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Caracterização da epidemiologia temporal e espacial da cercosporiose da beterraba

Temporal and spatial characterization of Cercospora leaf spot of beet

RESUMO

O cultivo da beterraba tem se expandido devido ao consumo in natura e também pelo processamento industrial de conservas. No entanto, a cercosporiose, causada por Cercospora beticola Sacc. é a principal doença comprometendo a produtividade da cultura. Poucos trabalhos tem sido feitos sobre a epidemiologia da doença no Brasil, por isso, o objetivo do trabalho foi caracterizar o progresso temporal e espacial da doença nas condições de cultivo na região Sul do Brasil. Sementes de beterraba da cultivar Boro foram semeadas em quatro blocos de 250 plantas . A incidência foliar inicial da doença na linha da semeadura foi utilizada para a análise espacial pelos testes de ‘run’ e ‘doublet’ e os dados analisados pelo valor (±1,64) estandardizado no teste de ‘Z’ a 5% de probabilidade. Posteriormente, a severidade da doença foi estimada em 80 plantas utilizando a escala diagramática, em dez plantas ao acaso previamente demarcadas e os dados foram ajustados a um modelo não linear ao longo do ciclo da cultura. Constatou-se que o padrão espacial da doença foi acima de 99% ao acaso para ambos os testes. A curva de progresso da doença ajustou-se melhor ao modelo de Gompertz, representada por y= 0,122771*(exp(12,830900*exp(-0,35870*x))). Esse estudo servirá de modelo para trabalhos futuros de manejo da doença.

Palavras-chave
Beta vulgaris ssp. vulgaris; epidemiologia; Cercospora beticola

ABSTRACT

Beet cultivation has intensified due to in natura consumption and industrial processing of canned food. However, Cercospora leaf spot, caused by Cercospora beticola Sacc., is the major disease compromising the crop productivity. Few studies have been conducted on the epidemiology of the disease in Brazil; thus, the objective of the present study was to characterize the temporal and spatial progression of this disease under the cultivation conditions at the southern region of Brazil. Beet seeds of ‘Boro’ cultivar were sown in four blocks of 250 plants each. Initial disease incidence in the planting line was used for spatial analysis through the run and doublet tests, and data were analyzed based on the value (± 1.64) standardized according to Z-test at 5% probability. Subsequently, disease severity was estimated for 80 plants through a diagrammatic scale and for ten previously demarcated random plants, and data were adjusted to a nonlinear model throughout the crop cycle. The spatial pattern of the disease was over 99% at random for both tests. The disease progress curve was fitted to Gompertz model, represented by y = 0.122771 * (exp (12.830900 * exp (-0.35870 * x))). This study will serve as a model for future investigation related to the disease.

Keywords
Beta vulgaris ssp. vulgaris; epidemiology; Cercospora beticola

A cercosporiose causada por Cercospora beticola Sacc. é a principal doença na cultura da beterraba (Beta vulgaris ssp. vulgaris L.) por reduzir a área foliar sadia e redução na produção (44 Ferreira, M.D.; Tivelli, S.W. Cultura da beterraba: recomendações gerais. Guaxupé, Cooxupé, 1989, 14p. (Boletim Técnico, 2).). Os sintomas são manchas circulares com bordos de cor purpúrea e centro claro e, à medida que aumentam, tornam-se com tonalidade acinzentada, porém com a necrose o tecido lesionado se desprende e a folha tornase perfurada. Quanto aos danos, a sua ocorrência generalizada pode representar redução na produtividade de 15% a 45% (1010 Tivelli, S.W; Factor, T.L.; Teramoto, J.R.S.; Fahi, E.G.; Moraes, A.R.A.; Trani, P.E.; May, A. Beterraba, do plantio à comercialização. Série Tecnologia APTA. Boletim Técnico IAC, 210. Campinas: Instituto Agronômico. 2011, 45p.).

Entre as formas de caracterizar o desenvolvimento de doenças, a curva de progresso temporal e a análise espacial na linha de cultivo da cultura são as melhores representações de uma epidemia. A interpretação do formato da curva e a distribuição na linha de cultivo podem ser usadas para determinar o progresso espacial e temporal da doença na cultura (22 Bergamim Filho, A.; Amorim, L. Doenças de plantas tropicais: epidemiologia e controle econômico. São Paulo: Ceres, 1996, 289p.,66 Hau, B.; Amorim, L.; Bergamim Filho, A. Epidemiologia: Análise espacial. In: Amorim, L.; Rezende, J.A.M.; Bergamim Filho, A. (Ed.). Manual de fitopatologia. 4. ed. São Paulo: Ceres, 2011. v. 1, cap. 38, p.667-695.).

Como não se dispõe de informação sobre o assunto, o objetivo deste trabalho foi caracterizar o progresso espacial e temporal da cercosporiose da beterraba, com a finalidade de servir de um modelo para a doença na cultura.

O experimento foi realizado de 15 de setembro a 15 de dezembro nos anos de 2016 e 2017 no Instituto Federal Catarinense, Campus de Rio do Sul, município de Rio do Sul/SC com latitude Sul de 27°11’07”, longitude Oeste de 49°39’39” e altitude de 687 metros do nível do mar.

Os dados meteorológicos foram registrados por uma estação Davis® Vantage Vue 300m localizada ao lado do experimento e os dados médios durante a condução do experimento foram de 18,4 e 19,4ºC para temperatura do ar, de 12,8 e 12,8 horas de umidade relativa do ar ≥90% e a precipitação pluvial acumulada foi de 483,5 e 488 mm respectivamente para as safras 2016 e 2017.

Sementes de beterraba da cultivar Boro foram semeadas no campo em quatro blocos constituídos de uma área de 5x1,25 m e espaçamento de 25 x 10cm entre plantas. Cada bloco continha 5 fileiras com 50 plantas e, 20 plantas foram previamente identificadas de forma aleatória nas três filas centrais para a avaliação da intensidade da doença. A calagem, adubação e tratos culturais seguiram as normas recomendadas para a cultura (44 Ferreira, M.D.; Tivelli, S.W. Cultura da beterraba: recomendações gerais. Guaxupé, Cooxupé, 1989, 14p. (Boletim Técnico, 2).,1010 Tivelli, S.W; Factor, T.L.; Teramoto, J.R.S.; Fahi, E.G.; Moraes, A.R.A.; Trani, P.E.; May, A. Beterraba, do plantio à comercialização. Série Tecnologia APTA. Boletim Técnico IAC, 210. Campinas: Instituto Agronômico. 2011, 45p.), porém não foi utilizado fungicida.

Para que houvesse inóculo na área, mudas de beterraba cv. Boro com 30 dias de idade foram inoculadas com auxílio de um atomizador portátil uma suspensão (104) de conídios de C. Beticola e após 24 horas de camara úmida foram transplantadas a cada um metro linear ao redor do experimento no dia da semeadura do experimento.

A análise espacial da doença foi realizada aos 28 dias após a semeadura, avaliando a incidência em 50 plantas de cada uma das três linhas centrais de cada bloco, onde foram aplicados os testes de ‘run’ e ‘doublet’ e os dados analisados pelo valor (±1,64) estandardizado no teste de Z a 5% de probabilidade.

Semanalmente, após a semeadura, foi avaliada a severidade da cercosporiose nas plantas demarcadas, com auxílio de uma escala diagramática que varia de 0,41 a 23,61% proposta por May de Mio et al. (77 May de Mio, L.L.; Oliveira, R.A.; Floriani, A.M.V.; Schuber, J.M.; Poltronieri, A.S.; Araujo, M.A.; Tratch, R. Proposta de escala diagramática para quantificação da cercosporiose da beterraba. Scientia Agraria, Curitiba, v.9, n.3, p.331-337, 2008.) a intervalos regulares de sete dias.

Modelos não lineares, comumente usados para representar crescimento de epidemias como o Logístico e o de Gompertz foram usados para ajuste com os dados observados utilizando o programa R versão 2.15.1(99 R Development Core Team (2012). R: A language and environment for statistical computing. R Foundation for Statistical Computing, Vienna, Austria. Disponível em: <http://www.R-project.org>. Acesso em: 18 dez. 2017.
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). Os critérios estabelecidos para comparação dos modelos, em função da qualidade do ajustamento dos dados foram: a) erro padrão da estimativa; b) estabilidade dos parâmetros; c) erro padrão dos resíduos; d) visualização da distribuição dos resíduos ao longo do tempo e e) pseudo R2.

Constatou-se padrão de distribuição espacial ao acaso acima de 99,6% para o teste de ‘run’ e de no mínimo 99,2% para o teste de ‘doublet’ nos dois anos de avaliação (Tabela 1).

Tabela 1
Padrão espacial em linha de plantio da cercosporiose da beterraba causada por Cercospora beticola submetidos ao teste de ‘run’ e ‘doublet’. IFC/Campus Rio do Sul, 2016 e 2017

O padrão de distribuição ao acaso utilizado teste de ‘run’ e ‘doublet’ também foi verificado por Ferreira et al. (33 Ferreira, J.B.; Abreu, M.S.; Pereira, I.S. Análise da dinâmica, estrutura de focos e arranjo espacial da mancha manteigosa em campo. Ciência e agrotecnologia, Lavras, v.33, n.1, p.24-30, 2009.) quando avaliaram a mancha manteigosa do cafeeiro causado por Colletotrichum spp. Monteiro et al. (77 May de Mio, L.L.; Oliveira, R.A.; Floriani, A.M.V.; Schuber, J.M.; Poltronieri, A.S.; Araujo, M.A.; Tratch, R. Proposta de escala diagramática para quantificação da cercosporiose da beterraba. Scientia Agraria, Curitiba, v.9, n.3, p.331-337, 2008.) também constataram padrão ao acaso quando analisaram a distribuição da necrose da medula do tomateiro em estufa e no campo causada pelo complexo Pseudomonas corrugata Roberts & Scarlett , P. Mediterranea Catara e P. viridiflava (Burkholder) Dowson quando utilizaram os testes de ‘run’ e ‘doublet’.

A curva de progresso da doença foi melhor ajustada pelo modelo de Gompertz em ambos os anos em decorrência do ajustamento do resíduo ao longo do tempo e do erro padrão dos resíduos (Figura 1B e Figura 1C). Isso é decorrente da cercosporiose ser uma doença explosiva a partir dos surgimento dos primeiros sintomas. Os dados da safra de 2017 foram os que apresentaram melhores ajustes ao modelo e foi descrito pela função y = 0,122771*(exp(12,830900*exp(-0,35870*x))), (R2 = 0,997), onde a taxa (0,35870) nas condições observadas, comprova o avanço da doença após a 6ª semana em 2016 e 2017 respectivamente (Figura 1A). A diferença no percentual de severidade final da doença entre as safras (Figura 1A) é decorrente das condições ambientais, que apesar de praticamente a mesma intensidade de chuva em ambos os anos, houve um período de estiagem durante o desenvolvimento da cultura em 2017 e as chuvas foram concentradas no final do ciclo, de modo que a safra 2016 apresentasse quase o dobro de severidade em relação à de 2017. Em trabalhos realizados com beterraba açucareira (55 Gauril?ikien?, I.; Deveikyt?, I.; Petraitien?, E. Epidemic progress of Cercospora beticola Sacc. in Beta vulgaris L. under different conditions and cultivar resistance. Biologija, Vilnius, v.4, n.1, p.54–59, 2006.), os autores constataram que houve severidade máxima de 15,62%, ficando intermediário ao valor aqui encontrado. Bălău (11 B?l?u, A.M. Research regarding the epidemic evolution of Cercospora leaf spot (Cercospora beticola Sacc.) under ezareni farm conditions. Lucr?ri ?tiin?ifice, Brasov, v.54, n.2, p.199-202, 2011.) constatou pequenas diferenças, entre 2,0 e 2,4 pontos percentuais na severidade máxima quando avaliou três genótipos de beterraba açucareira.

Figura 1
Progresso temporal da cercosporiose da beterraba causada por Cercospora beticola (A) , suas curvas e resíduos gerados pelo modelo de Gompertz em 2016 (B) e 2017 (C). IFC/Campus Rio do Sul, 2016 e 2017.

Conclui-se que o padrão espacial inicial da cercosporiose da beterraba é ao acaso e o progresso temporal da doença é ajustado pelo modelo de Gompertz devido ser uma doença explosiva durante o ciclo da cultura e servirá de modelo para trabalhos futuros de manejo da doença.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem a bolsa de iniciação científica PIBIC/Cnpq e IFC/Campus Rio do Sul para realização desse trabalho.

REFERÊNCIAS

  • 1
    B?l?u, A.M. Research regarding the epidemic evolution of Cercospora leaf spot (Cercospora beticola Sacc.) under ezareni farm conditions. Lucr?ri ?tiin?ifice, Brasov, v.54, n.2, p.199-202, 2011.
  • 2
    Bergamim Filho, A.; Amorim, L. Doenças de plantas tropicais: epidemiologia e controle econômico. São Paulo: Ceres, 1996, 289p.
  • 3
    Ferreira, J.B.; Abreu, M.S.; Pereira, I.S. Análise da dinâmica, estrutura de focos e arranjo espacial da mancha manteigosa em campo. Ciência e agrotecnologia, Lavras, v.33, n.1, p.24-30, 2009.
  • 4
    Ferreira, M.D.; Tivelli, S.W. Cultura da beterraba: recomendações gerais. Guaxupé, Cooxupé, 1989, 14p. (Boletim Técnico, 2).
  • 5
    Gauril?ikien?, I.; Deveikyt?, I.; Petraitien?, E. Epidemic progress of Cercospora beticola Sacc. in Beta vulgaris L. under different conditions and cultivar resistance. Biologija, Vilnius, v.4, n.1, p.54–59, 2006.
  • 6
    Hau, B.; Amorim, L.; Bergamim Filho, A. Epidemiologia: Análise espacial. In: Amorim, L.; Rezende, J.A.M.; Bergamim Filho, A. (Ed.). Manual de fitopatologia. 4. ed. São Paulo: Ceres, 2011. v. 1, cap. 38, p.667-695.
  • 7
    May de Mio, L.L.; Oliveira, R.A.; Floriani, A.M.V.; Schuber, J.M.; Poltronieri, A.S.; Araujo, M.A.; Tratch, R. Proposta de escala diagramática para quantificação da cercosporiose da beterraba. Scientia Agraria, Curitiba, v.9, n.3, p.331-337, 2008.
  • 8
    Monteiro, F.P.; Ogoshi, C.; Becker, W.F.; Valmorbida, J.; Wamser, A.F. Distribuição especial da necrose da medula em tomateiro cultivado em Campo e Estufas. In: Congresso brasileiro de Fitopatologia, 50, 2017, Uberlândia. Anais. Uberlândia: SBF, 2017. p.416-416.
  • 9
    R Development Core Team (2012). R: A language and environment for statistical computing. R Foundation for Statistical Computing, Vienna, Austria. Disponível em: <http://www.R-project.org>. Acesso em: 18 dez. 2017.
    » http://www.R-project.org
  • 10
    Tivelli, S.W; Factor, T.L.; Teramoto, J.R.S.; Fahi, E.G.; Moraes, A.R.A.; Trani, P.E.; May, A. Beterraba, do plantio à comercialização. Série Tecnologia APTA. Boletim Técnico IAC, 210. Campinas: Instituto Agronômico. 2011, 45p.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jan 2021
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    20 Dez 2017
  • Aceito
    14 Out 2020
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