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Eficácia dos extratos pirolenhosos de cana-de-açúcar (Saccharum officinarum L.) e eucalipto (Eucalyptus spp.) no controle in vitro de patógenos da soja

O Brasil é segundo maior produtor mundial de soja [Glycine max (L.) Merr.] e os índices de produção são destaque no cenário agrícola internacional. Das limitações impostas à sua produção, as doenças se apresentam como uma das principais ameaças à cultura interferindo na sua produtividade. Dentre as doenças destacam-se o mofo branco (Sclerotinia sclerotiorum (Lib.) de Bary), a antracnose (Colletotrichum truncatum (Schw.) Andrus & Moore) e a podridão de carvão (Macrophomina phaseolina (Tassi) Goidanish) (66 MUELLER, D.; WISE, K.; SISSON, A.; SMITH, D.; SIKORA, E.; BRADLEY, C.; ROBERTSON, A. Understanding Soybean Diseases and Disorders. In: Mueller, D.; Wise, K.; Sisson, A.; Smith, D.; Sikora, E.; Bradley, C.; Robertson, A. (ed.). A farmer’s guide to soybean diseases. St. Paul: APS Press, 2016. p.5-21.). As medidas de controle são objeto de pesquisas constantes e produtos oriundos de fontes renováveis, como extratos pirolenhosos (EP), podem ser alternativas promissoras no manejo de doenças de plantas (1010 SILVEIRA, C.M.S. Influência do extrato pirolenhoso no desenvolvimento e crescimento de plantas de milho. 2010. 93f. Tese (Doutorado em Agronomia) – Universidade Estadual Paulista, Jaboticabal.). O EP é um subproduto obtido a partir da produção do carvão vegetal, resultante da condensação dos vapores sob a forma de fumos, originados durante o processo de pirólise. Pode ser obtido de diferentes espécies vegetais, como bambu, eucalipto, pinus e cana-de-açúcar (22 CAMPOS, A.D. Técnicas para produção de extrato pirolenhoso para uso agrícola. Pelotas: Embrapa Clima Temperado, 2007. 8p. (Circular Técnica, 65).). É composto por água em sua maior parte (80%) e uma mistura complexa de mais de 200 compostos orgânicos, possui ação fungicida, nematicida e também é utilizado como fertilizante orgânico (22 CAMPOS, A.D. Técnicas para produção de extrato pirolenhoso para uso agrícola. Pelotas: Embrapa Clima Temperado, 2007. 8p. (Circular Técnica, 65)., 33 ENGASP. Estudo para o aproveitamento dos extratos pirolenhosos e as suas aplicações agrícolas: projeto n. 34001. [S. l.]: Ibero Massa Florestal, 2014.). Desta forma, o objetivo do presente estudo foi avaliar a eficácia de diferentes concentrações dos extratos pirolenhosos da cana-de-açúcar (Saccharum officinarum L.) e do eucalipto (Eucalyptus spp.) no desenvolvimento in vitro dos fungos S. sclerotiorum, M. phaseolina e C. truncatum. Os experimentos foram realizados no Laboratório de Microbiologia Agrícola e Fitopatologia (LAMAF) da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) e conduzidos entre abril de 2015 e setembro de 2016. Os extratos destilados foram fornecidos pela empresa Bioware Tecnologia (Campinas, SP). O inóculo de S. sclerotiorum foi obtido em área naturalmente infestada da cultura do cártamo (Carthamus tinctorius L.). Os isolados de M. phaseolina e C. truncatum foram obtidos da micoteca do LAMAF-UFGD. O delineamento foi inteiramente casualizado com seis repetições e seis tratamentos para cada patógeno. As concentrações testadas foram 0, 1000, 2000, 3000, 4000 e 5000 µg/mL. Discos de micélio (5 mm) de colônias puras dos isolados foram transferidos para o centro de placas de Petri que foram então incubadas em câmara B.O.D (Demanda Biológica de Oxigênio) à temperatura de 25°C e fotoperíodo de 12 horas. As avaliações iniciaram a partir do momento em que a testemunha de cada patógeno apresentou crescimento micelial. Avaliou-se o crescimento e o índice de velocidade do crescimento micelial (IVCM). Foi realizada análise de variância (ANOVA), seguida do teste de Tukey, com o auxílio do programa SISVAR 5.6 (44 FERREIRA, D.F. SISVAR: Sistema de Análise de Variância. Versão 5.6. Lavras: DEX/UFLA, 2003.). Constatada a significância pelo teste F, a análise de regressão foi realizada para o fator concentração para cada tempo de avaliação, dias após início da incubação, com o programa SigmaPlot 12.5. Concentrações crescentes de extratos pirolenhosos de cana-de-açúcar e eucalipto afetaram negativamente o desenvolvimento dos fungos S. sclerotiorum, M. phaseolina e C. truncatum (Figura 1). Verificou-se que o EP de cana-de-açúcar limitou o crescimento dos patógenos com o aumento das concentrações, resultando em colônias de menor diâmetro. Um padrão semelhante foi observado para a velocidade do crescimento micelial (IVCM). O extrato pirolenhoso apresentou fungitoxidade nas diferentes concentrações, inibindo o desenvolvimento dos patógenos e interferindo na velocidade de colonização do meio de cultura. Santos Junior et al. (99 SANTOS JUNIOR, A.C.; RODRIGUES, J.M.A.; OLIVEIRA, R.; RODRIGUES, C.; DAVID, G.Q.; PERES, W.M. Fungitoxidade do extrato pirolenhoso ao fungo Rhizoctonia solani. In: Seminário de Biodiversidade e Agroecossistemas Amazônicos, 1., 2013, Alta Floresta. Anais. Alta Floresta, MT: PPGBioAgro, 2013. Disponível em:< http://portal.unemat.br/media/files/FUNGITOXIDADE%20DO%20EXTRATO%20PIROLENHOSO%20AO%20FUNGO%20Rhizoctonia%20solani.pdf>. Acesso em: 04 dez. 2016.
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), avaliando in vitro a fungitoxidade de diferentes concentrações de extrato pirolenhoso de teca (Tectona grandis), sobre o crescimento micelial de Rhizoctonia solani, também observaram que em todas as concentrações utilizadas, o EP proporcionou ação fungitóxica sobre o fungo. No experimento com o EP de eucalipto, na avaliação do crescimento micelial de M. phaseolina e C. truncatum, verificou-se que houve redução no diâmetro das colônias dos fungos conforme as concentrações aumentaram e, para a concentração de 5000 µg/mL, não foi observado desenvolvimento fúngico às 24 h. Quanto ao IVCM, com o aumento das concentrações a velocidade do desenvolvimento fúngico diminuiu em ambos os patógenos estudados. Resultados semelhantes foram encontrados por Rodrigues (77 RODRIGUES, C. Uso de extrato pirolenhoso de teca (Tectona grandis) no controle alternativo in vitro de Colletotrichum gloeosporioides. 2014. 74f. Dissertação (Mestrado em Biodiversidade e Agroecossistemas Amazônicos) - Universidade do Estado de Mato Grosso, Alta Floresta.), avaliando o potencial do extrato pirolenhoso de teca (Tectona grandis) no crescimento micelial in vitro de Colletotrichum gloeosporioides. O autor relata que houve redução na velocidade e no crescimento micelial fúngico de acordo com a elevação das doses. No presente estudo, para S. sclerotiorum, no primeiro período de avaliação (24 h), as concentrações de 1000, 2000 e 3000 µg/mL de EP de eucalipto favoreceram o desenvolvimento fúngico, porém, a partir das concentrações de 4000 e 5000 µg/mL, o patógeno apresentou colônias com diâmetros menores. Comportamento semelhante foi observado para a velocidade do crescimento micelial. Foi possível verificar neste estudo que os patógenos apresentaram sensibilidade diferenciada quando submetidos a determinado extrato. Theisen et al. (1111 THEISEN, G.; CAMPOS, A.D.; NUNES, C.D.; LUCAS, M.K. Efeitos de extratos pirolenhosos utilizados como tratamento de sementes sobre doenças da fase inicial e crescimento de plântulas de soja. Pelotas: Embrapa Clima Temperado, 2010. (Comunicado Técnico, 241).) avaliando os efeitos de duas formulações de EP, uma destilada e outra bruta decantada, na supressão de doenças da fase inicial de plântulas de soja, mostram que as melhores respostas foram obtidas com a formulação destilada. O extrato suprimiu alguns fungos frequentes como Alternaria e Penicillium, destacando a supressão para S. sclerotiorum. Pelo fato do EP ser composto por diversos componentes de ação biológica, os autores propõem que cada espécie fúngica possui sensibilidade diferenciada aos componentes químicos do extrato e entre seus componentes, alguns podem inibir ou favorecer o desenvolvimento fúngico. De acordo com Kartal et al. (55 KARTAL, S.N.; IMAMURA, Y.; TSUCHIYA, F.; OHSATO, K. Preliminary evaluation of fungicidal and termiticidal activities of filtrates from biomass slurry fuel production. Bioresource Technology, Amsterdã, Holanda, v.95, n.1, p.41–47, 2004.), a composição do EP depende das condições do processo como a temperatura, o processo de fabricação e a composição do material utilizado. Segundo Saigusa (88 SAIGUSA, T. Aplicação de extrato pirolenhoso na agricultura. São Paulo: Associação dos Produtores de Agricultura Natural, 2002.), o efeito ativador ou inibidor do EP sobre os organismos vivos depende de sua concentração. Baimark et al. (11 BAIMARK, Y.; THREEPROM, J.; DUMRONGCHAI, N.; SRISUWAN, Y.; KOTSAENG, N. Utilization of wood vinegars as sustainable coagulation and antifungal agents in the production of natural rubber sheets. Journal of Environmental Science and Technology, Deira, Dubai, Emirados Árabes Unidos, v.1, n.4, p.157-163, 2008.) relatam que o ácido acético e os compostos fenólicos presentes no extrato de Eucalyptus globulus, promovem a inibição do crescimento fúngico. Os resultados encontrados pelos autores citados podem explicar a diferente ação dos EP de cana-de-açúcar e eucalipto nos fungos analisados neste estudo. Apesar das diferentes respostas, ambos os extratos exerceram ação fungitóxica direta sobre o crescimento in vitro dos fungos, sendo o primeiro passo para identificar o potencial desse produto no controle de fitopatógenos. Desta forma, conclui-se que a concentração de 5000 µg/mL dos EP de cana-de-açúcar e eucalipto apresentaram atividade antifúngica sobre S. sclerotiorum, M. phaseolina, C. truncatum. Os extratos em geral apresentaram fungitoxicidade nas diferentes concentrações. Pesquisas in vivo devem ser realizadas para a comprovação de sua eficiência, avaliando a resposta dos mesmos quando em interação com fatores ambientais em situações de cultivo a campo.

Figura 1
Crescimento micelial (mm) do fungo Sclerotinia sclerotiorum (A), Macrophomina phaseolina (B) e Colletotrichum truncatum (C) sob influência de diferentes concentrações de extrato pirolenhoso de cana-de-açúcar (1) e eucalipto (2).

AGRADECIMENTOS

À CAPES pelo apoio financeiro e científico. À empresa Bioware Tecnologia, pelo fornecimento dos extratos.

REFERÊNCIAS

  • 1
    BAIMARK, Y.; THREEPROM, J.; DUMRONGCHAI, N.; SRISUWAN, Y.; KOTSAENG, N. Utilization of wood vinegars as sustainable coagulation and antifungal agents in the production of natural rubber sheets. Journal of Environmental Science and Technology, Deira, Dubai, Emirados Árabes Unidos, v.1, n.4, p.157-163, 2008.
  • 2
    CAMPOS, A.D. Técnicas para produção de extrato pirolenhoso para uso agrícola Pelotas: Embrapa Clima Temperado, 2007. 8p. (Circular Técnica, 65).
  • 3
    ENGASP. Estudo para o aproveitamento dos extratos pirolenhosos e as suas aplicações agrícolas: projeto n. 34001. [S. l]: Ibero Massa Florestal, 2014.
  • 4
    FERREIRA, D.F. SISVAR: Sistema de Análise de Variância. Versão 5.6. Lavras: DEX/UFLA, 2003.
  • 5
    KARTAL, S.N.; IMAMURA, Y.; TSUCHIYA, F.; OHSATO, K. Preliminary evaluation of fungicidal and termiticidal activities of filtrates from biomass slurry fuel production. Bioresource Technology, Amsterdã, Holanda, v.95, n.1, p.41–47, 2004.
  • 6
    MUELLER, D.; WISE, K.; SISSON, A.; SMITH, D.; SIKORA, E.; BRADLEY, C.; ROBERTSON, A. Understanding Soybean Diseases and Disorders. In: Mueller, D.; Wise, K.; Sisson, A.; Smith, D.; Sikora, E.; Bradley, C.; Robertson, A. (ed.). A farmer’s guide to soybean diseases St. Paul: APS Press, 2016. p.5-21.
  • 7
    RODRIGUES, C. Uso de extrato pirolenhoso de teca (Tectona grandis) no controle alternativo in vitro de Colletotrichum gloeosporioides. 2014. 74f. Dissertação (Mestrado em Biodiversidade e Agroecossistemas Amazônicos) - Universidade do Estado de Mato Grosso, Alta Floresta.
  • 8
    SAIGUSA, T. Aplicação de extrato pirolenhoso na agricultura São Paulo: Associação dos Produtores de Agricultura Natural, 2002.
  • 9
    SANTOS JUNIOR, A.C.; RODRIGUES, J.M.A.; OLIVEIRA, R.; RODRIGUES, C.; DAVID, G.Q.; PERES, W.M. Fungitoxidade do extrato pirolenhoso ao fungo Rhizoctonia solani In: Seminário de Biodiversidade e Agroecossistemas Amazônicos, 1., 2013, Alta Floresta. Anais Alta Floresta, MT: PPGBioAgro, 2013. Disponível em:< http://portal.unemat.br/media/files/FUNGITOXIDADE%20DO%20EXTRATO%20PIROLENHOSO%20AO%20FUNGO%20Rhizoctonia%20solani.pdf>. Acesso em: 04 dez. 2016.
    » http://portal.unemat.br/media/files/FUNGITOXIDADE%20DO%20EXTRATO%20PIROLENHOSO%20AO%20FUNGO%20Rhizoctonia%20solani.pdf
  • 10
    SILVEIRA, C.M.S. Influência do extrato pirolenhoso no desenvolvimento e crescimento de plantas de milho 2010. 93f. Tese (Doutorado em Agronomia) – Universidade Estadual Paulista, Jaboticabal.
  • 11
    THEISEN, G.; CAMPOS, A.D.; NUNES, C.D.; LUCAS, M.K. Efeitos de extratos pirolenhosos utilizados como tratamento de sementes sobre doenças da fase inicial e crescimento de plântulas de soja Pelotas: Embrapa Clima Temperado, 2010. (Comunicado Técnico, 241).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Maio 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2021

Histórico

  • Recebido
    17 Jul 2017
  • Aceito
    19 Nov 2020
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