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O sucesso da campanha de erradicação do cancro cítrico no estado de São Paulo, Brasil

The success of erradication campaign os citrus canker in São Paulo states, Brazil

CARTA AO EDITOR

O sucesso da campanha de erradicação do cancro cítrico no estado de São Paulo, Brasil

The success of erradication campaign os citrus canker in São Paulo states, Brazil

José Belasque Jr.1 1 Autor para correspondência: José Belasque Jr. ( belasque@fundecitrus.com.br). ; Nelson Gimenes Fernandes; Cícero Augusto Massari

Fundo de Defesa da Citricultura - Fundecitrus, Araraquara/SP

O agronegócio da citricultura é um dos setores brasileiros mais competitivos. O Brasil detém 40% da produção mundial de laranja e 60% da produção de suco de laranja. São Paulo e Flórida dominam a oferta mundial, um caso raríssimo em se tratando de commodities agrícolas. O sistema agroindustrial citrícola movimenta R$ 9 bilhões por ano e gera mais de 400 mil empregos. O país exporta US$ 2,0 bilhões em suco de laranja, o que representa a fatia de 80% do mercado mundial (12).

A primeira ocorrência do cancro cítrico (Xanthomonas citri subsp. citri) no Brasil foi em 1957, no município de Presidente Prudente, São Paulo (1, 5). Medidas de exclusão e erradicação foram adotadas nesse mesmo ano e foi iniciada uma campanha de erradicação do cancro cítrico, que permanece ativa até os dias atuais (11). Apesar dos esforços iniciais, a doença foi posteriormente encontrada nos estados de Mato Grosso do Sul e Paraná, em razão do comércio de mudas cítricas infectadas (1). Acredita-se que a introdução do cancro cítrico no Brasil tenha ocorrido alguns anos antes da primeira detecção, quando materiais propagativos foram importados da Ásia (14).

Constantemente a campanha de erradicação do cancro cítrico é questionada por alguns setores governamentais, ou da própria citricultura, quanto à sua necessidade ou rigor. Como exemplo, argumenta-se contrariamente à campanha de erradicação adotada em São Paulo, que há outros métodos de controle efetivos e menos custosos que a erradicação de plantas doentes e das suspeitas de estarem infectadas. Embora representem uma minoria, os questionamentos são constantemente feitos a vários setores envolvidos direta ou indiretamente com a citricultura. Por isso, a presente carta objetiva demonstrar o sucesso e a necessidade da campanha de erradicação do cancro cítrico para o Estado de São Paulo.

No Estado de São Paulo a legislação atualmente adotada concernente à erradicação do cancro cítrico data de setembro de 1999. A eliminação de todas as plantas dos talhões infestados é obrigatória quando a incidência de plantas doentes é superior a 0,5% (15). Para incidências iguais ou menores que 0,5%, as plantas doentes e as demais contidas num raio de trinta metros são eliminadas. Anteriormente a essa data, a metodologia de erradicação compreendia somente a aplicação do raio de trinta metros. Essa "nova" metodologia, válida somente para São Paulo, fez-se necessária em razão do incremento na incidência/ severidade do cancro cítrico após a introdução do minador dos citros (Phyllocnistis citrella Stainton - Lepdoptera: Gracillariidae: Phyllocnistinae) em São Paulo (13). Maiores detalhes podem ser obtidos em diferentes trabalhos de pesquisa recentemente publicados (3, 6, 7, 8, 10). Após a introdução dessa praga a adoção do referido raio de erradicação mostrou-se incapaz de conter a doença. A erradicação do cancro cítrico no novo patossistema Xanthomonas citri subsp. citri-citros-Phyllocnistis citrella é parcialmente possível, adotando-se o raio de trinta metros, quando da detecção de talhões recentemente infestados com a doença. Nos demais casos há necessidade da eliminação de todas as plantas. Além disso, eliminando-se apenas as plantas doentes, independentemente da incidência da doença, permanecem no talhão plantas infectadas, porém não detectadas nas inspeções ou ainda assintomáticas, resultando na continuidade da doença na área e na disseminação da mesma para as demais plantas e pomares vizinhos. A adoção de um raio de erradicação pressupõe a eliminação das plantas foco e das demais suspeitas de infecção, dispostas ao redor da planta foco. As distâncias de disseminação da doença são o fator preponderante na definição da estratégia a ser adotada na erradicação do cancro cítrico (9). Como demonstrado por Belasque Jr. (2005) (5) e Belasque Jr. et al. (2007) (4), a disseminação do cancro cítrico, determinada pelas distâncias entre plantas doentes em pomares em São Paulo, dá-se muitas vezes a dezenas, ou mesmo algumas centenas de metros. Portanto, é razoável afirmar que maiores eficácias poderiam ser obtidas na erradicação da doença aplicando-se raios de erradicação superiores a trinta metros.

Uma estimativa feita a partir de entrevistas pelo PENSA (USP) e ICONE revela que a citricultura paulista, excluindo-se a produção própria das indústrias, possuía, em 2006, 76% de produtores com menos de 10 mil árvores. Às vezes surge o argumento de que o método atualmente empregado de controle do cancro cítrico em São Paulo não é o mais adequado para pequenos produtores. Há no Estado de São Paulo, conforme os dados do Fundecitrus, 19.016 pequenas propriedades com menos de 20.000 plantas e destas 14.829 estão nas regiões Centro, Norte e Sul. A erradicação do cancro cítrico é realizada em todo o Estado, com benefícios para todos os produtores, por evitar a contaminação de novos pomares e plantas. Além disso, os pequenos produtores são os maiores beneficiários da campanha de erradicação, pois os grandes produtores têm equipes próprias de inspeção, portarias para controle da entrada de pessoas, propriedades cercadas, arco rodolúvios, desinfestação obrigatória de veículos, etc. que ajudam a evitar a entrada da doença. O saneamento de todo Estado poupa todos os produtores de gastarem mais recursos com o controle da doença.

Como já citado, o Estado de São Paulo é o maior produtor mundial de citros e o maior exportador mundial de suco de laranja. Esse status foi alcançado em razão, principalmente, do clima e solo favoráveis, disponibilidade de mão-de-obra e terras relativamente baratas, baixíssima incidência do cancro cítrico e ausência do huanglongbing (greening), reconhecidas mundialmente como as duas mais importantes doenças da cultura. O huanglongbing é de introdução recente e certamente será um fator importante para reduzir a competitividade de nossa citricultura frente a outros países produtores. Caso o cancro cítrico se torne endêmico não teremos mais uma das vantagens competitivas que fizeram a pujança da cadeia produtiva de citros. A produção de lima ácida Tahiti (Citrus latifolia, Tanaka), destinada à exportação, atividade que está crescendo entre pequenos produtores paulistas, sofreria um grande prejuízo, pois a exportação de frutas in natura de regiões em que o cancro cítrico é endêmico sofre severas e restritivas imposições, por parte de países importadores, as quais resultam, praticamente, na impossibilidade de atuação nesse tipo de mercado.

A erradicação somente numa parte do Estado é inviável. Além de condenar a área em que não se faça a erradicação à eterna convivência com a doença, o que implica em aumentos nos custos de produção e à impossibilidade de exportação de frutos, inviabiliza a campanha de erradicação nas demais áreas do Estado. A bactéria agente causal da doença pode ser disseminada até vários quilômetros por veículos, pessoas, implementos agrícolas e material vegetal, inclusive frutas ou mudas de áreas infestadas (11). Com a intensa movimentação desses agentes de disseminação, impossível de ser completamente evitada, não haveria como manter, dentro do Estado de São Paulo, uma zona livre da doença e a outra contaminada. A contaminação de todo Estado de São Paulo, em razão da interrupção da erradicação em apenas uma região, resultaria em prejuízos econômicos e financeiros para todos.

Um ponto importante para esclarecimento é que o manejo do cancro cítrico, como realizado nos estados do sul do Brasil (Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul), é custoso. Aplicações de defensivos não promovem controle efetivo da doença, representam um custo de produção adicional e são ambientalmente condenáveis. Além disso, mesmo com sucessivas aplicações de defensivos, há perdas significativas de produção resultantes da queda de frutos com sintomas. Considerando a baixíssima incidência da doença no Estado de São Paulo (mais de 99,9999% das plantas não possuem cancro cítrico), a melhor estratégia de controle é a erradicação de plantas doentes e das suspeitas de infecção. A eliminação somente das plantas com sintomas, além de não permitir um controle adequado da doença, reduziria a competitividade da citricultura, pois resultaria na contaminação de todo Estado em apenas alguns anos. A contaminação da maioria dos pomares do Estado com cancro cítrico exigiria, obrigatoriamente, gastos anuais de dezenas de milhões de reais com pulverizações visando o controle da doença. Além disso, seriam despejadas milhares de toneladas de produtos químicos no ambiente, com elevado custo ambiental.

Desde 1999 anualmente é realizado um levantamento amostral em todo o parque citrícola, numa colaboração entre o Fundecitrus e a UNESP de Jaboticabal, para determinar a incidência de cancro cítrico nas diferentes regiões do Estado de São Paulo. A média da incidência da doença em 2008 foi de 0,17% de talhões infestados, o que mostra que mais de 99,8% dos talhões estão livres da doença. Abrandar a metodologia de erradicação significa comprometer esse elevado nível de sanidade dos pomares, a competitividade da citricultura, e desperdiçar todo o esforço feito nestes mais de cinqüenta anos, desde a introdução da doença, que vem resultando no sucesso da campanha de erradicação do cancro cítrico em São Paulo.

  • 1. Amaral SF (1957) Providências para a erradicação do cancro cítrico. O Biológico 23:112-123.
  • 2. Belasque Jr. J (2005) Dinâmica espacial do cancro cítrico, interação com a larva minadora dos citros (Phyllocnistis citrella) e diversidade genética do seu agente causal (Xanthomonas axonopodis pv. citri). 171 f. Tese (Doutorado) - Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz", Universidade de São Paulo, Piracicaba.
  • 3. Belasque Jr. J, Parra-Pedrazzoli AL, Rodrigues Neto J, Yamamoto PT, Chagas MCM, Parra JRP, Vinyard BT, Hartung JS (2005) Adult citrus leafminers (Phyllocnistis citrella) are not efficient vectors for Xanthomonas axonopodis pv. citri Plant Disease 89:590-594.
  • 4. Belasque Jr. J, Spósito MB, Bassanezi RB, Amorim L, Bergamin Filho A, Gottwald TR (2007) Epidemias de cancro cítrico. II Workshop de epidemiologia de doenças de plantas. Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz", Universidade de São Paulo. pp.96-99.
  • 5. Bitancourt AA (1957) O cancro cítrico. O Biológico 23:101-111.
  • 6. Chagas MCM Parra JRP Namekata T Hartung JS Yamamoto PT (2001) Phyllocnistis citrella Stainton (Lepidoptera: Gracillariidae) and its relationship with the citrus canker bacterium Xanthomonas axonopodis pv. citri in Brazil. Neotropical Enthomology 1:55-59.
  • 7. Christiano RSC, Dalla Pria M, Jesus Jr. WC, Parra JRP, Amorim L, Bergamin Filho A (2007) Effect of citrus leaf-miner damage, mechanical damage and inoculum concentration on severity of symptoms of Asiatic citrus canker in Tahiti lime. Crop Protection 26:59-65.
  • 8. Gottwald T R, Bassanezi R B, Amorim L, Bergamin Filho A (2007) Spatial pattern analysis of citrus canker-infected plantings in São Paulo, Brazil, and augmentation of infection elicited by the asian leafminer. Phytophthology 97:674-683.
  • 9. Gottwald TR, Sun X, Riley T, Graham JH, Ferrandino F, Taylor EL (2002) Geo-referenced spatiotemporal analysis of the urban citrus canker epidemic in Florida. Phytopathology 92:361-377.
  • 10. Jesus Jr. WC, Belasque Jr. J, Amorim L, Christiano RSC, Parra JRP, Bergamin Filho A (2006) Injuries caused by citrus leafminer (Phyllocnistis citrella) exacerbate citrus canker (Xanthomonas axonopodis pv. citri) infection. Fitopatologia Brasileira 31:277-283.
  • 11. Massari, CA, Belasque Jr. J (2006) A campanha de erradicação do cancro cítrico no Estado de São Paulo - Situação atual e contaminação em viveiros. Laranja 27:41-55.
  • 12. Neves MF, Lopes FF, Trombin VG, Amaro AA, Neves EM, Jank MS (2007) Caminhos para a citricultura. 1st Ed. São Paulo. Editora Atlas S.A.
  • 13. Prates HS, Nakano O, Gravena S 1996 Minadora das folhas dos citros Phyllocnistis citrella, Stainton, 1856. Campinas: CATI. 3p. (CATI. Comunicado Técnico, 129).
  • 14. Rossetti VV (1977) Citrus canker in latin America: A review. Proceedings of the International Society of Citriculture 3:918-923.
  • 15. São Paulo (1999) Leis, decretos, etc. Portaria da Coordenadoria de Defesa Agropecuária (CDA) nş17 de 06 de Agosto de 1999. Diário Oficial, 07 de Agosto de 1999. Seção 1, p.14. Dispõe sobre a erradicação do cancro cítrico.
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    Autor para correspondência: José Belasque Jr. (
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Ago 2009
    • Data do Fascículo
      Jun 2009
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