórico para sua própria reflexão. Entretanto, no decorrer do desenvolvimento do tema do ‘destituinte’, resta evidente que a forma como o filósofo italiano opera certas categorias diverge fundamentalmente do viés foucaultiano. Tendo isso em mente, este artigo busca explicitar que, apesar da aparente afinidade entre os trabalhos de Agamben e Foucault, eles se afastam em pontos basilares tanto metodológicos quanto conceituais – em especial, no que diz respeito às obras tardias de ambos.

Para expor os limites dessa aproximação, primeiramente serão exploradas as distinções metodológicas na abordagem do problema do ‘poder’, bem como a maneira como o conceito se formula na obra agambeniana – fornecendo suporte para a contraposição que o filósofo propõe entre ‘poder constituinte’ e ‘potência destituinte’ –, com o fim de contrastá-la com o enfoque foucaultiano. Na sequência, serão apresentadas as linhas gerais da ‘ontologia modal’ e da ‘ética da inoperosidade’ que Agamben apresenta em “O uso dos corpos” como fundamento e forma de configuração do destituinte. Por fim, será explicitada, à guisa de conclusão, a divergência entre as saídas éticas propostas por Foucault e Agamben em seus trabalhos tardios, como um consequente desdobramento dos elementos anteriormente apresentados.

1 Abordando o problema do poder

1.1 Genealogia vs. arqueologia do poder

Uma das principais marcas na forma como Michel Foucault aborda o problema do poder a partir dos anos 1970 é que o autor não busca fazer uma teoria, mas sim uma analítica das relações de poder, em seu nível microfísico, a partir de um método genealógico. Como bem observam Hubert Dreyfus e Paul Rabinow, enquanto uma teoria do poder se pretende uma descrição sem contexto particular, a-histórica, geral e objetiva, a filosofia foucaultiana toma o poder exatamente em suas assimetrias e mobilidades em um momento dado e específico (Dreyfus; Rabinow, 1995, pp. 202-203DREYFUS, H., RABINOW, P. “Michel Foucault: uma trajetória filosófica para além do estruturalismo e da hermenêutica”. Trad. Vera Porto Carrero. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995.). E isso porque a genealogia foucaultiana assume como pressuposto metodológico que, no começo histórico das coisas, não encontramos a identidade ainda preservada da origem, mas sim o conflito, “a discórdia entre as coisas”. Logo, o que resta ao genealogista é escavar obstinadamente as condições de aparecimento e de transgressão dos regimes de verdade, as críticas particulares e locais contra o efeito inibidor das teorias que se apresentam como universais totalizantes. Assim, no trato com a história, Foucault toma as proveniências (Herkunft) – isto é, o antigo pertencimento de um acontecimento a um grupo – e a emergência (Entstehung) – a entrada em cena de determinada relação de forças – como a priori histórico (Foucault, 2001, p. 1.006FOUCAULT, M. “Dits et Écrits I, 1954-1975”. Paris: Quarto Gallimard, 2001.).

Diferentemente da lógica dialética, que “põe em jogo termos contraditórios no elemento do homogêneo”, a genealogia estabelece uma conexão entre o heterogêneo em vez de uma homogeneização do contraditório. Ela toma as “tensões, atritos, incompatibilidades mútuas, ajustes bem-sucedidos ou fracassados, misturas instáveis” como um jogo de relações estratégicas, com o fim de “estabelecer quais são as conexões possíveis entre termos díspares e que permanecem díspares” (Foucault, 2008a, p. 29FOUCAULT, M. “Nascimento da biopolítica”. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2008a., nota a). Por isso, o olhar do genealogista se move na história focando em suas rupturas e descontinuidades, com o fim de destacar a multiplicidade das singularidades e das linhas de forças que dali surgiram, buscando nelas os pontos de resistência às relações de poder que a partir de então se configuraram possíveis, e que podem assim estrategicamente servir de base para atitudes críticas no presente.

Já a abordagem histórica de Agamben se inspira no trabalho arqueológico de Foucault que demarca suas reflexões dos anos 1960, mas dali traça um outro percurso apartado da genealogia. Mesmo compreendendo o paradoxo que a busca pela origem representa na dinâmica do conhecimento – digase, a impossibilidade de um conhecimento da origem ser, em termos lógicos, anterior à própria origem, como se derivado de uma consciência neutra e a-histórica –, Agamben preocupa-se com aquilo que vem então a ocupar esse lugar fundamental, a fonte pré-histórica desse estrato heterogêneo, o “estágio mais arcaico” dessa cisão que demarca a “procedência” ou a “emergência” analisadas pelo genealogista (Agamben, 2010a, p. 114AGAMBEN, G. “Arqueología filosófica”. In: Signatura rerum. Sobre el método. Trad. Flavia Costa e Mercedes Ruvituso. Barcelona: Editorial Anagrama, 2010a. pp. 109-150.). É essa “história mais antiga”, essa fonte neutralizada pela tradição histórica – e que Agamben aproxima dos conceitos de a priori histórico e episteme – que é então tomada como objeto de investigação em sua arqueologia filosófica. Em suma, a busca de Agamben é pela arché, que “assegura a coerência e a compreensão sincrônica do sistema” (Agamben, 2010a, pp. 125-126AGAMBEN, G. “Arqueología filosófica”. In: Signatura rerum. Sobre el método. Trad. Flavia Costa e Mercedes Ruvituso. Barcelona: Editorial Anagrama, 2010a. pp. 109-150.), e que nos remeteria a uma indistinção primordial.

Apesar dessa ‘matriz paradigmática’ que corresponde à arché não poder ser reduzida à mera soma das partes que procedem à sua divisão, Agamben sustenta que ela é uma tendência presente e operante que condiciona e torna inteligível o desenvolvimento no tempo. Porém, como acessar esse algo não vivido pelo sujeito, esse divisor de águas entre o consciente e o inconsciente? Para o filósofo italiano, é justamente essa dificuldade imposta à regressão arqueológica de ir além do limite e vislumbrar aquilo que não foi que coloca em questão o desejo contemporâneo de experimentar o não vivido e liberar-nos daquilo que somos. Com isso, a indagação arqueológica instaura uma copresença entre passado e presente, assumindo a forma de um “futuro anterior” (Agamben, 2010a, pp. 138-143AGAMBEN, G. “Arqueología filosófica”. In: Signatura rerum. Sobre el método. Trad. Flavia Costa e Mercedes Ruvituso. Barcelona: Editorial Anagrama, 2010a. pp. 109-150.), sendo essa experiência do não vivido – e não as linhas de forças liberadas nas lutas históricas anteriores, como estabelece Foucault – que abre espaço para a resistência ao poder.

Afastando-se então do projeto genealógico foucaultiano, Agamben deixa claro que seu objeto não são as emergências em si, e que seu objetivo passa ao largo de uma apelação a possíveis alternativas ao estado de coisas real derivadas dos múltiplos desdobramentos do acontecimento que foram soterrados em primeira instância pela tradição histórica (Agamben, 2010a, p. 143AGAMBEN, G. “Arqueología filosófica”. In: Signatura rerum. Sobre el método. Trad. Flavia Costa e Mercedes Ruvituso. Barcelona: Editorial Anagrama, 2010a. pp. 109-150.). O que sua arqueologia filosófica busca é “trazer à luz os a priori históricos que condicionam a história da humanidade e definem suas épocas”, algo que lhe permita “construir uma hierarquia dos a priori históricos, que volta no tempo para formas cada vez mais gerais” (Agamben, 2017, p. 137AGAMBEN, G. “O uso dos corpos - Homo sacer, IV. 2”. Trad. Slevino J. Assmann. São Paulo: Boitempo, 2017.). Assim, nessa empreitada de encontrar e ordenar os sucessivos a priori históricos, a arqueologia agambeniana se depara com a ontologia – essa “filosofia primeira” que “constituiu durante séculos o a priori histórico fundamental do pensamento ocidental” (Agamben, 2017, p. 137AGAMBEN, G. “O uso dos corpos - Homo sacer, IV. 2”. Trad. Slevino J. Assmann. São Paulo: Boitempo, 2017.). Ela acaba se configurando como um método que, no lugar de pensar o acontecimento – levando em consideração suas descontinuidades e fraturas históricas, ou mesmo as tensões e as estratégias colocadas em curso no interior de determinadas relações de poder –, dedica-se a escavar suas linhas de continuidade com o fim de encontrar sua matriz, para então estabelecer suas condições de superação.

Eis o primeiro ponto decisivo no qual os projetos filosóficos de Agamben e Foucault se separam. Enquanto o arqueologista pressupõe a existência de um dado fundamental às relações de poder, o genealogista toma as relações de poder como dado primário, partindo da premissa de que estamos sempre e necessariamente “no” poder (Foucault, 2017, pp. 1.052-1.053FOUCAULT, M. “Dits et Écrits II, 1976-1988”. Paris: Quarto Gallimard, 2017.). Por conseguinte, a saída agambeniana se constrói na busca pela fonte de toda arché com o intuito de superá-la – o que levará o filósofo ao tema do destituinte –, ao passo que a foucaultiana sempre diz respeito às estratégias de resistir, desfazer, modificar uma “certa” relação de poder – motivo pelo qual seus trabalhos finais serão orientados para uma “arte de não ser governado de tal forma” (Foucault, 2015a, p. 37FOUCAULT, M. “Qu’est-ce que la critique”. In: “Qu’est-ce que la critique?” suivi de “La culture de soi”. Paris: Vrin, 2015a. pp. 33-80.).

1.2 A máquina bipolar do poder constituinte/constituído

Na esteira do projeto arqueológico, a inflexão que apresentamos na introdução deste artigo na forma como Agamben aborda o tema do destituinte entre os anos 2013 e 2014 se justifica na medida em que, no corolário do seu projeto homo sacer, o filósofo reconhece um movimento padrão que origina e fundamenta o dispositivo jurídico-político ocidental, algo que, desde a Antiguidade, funcionaria reproduzindo o mesmo mecanismo binário no qual a noção de ‘poder constituinte’ sempre esteve inserida. Retomando as categorias exploradas em suas obras anteriores – nas quais constatara que “a cidade fundamenta-se na cisão da vida em vida nua e vida politicamente qualificada; o humano define-se pela exclusão-inclusão do animal; a lei, pela exceptio da anomia; o governo, pela exclusão da inoperosidade e sua captura na forma da glória” (Agamben, 2017, p. 297AGAMBEN, G. “O uso dos corpos - Homo sacer, IV. 2”. Trad. Slevino J. Assmann. São Paulo: Boitempo, 2017.) –, em “O uso dos corpos” Agamben conclui que a instauração da política se dá pela contínua constituição de uma arché a partir da cisão da experiência – originalmente anárquica – e rearticulação de suas metades, fazendo com que a parte imanente se separe de sua fonte, tornando-se em seguida fundamento determinante e limitador de sua própria potência originária.

Para o autor, essa lógica bipolar hierarquizante é também a mesma que configura a matriz da cisão do poder entre ‘poder constituinte’ e ‘poder constituído’, cisão essa que expulsa o primeiro da ordem jurídico-normativa com o mesmo movimento em que o concebe como fundamento legitimante do segundo, fazendo com que todo poder constituído pressuponha em sua origem um poder constituinte que o põe em ser e o garante (Agamben, 2017, p. 298AGAMBEN, G. “O uso dos corpos - Homo sacer, IV. 2”. Trad. Slevino J. Assmann. São Paulo: Boitempo, 2017.). Assim, o que o filósofo busca demonstrar é que, apesar de ‘poder constituinte’ e ‘poder constituído’ serem comumente apresentados como fenômenos distintos, eles são antes partes provenientes de um mesmo processo de ordenação, cuja dinâmica é marcada pela reprodução da incessante dialética entre violência que põe o direito e violência que o conserva. Logo, se ambos compartilham a mesma natureza, o poder constituinte que abate o constituído não o aniquila, apenas o faz ressurgir de outra forma, motivo pelo qual ele é sempre “necessariamente confiscado e capturado no poder constituído a que deu origem, sobrevivendo nele apenas como poder de revisão” (Agamben, 2017, p. 298AGAMBEN, G. “O uso dos corpos - Homo sacer, IV. 2”. Trad. Slevino J. Assmann. São Paulo: Boitempo, 2017.).

A apresentação dessa crítica se esclarece quando precisamos a forma como o ‘poder’ é concebido no pensamento político do autor que, por sua vez, destoa profundamente daquela proposta por Michel Foucault. Apesar de Agamben mobilizar de maneira fundamental elementos do pensamento foucaultiano – como a noção de dispositivo e o diagnóstico da configuração de uma sociedade de segurança que toma a vida biológica como seu objeto primário –, trata-se de uma apropriação parcial, dado que o filósofo italiano não assume alguns dos pressupostos básicos que Foucault estabelece em sua analítica do poder, em especial, aquele que se recusa a tomar o poder somente em termos negativos, como algo que reprime, constrange ou expropria uma dimensão substancial da vida.

Para o filósofo italiano, o ‘poder’ diz respeito às forças que obrigam “a potência a permanecer em si mesma” (Agamben, 1987, p. 61AGAMBEN, G. “Ideia do poder”. In: Ideia de prosa. Trad. João Barrento. Belo Horizonte: Autêntica, 1987. pp. 61-62.). Ele é o “isolamento da potência em relação ao seu ato”, uma forma de organização da potência que fundamenta sobre ela sua própria autoridade (Agamben, 1987, p. 61AGAMBEN, G. “Ideia do poder”. In: Ideia de prosa. Trad. João Barrento. Belo Horizonte: Autêntica, 1987. pp. 61-62.). Dessa conceituação, concluímos que o poder parece ser entendido por Agamben como um subproduto da atualização da potência, tendo-a como premissa necessária para existir, ao passo que a potência, concebida como dado ontológico, encarna a possibilidade de se atualizar ou não em termos de poder (Agamben, 2017, p. 82AGAMBEN, G. “O uso dos corpos - Homo sacer, IV. 2”. Trad. Slevino J. Assmann. São Paulo: Boitempo, 2017.), e por isso existe independente dele.

Nesse ponto, jaz uma divergência fundamental entre Foucault e Agamben: enquanto para o primeiro a potência depende do limite estabelecido nas relações de poder para se manifestar – e por isso ela é pensada em termos de ‘resistência’, de maneira que o poder não é somente um limite ordenador da potência, mas uma relação que a incita, sendo sua própria condição de possibilidade (Foucault, 1999FOUCAULT, M. “História da sexualidade: a vontade de saber”. Trad. Maria Thereza da Costa Alburqueque e J. A. Guilhon Albuquerque. 13a ed. Rio de Janeiro: Graal, 1999.) –, para o segundo a potência é concebida de forma independente do poder, inclusive como potência do não, diga-se, como possibilidade de um não poder.

Esse afastamento entre os dois autores fica ainda mais evidente na forma como Agamben trabalha o conceito de ‘biopolítica’. Em Foucault, a biopolítica é pensada de maneira histórica, como efeito da reformulação da governamentalidade moderna entre os séculos XIX e XX a partir do desenvolvimento da economia política liberal. Orientada pelo imperativo da eficiência que busca atingir a maior produtividade possível com o menor dispêndio, tal organização do poder sobre a vida está diretamente vinculada a uma lógica de produção de valor (Foucault, 2008bFOUCAULT, M. “Segurança, território, população. Curso dado no Collège de France (1977- 1978)”. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2008b.). Já Agamben busca desvelar o exato oposto, porém, usando o mesmo termo. Afastado da premissa foucaultiana de que é preciso estudar o poder fora do modelo da soberania (Foucault, 2005, p. 40FOUCAULT, M. “Em defesa da sociedade. Curso no Collège de France (1975-1976)”. Trad. Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 2005.), Agamben pensa a biopolítica à luz da crescente configuração política da ‘vida nua’ – vidas matáveis cujos paradigmas vão desde o antigo instituto romano do homo sacer, passando pelo genocídio praticado nos campos de concentração nazistas, até o combate ao terrorismo contemporâneo e a prisão de Guantánamo (Agamben, 2007AGAMBEN, G. “Homo sacer: o poder soberano e a vida nua”. Trad. Henrique Burigo. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2007.) – a partir da decisão soberana. Como processo que torna zoe e bíos indistinguíveis, a biopolítica torna-se um conceito tanatopolítico, um corolário para o diagnóstico agambeniano da configuração de um Estado cada vez mais totalitário que, exercendo seu poder sobre a vida, mina a sua potência.

Nessa esteira, Agamben dá continuidade aos seus trabalhos sustentando que o paradigma biopolítico se instalou definitivamente na teologia cristã, responsável por estabelecer uma dupla configuração do poder como biopoder. Por um lado, ele é ordenado nos termos de um poder soberano, um poder de morte concebido à imagem de Deus como uma força que incide sobre a vida na forma da decisão sobre a exceção, cindindo-a em vida nua e vida juridicamente qualificada, e estabelecendo-se como um falso limiar entre direito e violência. Por outro, é reproduzido na forma de uma oikonomia desenvolvida no interior da doutrina trinitária sobre a divindade, ou seja, como um governo dos homens sustentado por símbolos e liturgias de aclamação que o reforçam no campo da subjetividade, tendo portanto a glória – e não a violência – como seu arcano central (Agamben, 2011, pp. 7-8AGAMBEN, G. “O reino e a glória”. Trad. Selvino J. Assmann. São Paulo: Boitempo, 2011.).

Essas duas facetas do biopoder são analisadas como positividades históricas que se configuram como um obstáculo à potencialidade do ser vivente, posição essa que é expressa com clareza no texto “O que é um dispositivo”, de 2006, no qual Agamben toma Foucault como um explícito ponto de referência, sem, todavia, demarcar a distinção fundamental entre ambos.

No texto em comento, o filósofo italiano inicia sua reflexão seguindo o desenho foucaultiano no qual o dispositivo é concebido como uma rede com uma função estratégica dominante, que abarca e dispõe uma série de elementos heterogêneos – práticas, discursos, saberes, instituições e técnicas de subjetivação etc. –, configurando relações de poder e produzindo sujeitos em termos de controle (Foucault, 2017, p. 299FOUCAULT, M. “Dits et Écrits II, 1976-1988”. Paris: Quarto Gallimard, 2017.). Porém, esse conceito foucaultiano é subvertido na medida em que Agamben o afirma como um processo de captura incessante dos seres viventes – voltado a orientar, determinar, modelar, controlar e assegurar seus gestos, condutas, opiniões e discursos – que se realiza como “uma pura atividade de governo sem nenhum fundamento no ser” (Agamben, 2009a, pp. 38-41AGAMBEN, G. “O que é um dispositivo?” In: O que é o contemporâneo e outros ensaios. Trad. Vinícius Nicastro Honesko, Chapecó: Argos, 2009a. pp. 25-54.). Ou seja, se em Foucault o dispositivo corresponde a um enrijecimento estratégico e imanente das relações de poder que as configura como dominação – mas que, ainda assim, é contingente e precário e, justamente por isso, passível de ser desfeito –, em Agamben o dispositivo é concebido como uma máquina de governo que subjuga docilizando, porém, que pertence a uma classe de natureza absolutamente distinta daquela dos seres viventes. O único ponto de contato entre ‘ser-vivente’ e ‘dispositivo’ é a configuração do ‘sujeito’ que, por sua vez, não se confunde de modo algum com a substância individualizada do ser-vivente, sendo antes o produto de uma cisão realizada pelo dispositivo que “separa o vivente de si mesmo e da relação imediata com seu ambiente” (Agamben, 2009a, p. 43AGAMBEN, G. “O que é um dispositivo?” In: O que é o contemporâneo e outros ensaios. Trad. Vinícius Nicastro Honesko, Chapecó: Argos, 2009a. pp. 25-54.).

Todavia, segundo o filósofo italiano, no atual estágio do capitalismo essa lógica maquínica e expropriativa do poder teria atingido seu limite, rompendo inclusive com tal derradeiro ponto de contato, visto que os dispositivos

não agem mais tanto pela produção de um sujeito quanto por meio de processos que podemos chamar de dessubjetivação. Um momento dessubjetivante estava certamente implícito em todo processo de subjetivação, e o Eu penitencial se constituía, havíamos visto, somente por meio da própria negação; mas o que acontece agora é que processos de subjetivação e processos de dessubjetivação parecem tornar-se reciprocamente indiferentes e não dão lugar à recomposição de um novo sujeito, a não ser de forma larval e, por assim dizer, espectral. Na não-verdade do sujeito não há mais de modo algum a sua verdade (Agamben, 2009a, p. 47AGAMBEN, G. “O que é um dispositivo?” In: O que é o contemporâneo e outros ensaios. Trad. Vinícius Nicastro Honesko, Chapecó: Argos, 2009a. pp. 25-54.).

Nessa configuração do dispositivo contemporâneo, o que Agamben identifica é, portanto, um processo de captura da vida por um sistema de técnicas que, ao reduzirem o indivíduo a um mero fenômeno biológico inteligível a partir de dados simplificados, não resultam em nenhuma subjetivação real, não produzem nenhuma identidade política. Conformando-se como mecanismos de gestão da vida em sua forma mais primária, essas técnicas não necessitariam recorrer a nenhum regime de verdade para se estabelecerem enquanto tais, sendo isso que torna a política contemporânea um “experimento devastador, que desarticula e esvazia em todo o planeta instituições e crenças, ideologias e religiões, identidades e comunidades, para voltar depois a repropor a sua forma definitiva nulificada” (Agamben, 2015a, p. 53AGAMBEN, G. “Notas sobre a política”. In: Meios sem fim. Notas sobre a política. Trad. Davi Pessoa, Belo Horizonte: Autêntica, 2015a. pp. 53-56.). E se o dispositivo contemporâneo controla cada aspecto da vida a ponto de reduzi-los a corpos inertes, gerando um verdadeiro eclipse da política, consequentemente não há nenhuma possibilidade de subvertê-los internamente, sendo, portanto, necessário pensar sua destituição de forma mais radical.

2 Para superar o poder, a potência destituinte

2.1 Para se pensar a potência destituinte, uma ontologia modal

Visto que o objetivo de Agamben é pensar um meio de desativar a dialética entre poder constituinte e poder constituído, neutralizando a conformação de qualquer espécie de comando e garantindo o espaço vazio e anárquico sobre o qual o poder se fundamenta originalmente, é importante esclarecer de antemão que a potência destituinte teorizada pelo filósofo não pode ser tomada como algo que se realiza como uma simples negação ou destruição. Afinal, isso implicaria estabelecer uma relação com o dispositivo de poder e, consequentemente, adentrar novamente em sua máquina bipolar. Por isso, o destituinte nos é apresentado, fundamentalmente, como uma espécie de abandono, uma desvinculação que suspende o processo de separação e cristalização da potência na forma do poder.

Como ponto de partida para se pensar esse destituinte, Agamben propõenos então um mergulho ontológico, retomando a filosofia aristotélica na qual o ser é concebido como uma multiplicidade que se exprime em termos de ato (energeia) e potência (dynamis). Trata-se aqui de modos de ser opostos e, ao mesmo tempo, vinculados, visto que a potência, enquanto possibilidade, corresponde a uma faculdade que é concebida a partir da realização do ato, e o ato, como uma conformação, um modo de ser da potência que se manifesta no atual (Agamben, 2006, pp. 11-28AGAMBEN, G. “A potência do pensamento”. Trad. Carolina Pizzolo Torquato. Revista do Departamento de Psicologia, Vol. 18, Nr. 1, 2006, pp. 11-28.).

Essa concepção estabelece as bases de uma ‘ontologia modal’, que parte do pressuposto que entre ser e modos de ser há uma relação que não é nem de identidade nem de diferença. Os modos são como uma “voragem do fluxo do ser”, “redemoinhos no interminável campo da substância, que, submergindo e turbilhonando em si mesma, se dissemina e expressa nas singularidades”, sendo, portanto, ao mesmo tempo, idênticos e diversos do ser. Isso significa que a substância do ser, ao se expressar efetivando os modos, afeta a si mesma e modifica sua própria realidade. Por isso, “o ser não preexiste aos modos, mas constitui a si modificando-se, nada mais sendo do que suas modificações”. Assim, no marco da ontologia modal, conceber o ser exige uma concepção dos modos de ser, e vice-versa, a ponto de o filósofo italiano estabelecer um limiar de indiferença entre a ontologia e a ética (Agamben, 2017, pp. 196-201AGAMBEN, G. “O uso dos corpos - Homo sacer, IV. 2”. Trad. Slevino J. Assmann. São Paulo: Boitempo, 2017.).

Estabelecida a co-originariedade entre ser e modos de expressão do ser, é tentador presumir uma prevalência do ato em relação à potência, à luz da ideia de que a potência só poderia ser concebida a partir de sua manifestação na forma do ato, sendo, assim, pensada residualmente como não ato (Gomes; Matos, 2017, p. 51GOMES, A. S. T., MATOS, A. S. M. C. “A proposta de uma forma-de-vida anárquica na obra de Giorgio Agamben: uso inoperoso e não constituinte do poder”. Revista da Faculdade de Direito UFMG, Nr. 71, pp. 47-68, 2017.). Porém, é justamente contra tal intuição que Agamben inicia seu argumento sobre a potência destituinte. Ele nos lembra que a potência não é apenas potência de ser ou fazer, mas também impotência, ou seja, potência de não ser, de não fazer, potência de não passar ao ato. Logo, ela não existe somente em relação a um ato realizável, mas também na esfera de sua não realização, como potência-do-não. E essa potência de não passar ao ato – diga-se, do não-ser-em-ato – não é uma simples ausência, mas algo existente (Agamben, 2006, p. 19AGAMBEN, G. “A potência do pensamento”. Trad. Carolina Pizzolo Torquato. Revista do Departamento de Psicologia, Vol. 18, Nr. 1, 2006, pp. 11-28.).

Seguindo a trilha aristotélica, Agamben conclui que, diferentemente dos outros seres vivos que podem apenas a potência específica deles, este ou aquele comportamento inscrito em sua vocação biológica, o homem

é o senhor da privação porque mais que qualquer outro ser vivo ele está, no seu ser, destinando à potência. Mas isso não significa que ele está, também, destinado e abandonado a ela, no sentido de que todo o seu poder de agir é constitutivamente um poder de não-agir e todo o seu conhecer; um poder de não-conhecer. [...] O ser vivo, que existe no modo da potência, pode a própria impotência, e apenas dessa forma possui a própria potência. Ele pode ser e fazer porque se mantém relacionado ao próprio não ser e não-fazer (Agamben, 2006, pp. 20-21AGAMBEN, G. “A potência do pensamento”. Trad. Carolina Pizzolo Torquato. Revista do Departamento de Psicologia, Vol. 18, Nr. 1, 2006, pp. 11-28.).

Ancorado nessa premissa, Agamben apresentará o destituinte como uma possibilidade ligada à pura potência-do-não, algo que se realiza de maneira apartada da dimensão do ato, na qual se desenvolve a dinâmica do poder. Por conseguinte, seu objetivo será produzir uma reflexão capaz de ir “até o fundo da própria impotência” (Agamben, 2015, p. 54), tarefa essa que exigirá uma ética da inoperosidade.

2.2 Para a configuração da potência destituinte, uma ética da inoperosidade

Desde 2007, no livro “O reino e a glória”, Agamben retomava Spinoza para pensar a inoperosidade como uma espécie de “contemplação da potência”, uma práxis sui generis, particular do ser vivente, que consiste em tornar inativa toda potência específica de agir e de fazer. Nessa empreitada, o filósofo concluíra que

a vida, que contempla a (própria) potência de agir, torna-se inoperosa em todas as suas operações, vivendo apenas a (sua) vivibilidade. Escrevemos “própria” e “sua” entre parênteses, porque somente pela contemplação da potência, que torna inoperosa toda energeia específica, algo como a experiência de um “próprio” e de um “si” é possível. O si, a subjetividade, é aquilo que se abre como uma inoperosidade central em cada operação, como a viv-ibilidade de toda vida. Nessa inoperosidade, a vida que vivemos é apenas a vida através da qual vivemos, apenas nossa potência de agir e de viver, nossa ag-ibilidade e nossa viv-ibilidade (Agamben, 2011, p. 162AGAMBEN, G. “O reino e a glória”. Trad. Selvino J. Assmann. São Paulo: Boitempo, 2011.).

Partindo do pressuposto de que o ser, enquanto potência, não tem nenhuma obra que o defina, nenhuma tarefa que se imponha como dever de cumprir ou realizar, o conceito de inoperosidade mobilizado por Agamben remete a uma vivência aberta que não se cristaliza no presente, em um lugar, em um produto, ou em uma forma específica. Como uma espécie de “meio sem fim”, a inoperosidade diz respeito à ausência de obra no processo do viver, e implica a ideia de uma vivência impessoal, despersonalizada, que não pode ser atribuída a uma unidade psicossomática autolimitante – como um corpo, ou um sujeito (Collado; Matos, 2020, pp. 146-147COLLADO, F. G., MATOS, A. S. M. C. “Más allá e la biopolítica: biopotencia, bioarztquía, bioemergencia”. Girona: Documenta Universitaria, 2020.).

Não sendo necessariamente nem um ‘fazer’ nem um ‘não fazer’– de maneira que a inoperosidade não se identifica necessariamente à ação, nem à inércia ou ao repouso –, ela é apresentada pelo filósofo italiano como aquilo capaz de desativar o dispositivo governamental. No nosso tempo presente, isso implica a desativação das condições jurídicas e dos comportamentos sociais normatizados, as práticas linguísticas e corpóreas, materiais e imateriais, que incessantemente são conferidas aos seres vivos (Agamben, 2011, pp. 157-162AGAMBEN, G. “O reino e a glória”. Trad. Selvino J. Assmann. São Paulo: Boitempo, 2011.).

Esclarecido esse conceito de inoperosidade, temos que o problema basilar da potência destituinte que aparece na obra madura de Agamben é o de pensar tal “meio sem fim” como uma existência livre de aspirações teleológicas, como uma ação-passiva capaz de depor os princípios e neutralizar os comandos do poder, mantendo presente sua ausência ontológica, e abrindo espaço para o fluxo de uma potência que não se conforme em ato. Esse projeto é então desenvolvido na hipótese ética de um “uso dos corpos” que, ao invés de se realizar como uma “ação” configuradora de “obra”, busca resgatar o íntimo entrelaçamento entre “ser” e “viver”, na ideia de uma vida que é vivida sem separação de sua potência: uma “forma-de-vida”.

Tal hipótese de “uso do corpo” é desenvolvida por Agamben a partir da “Política” de Aristóteles, na forma como ele pensara o estatuto do escravo em relação ao senhor, com o fim de extrair dessa relação seu sentido improdutivo, ou seja, como algo que simplesmente se realiza, independente de uma finalidade, e que se refere a uma ação na qual sujeito e objeto se confundem. Desviandose das implicações que tal “uso do corpo” tinha para os próprios escravos na Antiguidade, Agamben utiliza-se dessa reflexão para pensar um processo no qual o sujeito é, ao mesmo tempo, agente e passivo, na medida em que ele realiza algo que se realiza nele – motivo pelo qual, no âmbito do “uso”, ele não pode ser cindido e separado do próprio ser em termos de propriedade, como ocorre no estabelecimento da relação de trabalho.

Aqui o ‘corpo’ aparece não tanto como limite e sim como um umbral que possibilita o trânsito e os processos de comunicação. Funcionando como um ponto de indeterminação entre o ser e o estar sendo, ele corresponde ao lugar da vida por excelência, a um campo imanente da potência no qual a vida se singulariza constantemente. Nesses termos, o mais correto seria dizer que, para Agamben, nunca se é ou se tem um corpo, mas sempre se está sendo um corpo que pode ser ou não ser (Collado; Matos, 2020, p. 44COLLADO, F. G., MATOS, A. S. M. C. “Más allá e la biopolítica: biopotencia, bioarztquía, bioemergencia”. Girona: Documenta Universitaria, 2020.). Já o ‘uso’, enquanto “afeição que se recebe enquanto se está em relação com um ou mais corpos”, corresponde à imanência, a um movimento de autoconstituição e autopresentação do ser (Agamben, 2017, p. 48AGAMBEN, G. “O uso dos corpos - Homo sacer, IV. 2”. Trad. Slevino J. Assmann. São Paulo: Boitempo, 2017.).

No quadro de uma ontologia modal, a substância do ser vivente corresponde então à própria relação que se estabelece no “uso de si” (Agamben, 2017, pp. 76-78AGAMBEN, G. “O uso dos corpos - Homo sacer, IV. 2”. Trad. Slevino J. Assmann. São Paulo: Boitempo, 2017.). E é justamente essa relação ontológica que é maculada na configuração do dispositivo do poder: o ‘uso’ deixa de ser uma relação de dupla e recíproca afeição em que sujeito e objeto se indeterminam, para se tornar uma relação hierárquica de natureza instrumental determinada, perfazendo assim “uma operação que, seguindo a própria lei interna, realiza um plano que parece transcendê-la, mas que lhe é na realidade imanente” (Agamben, 2017, p. 95AGAMBEN, G. “O uso dos corpos - Homo sacer, IV. 2”. Trad. Slevino J. Assmann. São Paulo: Boitempo, 2017.).

Por esse motivo, o destituinte que Agamben busca exige uma “ética da inoperosidade”, pois somente um uso inoperoso de si, que não se limite na forma do ato, que não corresponda a nenhuma norma senão àquela que garanta a interminável voragem do fluxo do ser, é capaz de restituir à substância sua forma-de-vida, libertando-a do dispositivo governamental. Como resultado, teríamos a abertura de uma senda para a configuração de uma política emancipada da máquina bipolar do poder, na qual está em jogo uma vida que nunca pode ser separada de suas regras, visto que sua forma é gerada vivendo.

Em suma, a ética da inoperosidade se apresenta como via para a configuração de “uma vida para a qual, em seu modo de viver, está em questão o próprio viver” (Agamben, 2017, pp. 233-234AGAMBEN, G. “O uso dos corpos - Homo sacer, IV. 2”. Trad. Slevino J. Assmann. São Paulo: Boitempo, 2017.), como um testemunho de si no próprio ser e que se expressa a si em cada corpo. É ela que traz à luz um “Ingovernável que se situa além tanto dos estados de dominação quanto das relações de poder” (Agamben, 2017, p. 133AGAMBEN, G. “O uso dos corpos - Homo sacer, IV. 2”. Trad. Slevino J. Assmann. São Paulo: Boitempo, 2017.), que é “o início e, ao mesmo tempo, o ponto de fuga de toda política” (Agamben, 2009, p. 48).

3 A difícil conciliação entre os trabalhos de Agamben e Foucault

Já no início deste artigo vimos que, apesar de Agamben referenciar a obra de Foucault como um importante marco teórico para sua própria reflexão, o filósofo italiano adota metodologias, premissas e objetivos distintos do francês em sua abordagem do problema do poder. Neste momento, resta então esclarecer como essa dissonância primária, implícita no diagnóstico político proposto por Agamben, desdobra-se em um afastamento explícito quando este adentra o campo da ética.

Para tanto, convém primeiramente observar, com atenção, uma inflexão que identificamos no próprio percurso agambeniano acerca da concepção do dispositivo do poder: diferentemente da análise realizada em 2006 – na qual encontramos uma descrição do dispositivo como uma máquina de governo que pertence a uma classe de natureza absolutamente distinta e externa àquela dos seres viventes –, em 2014 o dispositivo passa a ser compreendido como o resultado de um processo de cisão e hierarquização da própria substância, que se autolimita cristalizando modos do ser à medida que conforma o ‘uso’ em ‘técnica’.

Nesse sentido, vemos Agamben sustentar ser

legítimo supor que a absoluta instrumentalidade que aqui é pensada constitua de algum modo o paradigma das tecnologias modernas, que tendem a produzir dispositivos que incorporaram em si a operação do agente principal e, por isso, podem ‘obedecer’ a seus comandos (mesmo que estes estejam na realidade inscritos no funcionamento do dispositivo, de maneira que aquele que os usa, pressionando ‘comandos’, obedeça, por sua vez, a um programa predeterminado) (Agamben, 2017, p. 100AGAMBEN, G. “O uso dos corpos - Homo sacer, IV. 2”. Trad. Slevino J. Assmann. São Paulo: Boitempo, 2017.).

No marco estabelecido por Heidegger (2007)HEIDEGGER, M. (1953). “A questão da técnica”. Trad. Marco Aurélio Werle. Scientiae Studia, Vol. 5, Nr. 3, 2007, pp. 375-98., o filósofo italiano enfrenta a questão da ‘técnica’ tomando-a em termos puramente negativos, como algo que limita a potência à medida que incorpora códigos de comando que predeterminam métodos e produzem resultados previsíveis. Nessa linha, a transformação do ‘uso’ em ‘técnica’ é apresentada como matriz do dispositivo a partir da qual se constituem as relações de governo e a máquina bipolar do poder, motivo pelo qual a libertação da potência exige uma ética da inoperosidade.

É exatamente neste ponto que encontramos um obstáculo intransponível na conciliação dos trabalhos tardios de Foucault e Agamben.

A reflexão foucaultiana que demarca os anos 1980 e seu deslocamento para o campo da ética se desenvolve justamente a partir de uma investigação sobre as “tecnologias de si” – por vezes também enunciadas como “técnicas de si” –, expressão que o filósofo passará a utilizar para designar aquilo que “permite aos indivíduos efetuarem, por seus próprios meios, certo número de operações em seus próprios corpos, em suas próprias almas, em seus próprios pensamentos, em sua própria conduta, e isso de maneira a transformar a si mesmos” (Foucault, 2016a, p. 25FOUCAULT, M. “Subjectivity and Truth”. In: About the beginning of the hermeneutics of the self. Lectures at Dartmouth College, 1980. Trad. Graham Burchell. Chicago-London: The University of Chicago Press, 2016a. pp. 19-51.).

Em explícita contraposição à tese heideggeriana de que a técnica é algo que turva o conhecimento sobre o ser, Foucault toma a técnica como via para se pensar a constituição dos diferentes modos de ser. Ou seja, após ter dedicado um extenso trabalho nos anos 1970 às técnicas de sujeição e normalização, na década seguinte o filósofo francês chama a atenção para as técnicas que corresponderiam à transformação refletida de si mesmo com o fim de resistir a um certo tipo de governo das condutas (Foucault, 2016a, pp. 23-26FOUCAULT, M. “Subjectivity and Truth”. In: About the beginning of the hermeneutics of the self. Lectures at Dartmouth College, 1980. Trad. Graham Burchell. Chicago-London: The University of Chicago Press, 2016a. pp. 19-51.).

Para tanto, Foucault recorre à prática antiga do “cuidado de si”, enquanto conjunto de técnicas que tinham a finalidade de possibilitar ao sujeito trabalhar sua conduta no campo político das normas de maneira crítica, atuando sobre a própria vontade e estilizando sua vida como uma verdadeira “obra” de arte à luz da pergunta ética “como devo viver?”. Assim, o cuidado de si aparece no conjunto da obra foucaultiana como um exemplo de estratégia por meio da qual os sujeitos buscavam se constituir “livremente” no interior de uma política de normas, refletindo sobre si a partir das próprias relações de poder nas quais se encontravam imiscuídos.

Porém, sendo o cuidado de si uma prática necessariamente mediada pela técnica, com uma finalidade traçada e realizada a partir de uma política de normas estabelecida, para Agamben ele corre o risco de ser decidido integralmente no campo do governo de si e dos outros sob a lógica do comando (Agamben, 2017, p. 53AGAMBEN, G. “O uso dos corpos - Homo sacer, IV. 2”. Trad. Slevino J. Assmann. São Paulo: Boitempo, 2017.), tornando-se uma via inócua para se escapar da máquina bipolar do poder. Nesse quadro, para o italiano, a relação de governo que o sujeito estabelece consigo mesmo pelo cuidado de si configura-se em uma aporia comparável à relação circular entre poder constituinte e poder constituído (Agamben, 2017, pp. 129-130AGAMBEN, G. “O uso dos corpos - Homo sacer, IV. 2”. Trad. Slevino J. Assmann. São Paulo: Boitempo, 2017.).

Para escapar dessa “aporia” foucaultiana, Agamben recorre à ideia de uso como via de acesso a uma “zona da ética totalmente subtraída às relações estratégicas” (Agamben, 2017, p. 133AGAMBEN, G. “O uso dos corpos - Homo sacer, IV. 2”. Trad. Slevino J. Assmann. São Paulo: Boitempo, 2017.). Dado o seu caráter afetivo, o uso corresponderia a uma relação imediata não determinada, por meio da qual o ser estabelece uma intimidade com o mundo gerando os elementos primeiros do hábito e da linguagem, fundamentais ao campo normativo que é estilizado na dimensão do cuidado. Por isso, o ‘uso’ seria uma categoria primária ao ‘cuidado’ e, sendo ele que dá substancialidade ao ser, se “o si nada mais é do que o uso de si”, romper definitivamente com a estrutura normativa que o sobredetermina exigiria pensar o “uso de si”, e não o “cuidado de si” (Agamben, 2017, pp. 53-54AGAMBEN, G. “O uso dos corpos - Homo sacer, IV. 2”. Trad. Slevino J. Assmann. São Paulo: Boitempo, 2017.).

Assim, conclui-se que, por mais que Agamben reconheça a importância do sujeito ético foucaultiano – concebido como imanência da própria relação que o si estabelece consigo mesmo –, no seu projeto, pensar o destituinte não pode passar pela prática etopoiética do cuidado de si. O sujeito que obra sobre si mesmo, em um processo de estilização refletido das próprias condutas no campo das normas disponíveis – mesmo que no sentido de subvertê-las –, não satisfaz a premissa de um processo inoperoso de uso de si, cujo paradigma não está no estabelecimento de uma relação do ser com o campo normativo do dispositivo em termos de resistência, mas sim na contemplação do ser de sua própria potência no que ela tem de impotência, dissolvendo-se nessa experiência e desativando de vez o dispositivo.

Ou seja, para pensar o destituinte com Agamben, seria preciso contemplarse sem buscar se definir na operação de viver, como um processo não teleológico de uso orgânico e impessoal de si no qual o ser se afeta por intermédio de um “como não” em relação à condição fática em que se encontra: sem transmutarse em ato, sem produzir obra alguma, diga-se, cancelando e desativando o processo produtivo dessa mesma condição sem alterar sua forma (Agamben, 2017, pp. 86-87AGAMBEN, G. “O uso dos corpos - Homo sacer, IV. 2”. Trad. Slevino J. Assmann. São Paulo: Boitempo, 2017.). Pois somente a “forma-de-vida” poderia interromper a máquina que produz o dispositivo no qual ela se encontra aprisionada como uma “forma de vida”.

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    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.
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    Artigo submetido em 05/02/2022. Aprovado em 06/02/2022.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    Ago 2023

Histórico

  • Recebido
    05 Fev 2022
  • Aceito
    06 Fev 2022
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