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Variabilidade patogênica de Ustilago scitaminea no estado de São Paulo

Pathogenic variability of Ustilago scitaminea from São Paulo state

Resumos

O carvão é uma das principais doenças da cana-de-açúcar, visto que é considerada em todos os Programas de Melhoramento Genético (PMG), tanto na seleção de genitores resistentes, como no comportamento das progênies. Quando a cultura está espalhada em grandes extensões torna-se importante conhecer a amplitude da variação patogênica na população do agente causal. Diante da importância de se obter variedades com resistência efetiva e duradoura, o objetivo do presente estudo foi verificar a ocorrência, e caracterizar, no Estado de São Paulo, a variabilidade patogênica de Ustilago scitaminea. Coletaram-se 12 populações do patógeno em 3 regiões canavieiras, Piracicaba, Jaú e Ribeirão Preto, e inocularam-se, com teliósporos dessas populações, gemas de três variedades de reação conhecida, SP71-8210 (resistente), SP84-2066 (suscetível) e Co421 (intermediária). Foi instalado um ensaio no campo, a partir destas gemas inoculadas. As avaliações de touceiras doentes foram realizadas a cada 14 dias. A variedade resistente SP71-8210 não apresentou doença. Nas outras duas variedades, a doença foi avaliada por meio da curva de progresso da doença, área abaixo da curva de progresso, incidência final e período latente gerados por cada população do patógeno. As populações de U. scitaminea apresentaram diferentes níveis de agressividade, porém não houve alterações de virulência entre as populações estudadas. Segundo os parâmetros observados, uma população de Piracicaba e duas de Jaú comportaram-se como as mais agressivas. Ficou demonstrado que existe uma considerável variabilidade na agressividade das populações de U. scitaminea do Estado de São Paulo. Os PMG que submetem os materiais a inoculações artificiais com teliósporos de carvão, em alguma etapa do programa, necessitam considerar esta variação do patógeno para desenvolverem variedades com resistência mais efetiva.

carvão; cana-de-açúcar; patogenicidade


Smut is one of the main diseases of sugarcane, once it is considered in every breeding program both in the selection of breeding parents as well as in the behavior of the progeny. When the crop is extended to large extensions it becomes very important to know the amplitude of pathogen variation among its populations. In the face of the importance of obtaining varieties with effective and long lasting resistance, the objective of this study was to verify the occurrence, in the State of São Paulo, of pathogenic variability in the population of Ustilago scitaminea. Twelve populations of the pathogen were collected from three sugarcane growing regions: Piracicaba, Jaú, and Ribeirão Preto, and buds from three varieties with known response to this pathogen, SP71-8210 (resistant), SP84-2066 (susceptible) and Co421 (intermediate) were inoculated with teliospores of each population. A field trial was set up with these inoculated buds and diseased stools were evaluated every fourteen days. The resistant variety SP71-8210 did not express the disease. For the varieties that showed symptoms, it was considered the disease progress curve, the area under disease progress curve, the final incidence and, the latent period in the disease evaluation for each population. The populations of U. scitaminea showed distinct aggressiveness levels, however it was not observed changes in the virulence among tested populations. According to the evaluated parameters, one population from Piracicaba and two from Jau behaved as the most aggressive ones. Thus, it was showed that considerable aggressiveness variability exists among populations of U. scitaminea from Sao Paulo State. The variations found in this work must be taken in consideration by breeding programs when plants are artificially inoculated with smut teliospores.

smut; sugarcane; pathogenicity


ARTIGOS

Variabilidade patogênica de Ustilago scitaminea no estado de São Paulo* * Parte da dissertação de mestrado do primeiro autor.

Pathogenic variability of Ustilago scitaminea from São Paulo state

Alejandro Mario RagoI; Marcos Virgílio CasagrandeII; Nelson Sidnei Massola JúniorIII,1 1 Autor para correspondência: Nelson S. Massola Jr.

IINTA EEA Famaillá - Ruta provincial 301 Km. 32 - CC 11 (4132) Famaillá - Tucumán - Argentina

IICentro de Tecnologia Canavieira, Faz. Sto. Antônio S/N, CP 162, 13400-970, Piracicaba, SP

IIIDepto. Entomologia, Fitopatologia e Zoologia Agrícola, Setor de Fitopatologia, ESALQ-USP, CP 09, 13418-900, Piracicaba, SP. nmassola@esalq.usp.br

RESUMO

O carvão é uma das principais doenças da cana-de-açúcar, visto que é considerada em todos os Programas de Melhoramento Genético (PMG), tanto na seleção de genitores resistentes, como no comportamento das progênies. Quando a cultura está espalhada em grandes extensões torna-se importante conhecer a amplitude da variação patogênica na população do agente causal. Diante da importância de se obter variedades com resistência efetiva e duradoura, o objetivo do presente estudo foi verificar a ocorrência, e caracterizar, no Estado de São Paulo, a variabilidade patogênica de Ustilago scitaminea. Coletaram-se 12 populações do patógeno em 3 regiões canavieiras, Piracicaba, Jaú e Ribeirão Preto, e inocularam-se, com teliósporos dessas populações, gemas de três variedades de reação conhecida, SP71-8210 (resistente), SP84-2066 (suscetível) e Co421 (intermediária). Foi instalado um ensaio no campo, a partir destas gemas inoculadas. As avaliações de touceiras doentes foram realizadas a cada 14 dias. A variedade resistente SP71-8210 não apresentou doença. Nas outras duas variedades, a doença foi avaliada por meio da curva de progresso da doença, área abaixo da curva de progresso, incidência final e período latente gerados por cada população do patógeno. As populações de U. scitaminea apresentaram diferentes níveis de agressividade, porém não houve alterações de virulência entre as populações estudadas. Segundo os parâmetros observados, uma população de Piracicaba e duas de Jaú comportaram-se como as mais agressivas. Ficou demonstrado que existe uma considerável variabilidade na agressividade das populações de U. scitaminea do Estado de São Paulo. Os PMG que submetem os materiais a inoculações artificiais com teliósporos de carvão, em alguma etapa do programa, necessitam considerar esta variação do patógeno para desenvolverem variedades com resistência mais efetiva.

Palavras-chave adicionais: carvão, cana-de-açúcar, patogenicidade.

ABSTRACT

Smut is one of the main diseases of sugarcane, once it is considered in every breeding program both in the selection of breeding parents as well as in the behavior of the progeny. When the crop is extended to large extensions it becomes very important to know the amplitude of pathogen variation among its populations. In the face of the importance of obtaining varieties with effective and long lasting resistance, the objective of this study was to verify the occurrence, in the State of São Paulo, of pathogenic variability in the population of Ustilago scitaminea. Twelve populations of the pathogen were collected from three sugarcane growing regions: Piracicaba, Jaú, and Ribeirão Preto, and buds from three varieties with known response to this pathogen, SP71-8210 (resistant), SP84-2066 (susceptible) and Co421 (intermediate) were inoculated with teliospores of each population. A field trial was set up with these inoculated buds and diseased stools were evaluated every fourteen days. The resistant variety SP71-8210 did not express the disease. For the varieties that showed symptoms, it was considered the disease progress curve, the area under disease progress curve, the final incidence and, the latent period in the disease evaluation for each population. The populations of U. scitaminea showed distinct aggressiveness levels, however it was not observed changes in the virulence among tested populations. According to the evaluated parameters, one population from Piracicaba and two from Jau behaved as the most aggressive ones. Thus, it was showed that considerable aggressiveness variability exists among populations of U. scitaminea from Sao Paulo State. The variations found in this work must be taken in consideration by breeding programs when plants are artificially inoculated with smut teliospores.

Keywords: smut, sugarcane, pathogenicity

A agroindústria do açúcar e álcool, que envolve o agronegócio da cana-de-açúcar, é uma das principais atividades econômicas para o Brasil que, sendo o maior produtor de cana-de-açúcar do mundo com 5,3 milhões de hectares, produz em torno de 260 milhões de toneladas de cana, gerando 10 bilhões de litros de álcool e 16 milhões de toneladas de açúcar. Ao Estado de São Paulo correspondem quase 60% desta produção (21).

Nos diferentes ambientes onde é cultivada, a cana-de-açúcar é submetida às mais diversas condições e é exposta a uma ampla variedade de fatores capazes de reduzir sua produtividade, sendo as doenças um deles. Os Programas de Melhoramento Genético (PMG) de cana-deaçúcar abastecem o agronegócio com novas variedades que, além de uma maior produtividade, conferem resistência às principais doenças (3, 7, 16, 20). A maioria dos PMG incorpora no plano de cruzamentos, progenitores resistentes às doenças para conferir tolerância na progênie. Além disso, nos protocolos de seleção de novas variedades são feitas avaliações para testar o comportamento dos clones frente à presença de diferentes patógenos, entre eles Ustilago scitaminea H. & P. Sydow agente causal do carvão (4, 22).

O carvão é uma das principais doenças da cana-de-açúcar, visto que é considerada em todos os PMG, tanto na seleção de genitores resistentes, como no comportamento das progênies (11).

O carvão foi relatado no Brasil em 1946, causando epidemias severas nas variedades POJ36 e POJ213, no município de Assis, Estado de São Paulo. Desde então sua disseminação foi rápida atingindo outros Estados. Na década de 80 ocorreu a maior epidemia registrada no país causando prejuízos enormes na variedade NA56-79, que ocupava cerca de 50% da área canavieira, registrando-se incidências de até 80% nas áreas comerciais (7). Uma estimativa dos danos causados pelo carvão, revelou que cada incremento de 1% na área sob a curva de progresso da doença provoca 0,86% de dano (9). Além dos danos diretos na produção, que acarretam severos prejuízos ao setor sucroalcoleiro, o carvão provoca a restrição do uso de variedades altamente produtivas, além da eliminação de grande número de clones ricos e produtivos nos PMG, devido à suscetibilidade à doença (8).

Alterações na patogenicidade de U. scitaminea podem provocar mudanças nas reações das variedades ao carvão (11). Diferentes raças e formas fisiológicas do fungo têm sido relatadas na Argentina, Havaí, Nigéria, Paquistão, Filipinas e Taiwan (1, 10, 13, 15, 17). Um extenso estudo visando detectar variabilidade genética no agente do carvão foi conduzido por Grisham & Hogart (14). Encontrou-se alguma variabilidade patogênica entre as diferentes populações de U. scitaminea, porém somente em Taiwan houve fortes indícios da existência de raças do patógeno. Nesse país, as respostas de variedades altamente suscetíveis ou resistentes variaram de uma localidade para outra.

Quando a cana é cultivada em grandes extensões e, portanto, sujeita às mais variadas combinações entre populações do patógeno e condições edafoclimáticas, como no caso do Brasil, torna-se extremamente importante conhecer a amplitude da variação patogênica nas populações dos agentes causais. Essa informação é de fundamental importância para que os PMG não corram riscos de lançar variedades consideradas resistentes e que, na presença de variantes mais agressivos do patógeno, se comportem como suscetíveis. Nos últimos anos, tem sido detectado o aparecimento de carvão, em determinadas regiões do Estado de São Paulo, afetando algumas variedades consideradas resistentes, após curtos períodos do lançamento das mesmas, dando indícios de falhas no processo de seleção ou da existência de variantes mais agressivos do patógeno no campo (Casagrande1, informação pessoal).

Diante a importância de obter variedades com resistência efetiva e duradoura, o objetivo do presente estudo foi verificar a ocorrência e caracterizar, no Estado de São Paulo, a variabilidade patogênica de U. scitaminea, agente causal do carvão da cana-de-açúcar.

MATERIAL E MÉTODOS

A variabilidade patogênica de U. scitaminea foi estudada mediante a inoculação de diferentes populações desse patógeno em variedades de cana-de-açúcar com comportamento conhecido, observando-se a reação desses genótipos em condições de campo.

As populações de U. scitaminea foram coletadas em três regiões produtoras de cana do Estado de São Paulo, Piracicaba (populações "P"), Jaú (populações "J") e Ribeirão Preto (populações "RP"). De cada área foram coletados de 10 a 20 chicotes de quatro diferentes variedades, considerando-se cada uma como uma população. Após a coleta, os chicotes foram embrulhados em papel de jornal, levados ao laboratório e secos à temperatura ambiente. Posteriormente foi realizada a extração dos teliósporos, mediante raspagem dos chicotes. A massa de teliósporos assim obtida foi peneirada para a retirada de resíduos vegetais e armazenada segundo Mata (18), para posterior utilização.

Para realizar as inoculações foram utilizadas as variedades SP71-8210, de reação resistente, SP84-2066 caracterizada como suscetível e Co421 de reação intermediária ao carvão. As plantas de cada variedade foram obtidas a partir de uma única gema, cultivada em substrato Plantmax estéril.

As inoculações dos teliósporos do carvão nas plantas seguiram a metodologia utilizada pelo Centro de Tecnologia Canaviera, para seleção de genótipos em seu programa de melhoramento (12). Para cada uma das populações obtidas foi preparada uma suspensão de teliósporos em água destilada, com concentrações de 1,7 x 106 esporos viáveis/mL. A viabilidade foi calculada mediante testes de germinação em meio Ágar-Água, realizados previamente com amostras dos teliósporos armazenados.

Gemas de cada variedade foram plantadas superficialmente em substrato Plantmax, contido em bandejas plásticas de 28 células de 200 mL. Após o plantio, as suspensões de teliósporos foram aspergidas, até escorrimento, sobre as gemas, que, em seguida, foram recobertas com uma fina camada de substrato. As bandejas foram mantidas em câmara úmida, a 25-30ºC. Após 72 h a câmara úmida foi retirada e as plantas permaneceram em casa de vegetação por 70 dias. Plantas de mesmo porte de cada uma das 3 variedades foram plantadas a uma distância de 0,5 m entre plantas e 1,5 m entre linhas. Esse plantio foi feito em área experimental do Centro de Tecnologia Canavieira, situado no município de Piracicaba. O delineamento foi o de blocos completos casualizados. Cada tratamento foi constituído pela combinação entre as três variedades e as 12 populações do patógeno, obtendo-se assim 36 tratamentos. Além disso, adicionou-se mais uma testemunha não inoculada para cada variedade, totalizando 39 parcelas por bloco. Foram utilizadas quatro repetições. Cada parcela experimental foi constituída por uma linha de 12,5 m, contendo 25 plantas. Dessa forma, cada uma das populações foi inoculada em 125 plantas de cada variedade, totalizando 3.900 plantas no experimento.

O material plantado no campo foi avaliado durante o ciclo de cana planta, seguindo-se a metodologia empregada por Casagrande (8). A avaliação se baseou na incidência de touceiras doentes, registrada a cada 14 dias. Durante as inspeções, as touceiras doentes foram marcadas com fitas plásticas coloridas, permitindo estabelecer uma curva de progresso da doença no final do ciclo de avaliações. As análises realizadas levaram em conta a incidência final da doença e a área sob a curva de progresso da doença, (AUDPC), calculada através da expressão: AUDPC = [ Ó(yi +yi + 1 )/2. dt1 ] /n, onde yi e yi + 1 são os valores de incidência observados em duas avaliações consecutivas, d t1 o intervalo de tempo entre as avaliações e n a duração do período de avaliação.As médias de cada variável foram comparadas pelo teste de Tukey ao nível de 5% de probabilidade.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A variedade SP81-8210, de reação resistente ao carvão, não apresentou sintomas da doença durante todo o ensaio. Assim, os resultados referentes a essa variedade não serão apresentados neste trabalho. As parcelas testemunha, constituídas por plantas não inoculadas, também não apresentaram doença, garantindo que não houve possível influência de inóculo local.

Todas as populações de U. scitaminea avaliadas se comportaram como patogênicas nas variedades SP84-2066 e Co421 (Figura 1).


Apesar da variedade Co421 ser considerada como de reação intermediária ao carvão, esta apresentou valores de incidência final maiores que os da variedade SP84-2066, considerada suscetível. Pela análise dos resultados da variedade Co421 na Figura 1, fica evidente que tal variedade vinha se comportando como mais resistente que a SP84-2066, para todas as populações do patógeno até o 186º dia após a inoculação. Após esse dia houve um acréscimo significativo na incidência de carvão para todas as populações avaliadas. A explicação para este fato é a ocorrência de chuvas após essa data, o que provocou mudanças na fisiologia desta variedade, que passou a perfilhar mais e, dessa forma, tornou-se mais suscetível à doença (6). Esta alteração na reação de variedades às doenças por influência de fatores ambientais é um fato característico de patossitemas governados quantitativamente (5).

Por meio de uma simples análise dessas curvas de progresso de carvão apresentadas na Figura 1 já é possível perceber que existem diferenças na patogenicidade entre as populações de U. scitaminea avaliadas, reveladas por diferenças nas incidências finais, tipo e inclinação da curva, e intervalo entre inoculação e emissão dos chicotes (período latente).

A análise da incidência final de carvão (Figura 2) revelou que, para a variedade SP84-2066, a população P2 foi a mais agressiva, atingindo 12 % de touceiras doentes. No entanto, a incidência proporcionada por esta população não diferiu significativamente daquelas proporcionadas por P3, RP1, RP3, J2 e J3. Nessa variedade, as populações RP2 e J4 foram as menos agressivas, causando incidência de 1 %. Para a variedade Co421 a análise estatística não revelou diferenças significativas entre as populações para a variável incidência final, e, dessa forma, todas as populações foram consideradas igualmente agressivas.


O período latente é uma variável que pode ser utilizada para caracterizar a reação do hospedeiro a uma doença. Os genótipos que apresentam períodos latentes menores são considerados mais suscetíveis. Porém, o uso do período latente para caracterizar a agressividade do patógeno também é válido (2). Nesse caso, isolados do patógeno que proporcionarem menor período latente, numa mesma variedade do hospedeiro, podem ser considerados como mais agressivos.

Baseando-se no período latente (Figura 3) das 12 populações, nas duas variedades de cana-de-açúcar, foi possível observar que, para a variedade SP84-2066, as populações P2, RP1, RP4, J2 e J3 foram mais agressivas que P1, RP2, J1 e J4, por apresentarem períodos latentes menores. Para a variedade Co421 os períodos latentes foram maiores em relação à variedade SP84-2066, indicando maior resistência daquela variedade, quando se considera somente esta variável. Na variedade Co421, os períodos latentes proporcionados pelas populações P2, P4, RP4, J2, J3 e J4 foram menores em relação ao apresentado pela população P3.


A variável área abaixo da curva de progresso da doença (AUDPC) é, muitas vezes, considerada como adequada para avaliação da reação de genótipos do hospedeiro e da agressividade de isolados dos patógenos, por integrar diversos aspectos da epidemia, como incidência, coeficiente angular da curva e período latente (19).

A AUDPC também revelou diferenças marcantes na patogenicidade entre as populações (Figura 4), seguindo tendência semelhante à observada para incidência final. Considerando esta variável, para a variedade SP84-2066, as populações P2, P3 e J3 foram mais agressivas que RP2. Na variedade Co421, P4 se destacou pela maior agressividade em relação às P3, RP1, RP2, RP3 e RP4.


Os resultados aqui apresentados revelaram que as diferentes populações de U. scitaminea do Estado de São Paulo apresentaram significativa variabilidade patogênica. As duas variedades de cana que expressaram sintomas apresentaram reações distintas à doença, gerando variedades, avaliaram a variabilidade de U. scitaminea em diversos países. Estes autores encontraram diferenças na patogenicidade entre as populações estudadas, porém, em Taiwan encontraram indícios de ocorrência de raças de patógeno devido à inversão de reação de algumas variedades. Nesse país e também no Hawaii e na Nigéria os resultados das pesquisas apontam para a existência de duas raças, com virulências distintas (1, 10, 17). Na Argentina Hirschhorn & Astiz-Gasso (15) revelaram a existência de três populações com patogenicidade distintas, que os autores chamaram de "formas fisiológicas”. Inclusive, chegaram até mesmo a sugerir uma serie de clones que poderiam ser usados como diferenciadores dessas três populações.

Esta variabilidade do agente causal do carvão já havia sido detectada por diversos autores, em diferentes partes do mundo. Entretanto, este assunto tem sido abordado, no mundo todo, sem critérios claros e bem definidos, necessários para estudos desta natureza, como por exemplo, por meio de variedades diferenciadoras. Esta ausência de metodologia clara para estudo de populações de U. scitaminea é perfeitamente compreensível quando se considera que o carvão é uma doença de difícil reprodução de sintomas, ou seja, as plantas inoculadas nem sempre manifestam a doença. Além disso, os resultados obtidos em experimentos com essa doença são difíceis de serem reproduzidos com freqüência, dificultando as comparações com trabalhos de outras localidades. Mesmo assim, os relatos da ocorrência de especialização até o nível de raça fisiológica permeiam a literatura mundial.

Os resultados deste trabalho concordam com os da literatura no que se refere à existência de variabilidade patogênica em U. scitaminea. Porém, sugerem que não há variação na virulência, mas somente na agressividade entre essas populações do Estado de São Paulo.

Foi possível relacionar aspectos da agressividade à origem das populações do patógeno. Com exceção do período latente, as outras variáveis analisadas sugerem que as populações de Piracicaba e Jaú foram mais agressivas quando comparadas às de Ribeirão Preto. De modo geral, pode-se afirmar que, segundo as variáveis observadas, as populações P2, J2 e J3 foram bastante agressivas em ambas as variedades. A população P4 se destacou, também, pela alta agressividade à variedade Co421. As populações RP2 e RP4 foram pouco agressivas nas duas variedades.

Os PMG que submetem os materiais a inoculações, em qualquer etapa do Programa, deveriam considerar essas diferenças na agressividade encontradas entre as populações do Estado de São Paulo. Sugere-se o uso de uma população com nível elevado de agressividade, do contrário, a resistência de determinados genótipos pode estar sendo superestimada.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem aos funcionários da Área de Fitossanidade do Centro de Tecnologia Canavieira, Piracicaba, SP, pelo apoio na implantação e manutenção do ensaio de campo.

Data de chegada: 29/11/2 005.

Aceito para publicação em: 13/04/2007

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  • *
    Parte da dissertação de mestrado do primeiro autor.
  • 1
    Autor para correspondência: Nelson S. Massola Jr.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Ago 2009
    • Data do Fascículo
      Jun 2009

    Histórico

    • Recebido
      29 Nov 2005
    • Aceito
      13 Abr 2007
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