Acessibilidade / Reportar erro

Caracterização molecular e patogênica de isolados de Xanthomonas albilineans (Ashby) Dowson, agente causal da escaldadura das folhas da cana-de-açúcar

Molecular and pathogenic characterization of isolates of Xanthomonas albilineans (Ashby) Dowson, causal agent of sugarcane leaf scald

Resumos

A escaldadura das folhas, causada pela bactéria Xanthomonas albilineans (Ashby) Dowson, é uma das cinco doenças mais importantes da cana-de-açúcar e sua ocorrência reduz o rendimento e a longevidade da cultura. Variedades resistentes têm sido usadas para o controle, porém há evidências da ocorrência de variantes do patógeno. Em campos comerciais do Estado de São Paulo, tem sido observado que a mesma variedade de cana se apresenta como resistente em uma região e suscetível em outra, sugerindo a ocorrência de variantes na população do patógeno. Assim, o objetivo deste trabalho foi investigar a presença de diversidade genética da bactéria em áreas comerciais. Um total de 50 isolados foram obtidos em cultura pura a partir de plantas sintomáticas coletadas em Piracicaba (SP), Jaú (SP), região de Ribeirão Preto (SP) e Iturama (MG). Os isolados foram confirmados como pertencentes à espécie X. albilineans por meio de características de colônias, serologia e PCR com 'primers' específicos. Para caracterização da diversidade genética, foi usado o método de Rep-PCR, a partir do DNA extraído de cada isolado. Oito isolados, provenientes dos diferentes grupos identificados por rep-PCR, foram usados em testes de patogenicidade, por meio de inoculação em duas variedades de cana. Os resultados confirmaram todos os isolados como pertencentes à espécie X. albilineans. Por meio de rep-PCR, foi demonstrada diversidade genética entre os isolados, os quais foram separados em três grupos: um grupo composto somente pelos isolados de Piracicaba; um segundo, contendo todos os isolados amostrados em Jaú e na região de Ribeirão Preto, e um isolado de Iturama; e, no terceiro, somente dois isolados coletados em Iturama. Os testes de patogenicidade revelaram diferenças na agressividade entre isolados, porém sem relação com sua região de origem. Este trabalho revelou a ocorrência de diversidade genética e de agressividade dentro da espécie X. albilineans, evidenciando uma possível relação entre ocorrência de variantes do patógeno e reação de variedades de cana cultivadas no estado de São Paulo.

diversidade genética; teste de patogenicidade; método de inoculação


Leaf scald is among the five more important diseases in sugarcane and its occurrence reduces yield and crop longevity. Resistant cultivars have been used to control the disease, but there is evidences of the occurrence of variants of the pathogen. In commercial fields located in São Paulo State, it has been observed that one sugarcane cultivar can show symptoms in some regions but not in anothers, suggesting the presence of variants within the pathogen population. Thus, the aim of this study was to investigate the presence of genetic diversity of the bacteria in commercial areas. A total of 50 isolates were obtained in pure culture from symptomatic plants collected in 'Piracicaba (SP)', 'Jaú (SP)', 'Ribeirão Preto (SP)' region and 'Iturama (MG)'. The isolates were confirmed as X. albilineans by using characteristics such as of colony type, serology and PCR with specific primers. Rep-PCR method was used to evaluate genetic diversity using DNA extracted from each isolate. Eight isolates, from different groups identified by rep-PCR, were used in assays for pathogenicity by inoculation on two sugarcane cultivars. The results confirmed that all isolates belonged to X. albilineans. By using rep-PCR it was demonstrated the occurrence of genetic diversity among the isolates, which were separated in three groups: group 1- isolates only from 'Piracicaba'; group 2- isolates sampled in 'Jaú,' the isolates collected in 'Ribeirão Preto' region and one isolate from Iturama; and group 3 - two isolates from 'Iturama'. Assays for pathogeneicity revealed differences in agressivity among isolates, but not related to regions where they were collected. This study revealed the occurrence of genetic and agressivity diversity within X. albilineans population suggesting a possible relationship between occurrence of bacteria variants and reaction of sugarcane cultivars grown in São Paulo State.

genetic diversity; pathogenicity; inoculation method


ARTIGOS

Caracterização molecular e patogênica de isolados de Xanthomonas albilineans (Ashby) Dowson, agente causal da escaldadura das folhas da cana-de-açúcar

Molecular and pathogenic characterization of isolates of Xanthomonas albilineans (Ashby) Dowson, causal agent of sugarcane leaf scald

Mariana de Souza e SilvaI; Ivan Paulo BedendoI,* * Autor para correspondência: Ivan P. Bedendo ipbedend@esalq.usp.br , Marcos Virgílio CasagrandeII

IDepartamento de Entomologia, Fitopatologia e Zoologia Agrícola - ESALQ/USP Caixa Postal 9, 13418-900 Piracicaba, SP

IICentro de Tecnologia Canavieira CTC- Caixa Postal 162, 13400-970, Piracicaba, SP.

RESUMO

A escaldadura das folhas, causada pela bactéria Xanthomonas albilineans (Ashby) Dowson, é uma das cinco doenças mais importantes da cana-de-açúcar e sua ocorrência reduz o rendimento e a longevidade da cultura. Variedades resistentes têm sido usadas para o controle, porém há evidências da ocorrência de variantes do patógeno. Em campos comerciais do Estado de São Paulo, tem sido observado que a mesma variedade de cana se apresenta como resistente em uma região e suscetível em outra, sugerindo a ocorrência de variantes na população do patógeno. Assim, o objetivo deste trabalho foi investigar a presença de diversidade genética da bactéria em áreas comerciais. Um total de 50 isolados foram obtidos em cultura pura a partir de plantas sintomáticas coletadas em Piracicaba (SP), Jaú (SP), região de Ribeirão Preto (SP) e Iturama (MG). Os isolados foram confirmados como pertencentes à espécie X. albilineans por meio de características de colônias, serologia e PCR com 'primers' específicos. Para caracterização da diversidade genética, foi usado o método de Rep-PCR, a partir do DNA extraído de cada isolado. Oito isolados, provenientes dos diferentes grupos identificados por rep-PCR, foram usados em testes de patogenicidade, por meio de inoculação em duas variedades de cana. Os resultados confirmaram todos os isolados como pertencentes à espécie X. albilineans. Por meio de rep-PCR, foi demonstrada diversidade genética entre os isolados, os quais foram separados em três grupos: um grupo composto somente pelos isolados de Piracicaba; um segundo, contendo todos os isolados amostrados em Jaú e na região de Ribeirão Preto, e um isolado de Iturama; e, no terceiro, somente dois isolados coletados em Iturama. Os testes de patogenicidade revelaram diferenças na agressividade entre isolados, porém sem relação com sua região de origem. Este trabalho revelou a ocorrência de diversidade genética e de agressividade dentro da espécie X. albilineans, evidenciando uma possível relação entre ocorrência de variantes do patógeno e reação de variedades de cana cultivadas no estado de São Paulo.

Palavras-chave adicionais: diversidade genética, teste de patogenicidade, método de inoculação.

ABSTRACT

Leaf scald is among the five more important diseases in sugarcane and its occurrence reduces yield and crop longevity. Resistant cultivars have been used to control the disease, but there is evidences of the occurrence of variants of the pathogen. In commercial fields located in São Paulo State, it has been observed that one sugarcane cultivar can show symptoms in some regions but not in anothers, suggesting the presence of variants within the pathogen population. Thus, the aim of this study was to investigate the presence of genetic diversity of the bacteria in commercial areas. A total of 50 isolates were obtained in pure culture from symptomatic plants collected in 'Piracicaba (SP)', 'Jaú (SP)', 'Ribeirão Preto (SP)' region and 'Iturama (MG)'. The isolates were confirmed as X. albilineans by using characteristics such as of colony type, serology and PCR with specific primers. Rep-PCR method was used to evaluate genetic diversity using DNA extracted from each isolate. Eight isolates, from different groups identified by rep-PCR, were used in assays for pathogenicity by inoculation on two sugarcane cultivars. The results confirmed that all isolates belonged to X. albilineans. By using rep-PCR it was demonstrated the occurrence of genetic diversity among the isolates, which were separated in three groups: group 1- isolates only from 'Piracicaba'; group 2- isolates sampled in 'Jaú,' the isolates collected in 'Ribeirão Preto' region and one isolate from Iturama; and group 3 - two isolates from 'Iturama'. Assays for pathogeneicity revealed differences in agressivity among isolates, but not related to regions where they were collected. This study revealed the occurrence of genetic and agressivity diversity within X. albilineans population suggesting a possible relationship between occurrence of bacteria variants and reaction of sugarcane cultivars grown in São Paulo State.

Additional keywords: genetic diversity, pathogenicity, inoculation method

As doenças que ocorrem na cana-de-açúcar têm se constituído em fatores que limitam o rendimento da cultura. Mais de uma centena de doenças já foram identificadas (16), sendo o carvão, o mosaico, a escaldadura das folhas, o raquitismo e a ferrugem consideradas as mais importantes.

A escaldadura das folhas é causada pela bactéria Xanthomonas albilineans (Ashby) Dowson, sendo encontrada em praticamente todas as regiões onde a cana é cultivada (8). A doença tem distribuição mundial, causando sérios prejuízos econômicos relacionados à diminuição da produtividade, necessidade de reforma precoce dos canaviais e queda de qualidade do caldo extraído (4, 8, 9).

A expressão dos sintomas e sua severidade estão associados com o nível de resistência da variedade cultivada, condições ambientais e agressividade do patógeno (11). A doença pode se apresentar sob as formas latente, crônica e aguda, variando desde ausência de sintomas, ou sintomas do tipo estrias brancas nas folhas, secamento de folhas e brotações, estrias vermelhas internas nos colmos, murcha e morte das plantas (5, 13).

O controle da doença tem sido feito principalmente pelo emprego de variedades resistentes. No entanto, quebra de resistência tem sido relatada em diversos países, sendo atribuída à variabilidade do patógeno e provocando consideráveis perdas para a cultura (17). A quebra de resistência tem sido observada em variedades comerciais plantadas nos estados norte-americanos da Florida e Louisiana, em Guadalupe, na República Dominicana, no México, e em Mauritius (17, 18; 19), sendo fortes os indícios da sua relação com a diversidade da bactéria (14,18). A variabilidade entre isolados de X. albilineans tem sido demonstrada por meio da caracterização de morfologia de células e colônias, análise de proteínas totais, técnicas sorológicas e moleculares (17). No entanto, a correlação entre essas características e a patogenicidade não tem sido conclusiva. A variabilidade patogênica da bactéria se constitui num sério problema para o desenvolvimento de variedades resistentes (8) e, como conseqüência, num ponto chave para o manejo da doença (9). Além disso, o conhecimento sobre a diversidade do patógeno pode contribuir tanto para a recomendação diferenciada de variedades de cana para plantio em função da região geográfica, como para direcionar programas de melhoramento visando a obtenção de variedades resistentes.

No Brasil, existem evidências que apontam para a ocorrência de variabilidade em X. albilineans, pois variedades comerciais de cana-de-açúcar, consideradas resistentes, têm desenvolvido sintomas severos da doença. Estas evidências têm sido observadas de forma marcante no Estado de São Paulo, onde determinadas variedades têm se comportado como resistentes em algumas regiões e muito suscetíveis em outras áreas de plantio (Casagrande & Moraes [ Casagrande, M.V. & Moraes, V.A. Pesquisadores do Centro de Tecnologia Canavieira-Piracicaba/SP, março de 2003], comunicação pessoal).

Em razão dessas evidências, o presente trabalho teve como objetivo caracterizar molecularmente isolados da bactéria X. albilineans provenientes de algumas regiões do Estado de São Paulo, buscando identificar diversidade molecular e patogênica entre isolados coletados em diferentes regiões.

MATERIAL E MÉTODOS

Amostragem de plantas

Foram amostradas três regiões produtoras de cana do Estado de São Paulo e uma em Minas Gerais. Um total de 50 amostras foram coletadas, sendo 27 de Piracicaba (SP), 12 de Jaú (SP), 8 da região de Ribeirão Preto (SP) e 3 de Iturama (MG) (Tabela 1).

As amostras foram constituídas por colmos de plantas que apresentavam sintomas identificados por folhas secas e presença de brotações laterais nos colmos; folhas secas e ausência de brotações laterais, mas com características da doença; e colmos que apresentavam folhas com sintoma de bandeira branca. Os colmos amostrados foram cortados em minitoletes e suas gemas plantadas em bandejas de 28 células, contendo como substrato duas partes de torta de filtro e uma de composto Plantmax (Eucatex). As mudas foram mantidas em casa de vegetação e, após 3 meses do plantio, foram transplantadas para o campo experimental, com o objetivo de manter as amostras no campo.

Obtenção dos isolados da bactéria

Para o isolamento da bactéria adotou-se a metodologia descrita na literatura (21). Cada colmo amostrado foi descascado e, retirada a parte basal, esta foi colocada em tubo plástico de 50 mL e centrifugada a 300rpm por 15 minutos. O caldo obtido foi plaqueado com o auxílio de uma alça de platina, em meio seletivo XAS (7) contendo 10g de sacarose, 5g de bactopeptona, 0.5g de K2HPO4, 0.25g de MgSO4.7H2O, 0.05g de Na2SO3, 5g de KBr, 0.002g de benomyl e 15g de agar para um volume final de 1 litro de água destilada. O pH foi ajustado para 6. Os antibióticos ciclohexamida (0.1g), cefalexina (0.025g), novobiocina (0.03g) e kasugamicina (0.05g) foram dissolvidos em 100ml de água destilada, filtrados em um filtro de 0.22mm e adicionados ao meio após a autoclavagem. As colônias foram identificadas após 5 dias de incubação a 28°C, com base na morfologia, taxa de crescimento e pigmentação. As colônias típicas foram isoladas e mantidas em glicerol a -80°C para posterior uso nos experimentos.

Identificação dos isolados por características culturais, serológicas e moleculares

Com o objetivo de confirmar a identificação dos isolados de X. albilineans feita com base nas características culturais observadas em meio de cultura, os isolados foram submetidos ao teste sorológico de Dot-Blot e molecular de PCR.

Os testes foram conduzidos com células bacterianas cultivadas em meio líquido seletivo XAS, as quais foram usadas como antígeno no teste sorológico e para extração de DNA no teste molecular.

O teste sorológico foi conduzido de acordo com o protocolo desenvolvido para este fim (7). Em uma membrana de nitrocelulose foram depositadas alíquotas de suspensão bacteriana de cada isolado. Em seguida, procedeu-se à incubação em antissoro específico para a bactéria. O antissoro é mantido pelo Centro de Tecnologia Canavieira sediado em Piracicaba/SP. Após a coloração, foram consideradas positivas as amostras que apresentaram coloração azulada.

O teste molecular seguiu metodologia descrita na literatura (15). As amostras foram amplificadas em 35 ciclos de termociclador, analisadas por eletroforese e os resultados visualizados em gel de agarose 1%, na forma de bandas correspondentes a fragmentos de DNA de 350pb. Os iniciadores (primers) usados nas reações foram PGBL1: ctttgggtctgtagctcagg e PGBL2: gcctcaaggtcatattcagc (15).

Caracterização molecular dos isolados por rep-PCR

A extração do DNA genômico da bactéria para aplicação do rep-PCR foi feita de acordo com metodologia descrita na literatura (1), usando-se colônias dos isolados cultivadas, individualmente, em meio líquido XAS. Após a quantificação, o DNA de cada isolado foi submetido à reação de rep-PCR para caracterização molecular, buscando-se identificar polimorfismo entre os fragmentos amplificados. Os iniciadores (primers) utilizados foram ERIC1R: atgtaagctcctggggattcacusados, ERIC2R: aagtaagtgactggggtgagcg, BOXA1R: ctacggcaaggcgacgcctgacg, REP1 R-I: iiiicgicgicatciggc e REP2 R-I: icgicttatciggcctac (12, 20, 21).

A amplificação foi realizada em termociclador utilizando o seguinte programa: um ciclo inicial a 95°C por 7 min; 30 ciclos de amplificação, etapa de denaturação a 94°C por 1 min, anelamento a 44, 52 e 53°C por 1 min. com REP, ERIC e BOX, respectivamente, e extensão a 65°C por 8 min.; um ciclo final de extensão a 65°C por 15 min. O produto amplificado foi analisado por eletroforese em gel de agarose 1,5%, usando tampão TBE 0.5X por 14 horas a 10 volts, sendo posteriormente observado sob luz UV.

A similaridade molecular entre os isolados foi analisada por meio de uma matriz construída a partir dos fragmentos gerados nas reações de amplificação e identificados de acordo com seu peso molecular. Para cada reação do rep-PCR foi feita uma tabela de ausência ou presença de bandas que posteriormente foi usada para gerar um dendrograma, com o emprego do algarítimo UPGMA no programa NTSYS (Exeter Biological Software, Setauket, NY), utilizando o coeficiente de similaridade de Jaccard.

Teste de patogenicidade

O ensaio foi instalado em casa de vegetação, utilizando-se duas variedades de cana-de-açúcar, SP78-5495 e SP78-4467, ambas consideradas suscetíveis, sendo a segunda mais suscetível à escaldadura do que a primeira.

Os isolados utilizados no teste de patogenicidade foram escolhidos entre aqueles que constituíram cada um dos grupos distintos obtidos pela análise dos resultados do rep-PCR. Assim, para o grupo 1, no qual foram agrupados os isolados de Piracicaba, foram escolhidos os isolados 8, 11, 27; para o grupo 2, onde foram agrupados isolados de Jaú e da região de Ribeirão Preto, foram escolhidos, os isolados 29, 40, 41, 50; e para o grupo 3, composto por somente dois isolados de Iturama, foi escolhido o isolado 45.

Plantas sadias das variedades SP78-5495 e SP78-4467, produzidas em viveiro, forneceram os toletes para os testes de patogenicidade. Estes toletes foram inoculados através do corte do colmo com facão, cuja lâmina foi mergulhada anteriormente em caldo extraído de planta doente. Em seguida, estes toletes foram plantados em substrato constituído por duas partes de torta de filtro e uma de composto Plantmax (Eucatex), contido em bandejas de 28 células e mantidos em casa de vegetação. O facão foi lavado com uma solução 0,2% de cloreto de benzalcônico em água e flambado, a cada inoculação com os diferentes isolados.

No total, foram utilizados 1.260 toletes ou gemas (45 bandejas) para cada variedade de cana, sendo usados 140 toletes de cada variedade (5 bandejas) para cada tratamento. Cada um dos isolados selecionados constitui um tratamento, sendo a testemunha representada pela inoculação de caldo proveniente de planta sadia. A inoculação das plantas foi feita com o caldo de planta infectada, pois testes preliminares revelaram que este tipo de inóculo foi mais eficiente quanto à produção de doença, quando comparado com suspensão bacteriana produzida em laboratório e aplicada pelos métodos de corte de folhas e injeção nos colmos.

As avaliações do ensaio foram realizadas aos 60 e 90 dias após a inoculação. Os sintomas foram observados e atribuiu-se notas de 1 a 5, de acordo com o grau de desenvolvimento dos mesmos. A escala empregada para avaliação está apresentada na Tabela 2, sendo utilizada pelo Centro de Tecnologia Canavieira (CTC) para avaliar a resistência de material de cana à escaldadura, em programas de melhoramento.

A análise estatística foi realizada com base nos dados obtidos na avaliação do ensaio feita aos 90 dias após a inoculação. O delineamento utilizado na instalação do experimento foi o de blocos ao acaso, sendo os dados analisados pelo Teste F a 5% de significância.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Identificação dos isolados por características culturais, sorológicas e moleculares

Todos os isolados cresceram em meio de cultura seletivo apresentando características típicas de X. albilineans, identificadas por taxa de crescimento, pigmentação e morfologia de colônias. Os 50 isolados apresentaram reação positiva para o antissoro específico, exibindo intensa coloração azul, confirmando serem pertencentes à espécie X. albilineans. O emprego de PCR com os iniciadores PGBL1/PGBL2, revelou, para todos os isolados, a amplificação de fragmentos genômicos de aproximadamente 350pb, típicos para representantes de X. albilineans.

Assim, todos os isolados obtidos do campo a partir de amostras sintomáticas foram confirmados como pertencentes à espécie patogênica causadora de escaldadura das folhas em cana.

Caracterização dos isolados por rep-PCR

A análise dos perfis de bandas correspondentes aos fragmentos de DNA genômico amplificados pelos diversos iniciadores revelou diferenças genéticas entre os isolados de Piracicaba, Jaú, da região de Ribeirão Preto e Iturama.

Os haplótipos obtidos com os iniciadores BOX, REP e ERIC foram analisados em conjunto e permitiram separar os 50 isolados em três grupos distintos (Figura 1). O Grupo 1 foi constituído por 27 isolados, todos originários de Piracicaba. No Grupo 2 foram reunidos 21 isolados: todos os isolados amostrados em Jaú (28 a 39), todos os isolados obtidos na região de Ribeirão Preto (40 ao 43 e 47 ao 50) e 1 isolado de Iturama (44). No Grupo 3 foram agrupados somente 2 isolados (45 e 46), ambos coletados em Iturama.


A análise dos resultados gerados pela aplicação da técnica de rep-PCR demonstrou que há diversidade genética entre os isolados de X. albilineans coletados no Estado de São Paulo. Quando se procurou associar os grupos de isolados determinados pelo rep-PCR com local de origem, foram observados aspectos interessantes sobre a distribuição geográfica destes isolados. Além disso, todos os isolados coletados em Piracicaba revelaram um grau de similaridade que permitiu agrupá-los em um grupo distinto. Ainda, todos os isolados originários de Jaú também se apresentaram similares, tanto que foram reunidos num mesmo grupo. Todos os isolados obtidos na região de Ribeirão Preto se mostraram molecularmente similares entre si, similares com aqueles isolados coletados em Jaú e com um dos isolados de Iturama. Finalmente, dois isolados originários de Iturama se mostraram distintos de todos os demais, caracterizando um grupo próprio. Portanto, a caracterização molecular por rep-PCR revelou que a diversidade genética entre os isolados de X. albilineans apresenta certa relação com a região de origem destes isolados, observada principalmente para os isolados coletados em Piracicaba e Jaú.

A ocorrência de variabilidade genética de X. albilineans, demonstrada para isolados coletados no Estado de São Paulo, também já foi constatada em outros estudos de mesma natureza conduzidos em outros países, através do emprego de técnicas moleculares. Considerando a diversidade de perfis de banda, diferentes variantes foram identificados entre isolados originários da Flórida, em áreas onde se verificou a ocorrência de quebra de resistência de cultivares de cana (2). Também com base nos perfis de bandas de DNA, foi demonstrada a presença de variação genômica intra-específica em isolados coletados em diversos países e em distintas regiões de um mesmo país (8). A ocorrência de grupos geneticamente distintos também foi demonstrada através de rep-PCR para isolados componentes de uma grande coleção de X. albilineans, sendo revelada a existência de relação entre os diferentes grupos e sua origem geográfica (10).

Teste de patogenicidade

Para o teste de patogenicidade foram escolhidos os isolados 8, 11 e 27, coletados em Piracicaba (Grupo 1); os isolados 29 e 39, originários de Jaú (Grupo 2); 40 e 49, da região de Ribeirão Preto (Grupo 2); e o isolado 45 procedente de Iturama (Grupo 3).

Aos 90 dias após a inoculação, as plantas exibiram os sintomas mais característicos da doença e permitiram melhor avaliação do efeito da inoculação de cada isolado, com base na escala de notas adotada. As duas variedades apresentaram comportamento diverso em relação ao patógeno. A variedade SP78-4467 se mostrou mais suscetível que a variedade SP78-5495, confirmando observações realizadas previamente. Por esta razão, os dados obtidos com a variedade SP78-4467 foram utilizados para análise, pois nesta variedade a intensidade de doença foi mais alta, facilitando a interpretação dos resultados.

Todos os isolados se mostraram patogênicos, no entanto a agressividade dos mesmos se mostrou diferenciada (Tabela 3), resultando no aparecimento de sintomas de intensidade variável.

Os isolados 40 e 49, provenientes da região de Ribeirão Preto, se mostraram significativamente mais agressivos que os isolados 39, 27 e 45, respectivamente originários de Jaú, Piracicaba e Iturama. No entanto, os isolados 40 e 49 não diferiram estatisticamente dos isolados 8, 11 e 29, sendo os dois primeiros coletados em Piracicaba e o outro procedente de Jaú. O isolado 45, obtido em Iturama, foi o isolado significativamente menos agressivo, em comparação com todos os demais isolados avaliados. Embora tenha sido observada diferença na agressividade dos isolados, considerados individualmente, não foi possível reunir estes isolados em grupos distintos, com base nesta característica.

A variação na agressividade entre isolados também tem sido considerada em outros trabalhos conduzidos com X. albilineans. A ocorrência de epidemias de escaldadura das folhas em regiões onde a doença é endêmica tem levado à hipótese da ocorrência de variabilidade dentro da população da bactéria (6). A variação na agressividade do patógeno também tem sido postulada com base nas diferenças de reação de cultivares de cana de um país para outro e também dentro de um mesmo país (8). Assim, com base na reação diferencial de cultivares a diversos isolados do patógeno originários de Mauritius, foi proposta a possível ocorrência de raças distintas dentro da população de X. albilineans (3).

As epidemias de escaldadura das folhas ocorrentes em alguns países têm sido atribuídas à introdução do patógeno, surgimento de variantes mais agressivos da bactéria ou plantio de novos cultivares suscetíveis (8). No entanto, em locais onde a doença tem sido endêmica, a hipótese de aparecimento de variantes na população patogênica já estabelecida na área (8) parece ser bastante coerente, quando se foca o patógeno. A ocorrência de escaldadura das folhas nas condições do Estado de São Paulo têm sido endêmica ao longo do tempo e, portanto, já existe uma população estabelecida. Com base nesta hipótese e na análise dos resultados obtidos no presente trabalho, pode-se sugerir que diferença de reação entre variedades em função da região, pode ser devida à variabilidade do patógeno, encontrada dentro da população de isolados de X. albilineans. Esta proposição deve ser entendida como uma contribuição inicial sobre o assunto estudado e novas investigações, dentro desta linha de pesquisa, deverão ser desenvolvidas, no sentido de aumentar os conhecimentos sobre a interação patógeno-hospedeiro.

AGRADECIMENTOS

Centro de Tecnologia Canavieira CTC/Piracicaba pelo fornecimento de material para pesquisa e disponibilidade de instalações para a realização do trabalho.

Data de chegada: 23/11/2005.

Aceito para publicação: 11/12/2005.

  • 1. Alsubel, F.N. Short protocols in molecular biology 2.ed. New York: John Wiley, 1992. v.1, 273p.
  • 2. Alvarez, A.M.; Schenck, S.; Benedict, A.A. Differentiation of Xanthomonas albilineans strains with monoclonal antibody reaction patterns and DNA fingerprints. Plant Pathology, Oxford, v.46, n.2, p.358-366, 1996.
  • 3. Autrey, L.J.C.; Saumtally, S.; Dookun, A.; Medan, H. Studies on variation in the leaf scald pathogen Xanthomonas albilineans Proceedings of International Society Sugarcane Technologists, Cali, v.21, p.485-497, 1995.
  • 4. Birch, R.G. Xanthomonas albilineans and the antipathogenesis approach to disease control. Molecular Plant Pathology, London, v.2, n.1, p.1-11, 2001.
  • 5. Casagrande, M.V.; Sanguino, A.; Ferezini, E. Evolução, prejuízos e métodos de controle de quatro importantes doenças da cana-de-açúcar. In: Seminário de Tecnologia Agronômica, 7., 1997, Piracicaba. Anais Piracicaba: Copersucar, 1997. p.183-190.
  • 6. Comstock, J.C.; Shine, J.M. Outbreak of leaf scald of sugarcane caused by Xanthomonas albilineans, in Florida. Plant Disease, St Paul, v.76, n.4, p.426, 1992.
  • 7. Davis, M.J.; Rott, P.; Dean, J.L. Evaluation of selective media and immunoassays for detection of Xanthomonas albilineans, causal agent of sugarcane leaf scald disease. Plant Disease, St. Paul, v.78, n.1, p.78-82, 1994.
  • 8. Davis, M.J.; Rott, P.; Warmuth, C.J.; Chatenet, M.; Baudin, P. Intraspecific genomic variation within Xanthomonas albilineans, the sugarcane leaf scald pathogen. Phytopathology, St. Paul, v.87, n.3, p.316-324, 1997.
  • 9. JaufeerallyFakim, Y.; Autrey, J.C.; Dookun, A.; Toth, I.K.; Daniels, M. Genetic identification of the leaf scald pathogen, Xanthomonas albilineans, in Mauritius using a new set of specific primers. Sugar Cane International, Colney, v.24, n.1, p.7-13, 2000.
  • 10. Lopes, S.A. Xanthomonas albilineans detection, identification and infectivity titration in sugarcane 1996. 90f. Tese (PhD in Plant Pathology) Department of Plant Pathology, Louisiana State University, Baton Rouge.
  • 11. Lopes, S.A.; Damann, K.E.; Hoy, J.W. Infectivity titration for assessing resistance to leaf scald among sugarcane cultivars. Plant Disease, St. Paul, v.85, n.6, p.592-596, 2001.
  • 12. Lows, F.J.; Fulbright, D.W.; Stephens, C.T.; Bruijn, F.J. Specific genomics fingerprints of phytopathogenic Xanthomonas and Pseudomonas pathovars and strains generated with repetitive sequences and PCR. Applied and Environmental Microbiology, Washington, v.60, p.2286-2295, 1994.
  • 13. Martin, J.P.; Robinson, P.E. Leaf Scald. In: Martin, J.P.; Abbot, E.V., Hughes, C.G. Sugar cane diseases of the world New York: John Wiley, 1961.v.1, cap.11, p.79-108.
  • 14. Mohamed, I.S.; Rott, P.; Davis, M.J.; Chatenet, M. Diferentiation of Xanthomonas albilineans strains based on multiplication of the pathogen in sugarcane varieties. In: International Society of Sugarcane Technologists Congress, 22., 1995. Proceedings Cali:Tecnicaña, 1996. v.2, p.486-492.
  • 15. Pan, Y.B.; Grisham, M.P.; Burner, D.M.; Legendre, B.L.; Wei, Q. Development of polymerase chain reaction primers highly specific for Xanthomonas albilineans the causal bacterium of sugarcane leaf scald disease. Plant Disease, St Paul, v. 83, n.2, p.218-222, 1999.
  • 16. Ramallo, J.; Ramallo, N.E.V.; Ploper, L.D. Diagnóstico de enfermidades de la caña de azúcar: metodologías aplicadas por la EEADAC. Avance Agroindustrial, Tucumán, v. 21, n.1, p.8-12, 2000.
  • 17. Rott, P.; Davis, M.J. Recent advances in research on variability of Xanthomonas albilineans, causal agent of sugarcane leaf scald disease. In: International Society of Sugarcane Technologists Congress, 22., 1995. Proceedings Cali:Tecnicaña, 1996. v.2, p.498-503.
  • 18. Rott, P.; Mohamed, I.S., Klett, P.; Soupa, D.; Saint-Albin, A.; Feldmann, P.; Letourmy, P. Resistance to leaf scald disease is associated with limited colonization on sugarcane and wild relatives by Xanthomonas albilineans Phytopathology, St. Paul, v. 87, n.12, p.1202-1213, 1997.
  • 19. Saumtally, S.; Medan, H.; Autrey, M.J. Detection, transmission and control of leaf scald of sugarcane caused by Xanthomonas albilineans (Ashby) Dowson In: International Society of Sugarcane Technologists Congress, 22., 1995. Proceedings Cali:Tecnicaña, 1996. v.2, p.477-484.
  • 20. Versalovic, J.; Koeuth, T.; Lupski, J.R. Distribution of repetitive DNA sequences in eubacteria and application of fingerprinting of bacterial genomes. Nucleic Acids Research, Oxford, v.19, p.6823-6831, 1991.
  • 21. Wang, Z.K.; Comstock, J.C.; Hatziloucas, E.; Schaad, N. W. Comparison of PCR, BIO-PCR, DIA, ELISA and isolation on semi-selective medium for detection of Xanthomonas albilineans, the causal agent of leaf scald of sugarcane. Plant Pathology, Oxford, v.48, n.2, p.245-252, 1999.
  • *
    Autor para correspondência: Ivan P. Bedendo
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Fev 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2007

    Histórico

    • Recebido
      23 Nov 2005
    • Aceito
      11 Dez 2005
    Grupo Paulista de Fitopatologia FCA/UNESP - Depto. De Produção Vegetal, Caixa Postal 237, 18603-970 - Botucatu, SP Brasil, Tel.: (55 14) 3811 7262, Fax: (55 14) 3811 7206 - Botucatu - SP - Brazil
    E-mail: summa.phyto@gmail.com