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POSITIVISMO JURÍDICO E AUTORIDADE DA NORMA JURÍDICA: UMA CRÍTICA DO PARADIGMA NORMATIVISTA

LEGAL POSITIVISM AND LEGAL NORM’S AUTHORITY: A CRITIQUE OF NORMATIVIST PARADIGM

RESUMO

O presente artigo insere-se no domínio da teoria do direito, tendo por objetivo discutir o conceito e a centralidade da autoridade no debate contemporâneo em torno do positivismo jurídico, bem como oferecer uma posição alternativa, sustentada por Pachukanis e baseada no sujeito de direito (uma categoria quase que esquecida, ofuscada pelo horizonte da norma jurídica e de sua autoridade). O estudo procede com uma análise comparativa da noção de autoridade nos autores clássicos do positivismo jurídico (Austin, Kelsen e Hart), indicando como essa perspectiva ainda é hegemônica no pensamento jurídico contemporâneo, mesmo nas versões contemporâneas do juspositivismo. O passo seguinte é o contraste das concepções baseadas na autoridade com a concepção de Evgeni Pachukanis, cujo cerne é a subjetividade jurídica. Ao se comparar as principais propostas teóricas com a perspectiva pachukaniana da forma jurídica, nota-se que a autoridade é um conceito vazio, incapaz de definir a especificidade histórica do direito. Compreendida como poder repressivo do Estado, como poder socialmente reconhecido ou como razão legítima (autoproclamada) para agir, a autoridade não pode fornecer as fronteiras conceituais do fenômeno jurídico.

Palavras-chave:
Positivismo jurídico; Norma jurídica; Autoridade; Forma jurídica; Sujeito de direito

ABSTRACT

The current article is inserted in the domain of legal theory, having as objective to discuss the concept and the centrality of authority in contemporaneous debate around legal positivism, just as offer an alternative position, sustained by Pashukanis and based on legal subject (a nearly forgotten category, overshadowed by the horizon of legal norm and its authority). The study proceeds with a comparative analysis of the notion of authority in legal positivism’s classical authors (Austin, Kelsen e Hart), pointing out how this perspective is still hegemonic in contemporaneous legal thinking, even in the contemporaneous versions of legal positivism. The next step is the contrast of authority-based conception with Evgeni Pashukanis’ conception, whose core is legal subjectivity. By comparing the main theoretical propositions with the Pashukanian perspective of legal form, it is noted that authority is a void concept, unable to define the historical specificity of law. Understood as state repressive power, as socially recognized power or as (self proclaimed) legitimate reason to act, authority can not provide legal phenomenon’s conceptual boundaries.

Keywords:
Legal positivism; Legal norm; Authority; Legal form; Legal subject

Introdução

O positivismo jurídico provou-se como a mais resiliente das escolas de pensamento jurídico ao longo da modernidade. Depois de desbancar o jusnaturalismo no início do século XIX (vide o declínio da tese do direito natural no contexto da crítica da metafísica), o juspositivismo afirmou sua hegemonia desde então, experimentando uma variedade de posições que expõem o seu perfil multifacetado e a sua plasticidade teórica.

A concepção positivista do direito é a expressão teórica do processo histórico usualmente descrito como “positivação do direito”. Essa positivação, conforme afirma Tércio Sampaio Ferraz Jr. (2003, p. 74)______. “Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação”. São Paulo: Atlas, 2003. em referência a Luhmann, coloca o fenômeno jurídico como resultado de uma série de atos volitivos, de tal modo que todas as valorações, regras e expectativas de comportamento só podem adquirir validade jurídica mediante a filtragem de processos decisórios.

Ao descrever a positivação como “o ato de positivar, isto é, de estabelecer um direito por força de um ato de vontade”, Ferraz Jr. (2003, p. 74)______. “Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação”. São Paulo: Atlas, 2003. apresenta a correlata imagem do direito como “um conjunto de normas que valem por força de serem postas pela autoridade constituída e só por força de outra posição podem ser revogadas”. Desse modo, o elemento jurídico não repousa na natureza imanente dos seres (como no jusnaturalismo dos romanos, sobretudo na formulação de Ulpiano) ou nas camadas de uma razão divina (a lei natural como participação da lei eterna nas criaturas racionais, semelhantes ao Criador, como propunha Tomás de Aquino), assim como não se apoia numa razão humana laicizada (compreensão das máximas do direito como postulados racionais independentes da existência de Deus, conforme postulava Hugo Grotius) e posteriormente organizada como pensamento sistemático (vide o padrão lógico dedutivo, more geometrico, da noção racionalista de sistema jurídico em Leibniz e Wolff). Contra todas essas leituras do direito como um dado do mundo, a positivação formula as disposições jurídicas como construções humanas, ou seja, como artefatos1 1 Kenneth Himma (2019, p. 68) pleiteia que a tese fundamental do juspositivismo consiste na definição do direito como um artefato, como um objeto fabricado pelas instâncias da comunidade, e cuja autoridade não é imanente ao conteúdo normativo, mas antes um produto de fatos que são contingentes em virtude de sua origem comunitária. Tais fatos podem ser, ilustrativamente, a capacidade coercitiva do soberano (Austin) ou a convergência prática dos funcionários do direito (Hart). .

Uma vez que o direito aparece como um produto da vontade, sobretudo no que diz respeito à vontade criadora dos órgãos de autoridade, tem-se uma abordagem que se afasta de um marco ontológico e que caminha em direção a uma perspectiva “nominalista”, no sentido de se tomar os ditames da ordem jurídica como deliberações. Enquanto que o jusnaturalismo assume uma atitude objetivista em face do direito, idealizando-o como uma realidade essencial e indisponível ao nosso pensar e ao nosso querer (há um direito autêntico, verdadeiro, superior às convenções humanas2 2 Pode-se dizer que, por uma via obtusa, a filosofia contratualista (enquanto variante particular do jusnaturalismo moderno) acaba por prefigurar a noção do direito como categoria “artificial”. A superação do estado de natureza por meio de um contrato que se desdobra num pacto de união e num pacto de sujeição nada mais é do que uma obra voluntária dos indivíduos (Fassò, 1998, p. 658), assentada num consenso racional sobre a necessidade da associação política para fins de proteção dos direitos naturais de cada um. ), o juspositivismo segue uma orientação convencionalista, na qual não há espaço para a essencialidade autônoma do direito, que será reduzido a um conceito nominal, à estipulação onipotente do legislador (Kaufmann, 2002KAUFMANN, A. “Rechtsphilosophie, Rechtstheorie, Rechtsdogmatik”. In: KAUFMANN, A., HASSEMER, W. (orgs.). Einführung in Rechtsphilosophie und Rechtstheorie der Gegenwart. Heidelberg: C. F. Müller Juristischer Verlag, 1994. Tradução para o português de M. Keel e M. S. de Oliveira. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002., pp. 38-39).

Num momento de emergência da lei como principal fonte do direito, tem-se ainda que a juridicidade se torna uma característica indissociável da “estatalidade”. Isso implica a contingência do direito em dois níveis fundamentais: i) a normatividade jurídica torna-se variável em seu conteúdo e em seus procedimentos no interior da ordem jurídica, já que o legislador pode ditar o direito num momento e revogar suas próprias disposições no momento seguinte, o que faz dessa positivação uma autêntica “legalização do câmbio do direito” (Ferraz Jr., 1980FERRAZ JR., T. “A ciência do direito”. São Paulo: Atlas, 1980., p. 43), pois se consolida o horizonte de mutabilidade normativa no âmbito jurídico; ii) as distintas experiências no processo de codificação do direito na Europa continental retrataram a diversidade do direito positivo, suas variações geográficas e temporais (Maranhão, 2013MARANHÃO, J. “Por que teorizar sobre a teoria do direito?” In: RAZ, J., ALEXY, R., BULYGIN, E. Uma discussão sobre a teoria do direito. Tradução para o português de S. Stolz, São Paulo: Marcial Pons, 2013., p. 10). Assim, quando se descarta a transcendência na fundamentação do direito, eliminando-se as categorias eternas e universais de validação jurídica, resta apenas a positividade de cada ordenamento jurídico, a sua natureza contingente enquanto fenômeno observável.

Sendo entendido como normatividade positiva que se impõe pela autoridade, o direito é tão contingente quanto a vontade criadora dos órgãos estatais, os quais se encarregam, em seu formato institucional e burocrático, de produzir normas jurídicas ou ao menos reconhecer as regras sociais que podem ser recepcionadas pelo direito positivo, passando a valer como jurídicas. Essa possibilidade de recepção, vale mencionar, é descrita por Joseph Raz como característica de um sistema normativo aberto. O sistema jurídico, assim, caracteriza-se pela “abertura” na medida em que pode “conceder força vinculante a outras normas que não pertençam a ele” (Raz, 2010______. “Practical reason and norms”. Oxford: Oxford University Press, 1990. Tradução para o português de J. G. Ghirardi. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010., p. 151). Na época de prevalência da legalidade, é somente por essa via (autorização legal no interior do sistema) que fontes como os costumes encontram seu lugar na ordem jurídica. As normas consuetudinárias, pertencentes a um sistema normativo exterior ao Estado, tiveram a sua juridicidade condicionada à sua definição legal como fontes subsidiárias.

Nessa ordem de considerações, não há dúvidas de que a autoridade foi projetada como central naquilo que se entende majoritariamente por direito desde o século XIX. Tal categoria se sujeita a algumas nuances na história do pensamento juspositivista, como se pode perceber nos clássicos (como Austin, Kelsen e Hart), mas isso não impede que ela seja o fio condutor dessa corrente teórica. E, como não poderia deixar de ser, as respostas do positivismo contemporâneo (vide autores como Raz e Schauer) às novas questões da filosofia do direito não fazem senão reforçar essa chave de leitura. Discute-se como melhorar caracterizar a autoridade jurídica, mas nunca a premissa da autoridade propriamente.

Nosso intuito, ao longo da presente investigação, é refletir criticamente sobre os sentidos da autoridade como fundamento da obrigatoriedade das normas jurídicas na perspectiva do juspositivismo (dos clássicos aos contemporâneos) e mesmo em algumas das mais notórias teorias que lhe fazem oposição. Veremos, assim, que uma elaboração verdadeiramente alternativa ao paradigma da autoridade só pode ser encontrada bem longe do positivismo e do pós-positivismo. A crítica mais radical à autoridade como elemento essencial ao direito só foi desenvolvida, como havemos de demonstrar, na teoria marxista do direito, em particular na obra de Evgeni Pachukanis. Somente esse autor ousou buscar a particularidade do direito em predicamentos anteriores à normatividade/autoridade, mantendo-se no campo dos conceitos tipicamente jurídicos (observando a dialética da crítica imanente) e explicitando as suas condições materiais de existência. Daí o cabimento de uma crítica pachukaniana das abordagens contemporâneas que prevalecem no domínio da teoria jurídica.

1 O imperativismo em Kelsen e Austin

Segundo Pierluigi Chiassoni (2017, pp. 191-192)CHIASSONI, P. “L’ indirizzo analitico nella filosofia dei diritto”, Vol. I: Da Bentham a Kelsen. Torino: Giappichelli, 2009. Tradução para o português de H. T. Torres e H. Mello. São Paulo: Contracorrente, 2017., a posição de John Austin na filosofia do direito corresponde a um “imperativismo coercivista radical”, na medida em que institui uma conexão conceitualmente necessária entre obrigações jurídicas e sanções, fazendo-o de modo a reduzir a juridicidade ao seu aspecto coercitivo. É o que se observa no conceito austiniano de comando, no qual a norma jurídica é delineada como um ato de vontade soberana que se impõe na forma de uma ameaça.

O comando austiniano consiste num “desejo”, oriundo de uma autoridade, de que os súditos pratiquem ou deixem de praticar determinadas condutas, sob pena de algum tipo de represália em caso de descumprimento. “Um comando distingue-se de outras significações de desejo”, discorre Austin (1998, pp. 1314)AUSTIN, J. “The province of jurisprudence determined and The uses of the study of jurisprudence”. Indianapolis: Hackett, 1998., “não pelo estilo com o qual se dá significado ao desejo, mas pelo poder e pelo propósito, da parte que comanda, de infligir um mal ou uma dor caso o desejo seja desconsiderado”.

Para Austin, a norma jurídica é, literalmente, uma volição soberana, é uma ordem direta que promete um prejuízo ao destinatário recalcitrante. Como ordem direta, ela assume a forma de um imperativo (“Eu quero e tu deves”), diferenciando-se, pois, de um conselho (“Tu deverias”), conforme se nota na comparação formulada por Giuseppe Lumia (2020, p. 43)LUMIA, G. “Lineamenti di teoria e ideologia del diritto”. Milano: Giuffrè Editore, 1973. Tradução para o português de D. Agostinetti. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2020.. Trata-se, no entanto, de uma vontade qualificada, municiada pelo poder soberano da autoridade, um poder que se apresenta, em linhas gerais, como a capacidade de aplicar penalidades sem depender do aval de uma potência superior.

Conforme observa Hart (1998HART, H. “Introduction”. In: AUSTIN, J. The province of jurisprudence determined and The uses of the study of jurisprudence. Indianapolis: Hackett Publishing Company, 1998., pp. x-xi), a teoria de Austin nega quilate jurídico às normas que carecem de poder soberano, ou seja, às disposições que não se dão numa relação vertical de soberania e sujeição. Nos termos da dogmática jurídica continental, é como se somente as relações jurídicas de direito público fossem autenticamente jurídicas, uma vez que se baseiam na subordinação de uma parte à outra. Sendo consequente com essa ideia, Austin chega a desqualificar o direito internacional como direito positivo, lançando-o na vala comum de uma moralidade positiva. A igualdade formal entre Estados soberanos não seria apta para instituir regramentos jurídicos, mas tão somente uma normatividade comparável àquela que se tem nas regras de um jogo ou nas regras de etiqueta. “O assim chamado direito das nações consiste apenas de opiniões e sentimentos correntes entre as nações em geral” (Austin, 1998AUSTIN, J. “The province of jurisprudence determined and The uses of the study of jurisprudence”. Indianapolis: Hackett, 1998., p. 142), e não pode, por conta disso, ser nomeado propriamente como direito.

Vale dizer que a concepção imperativista do direito que se desenvolve em Austin é também aquela que prevalece no pensamento de Ihering após a sua ruptura com a tradição encabeçada por Savigny. Conforme relata Ferraz Jr. (2003, pp. 100-101)______. “Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação”. São Paulo: Atlas, 2003., o autor que inspiraria a doutrina da jurisprudência dos interesses acabou por aderir à imagem da norma jurídica como um poder imperativo, como uma vontade mais forte que se impõe contra uma vontade mais fraca, estabelecendo com ela uma relação de comando ou império. O que se tem, pois, é a figura de um comando, de uma prescrição legítima e habilitada pela autoridade, e que se realiza como a imposição institucionalizada de um querer. Sob essa óptica, o motor principal do direito positivo não poderia ser a ciência jurídica, tampouco as relações civis, mas antes a lei enquanto fato intencional e determinado do poder público.

No século XX, período em que o modelo do Estado gendarme esgotouse definitivamente, não sendo concebível imaginá-lo de nenhum modo como mero provedor de segurança para os agentes privados, a referência do comando mostrou-se demasiadamente simplória. A vida do Estado (e do direito) não poderia ser seriamente reduzida a uma distribuição de prescrições acompanhadas de ameaças. Entretanto, antes que a teoria do comando fosse vigorosamente impugnada por Hart, ela passou por uma reformulação nas mãos de Kelsen.

Como se sabe, Kelsen condiciona a qualificação plena de uma norma como jurídica à presença do atributo coercitivo. Sua ênfase no aspecto da coerção é relevante o bastante para reformatar a ideia de comando no direito, inclusive no sentido de conduzir a noção de autoridade ao seu paroxismo. Tal como Austin, o jurista nascido em Praga imaginava que a única forma pela qual as leis poderiam guiar a conduta humana seria a prescrição de comportamentos mediante normas. Ambos são partidários de uma leitura imperativista, pressupondo que as normas jurídicas são essencialmente imperativas (Raz, 2012______. “The concept of a legal system”. Oxford: Oxford University Press, 1980. Tradução para o português de M. C. Almeida. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012., p. 209). Em contrapartida, o autor da “Teoria pura do direito” sustentou que a coercitividade da norma jurídica não necessariamente se manifestaria como uma sanção, quer dizer, como punição de um ato ilícito (e que seria ilícito apenas na medida em que seria punível). Certas ações estatais podem ser coercitivas sem que viessem a se configurar propriamente como uma sanção. Medidas como a internação compulsória de pessoas doentes, a desapropriação de bens em razão do interesse público e mesmo a detenção de pessoas por razões políticas, raciais e religiosas (Kelsen, 2003KELSEN, H. “Reine Rechtslehre”. Viena: Verlag Franz Deuticke, 1960. Tradução para o português de J. B. Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2003., p. 121) sugerem que o exercício jurídico da autoridade dispensa a feição de uma consequência aplicável a um ato proibido. A natureza injuntiva do poder de império contido nas operações do Estado parece suficiente para definir o direito. Conceitualmente, portanto, a coercitividade antecede a sanção.

De todo modo, a sanção não deixa de ser a forma típica da competência coercitiva que o Estado encerra em si enquanto monopolizador do uso oficial e legítimo da violência. Levando adiante essa ideia, Kelsen chega ao entendimento, na síntese de Santiago Nino (2010, pp. 99-100)SANTIAGO NINO, C. “Introducción al análisis del derecho”. Barcelona: Ariel, 2010. Tradução para o português de E. M. Gasparotto. São Paulo: Martins Fontes, 2010., de que somente as normas munidas expressamente de sanções seriam genuinamente jurídicas. Normas desprovidas da previsão de um castigo seriam jurídicas apenas num sentido dependente e deficitário. Por esse raciocínio, somente as normas penais e as normas civis de execução seriam autônomas e integralmente jurídicas, contendo em si suas próprias sanções. Afinal, estamos diante de uma teoria na qual as normas são, em primeiro lugar, comandos ou imperativos, por mais que elas possam também instituir permissões e atribuições de competência (Kelsen, 2003KELSEN, H. “Reine Rechtslehre”. Viena: Verlag Franz Deuticke, 1960. Tradução para o português de J. B. Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2003., pp. 80-81).

Apesar de insistir no aspecto da coerção, em especial como retribuição ao comportamento ilícito, Kelsen admite que a vontade que institui a norma não se realiza exatamente como a ordem direta de uma pessoa a outra numa relação de mando. O tipo de dever-ser que constitui uma norma jurídica é, de fato, produto incontornável de uma vontade, já que o direito positivo repousa sobre imputações, existindo como o sentido objetivo que uma autoridade estabelece para determinadas condutas. Em contrapartida, esse dever-ser não se confunde com a vontade em sentido psicológico. A normatividade do direito ultrapassa a vontade criadora dos agentes encarregados da criação jurídica. Na qualidade de atos de Estado, as normas jurídicas são impessoais e perenes, elas são deliberações oriundas de órgãos competentes, e por isso não se esgotam nos limites pessoais de um indivíduo específico. Por esse motivo, comenta Santiago Nino (2010, p. 92)SANTIAGO NINO, C. “Introducción al análisis del derecho”. Barcelona: Ariel, 2010. Tradução para o português de E. M. Gasparotto. São Paulo: Martins Fontes, 2010., “Kelsen sugere que a analogia entre as normas e os mandados é apenas parcial; em todo caso, poder-se-ia dizer, em sentido metafórico, que uma norma é um mandado ‘despsicologizado’”.

Tendo isso em vista, a compleição mais adequada para a enunciação da norma jurídica não seria a de um imperativo categórico, como se o destinatário da norma fosse pessoalmente interpelado por um legislador demasiadamente abstrato para tanto. É desse modo que a norma se estrutura em Kelsen, até mesmo em virtude do papel cumprido pela sanção. Como uma típica construção imputadora, o comando jurídico vincula uma condição (prótase) a uma implicação (apódose). Seguindo essa orientação, Adrian Sgarbi (2020, pp. 43-44)SGARBI, A. “Curso de teoria do direito”. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2020. afirma que a regulamentação das condutas reveste-se de uma sintaxe condicional, agregando que a qualificação normativa das condutas, além de adquirir um sentido de obrigação, proibição ou permissão, também pode significar a atribuição de propriedades institucionais a certas pessoas, a certos estados de coisas, a certos objetos e a certas ações humanas.

Conforme apontado por juristas como Tércio Sampaio Ferraz Jr., é precisamente esse parâmetro de imperativo “despsicologizado” que se mostra preponderante na doutrina dogmática. “Um imperativo despsicologizado significa que a norma não se identifica com comandos linguísticos na forma imperativa (faça isso, deixe de fazer aquilo), mas com fórmulas gerais” (Ferraz Jr., 2003______. “Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação”. São Paulo: Atlas, 2003., p. 117). A generalidade e a abstração das normas jurídicas indicam que elas se dirigem a papéis sociais, e não a pessoas concretas.

Por fim, cumpre acrescentar que a autoridade da norma jurídica na elaboração kelseniana também se apoia na estrutura hierárquica do Estado em suas instâncias burocráticas, e que se apresenta, juridicamente, como uma imensa cadeia de validação normativa. Segundo Kelsen, o que fundamenta o caráter vinculativo de cada norma jurídica só pode ser a sua validade, e nunca um mero fato da ordem do ser. Nenhuma norma é válida em si mesma, não lhe sendo dado validar a si própria por seu conteúdo. A validade das normas de direito positivo sempre depende de uma disposição normativa superior (Kelsen, 2003KELSEN, H. “Reine Rechtslehre”. Viena: Verlag Franz Deuticke, 1960. Tradução para o português de J. B. Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2003., p. 215), o que confere ao sistema jurídico o design de uma ordem graduada que se edifica a partir de relações de condicionalidade no exercício das funções legislativas, judiciárias e administrativas do Estado.

Ora, é essa cadeia de validade que organiza o funcionamento do direito como ordem coativa. É por meio desse mecanismo que se perfaz a conformação do sentido objetivo (normativo) das condutas juridicamente regulamentadas. A cominação de uma medida de força que caracteriza a coerção jurídica carece de pressupostos internos ao enunciado normativo (“prótase”, previsão de ocorrência de um suposto fático que autoriza a aplicação de certas consequências normativas) e de pressupostos externos à norma individualmente considerada (atos normativos que condicionam a sua validade).

A coerção jurídica é instituída, assim, não na forma de um comando qualquer, mas de um comando autorizado, agraciado com o sentido objetivo da normatividade constitutiva do ordenamento. Para usarmos um exemplo presente em Kelsen (2003, p. 49)KELSEN, H. “Reine Rechtslehre”. Viena: Verlag Franz Deuticke, 1960. Tradução para o português de J. B. Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2003., o que diferencia o comando de um salteador de estradas do comando de um órgão jurídico é a circunstância de que o segundo, ao contrário do primeiro, opera-se como norma objetivamente válida, como um dever-ser regularmente estatuído, para além da simples ameaça (cometimento de um mal contra o destinatário que não atende ao que lhe foi ordenado).

2 Norma jurídica e autoridade no pensamento de Hart

A comparação entre o salteador e o órgão jurídico feita por Kelsen também aparece em Hart, assumindo, aliás, uma importância muito maior em “O conceito de direito”. Todavia, uma vez que a empreitada hartiana está assentada nos fundamentos metodológicos da filosofia analítica, distintos das categorias neokantianas empregadas por Kelsen (como “dever-ser”), os resultados obtidos pelo jurista inglês são bastante particulares, ainda que nos mesmos marcos positivistas de concepção do direito como produto da autoridade.

Procedendo com o exame dos usos linguísticos nas situações cotidianas, Hart aponta que se pode dizer que o assaltante coage a sua vítima, mas não lhe dá uma ordem propriamente, pois dar ordens é próprio de uma autoridade, é algo condizente com uma relação hierárquica bem definida, tal como se poderia constatar numa unidade militar. E, no contexto de uma relação hierárquica, observa-se que a ameaça de um mal correspondente à desobediência não é um componente indispensável. Por conta disso, o uso mesmo da figura do comando, típica do ambiente de caserna, desde logo se afigura como inadequado. “Comandar é caracteristicamente exercer autoridade sobre homens, não o poder de lhes infringir um mal”, de modo que “um comando é primariamente um apelo não ao medo, mas ao respeito pela autoridade” (Hart, 1994______. “The concept of law”. Oxford: Oxford University Press, 1961. Tradução para o português de A. R. Mendes. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1994., p. 25).

A posição de Austin falha, de início, ao colocar a ameaça como um requisito para o próprio conceito de comando. Não obstante, mesmo uma descrição correta sobre os comandos não seria suficiente para contemplar satisfatoriamente o funcionamento de um sistema jurídico. Uma leitura sobre a norma jurídica que se mostra demasiadamente atrelada à imagem de prescrições individualizadas3 3 Ao se referir especificamente às leis como normas jurídicas, Hart (1994) as menciona como padrões gerais de conduta nos quais não há um direcionamento a um agente especificado, mas sim a um público indeterminado que se encontra numa relação permanente de inferioridade perante o legislador. É o oposto do que ocorre entre o assaltante e sua vítima, a qual é sempre um destinatário determinado e subalternizado de maneira contingente, pois se subordina numa correlação de forças circunstancial. , como é o caso dos comandos, não pode, na proposta de Hart, exprimir com precisão o que é, afinal, a autoridade. O que distingue a autoridade, nessa abordagem hartiana, não é o poder de punir que se concentra em instâncias soberanas, e sim o modo como a comunidade jurídica reconhece, em suas práticas compartilhadas, certas regras e certos procedimentos como obrigatórios.

Há também outro ponto de grande importância. Cumpre acrescentar, apoiando-nos em Matthew Kramer (2018, p. 52)KRAMER, M. “H. L. A. Hart: the nature of law”. Cambridge: Polity Press, 2018., que a estratégia de Hart em sua crítica da teoria austiniana do comando consiste em apontar a sua incapacidade de explicar como os membros de um corpo legislativo soberano podem ser vinculados juridicamente por suas próprias diretivas. Pois, mesmo que tais membros sejam imunes a certas exigências jurídicas que valem para os cidadãos comuns, isso não quer dizer que eles estejam autorizados a realizar qualquer conduta. Isso não aparece na concepção de Austin, que não vê que a autoridade é também destinatária de deveres.

Hart (1998, p. 92)HART, H. “Introduction”. In: AUSTIN, J. The province of jurisprudence determined and The uses of the study of jurisprudence. Indianapolis: Hackett Publishing Company, 1998. pondera que, apesar dos seus equívocos, a referência do direito como ordem coercitiva contém o mérito de assinalar que a presença do direito equivale a um elemento de obrigatoriedade no comportamento humano (ele deixa de ser facultativo diante das disposições jurídicas). Na prática jurídica, diz o jurista britânico, pode-se diferenciar a posição de quem está obrigado a agir de uma maneira (como indivíduo ameaçado por um agressor armado) da posição de quem possui a obrigação de adotar certa linha de ação. Nessa formulação, o direito é irredutível à força bruta, ao poder coercitivo, sendo antes o resultado de um “jugo leve”, por assim dizer, de uma aceitação comunitária que se manifesta na chamada regra de reconhecimento.

Conforme explica Cláudio Michelon Jr. (2004, p. 149)MICHELON JR., C. “Aceitação e objetividade: uma comparação entre as teses de Hart e do positivismo precedente sobre a linguagem e o conhecimento do Direito”. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004., a “aceitação” de uma regra social em Hart não significa concordância com seu teor, mas sim tomar a regra como um padrão para se justificar ou criticar condutas que não estejam ajustadas à referência normativa. Essa aceitação nada mais é do que a utilização do padrão, ainda que de modo crítico.

A regra de reconhecimento existe como a “prática complexa, mas normalmente concordante, dos tribunais, dos funcionários e dos particulares, ao identificarem o direito por referência a certos critérios” (Hart, 1994______. “The concept of law”. Oxford: Oxford University Press, 1961. Tradução para o português de A. R. Mendes. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1994., p. 121), o que se apresenta externamente como uma questão de fato e internamente (entre os praticantes do direito) como um marco para se diferenciar as regras autenticamente jurídicas das demais regras sociais ou mesmo dos hábitos predominantes.

Vale dizer, contudo, que a literatura especializada na obra de Hart entende que o reconhecimento das normas como jurídicas está centrado na atividade dos órgãos estatais, circunstância esta que, de algum modo, devolve a noção de direito ao paradigma estatista do juspositivismo precedente, ainda que os órgãos de Estado sejam sempre vistos como vinculados pelo direito. Kramer (2018, p. 79)KRAMER, M. “H. L. A. Hart: the nature of law”. Cambridge: Polity Press, 2018. sustenta que, apesar das assertivas hartianas nas quais todos os membros da comunidade são indicados como destinatários da regra de reconhecimento, esse conceito melhor se aplica aos funcionários do direito (legal-governmental officials) que estão inseridos no aparato estatal. Hacker segue o mesmo diapasão, alegando que a possibilidade de uso da regra de reconhecimento pelos cidadãos particulares não significa que tal regra se destine efetivamente a eles. Os espectadores de um jogo podem se servir da regra de pontuação, mas é aos jogadores propriamente que essa regra se dirige. Daí por que a regra de reconhecimento seria melhor explicada como uma norma costumeira cuja existência se extrai do comportamento normativo dos agentes encarregados da aplicação do direito (Hacker, 1977HACKER, P. “Hart’s philosophy of law”. In: HACKER, P. M. S.; RAZ, J. (ed.). Law, morality and society: essays in honour of H. L. A. Hart. Oxford: Clarendon Press, 1977., p. 23).

Quando se prioriza a atuação institucional de operadores autorizados, tomando-se por direito as regras que eles convergem em reconhecer como jurídicas na sua aplicação, há um movimento de retorno da teoria do direito em direção ao cânone puro da autoridade estatal. Por mais que a sociedade seja retratada, na filosofia analítica que embasa Hart, como um campo de compartilhamento de significados diversos entre os usuários dos jogos de linguagem, nota-se que, no tocante ao direito, nem todos os usuários estão igualmente habilitados para reconhecer plenamente a juridicidade das regras. É somente no terreno institucional das instâncias legislativas, administrativas e judiciais do Estado que os jogos de linguagem sobre o que conta como juridicamente obrigatório produzem resultados plenamente vinculantes e generalizáveis.

Tendo-se em vista esses apontamentos, infere-se que, se a visão de Hart, por um lado, não apresenta a autoridade jurídica como uma distribuição de atos volitivos que coagem soberanamente os súditos, ela não consegue evitar, por outro, que a ordem jurídica seja conceitualmente dependente das disposições oficiais de poder que emanam do Estado.

Seja como for, essas ideias lançaram as bases do debate jurídico contemporâneo, quer no que diz respeito à incorporação da prática social como uma categoria indispensável, quer no que concerne à relação entre moralidade e direito. Nas palavras de José Reinaldo Lima Lopes (2021, p. 81)LOPES, J. “Curso de filosofia do direito: o direito como prática”. São Paulo: Atlas, 2021., “Hart foi uma espécie de Moisés da filosofia jurídica contemporânea: trouxe-nos até a fronteira da terra prometida da razão prática, sem entrar nela, avistando-a de longe”. Ao introduzir o chamado “ponto de vista interno” dos operadores do direito, esse autor acabou favorecendo as investidas “pós-positivistas” (ou assim genericamente denominadas, a despeito das controvérsias acerca da nomenclatura), nas quais o direito é pensado menos como uma normatividade posta e mais como um repertório interpretativo e argumentativo que fundamenta os pleitos e as decisões judiciais.

Além disso, mesmo mantendo-se no campo de uma teoria das normas, o positivismo de inspiração hartiana cogitou a possibilidade circunstancial de que, numa dada ordem jurídica, certos valores morais substantivos fossem acolhidos pela regra de reconhecimento como parte dos critérios identificadores do direito positivo (Hart, 1994______. “The concept of law”. Oxford: Oxford University Press, 1961. Tradução para o português de A. R. Mendes. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1994., p. 309), o que propiciou novos elementos para o debate sobre o nexo entre direito e moral.

3 A autoridade no positivismo jurídico contemporâneo

Quando se rejeita a conexão conceitual necessária entre direito e moral (o que faz supor a possibilidade de sistemas jurídicos moralmente injustificáveis), há duas leituras possíveis: i) juridicidade e moralidade estariam conectadas contingentemente; ii) direito e moral estariam necessariamente separados no nível conceitual. No primeiro caso, a regra de reconhecimento incorpora critérios morais, como se nota na linguagem moralmente carregada dos princípios constitucionais; no segundo, entende-se que essa incorporação é impossível, pois o uso da linguagem moral não seria, em si, uma circunstância definidora do direito (Marcondes; Struchiner, 2015MARCONDES, D., STRUCHINER, N. “Textos básicos de filosofia do direito: de Platão a Frederick Schauer”. Rio de Janeiro: Zahar, 2015., pp. 152-153).

Essa contenda em torno da relação entre direito e moral ensejou, assim, uma cisão. Uma parcela dos partidários do juspositivismo engajou-se na tese da presença contingente de critérios de moralidade nas práticas de autoridade que definem o direito (positivismo inclusivista). Na contramão desse entendimento, a outra parcela dobrou a aposta na autoridade sans phrase, por assim dizer, e excluiu conceitualmente a moral como um fator aceitável para fins de identificação do direito positivo (positivismo exclusivista). Nessas duas correntes, de qualquer maneira, constata-se a independência objetiva (isto é, enquanto objeto teórico) da autoridade jurídica em relação a qualquer conteúdo moral. A cognoscibilidade do direito, segundo esse posicionamento, prescinde de juízos de moralidade. O que é crucial para o positivismo jurídico, nas palavras de Juliano Maranhão (2012, p. 77, grifos originais)MARANHÃO, J. “Positivismo lógico-inclusivo”. São Paulo: Marcial Pons, 2012., é a “possibilidade de identificar, objetivamente, quais razões morais foram efetivamente endossadas pelas escolhas dotadas de autoridade”.

Joseph Raz, o mais proeminente dos positivistas contemporâneos, apropriou-se da noção de autoridade nos termos da filosofia da razão prática, aplicável aos sistemas normativos em geral, partindo dessa perspectiva para explicar a subordinação dos indivíduos à ordem jurídica. O jurista israelense pleiteia que a autoridade justifica-se por exigências de coordenação: para que os indivíduos não entrem em rota de colisão na sociedade, mesmo nos casos em que almejam objetivos lícitos, é imprescindível que os cidadãos renunciem ao seu juízo pessoal sobre o que devem ou não devem fazer, acolhendo imediatamente as diretivas obrigatórias. “A autoridade só pode garantir a coordenação se os indivíduos em questão submetem-se aos julgamentos dela e não agem com base na ponderação entre razões, mas com base nas instruções da autoridade” (Raz, 2010______. “Practical reason and norms”. Oxford: Oxford University Press, 1990. Tradução para o português de J. G. Ghirardi. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010., p. 59).

Enquanto disposição de autoridade, a regra jurídica é uma razão excludente, isto é, “uma razão de segunda ordem para abster-se de agir com base em uma razão” (Raz, 2010______. “Practical reason and norms”. Oxford: Oxford University Press, 1990. Tradução para o português de J. G. Ghirardi. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010., p. 31). A autoridade da regra, assim, existe como uma desculpa racional para não se agir segundo uma razão preponderante num juízo de ponderação. Nesse sentido, a regra não é uma simples razão adicional no raciocínio, já que ela leva à exclusão ou preclusão do próprio processo deliberativo. Surge daí uma versão forte da autoridade, baseada no seu poder de preclusão sobre o processo individual de ponderação dos juízos, algo essencial para que uma regra possa ser diferenciada de um conselho, que seria uma singela razão moral para agir, e não uma razão de segunda ordem (Maranhão, 2012MARANHÃO, J. “Positivismo lógico-inclusivo”. São Paulo: Marcial Pons, 2012., pp. 74-75).

Esse posicionamento enfatiza o horizonte do indivíduo sujeito à normatividade, priorizando a conexão entre Estado e súdito, ainda que sob o prisma deste último4 4 Conforme constata Frederick Schauer (2015, p. 34), Raz pontuou que a perspectiva interna de um sistema normativo é identificada na capacidade de agir, afirmar, criticar, obter julgamentos e assumir razões a partir das normas, e não sobre as normas. No direito, isso se traduz no ponto de vista jurídico, análogo ao ponto de vista do xadrez ou da moral. A obrigação jurídica, aliás, é espécie de um gênero, sendo internalizada (tomada como guia de ação) para os que a aceitam. . O que está em debate é a posição específica do súdito na perspectiva do direito, a qual não se confunde com a óptica moral. Daí o entendimento de que seria falacioso considerar que as leis atuariam obrigatoriamente como razões morais (disposições moralmente justificadas, às quais se deve uma obediência moral), e que a existência do sistema jurídico estaria condicionada à sua validação moral por parte dos cidadãos (Raz, 2010______. “Practical reason and norms”. Oxford: Oxford University Press, 1990. Tradução para o português de J. G. Ghirardi. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010., p. 153).

Apesar de rejeitar a tese da incorporação contingente da moralidade como fator de identificação do direito, Raz não chega a eliminar por completo o elemento moral na análise que propõe. Sendo sabido que ninguém pode impor um dever a outrem com fulcro na mera manifestação da vontade de que uma dada conduta alheia seja devida, tem-se que, se o governo pode fazê-lo, é apenas na medida em que há princípios válidos que estabelecem esse direito. Tais princípios, por seu conteúdo (legitimação do governo), são de ordem moral. Princípios que autorizam (ou exigem) a interferência sobre as áreas centrais da vida das pessoas só podem ser morais (Raz, 2009RAZ, J. “Incorporation by law”. In: RAZ, J. Between authority and interpretation: on the theory of law and practical reason. Oxford: Oxford University Press, 2009., p. 188).

Seja como for, a ideia de que o direito repousa numa moralidade que legitima as suas disposições, e que corresponde ao pleito básico das instituições jurídicas quanto ao significado das suas ações, não pode conduzir a uma equiparação entre razões jurídicas e razões morais. Do mesmo modo que um sistema jurídico pode aplicar disposições que pertencem a outro sistema jurídico, sem que se possa considerá-las como “incorporadas” ao ordenamento que lhes confere uma efetividade circunstancial, um dado conteúdo moral não pode ser necessariamente identificado como direito apenas pelo critério da sua aplicação judicial ou administrativa. Raz ilustra seu raciocínio da seguinte maneira: caso uma norma estipulasse, hipoteticamente, que a legislação primária e secundária de um país deve, o tanto quanto possível, ser interpretada e efetivada de um modo compatível com os editos do papa ou com os escritos de Kant, não faria sentido considerá-los como parte do direito vigente, por mais que esses elementos adquirissem um efeito jurídico a partir dessa norma (Raz, 2009RAZ, J. “Incorporation by law”. In: RAZ, J. Between authority and interpretation: on the theory of law and practical reason. Oxford: Oxford University Press, 2009., p. 194).

Invertendo o questionamento habitual na filosofia do direito, que busca entender o impacto da moralidade sobre o direito, Raz quer compreender como o fenômeno jurídico afeta o campo moral. A ordem jurídica, segundo o filósofo do direito em comento, não exclui a moralidade no nível prático, apenas cumpre uma função moduladora no que concerne à sua aplicação, o que se daria de três maneiras: i) concretizando considerações morais gerais, retirando dos indivíduos o direito e o fardo de decidir, em diferentes circunstâncias, o que a moralidade exige; ii) munindo as considerações morais com uma forma pública, relativamente uniforme e assegurada pela força; iii) facilitando o atingimento de fins moralmente desejáveis, sobretudo por meio da sua habilidade de assegurar condutas coordenadas e práticas que só são viáveis em contextos institucionais (Raz, 2009RAZ, J. “Incorporation by law”. In: RAZ, J. Between authority and interpretation: on the theory of law and practical reason. Oxford: Oxford University Press, 2009., p. 192).

Convém agregar que Raz privilegia a noção de autoridade sem que isso implique uma abordagem baseada na coercitividade. O autor israelense enxerga na sanção apenas uma razão auxiliar, dado que o resguardo de um conteúdo legal que se faz com a indicação de uma sanção coloca-se para o agente apenas como uma razão de primeira ordem a ser avaliada, e não como um autêntico juízo de exclusão (Raz, 2010______. “Practical reason and norms”. Oxford: Oxford University Press, 1990. Tradução para o português de J. G. Ghirardi. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010., pp. 159-160). A punição em si é apenas um dado negativo no sopesamento de prós e contras, ela não exprime propriamente o sentido preclusivo da autoridade da norma.

A recuperação da centralidade da figura da sanção no pensamento jurídico será realizada por outro jurista: Frederick Schauer, autor estadunidense que, na contramão de Raz, argumenta que a tese de um sistema jurídico desprovido de formas de coerção não se verifica em nenhum sistema jurídico, ainda que ela seja virtualmente possível e conceitualmente irrefutável. A sanção não é um conceito que se qualifica como uma propriedade essencial do direito, admite o autor, mas isso não muda o fato de que nenhuma ordem jurídica conhecida dispensou o uso de medidas coercitivas.

Schauer defende que o conceito de direito é melhor caracterizado a partir de casos centrais, e não a partir de propriedades necessárias, opondo-se, dessa forma, àquilo que entende como uma indevida perspectiva essencialista no pensamento jurídico. Quando se entende que o fenômeno jurídico carece de uma essência, consegue-se ver na coerção uma característica importante para os casos centrais do direito. Do mesmo modo que afirmações como “pássaros voam” valem como casos centrais, a presença da coerção no sistema jurídico não é conceitualmente necessária; todavia, a sua generalização acaba por impôla, na investigação, como um objeto que não pode ser ignorado. Assim, o direito não coercitivo seria comparável ao pássaro que não voa: algo útil para o estudo geral do objeto, mas que não pode ser tomado como elemento dominante. O direito coercitivo, portanto, confirma-se como a instanciação dominante na experiência jurídica (Schauer, 2015SCHAUER, F. “The force of law”. Cambridge: Harvard University Press, 2015., p. 40).

Observa-se que a coerção figura, para Schauer, como uma presença necessária para “motivar tanto os cidadãos quanto os funcionários a agir a despeito de seus próprios interesses e de seus próprios juízos ponderados”, o que poderia explicar a generalização dessa categoria no direito, fazendo com que a coerção seja uma característica que “probabilisticamente, ou quem sabe logicamente, distingue o direito de outros sistemas de normas e de outros numerosos mecanismos de organização social” (Schauer, 2015SCHAUER, F. “The force of law”. Cambridge: Harvard University Press, 2015., p. 98).

Após essa passagem panorâmica por alguns debates de elevada importância na teoria juspositivista contemporânea, estamos em condições de constatar que todas as correntes do juspositivismo conservam-se atreladas à noção de autoridade, ainda que tal noção possa se expressar em sentidos diferentes. A autoridade aparece, assim, como uma premissa absoluta, como um ponto de partida intocado. A possibilidade de uma compreensão que recuse esse paradigma exige, portanto, uma ultrapassagem do horizonte dominado pela tradição positivista.

4 Normatividade, autoridade e forma jurídica: a abordagem de Pachukanis

A completa desvinculação entre a ideia do direito e o conceito de autoridade só pode ser buscada no ambiente externo à discussão que se desenvolve no interior do juspositivismo. Aliás, a ruptura plena com os padrões epistemológicos que privilegiam as normas (comandos, regras, princípios etc.) apenas se faz presente na obra de Evgeni Pachukanis, o jurista soviético que produziu a crítica do direito mais coerente com o método marxista.

Em sua abordagem bastante original, Pachukanis propicia, sem nenhum exagero, “uma verdadeira ‘revolução copernicana’ no âmbito do direito, subvertendo completamente o modo de se compreender esse fenômeno, para além de todas as ‘evidências’ e ‘certezas’ consolidadas por séculos de elaboração jurisprudencial” (Naves, 2017______. “Prefácio à edição brasileira”. In: PACHUKANIS, E. A teoria geral do direito e o marxismo e Ensaios escolhidos (1921-1929). Coordenação de M. O. G. Correia. Tradução para o português de L. Simone. São Paulo: Instituto José Luis e Rosa Sundermann, 2017., p. 9). Isso ocorre na medida em que a sua crítica do direito adota por ponto de partida o sujeito de direito, o que faz com que a norma jurídica seja categorialmente deslocada para um plano secundário, em sentido oposto a toda uma tradição que discute a natureza das normas jurídicas sem jamais problematizar a sua centralidade.

Do mesmo modo que Marx parte de categorias abstratas para, em seu desenvolvimento, alcançar uma totalidade concreta, movendo-se da mercadoria ao mercado (iniciando por conceitos simples e unilaterais para chegar a conceitos complexos e plurilaterais), o estudo científico do direito deve, nessa concepção dialética, encontrar a categoria jurídica mais elementar, o elemento mais irredutível da juridicidade, para daí aprofundar a investigação. Segundo Pachukanis, essa categoria mais elementar, no domínio do direito, não é a norma, tampouco a autoridade que lhe fornece suporte, mas sim a subjetividade jurídica.

Pachukanis (2017, p. 128)PACHUKANIS, E. “Obschaia teoriia prava i marksizm”. Moscou: Izdatelstvo Kommunissticheskoi Akademil, 1927. Tradução para o português de L. Simone. São Paulo: Instituto José Luis e Rosa Sundermann, 2017. considera que “a norma como tal, como prescrição de um dever-ser, em igual medida constitui-se como um elemento da moral, da estética, da técnica e também do direito”. Nessa perspectiva, o caminho percorrido pelos principais juristas contemporâneos estaria comprometido já de início, pois presume, injustificadamente, que o direito é, antes de qualquer coisa, um sistema normativo que apresenta alguma especificidade na sua autoridade. Essa crítica seria aplicável a Joseph Raz, ilustrativamente, mas caberia também contra todas as tentativas de identificação das propriedades categorialmente necessárias ao direito no âmbito da lógica deôntica.

No interior da lógica deôntica, o sujeito é apenas destinatário de prescrições, ele consta como um momento a ser considerado na análise das normas produzidas por uma autoridade normativa promulgadora (Santiago Nino, 2010SANTIAGO NINO, C. “Introducción al análisis del derecho”. Barcelona: Ariel, 2010. Tradução para o português de E. M. Gasparotto. São Paulo: Martins Fontes, 2010., pp. 78-79). Em Pachukanis, ao contrário, o sujeito passa a ser o eixo da investigação, sendo reconduzido, ainda, às determinações materiais que o configuram historicamente. Toma-se por sujeito aquele que é “portador e destinatário de todas as exigências possíveis” dentro do “tecido jurídico fundamental que corresponde ao tecido econômico, ou seja, às relações de produção da sociedade que se apoia na divisão do trabalho e na troca” (Pachukanis, 2017PACHUKANIS, E. “Obschaia teoriia prava i marksizm”. Moscou: Izdatelstvo Kommunissticheskoi Akademil, 1927. Tradução para o português de L. Simone. São Paulo: Instituto José Luis e Rosa Sundermann, 2017., p. 127).

Há, pois, uma íntima conexão material entre o intercâmbio jurídico que os sujeitos estabelecem entre si e a divisão mercantil do trabalho que faz da troca um expediente incontornável no processo de produção da vida material. “De maneira semelhante ao modo pelo qual a riqueza da sociedade capitalista adquire a forma de uma imensa acumulação de mercadorias”, aduz Pachukanis (2017, p. 111)PACHUKANIS, E. “Obschaia teoriia prava i marksizm”. Moscou: Izdatelstvo Kommunissticheskoi Akademil, 1927. Tradução para o português de L. Simone. São Paulo: Instituto José Luis e Rosa Sundermann, 2017., “a própria sociedade apresenta-se como uma cadeia infinita de relações jurídicas”. As relações entre os sujeitos de direito nascem como a forma socialmente determinada que as trocas mercantis assumem enquanto conteúdo econômico.

Se a dogmática jurídica classifica a capacidade de celebração de acordos comerciais como apenas uma manifestação da capacidade de agir, tomando, outrossim, o contrato como uma modalidade dos negócios jurídicos, isso não afasta a circunstância de que, “historicamente, foi precisamente o acordo de troca que forneceu a ideia do sujeito como portador abstrato de todas as pretensões jurídicas possíveis”, de tal maneira que “somente nas condições da economia mercantil é gerada uma forma jurídica abstrata, ou seja, a capacidade de ter um direito em geral separa-se das pretensões jurídicas concretas” (Pachukanis, 2017PACHUKANIS, E. “Obschaia teoriia prava i marksizm”. Moscou: Izdatelstvo Kommunissticheskoi Akademil, 1927. Tradução para o português de L. Simone. São Paulo: Instituto José Luis e Rosa Sundermann, 2017., p. 146). É a sucessão incessante de atos mercantis, acompanhada da contínua transferência de direitos nos compromissos sinalagmáticos, que fornece a base material para a ideia de um portador universal de direitos e obrigações, de um agente que personifica as determinações da troca mercantil e das operações análogas.

Em havendo esse vínculo necessário entre a origem da chamada subjetividade jurídica e as relações mercantis, conclui-se que o direito não pode ser uma normatividade presente em qualquer comunidade, historicamente determinada apenas no conteúdo das normas positivas. O direito é entendido como histórico, na tese do jurista soviético, em sua forma mesma. A presença do elemento jurídico já não é pressuposta como algo dado em qualquer coletividade, além de não coincidir, em nenhum sentido, com a figura da autoridade.

Sendo condicionada, materialmente falando, pela prática generalizada do intercâmbio mercantil, a condição de ser sujeito de direito é indissociável do modo de produção capitalista. Quando toda a produção se converte em produção de mercadorias,5 5 A generalização da forma mercantil dos produtos depende da conversão da força de trabalho em mercadoria. Somente o assalariamento, forma mercantil (e capitalista) de consumo da força de trabalho permite a consagração universal da mercadoria. Nos dizeres de Marx (1996, p. 288), “O que, portanto, caracteriza a época capitalista é que a força de trabalho assume, para o próprio trabalhador, a forma de uma mercadoria que pertence a ele, que, por conseguinte, seu trabalho assume a forma de trabalho assalariado. Por outro lado, só a partir desse instante se universaliza a forma mercadoria dos produtos do trabalho”. e quando a distribuição dos produtos se consuma sob a mediação do mercado, constata-se uma sociabilidade que, sendo mercantil em seu conteúdo, só pode ser jurídica em sua forma. “A relação jurídica emerge como o invólucro material necessário que se acopla à relação econômica, e que é deduzido diretamente de seu interior” (Biondi, 2020BIONDI, P. “Relação jurídica”. In: AKAMINE JR., O. et al. Léxico pachukaniano. Marília: Lutas anticapital, 2020., p. 223).

Segundo Márcio Bilharinho Naves (2014, p. 68)NAVES, M. “A questão do direito em Marx”. São Paulo: Outras Expressões; Dobra, 2014., é apenas com a existência de um modo de produção especificamente capitalista que “o indivíduo pode se apresentar desprovido de quaisquer atributos particulares e qualidades próprias que o distingam de outros homens”, ou seja, “como pura abstração, como pura condensação de capacidade volitiva indiferenciada”. Esse tipo de abstração, por certo, não está presente em sociedades pré-capitalistas, nas quais a posição do indivíduo na comunidade é formalmente determinada por critérios religiosos, políticos e consuetudinários, do que se extrai que as práticas sociais desse tipo de comunidade não se perfazem sob categorias que possam ser objetivamente caracterizadas como jurídicas6 6 Convém citar, a título ilustrativo, a observação de Enzo Roppo sobre a stipulatio do “direito” romano: “No direito romano clássico, por exemplo, não existia - nos termos em que hoje a concebemos - uma figura geral do contrato, como invólucro jurídico geral, ao qual reconduzir a pluralidade e a variedade das operações econômicas. Existia, é certo, com a stipulatio, um esquema formal no qual se enquadravam convenções e pactos de diversa natureza: mas estes, em rigor, resultavam vinculativos, mais do que por força de um mecanismo propriamente jurídico, em virtude da ‘forma’ entendida, não tanto como instrumento legal, mas ‘como cerimônia revestida de uma espécie de valor mágico ou até religioso’ (Gorla), aliás de acordo com uma tendência própria do espírito jurídico primitivo e pouco evoluído” (Roppo, 2009, p. 16). .

Ao focalizar a condição do sujeito portador de direitos e deveres no mercado como a origem da forma jurídica propriamente dita, Pachukanis investiu duramente contra o normativismo positivista, cujo principal expoente, em sua época, era Kelsen. Contrariamente ao que se sugere num viés normativista, o direito não pode ser exaurido pela norma, seja ela escrita ou não. A norma é deduzida diretamente das relações materiais, ou então pode ser o sintoma provável de um futuro nascimento de relações correspondentes, caso seja promulgada como lei do Estado e venha a se confirmar como eficaz (Pachukanis, 2017PACHUKANIS, E. “Obschaia teoriia prava i marksizm”. Moscou: Izdatelstvo Kommunissticheskoi Akademil, 1927. Tradução para o português de L. Simone. São Paulo: Instituto José Luis e Rosa Sundermann, 2017., p. 113).

Observe-se que a proposta pachukaniana eleva o sujeito de direito à posição de uma categoria central no pensamento jurídico, o que se dá em detrimento da norma como elemento hegemônico. E quando a norma perde o seu soberbo reinado, a estupefação toma conta da teoria jurídica tradicional. É o caso de Kelsen, que simplesmente não entendeu a elaboração de Pachukanis. Kelsen (1957, p. 149)______. “The communist theory of law: the political theory of bolchevism”. Traducción al español de Alfredo J. Weiss. Buenos Aires: Emecé, 1957. conclui que a formulação pachukaniana conduz a uma completa negação do conceito de direito, pois este seria, segundo o jurista austríaco, reduzido à economia - e arbitrariamente restrito a um único tipo de economia. O normativismo kelseniano é tamanho que a prevalência do sujeito jurídico sobre a norma soa ao criador da “teoria pura do direito” como uma mera interpretação econômica do fenômeno jurídico.

Em oposição a Kelsen e a todas as formas de normativismo, abraçamos um horizonte científico em que a subjetividade precede categorialmente a norma, definindo-lhe o caráter jurídico. A differentia specifica da norma jurídica no método desenvolvido por Pachukanis (2017, pp. 128-129)PACHUKANIS, E. “Obschaia teoriia prava i marksizm”. Moscou: Izdatelstvo Kommunissticheskoi Akademil, 1927. Tradução para o português de L. Simone. São Paulo: Instituto José Luis e Rosa Sundermann, 2017., ou seja, o que a separa do repertório geral de normas socialmente operantes, é a situação peculiar do destinatário, já que a norma só é autenticamente jurídica se pressupõe a pessoa dotada de direitos, fundamentando ativamente uma pretensão. Em outras palavras, “não é a norma jurídica que põe a relação social, mas, ao contrário, uma norma é jurídica na medida em que exprima uma determinada relação social” (Akamine Jr., 2020AKAMINE JR., O. “Norma jurídica”. In: AKAMINE JR., O. et al. Léxico pachukaniano. Marília: Lutas anticapital, 2020., p. 201). O Estado, por conseguinte, não cria a forma jurídica, ele produz normas que se inserem numa configuração social que constitui as relações como jurídicas. A lei enquanto ato deliberativo do poder estatal não cria o sujeito, ela o encontra e o regulamenta como uma substância já dada - não pela natureza, e sim pela compleição mercantil que caracteriza a sociedade capitalista.7 7 “Em uma sociedade como a burguesa-capitalista, a premissa lógica de um julgamento é a igualdade formal. A ordem jurídica é necessária precisamente para oferecer medida de direito para os sujeitos proprietários de interesses contrapostos. Isso significa, inclusive, que o Estado, enquanto coerção externa à relação conflituosa, pode, no papel de juiz, oferecer-lhe maior clareza ao torná-la relação processual, arbitrando o interesse que deva prevalecer na forma de uma norma jurídica (na dicção de Kelsen, com a produção de uma norma individual). Por conseguinte, só se dá cabo de um litígio juridicamente constituído quando, finalmente, a exigibilidade de um direito é saciada” (Akamine Jr., 2020, p. 205).

Na concepção de Pachukanis (2017, pp. 119-120)PACHUKANIS, E. “Obschaia teoriia prava i marksizm”. Moscou: Izdatelstvo Kommunissticheskoi Akademil, 1927. Tradução para o português de L. Simone. São Paulo: Instituto José Luis e Rosa Sundermann, 2017., “o caminho da relação de produção para a relação jurídica ou para a relação de propriedade é mais curto do que imagina a assim chamada jurisprudência positiva”, a qual não pode prescindir do poder do Estado e suas normas como elos intermediários entre o caráter jurídico de uma relação social e a relação social em si. Afastando esse dogma, a concepção pachukaniana caracteriza a relação jurídica como a forma necessária e inseparável de um conteúdo econômico-social que só se desenvolve plenamente no capitalismo. Não se pode separar, a não ser analiticamente, o ato jurídico-contratual do ato econômico-mercantil. Eis aí a feição fortemente antipositivista8 8 Ao contrário do que consta nas teses juspositivistas, a juridicidade de um contrato não é obra arbitrária da imputação do legislador (Kelsen), assim como não é produto de um pragmático compartilhamento de percepções (Hart); tampouco é dádiva das funções coordenadoras que só seriam possíveis em contextos institucionais (Raz). A natureza jurídica de um contrato, para Pachukanis, não é senão uma imanência do intercâmbio entre os sujeitos contratantes, mas uma imanência materialmente estabelecida no modo de produção capitalista. da abordagem em comento, pois ela “não encara a relação social juridificada ʽde foraʼ, mas como encontro de sujeitos de direito e, desse modo, como relação que por si mesma já se expressa juridicamente” (Kashiura Jr., 2009KASHIURA JR., C. “Dialética e forma jurídica: considerações acerca do método de Pachukanis”. In: NAVES, M. (org.). O discreto charme do direito burguês: ensaios sobre Pachukanis. Campinas: Unicamp, 2009., p. 71).

Nesse sentido, a delimitação dos atributos fundamentais do direito não passa pela autoridade, e sim pelas particularidades categoriais das relações entre os sujeitos. Essas relações distinguem-se pela oposição de interesses, pela dinâmica de equivalência e pela natureza patrimonial (Biondi, 2020BIONDI, P. “Relação jurídica”. In: AKAMINE JR., O. et al. Léxico pachukaniano. Marília: Lutas anticapital, 2020., p. 227). No direito privado, essas características são evidentes, condensando-se na figura do contrato, mas elas estão igualmente presentes em outras áreas do direito. Na esfera penal, por exemplo, a punição consta como uma prestação que o condenado deve à coletividade no interior de um nexo de antagonismo que se institucionaliza no processo penal, e que se consubstancia na forma de uma expiação equivalente ao crime cometido, contabilizada em tempo de prisão ou em pecúnia; na esfera ambiental, o expediente jurídico comum é a definição de medidas equivalentes (indenizações ou multas) aos danos contra a natureza, e que acabam monetizando (patrimonializando) bens que, a priori, não estão disponíveis no mercado; na esfera trabalhista, a integridade física do empregado é quantificada e precificada sob o pretexto de compensações remuneratórias (adicionais de periculosidade e insalubridade); na esfera internacional, a disparidade econômica e política entre os Estados nacionais é acobertada pela igualdade jurídica entre entidades soberanas, entidades que se relacionam numa lógica de reciprocidade (tratados e retorsões). Em todos esses exemplos, evidencia-se que a natureza jurídica das práticas e institutos indicados está assentada na contraposição de interesses, na equivalência formal e na convertibilidade das pretensões jurídicas em exigências patrimoniais. A autoridade não desempenha nenhum papel constitutivo nessas situações que são peculiares ao direito.

O caso do direito internacional desperta um interesse especial, haja vista que se trata de um ponto de dificuldade para as escolas juspositivistas. O direito internacional foi excluído do campo jurídico por John Austin, que o concebeu como “moralidade positiva” por conta da impossibilidade de aplicação de comandos soberanos aos Estados nacionais. Na teoria de Hans Kelsen, a natureza jurídica do direito internacional é explicada com um esquema formal, assumindo-se uma “unidade cognoscitiva” (e isenta de conflitos) entre o direito internacional e os ordenamentos nacionais que ele abarca. Tais embaraços teóricos, que conduzem a soluções simplistas e artificiais, decorrem de análises que focalizam o direito como autoridade. Numa leitura pachukaniana, em contrapartida, esses embaraços não se colocam. Ao descrever o direito internacional como “a forma jurídica da luta dos Estados capitalistas entre si pela dominação do resto do mundo” (Pashukanis, 1980______. “International law”. In: BEIRNE, P., SHARLET, R. (orgs.). Pashukanis: selected writings on marxism and law. Translation into english by Peter B. Maggs. London; New York: Academic Press, 1980., p. 169), o jurista soviético enfatiza o perfil competitivo das relações que os Estados conservam entre si, reproduzindo a dinâmica concorrencial do capitalismo. Não há nenhum “hiato” entre uma criação externa originária da autoridade e um fato a ser normativamente qualificado como jurídico (ou a ser “produzido” como jurídico segundo a noção geral de “fatos institucionais”). Não há divórcio entre forma e conteúdo.9 9 “O método de Pachukanis traz para o estudo do direito a questão da dialética entre forma e conteúdo. Porque forma e conteúdo interagem, porque um certo conteúdo só se expressa socialmente em dado contexto através de certa forma e certa forma expressa socialmente limites dados de conteúdos, enfim, porque o conteúdo determina a forma ao mesmo tempo em que a forma determina o conteúdo, é necessário considerar ambos, é necessário não perder de vista a dialética entre ambos, já que a dissociação conduz inexoravelmente à inverdade” (Kashiura Jr., 2009, p. 56). Em sua análise, ele sustenta que a ausência de uma força coercitiva externa aos Estados é um fato que atesta que a garantia real de que as relações entre os Estados capitalistas transcorram sobre a base de trocas equivalentes (ou seja, como relações jurídicas entre entidades que se reconhecem como sujeitos em seu intercâmbio) é um determinado equilíbrio de forças (Pashukanis, 1980______. “International law”. In: BEIRNE, P., SHARLET, R. (orgs.). Pashukanis: selected writings on marxism and law. Translation into english by Peter B. Maggs. London; New York: Academic Press, 1980., p. 179). Enquanto os Estados não forem capazes de simplesmente impor as suas demandas com o uso unilateral da força, eles se encontram obrigados a negociar como agentes de mercado, operando sob as constrições da subjetividade jurídica.

Numa formulação surpreendente para os padrões normativistas que imperam na dogmática jurídica e mesmo na teoria do direito, Pachukanis não só conclui que a autoridade não define o direito, como ainda acrescenta que, conduzida ao paroxismo, ela desfigura a forma jurídica. A obediência incondicional a uma autoridade exclui o elemento jurídico na medida em que anula a vontade autônoma das partes, suprimindo o espaço de urdidura das relações jurídicas. É o que se verifica numa formação militar e numa ordem jesuíta, pois nesses casos só importa a vontade suprema da autoridade, já que os indivíduos são desprovidos de uma margem de autonomia negocial. Em suma, “quanto mais consequentemente for introduzido o princípio de regulamentação autoritária, que exclui qualquer indício de vontade isolada e autônoma, menor será o terreno para a aplicação da categoria do direito” (Pachukanis, 2017PACHUKANIS, E. “Obschaia teoriia prava i marksizm”. Moscou: Izdatelstvo Kommunissticheskoi Akademil, 1927. Tradução para o português de L. Simone. São Paulo: Instituto José Luis e Rosa Sundermann, 2017., p. 129).

5 À guisa de conclusão

A tese formulada por Evgeni Pachukanis traz o potencial de liberar o pensamento jurídico do paradigma da autoridade, tomando o cuidado de partir de uma categoria exclusivamente jurídica, mas a examinando à luz das relações sociais nas quais se produz a vida material. Ao captar o nexo necessário entre a subjetividade jurídica e o mercado, a concepção pachukaniana sobre o direito fomenta a tese de que a experiência jurídica propriamente dita é cogitável em sua máxima conformação apenas no capitalismo. Desse modo, as épocas pré-capitalistas, a despeito das formas de autoridade que conheceram, não desenvolveram atributos que pudessem ser admitidos como suficientemente jurídicos (prevaleciam características consuetudinárias e religiosas na regulamentação social).

Ao infundir uma historicidade radical no conceito de direito, Pachukanis conseguiu emancipá-lo da referência na autoridade em qualquer formato, abrindo espaço para uma explicação alternativa à polarização contemporânea entre positivismo e pós-positivismo. O direito não se exprime categorialmente no poder injuntivo da norma ou decisão, tampouco na fundamentação das decisões. Não cabe imaginá-lo como volição coercitiva soberana, ainda que impessoalizada num sistema escalonado de validação normativa que perfaz um plano paralelo à sociedade; não cabe pensá-lo como simples convenção de órgãos institucionais com práticas convergentes de autoridade que admite qualquer conteúdo social, mostrando-se indiferente aos condicionamentos históricos; e não cabe, ainda, presumi-lo como uma prática de poder que assume a pretensão de suspender legitimamente o juízo das razões para agir, como se o agir e as suas razões pudessem pairar sobre a materialidade do mundo.

Secundarizando o par norma/autoridade, Pachukanis captura, finalmente, a singularidade do fenômeno jurídico. Não se nega que haja autoridade no direito, mas cumpre notar que essa autoridade, para ser jurídica, não precisa ser descrita como poder puro ou como poder justificado por discursos morais. O que importa é a sua circunscrição numa formação social em que os indivíduos são constituídos como sujeitos em suas relações materiais mais elementares, de tal modo que a autoridade se define e ao mesmo tempo se limita nessa subjetividade. Em adendo, a contribuição pachukaniana subverte as indagações que mobilizam a teoria do direito. Já não se trata de conhecer os fatores que distinguem uma norma jurídica de uma norma moral, ou os fatores que unificam o discurso jurídico e o discurso moral na produção de decisões normativas. Surge uma indagação anterior: qual é o componente mais primário das coisas que se perfazem como direito? Pachukanis (2017, p. 137)PACHUKANIS, E. “Obschaia teoriia prava i marksizm”. Moscou: Izdatelstvo Kommunissticheskoi Akademil, 1927. Tradução para o português de L. Simone. São Paulo: Instituto José Luis e Rosa Sundermann, 2017. oferece uma solução para o problema: “Toda relação jurídica é uma relação entre sujeitos. O sujeito é o átomo da teoria jurídica, o elemento mais simples, que não pode ser decomposto. É dele que começaremos nossa análise”.

  • 1
    Kenneth Himma (2019, p. 68)HIMMA, K. “Morality and the nature of law”. Oxford: University Press, 2019. pleiteia que a tese fundamental do juspositivismo consiste na definição do direito como um artefato, como um objeto fabricado pelas instâncias da comunidade, e cuja autoridade não é imanente ao conteúdo normativo, mas antes um produto de fatos que são contingentes em virtude de sua origem comunitária. Tais fatos podem ser, ilustrativamente, a capacidade coercitiva do soberano (Austin) ou a convergência prática dos funcionários do direito (Hart).
  • 2
    Pode-se dizer que, por uma via obtusa, a filosofia contratualista (enquanto variante particular do jusnaturalismo moderno) acaba por prefigurar a noção do direito como categoria “artificial”. A superação do estado de natureza por meio de um contrato que se desdobra num pacto de união e num pacto de sujeição nada mais é do que uma obra voluntária dos indivíduos (Fassò, 1998FASSÒ, G. “Giusnaturalismo”. In: BOBBIO, N.; MATTEUCCI, N.; PASQUINO, G. (orgs.). Dizionario di política. Torino: UTET, 1983. Tradução para o português de C. C. Varriale et al. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1998., p. 658), assentada num consenso racional sobre a necessidade da associação política para fins de proteção dos direitos naturais de cada um.
  • 3
    Ao se referir especificamente às leis como normas jurídicas, Hart (1994)______. “The concept of law”. Oxford: Oxford University Press, 1961. Tradução para o português de A. R. Mendes. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1994. as menciona como padrões gerais de conduta nos quais não há um direcionamento a um agente especificado, mas sim a um público indeterminado que se encontra numa relação permanente de inferioridade perante o legislador. É o oposto do que ocorre entre o assaltante e sua vítima, a qual é sempre um destinatário determinado e subalternizado de maneira contingente, pois se subordina numa correlação de forças circunstancial.
  • 4
    Conforme constata Frederick Schauer (2015, p. 34)SCHAUER, F. “The force of law”. Cambridge: Harvard University Press, 2015., Raz pontuou que a perspectiva interna de um sistema normativo é identificada na capacidade de agir, afirmar, criticar, obter julgamentos e assumir razões a partir das normas, e não sobre as normas. No direito, isso se traduz no ponto de vista jurídico, análogo ao ponto de vista do xadrez ou da moral. A obrigação jurídica, aliás, é espécie de um gênero, sendo internalizada (tomada como guia de ação) para os que a aceitam.
  • 5
    A generalização da forma mercantil dos produtos depende da conversão da força de trabalho em mercadoria. Somente o assalariamento, forma mercantil (e capitalista) de consumo da força de trabalho permite a consagração universal da mercadoria. Nos dizeres de Marx (1996, p. 288)MARX, K. “Das Kapital. Kritik der politischen Öekonomie”. Bd. 1, Buch 1: Der Produktionsprocess des Kapitals, Hamburgo, 1867. Tradução para o português de R. Barbosa e F. R. Kothe. São Paulo: Nova Cultural, 1996., “O que, portanto, caracteriza a época capitalista é que a força de trabalho assume, para o próprio trabalhador, a forma de uma mercadoria que pertence a ele, que, por conseguinte, seu trabalho assume a forma de trabalho assalariado. Por outro lado, só a partir desse instante se universaliza a forma mercadoria dos produtos do trabalho”.
  • 6
    Convém citar, a título ilustrativo, a observação de Enzo Roppo sobre a stipulatio do “direito” romano: “No direito romano clássico, por exemplo, não existia - nos termos em que hoje a concebemos - uma figura geral do contrato, como invólucro jurídico geral, ao qual reconduzir a pluralidade e a variedade das operações econômicas. Existia, é certo, com a stipulatio, um esquema formal no qual se enquadravam convenções e pactos de diversa natureza: mas estes, em rigor, resultavam vinculativos, mais do que por força de um mecanismo propriamente jurídico, em virtude da ‘forma’ entendida, não tanto como instrumento legal, mas ‘como cerimônia revestida de uma espécie de valor mágico ou até religioso’ (Gorla), aliás de acordo com uma tendência própria do espírito jurídico primitivo e pouco evoluído” (Roppo, 2009ROPPO, E. “Il contratto”. Bologna: Il Mulino, 1977. Tradução para o português de A. Coimbra e M. J. C. Gomes. Coimbra: Almedina, 2009., p. 16).
  • 7
    “Em uma sociedade como a burguesa-capitalista, a premissa lógica de um julgamento é a igualdade formal. A ordem jurídica é necessária precisamente para oferecer medida de direito para os sujeitos proprietários de interesses contrapostos. Isso significa, inclusive, que o Estado, enquanto coerção externa à relação conflituosa, pode, no papel de juiz, oferecer-lhe maior clareza ao torná-la relação processual, arbitrando o interesse que deva prevalecer na forma de uma norma jurídica (na dicção de Kelsen, com a produção de uma norma individual). Por conseguinte, só se dá cabo de um litígio juridicamente constituído quando, finalmente, a exigibilidade de um direito é saciada” (Akamine Jr., 2020AKAMINE JR., O. “Norma jurídica”. In: AKAMINE JR., O. et al. Léxico pachukaniano. Marília: Lutas anticapital, 2020., p. 205).
  • 8
    Ao contrário do que consta nas teses juspositivistas, a juridicidade de um contrato não é obra arbitrária da imputação do legislador (Kelsen), assim como não é produto de um pragmático compartilhamento de percepções (Hart); tampouco é dádiva das funções coordenadoras que só seriam possíveis em contextos institucionais (Raz). A natureza jurídica de um contrato, para Pachukanis, não é senão uma imanência do intercâmbio entre os sujeitos contratantes, mas uma imanência materialmente estabelecida no modo de produção capitalista.
  • 9
    “O método de Pachukanis traz para o estudo do direito a questão da dialética entre forma e conteúdo. Porque forma e conteúdo interagem, porque um certo conteúdo só se expressa socialmente em dado contexto através de certa forma e certa forma expressa socialmente limites dados de conteúdos, enfim, porque o conteúdo determina a forma ao mesmo tempo em que a forma determina o conteúdo, é necessário considerar ambos, é necessário não perder de vista a dialética entre ambos, já que a dissociação conduz inexoravelmente à inverdade” (Kashiura Jr., 2009KASHIURA JR., C. “Dialética e forma jurídica: considerações acerca do método de Pachukanis”. In: NAVES, M. (org.). O discreto charme do direito burguês: ensaios sobre Pachukanis. Campinas: Unicamp, 2009., p. 56).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    Dez 2023

Histórico

  • Recebido
    18 Nov 2022
  • Aceito
    09 Jul 2023
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