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As transformações da prática médica: a Medicina de Grupo no Rio de Janeiro

Resumo:

Este trabalho é parte de uma investigação sobre a constituição e desenvolvimento das empresas médicas e de seu papel no atendimento à clientela previdenciária.

Os grupos médicos pesquisados no Rio de Janeiro, através de entrevistas de seus dirigentes e da análise de dados secundários caracterizaram-se por: a) não assumir, ainda, grande magnitude na cobertura da população previdenciária no Rio de Janeiro, através dos convênios empresa; b) incorporar uma tecnologia pouco complexa, diferenciando-se apenas as quatro maiores empresas por disporem de maior parcela dos leitos hospitalares próprios dos grupos médicos, bem como de laboratórios clínico e radiológico. A estratégia para suprir as deficiências de recursos é o estabelecimento de uma complexa rede de contratos e credenciamentos.

A clientela atendida corresponde a 5% da população previdenciária e se distribui nos ramos de atividades industriais, comerciais, bancários, financeiros e outros serviços.

O desenvolvimento da modalidade assistencial de Medicina de Grupo deve ser entendido dentro do quadro de relações deste setor no com plexo médico-empresarial.

Summary

The main goal of this work was to make clear the dynamic of capitalistic transformations in medical practice by means of studying the pre-payment medical enterprises. The delayed character of the uprising and development of such enterprises was due to the interaction of multiple conditions envolving state policies as a result of health enterprises controversy of interests, working-classes and social security burocracy, as well as of the material and technological conditions of medical practice, the formation of a surplus in medical labor and investiments of private funds in this sector. The subordination process to the capitalistic relations was proved to have happened in an heterogeneous and contradictory way clearly shown by the coexistence of multiple forms of medical practice which are complementary to each others, within a process of social and tecnical division of medical labor.

INTRODUÇÃO

Os estudos sobre as relações entre a prática médica e a estrutura social brasileira têm indicado a tendência do processo de subordinação dos serviços de saúde às relações sociais capitalistas. Ora estas pesquisas se voltam para a análise das “privatização”, cujo motor principal tem sido as políticas previdenciárias de assistência médica77. LUZ, Madel T. - As instituições médicas no Brasil; instituições e estratégias de hegemonia, Rio, Graal, 1979, 295p.),(88. MELLO, Carlos Gentile de - Saúde e assistência médica no Brasil, São Paulo, CEDES-HUCITEC, 1977, 273p., ora se dirigem para o estudo das transformações do processo de trabalho médico, envolvendo determinadas articulações entre os agentes, os meios de trabalho e o objeto da intervenção médica55. DONNANGELO, Maria C.F.; PEREIRA, Luiz - Saúde e sociedade, São Paulo, Duas Cidades, 1976, 124p.),(66. GONÇALVES, Ricardo B. - Medicina e história; as raízes sociais do trabalho médico. Dissertação de Mestrado, área de Medicina Preventiva, Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina, 1979, 302p.. Em nosso caso, estudamos um aspecto particular da penetração das relações capitalistas na prática médica: o surgimento e desenvolvi­ mento das empresas médicas, que têm sua expressão mais acabada na medicina de grupo ou grupos médicos. Estas formas mantêm, contudo, relações com outras formas de organização, como as cooperativas médicas, os hospitais lucrativos e filantrópicos, companhias de seguro privado e firmas de prestação de serviços complementares de diagnóstico e tratamento. Estas formas privadas de prestação de serviços articulam-se, por sua vez, com a rede ambulatorial e hospitalar estatal, constituindo-se um complexo médico­empresarial e estatal que representa modos de prestação de cuidados de saúde submetidos a um processo desigual e contraditório de subordinação da prática médica ao capital.

No caso brasileiro, este processo de subordinação depende, em grande parte, das políticas médico-assistênciais da Previdência Social. As séries históricas da evolução do número de consultas, exames complementares ambulatoriais e internações ilustram tal tendência (Tabelas 1, 2 e 3). A inflexão observada nos valores de 1975 são decorrentes da ampliação da cobertura médico-assistencial proporcionada pelo Plano de Pronta Ação (PPA) de 1974, que implementou novos contratos e convênios, particularmente nas áreas metropolitanas. Estes dados evidenciam que a ampliação do atendimento deu-se através do aumento das prestações pelo setor privado, sob o regime de contratos de adesão pagos por ato médico e pelos convênios-empresa que adotam o sistema de pré-pagamento. As despesas com assistência médica demonstram, contudo, um aumento proporcional nos serviços próprios (Tabela 4). Isto pode ser devido à complexidade tecnológica dos hospitais próprios e aos maiores níveis de remuneração do pessoal assalariado, quando comparados com o setor privado.

TABELA 1
CONSULTAS AMBULATORIAIS PRESTADAS À POPULAÇÃO PREVIDENCIÁRIA POR SERVIÇOS PRÓPRIOS E NÃO-PRÓPRIOS, BRASIL, 1971-6
TABELA 2
SERVIÇOS COMPLEMENTARES PRESTADOS À POPULAÇÃO PREVIDENCIÁRIA POR SERVIÇOS PRÓPRIOS E NÃO-PRÓPRIOS, BRASIL, 1971-6.
TABELA 3
INTERNAÇÕES DA POPULAÇÃO PREVIDENCIÁRIA NOS HOSPITAIS PRÓPRIOS E NÃO-PRÓPRIOS, BRASIL, 1970-6
TABELA 4
DESPESAS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL COM ASSISTÊNCIA MÉDICA NOS SERVIÇOS PRÓPRIOS E NÃO-PRÓPRIOS, BRASIL, 1971-6.* * Em Cr$ 1.00,00

O entendimento deste processo de transferência das prestações do setor estatal para o privado deve ser buscado na análise da “capitalização” dos serviços de consumo e de seu significado nas sociedades capitalistas. Diferenciamos os serviços em dois ramos de atividades: aqueles diretamente relacionados à esfera da circulação dos bens materiais, tais como os serviços bancários, o comércio de mercadorias etc., e os chamados serviços stricto sensu ou serviços de consumo99. NOGUEIRA, Roberto P. - Capital e trabalho nos serviços de saúde, Brasília, 1979, p. 4 (mimeo).. Estes englobam uma heterogeneidade de práticas, tais como os serviços prestados por empregados domésticos, os de reparação de bens duráveis, os de lazer, educação, saúde, entre muitos outros. Tanto em um, quanto em outro ramo de atividades está suposto um conjunto de práticas que permite, ou facilita, o consumo de qualquer valor de uso, ou seja, que “constitui a efetiva realização da utilidade das mercadorias ou da utilidade do trabalho”99. NOGUEIRA, Roberto P. - Capital e trabalho nos serviços de saúde, Brasília, 1979, p. 4 (mimeo)..

O resultado da “produção” dos serviços não constitui, em sentido restrito, um valor de troca; não entra, portanto, no processo de circulação, que é uma esfera particular do processo global de produção de mercadorias. O processo de trabalho compreendido nos serviços de consumo “produz” um determinado valor de uso que ao ser dispensado é imediatamente consumido, sendo, portanto, incapaz de produzir mais valia. Isto não significa, no entanto, que os serviços de consumo estejam à margem da economia capitalista, como um setor extra-econômico que não guarda nenhuma relação com a produção. Sua expansão e a tendência crescente à penetração das relações sociais capitalistas traduzem formas históricas concretas em que se dá o movimento do capital e as relações entre as empresas da produção da circulação e do consumo nos ciclos do desenvolvimento capitalista. Os serviços de consumo, nas sociedades capitalistas urbano-industriais, sofrem transformações decorrentes do processo de urbanização e da divisão social do trabalho no espaço urbano.

A distribuição espacial e o acesso aos serviços de saúde, em suas diversas modalidades, assumidas no complexo médico-empresarial, estão articuladas a processos que levam à prestação crescente de serviços através dos chamados equipamentos coletivos de consumo de natureza estatal e/ou empresarial. Neste último caso, emerge a contradição entre o caráter crescentemente socializado das práticas de consumo das parcelas assalariadas da população e a apropriação privada dos meios de trabalho e da mão-de-obra necessários à prestação dos serviços. O caráter empresarial e lucrativo destas atividades não permite atender, em sua plenitude, aos objetivos de redução das desigualdades sociais na esfera do consumo a que se propõem as políticas sociais do Estado capitalista.

No caso particular dos serviços de saúde, o capital empregado na produção dos serviços médicos não deriva seu lucro de uma função econômica imediata, mas sim o obtém pela repartição e transferência para sua órbita de uma parcela da mais valia global produzida, a título da remuneração dos serviços. Assim, as suas taxas de lucro dependerão da capacidade de pressão política dos empresários do setor para garantir a repartição mais favorável de parcelas dos lucros globais do capital, quer seja através da intervenção estatal direta (níveis de remuneração dos serviços médicos, subsídios etc.), ou indireta, como pelos incentivos fiscais a capitalistas para deduzir do imposto de renda da pessoa jurídica os gastos com assistência médica da firma. Também decorre das possibilidades de manter baixos níveis de remuneração dos profissionais de saúde assalariados pelas empresas médicas e de expedientes de super-faturamento (cobrança de atos médicos não prestados, procedimentos diagnósticos, ou terapêuticos desnecessários etc.), ou por redução do número de prestações, no caso dos sistemas de pré-pagamento. As possibilidades de expansão do setor médico-empresarial dependem, também, do marketing dirigido às empresas a que prestam serviços, o que equivale dizer, a eficácia da difusão das mensagens demonstra que a compra de serviços de saúde às empresas médicas garante aos capitalistas o aumento da produtividade de sua firma, decorrente da redução do absenteísmo, de melhor seleção da mão-de-obra empregada e dos efeitos político-ideológicos da promoção de “paz social” e da maior identificação do trabalhador com a empresa. Depende, portanto, da eficácia com que a prática médica contribua para atenuar as reivindicações dos assalariados.

Dois outros fatores participam da dinâmica das transformações capitalistas da prática médica: a tecnologia médica e a oferta de mão-de-obra de trabalhadores de saúde.

Cecília Donnangelo44. DONNANGELO, Maria C.F. - Medicina e sociedade, São Paulo, Pioneira, 1975, 174p. propõe que não se concebam as relações entre a ciência e a prática médica como uma decorrência natural do desenvolvimento de um campo específico do saber - as ciências biológicas. A medicina, enquanto prática social, instaura determinadas relações entre o médico e o objeto de sua prática das quais participam os instrumentos técnicos como parte dos meios de trabalho. Os avanços tecnológicos no campo da medicina são uma condição necessária, porém, não suficiente para que se acelerem as transformações empresariais da prática médica, pois sua utilização se dá sob determinadas relações sociais. A incorporação de novos instrumentos diagnósticos e terapêuticos leva ao aumento do custos das prestações por serem elevados os gastos para sua aquisição, manutenção e operação. A isto se acrescenta a rápida obsolescência dos equipamentos motivada pelas estratégias de competição entre as firmas que atuam neste ramo, bem como o caráter não substitutivo da tecnologia médica. Cada novo procedimento diagnóstico, ou terapêutico, não leva necessariamente à eliminação de outros existentes, antes se acrescenta como mais uma solução técnica.

O outro fato diz respeito à disponibilidade de mão-de-obra de médicos em relação a oferta de empregos pelos setores estatal e privado e às possibilidades de manter uma prática autônoma. A expansão das escolas médicas ocorrida no país e o conseqüente aumento da oferta de médicos no mercado de trabalho gerou, nos últimos anos, um excedente relativo de mão-de-obra, decorrente da menor expansão relativa dos empregos no setor estatal e de uma capacidade cada vez mais reduzida da população em remunerar diretamente o médico pelos serviços prestados.

Finalmente, deve-se situar as transformações empresariais da medicina no âmbito das políticas sociais dos Estados capitalistas. A expansão do escopo destas políticas levando a um aumento real dos gastos estatais tem criado brechas estruturais entre as rendas e as despesas estatais, gerando crises fiscais periódicas, particularmente no sistema previdenciário. É sabido que nas sociedades capitalistas contemporâneas a expansão dos gastos e a emergência das crises fiscais tendem a resultar em decisões que visam a transformar as despesas sociais em despesas de capital social. Isto é, o Estado intervém no sentido de facilitar a penetração do capital em novos ramos do sistema produtivo e de serviços de consumo, daí ocorrendo o empresariamento dos serviços de educação, lazer, saúde, transportes coletivos etc.1111. OLIVEIRA, Francisco - O terciário e a divisão social do trabalho. Estudos Cebrap, 24: 137-68, 1980. Desta forma, as políticas de assistência médica da Previdência Social, no Brasil, têm refletido o caráter contraditório entre a necessidade de estender a cobertura médico-assistencial a camadas cada vez maiores das populações urbanas e rurais e o processo de empresariamento dos serviços de saúde. As decisões do aparelho previdenciário frente às questões colocadas pela expansão da demanda da população e as reivindicações dos diversos setores empresariais da prática médica traduzem este caráter e refletem formas particulares de articulação de interesses dos grupos sociais com a burocracia previdenciária11. ANDRADE, Regis C. - Política social e normalização institucional no Brasil, São Paulo, CEDEC, 1980, 23p. (mimeo).), (22. COHN, Amélia - Previdência Social e processo político no Brasil, São Paulo, Ed. Moderna, 1981, 245p.), (1010. O´CONNOR, James - A Crise do estado capitalista, Rio, Paz e Terra, 1977, 264p.), (1212. SANTOS, Wanderley G. - Cidadania e justiça; a política social na ordem brasileira, Rio, Campus, 1979, 138p..

O presente trabalho centra seu objeto numa parte da pesquisa realizada, cujos resultados globais estão em outra publicação33. CORDEIRO, Hésio A. - As empresas médicas; um estudo das transformações capitalistas da prática médica no Brasil. Tese de Doutoramento, Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina, 1981, 310p. (mimeo).. Este objeto é a descrição dos grupos médicos do Rio de Janeiro, visando a analisar o lugar ocupado pelos convênios-empresa na situação atual da assistência médica neste município e suas implicações frente o acesso dos diversos segmentos da população aos cuidados de saúde.

MATERIAL E MÉTODOS

A pesquisa foi realizada a partir de dois planos de análise. O primeiro compreendeu o estudo das políticas, planos, programas e normas enunciadas pelos aparelhos estatais de saúde - Previdência Social e o Ministério da Saúde - relacionadas aos cuidados de saúde às pessoas. Compreendem a análise das políticas efetivamente implementadas, bem como de ante-projetos e estudos que não se transformaram em políticas explícitas, mas que são relevantes para a compreensão das articulações do aparelho estatal com o complexo médico-empresarial. Est a etapa restringiu-se a análise do material referente às medidas de Previdência Social dirigidas ao setor privado da assistência médica. Para tanto, estabeleceu-se uma periodização da história da previdência social brasileira compreendendo três períodos de políticas médico-assistenciais: as do aparelho previdenciário não-unificado (1923-1960); as do aparelho previdenciário pré-unificado (da Lei Orgânica da Previdência Social à criação do Instituto Nacional de Previdência Social - 1960 a 1966); e as do aparelho previdenciário unificado (1966-1980). Esta etapa de estudo foi realizada por análise de fontes primárias como relatórios, planos, portarias, ordens de serviço, emendas, do aparelho previdenciário, bem como de fontes secundárias relacionadas à estudos sobre a previdência social brasileira, relatórios analíticos da evolução das prestações de cuidados de saúde, gastos previdenciários etc. Completou-se esta análise com entrevistas com informantes chaves: dirigentes e ex-dirigentes da Previdência Social e Ministério da Saúde e empresários do setor. Com estas entrevistas pretendeu-se estabelecer as articulações entre os quadros burocráticos do aparelho estatal de saúde e o empresariado do complexo médico-assistencial, no contexto de determinadas conjunturas.

O segundo plano da pesquisa compreendeu o estudo do processo de constituição e desenvolvimento das empresas médicas de pré-pagamento no Município do Rio de Janeiro através de entrevistas com seus dirigentes, utilizando-se um questionário semi-estruturado e por análise de documentos produzidos por tal setor em conjunturas específicas. Foi estudado o universo de grupos médicos do Rio de Janeiro, constituído por 17 empresas.

Os resultados apresentados referem-se exclusivamente a esta segunda dimensão da pesquisa realizada, restringindo-se à descrição dos grupos médicos que operam no Rio de Janeiro.

RESULTADOS E DISCUSSAO

População atendida e a prestação de serviços

A população previdenciária coberta pelos convênios-empresa no Município do Rio de Janeiro, em 1979, era de 549.602 pessoas, incluindo o segurado e seus dependentes. Isto corresponde, para este ano, a uma cobertura de 5% da população previdenciária estimada para o Estado, ou seja 10.557.000 beneficiários.

A cobertura da população assalariada dirige-se fundamentalmente aos industriários (46,8%), funcionários de firmas de seguro e de crédito (22,5%), comércio (16,6%) e outros serviços (14,1%). Esta participação é similar à distribuição do total da mão-de-obra pelos diversos setores, exceto no seguro e crédito que é maior na população atendida pelos grupos médicos. Estes dados indicam que as firmas industriais e comerciais vêm adotando o sistema de convênios em larga escala. O atendimento dirige-se, assim, à mão-de-obra assalariada de diversos setores econômicos, contrariando a suposição de outros autores que previam a expansão dos convênios­empresa para os operários qualificados dos setores industriais mais dinâmicos. Esta suposição baseava-se em que os convênios-empresa cumpririam a função de manutenção e reposição da mão-de-obra qualificada. Na realidade, o que parece mover as empresas médicas no sentido de definir sua população-alvo, é o da rentabilidade dos serviços prestados à clientela, ou seja, cobrir setores mais jovens da força de trabalho, com melhores níveis salariais e menores riscos de adoecer.

A importância das empresas médicas na prestação de cuidados de saúde no Rio de Janeiro tende a crescer, face à adoção do convênio­ empresa pelo empresariado. Os dados disponíveis para o Estado do Rio de Janeiro evidenciam que esta modalidade cobre cerca de 15% do total de internações realizadas em 1978 e 17% do atendimento ambulatorial (Tabelas 5 e 6).

As prestações de cuidados de saúde pelos convênios-empresa referentes às consultas médicas evidenciam que as empresas médicas contribuíram com os maiores percentuais de cresci-leitos próprios, 50% dos ambulatórios, 52,6% dos gabinetes radiológicos e 67% dos laboratórios clínicos. Esta concentração dos recursos materiais nos quatro maiores grupos médicos revela mento do volume de consultas nas quatro clínicas básicas (clínica médica, cirurgia geral, obstetrícia e pediatria), bem como em especialidades, principalmente cardiologia, dermatologia e traumato-ortopedia, entre 1975 e 1977. Para esta última, o incremento de 439% refere-se à transferência dos cuidados com os assalariados acidentados no trabalho para a Medicina de Grupo (Tabela 7).

TABELA 5
INTERNAÇÕES NO SISTEMA PREV IDENC I ÁRIO SEGUNDO TIPO DE SERVIÇO. ESTADO DO RIO DE JANEIRO, ANOS SELECIONADOS.
TABELA 6
ATENDIMENTO AMBULATORIAL NO SISTEMA PREVIDENCIÁRIO SEGUNDO TIPOS DE SERVIÇOS. ESTADO DO RIO DE JANEIRO, ANOS SELECIONADOS.
TABELA 7
EXAMES DE LABORATÓRIO PRODUZIDOS PELO SISTEMA PREVIDENCIÁRIO POR TIPOS DE SERVIÇOS, ESTADO DO RIO DE JANEIRO, 1971-8* * (x 1.000)

A caracterização das empresas médicas

Para a compreensão da natureza do processo de expansão do empresariamento da medicina através dos grupos médicos é necessário descrever as características destas instituições segundo os recursos humanos e materiais que dispõem. Esta descrição permite uma aproximação do conhecimento do grau de complexidade tecnológica incorporada pelos grupos médicos.

No Rio de Janeiro, nove grupos dispõem de instalações hospitalares próprias, entre os dezessete em funcionamento na época da pesquisa, com um número de leitos que varia de 18 a 577. Os quatro maiores grupos médicos dispõem de cerca de 35% do total da capacidade instalada de que raras empresas médicas decidem investir em serviços próprios de maior complexidade e que implicam maior capacidade de endividamento. Isto determina que os grupos médicos de menor rentabilidade estabeleçam uma ampla rede de serviços contratados ou credenciados para atendimento hospitalar, consultas especializadas e exames complementares. Nesta malha de relações contratuais, o papel dos grupos médicos é articular o circuito dos pacientes através dos diversos segmentos do complexo médico-empresarial. A fragmentação do cuidado médico por diferentes instituições que se especializam na prestação de certos tipos de atendimento, impede que se exerçam, com eficácia, ações fiscalizadoras sobre as prestações realizadas. A falta de coordenação daí decorrente leva a desperdícios de magnitude não conhecida face à duplicação de procedimentos diagnósticos e terapêuticos realizados nesta rede institucional.

Sob o ângulo da incorporação de mão-de-obra de médicos, identificamos que, em dez grupos médicos, o assalariamento é a forma predominante de vínculo. Estes dez grupos médicos ofereciam 732 cargos de médicos assalariados, correspondendo a 47% do total de mão-de-obra médica. Em segundo lugar estão os médicos credenciados, e, em terceiro, os autônomos. Os médicos credenciados são aqueles que executam as prestações complementares aos cuidados primários através de consultas especializadas. Os médicos assalariados executam as tarefas de atendimento ambulatorial na rede própria das empresas médicas, correspondendo à rotina, enquanto os médicos credenciados servem de referência para o nível do cuidado primário e para o atendimento dos níveis dirigentes das empresas convenentes, através de planos especiais. Estabelece-se, portanto, uma nítida divisão social do trabalho médico, diferenciando-se a qualificação das ações de saúde realizadas.

Em relação a outros profissionais de saúde verificamos que as quatro maiores empresas dispõem de odontólogos em seus quadros como assalariados, autônomos, ou proprietários. Os demais se valem do sistema de credenciamento, envolvendo um total de 134 dentistas. As empresas médicas estudadas tinham em seus quadros apenas 15 enfermeiros e 6 nutricionistas, todos assalariados. Em relação a outros profissionais, empregavam, como assalariados, 46 técnicos, 658 atendentes e 766 funcionários administrativos. As quatro maiores empresas concentravam, respectivamente, 72%, 58% e 67% deste pessoal. Os grupos médicos, portanto, se valem de mão­de-obra assalariada constituída predominantemente por médicos, atendentes e pessoal administrativo, em proporções aproximadamente idênticas. Isto revela a natureza do processo.

O processo de trabalho na prestação de cuidados à saúde nos grupos médicos implica, portanto, na qualificação do trabalho especializado (setor credenciado) dirigido ao “consumo de luxo” e na desqualificação do trabalho em nível do atendimento primário (setor assalariado), cuja prática é enquadrada e controlada por rígidos procedimentos de supervisão, dirigidos à confirmação de diagnóstico, controle dos dias de faltas abonadas, controle dos procedimentos complementares de diagnóstico e referências a especialistas e/ou hospitalização. Os grupos médicos adotam um rodízio de médicos assalariados nos postos de atendimento, como estratégia para impedir que “o médico conheça e torne a relação mais pessoal, o que o levaria a reduzir sua vigilância sobre o absenteísmo, tornando mais liberal o fornecimento de atestados médicos”. Assim, há um duplo controle dos gestores da medicina de grupo: um, sobre o processo de trabalho médico e, outro, sobre a clientela, que tem seus dias de afastamento do trabalho criteriosamente computados. O controle sobre o setor credenciado não se faz de forma tão rigorosa, face à dispersão dos médicos em seus consultórios particulares, bem como às características da clientela, constituída pelos níveis gerenciais das empresas e por alguns poucos assalariados de funções subalternas referidos para cuidados especializados. Nas cooperativas médicas, não há controle direto sobre o trabalho médico, somente ocorrendo em situações de desequilíbrio atuarial, face à prestação de um número excessivo de atos médicos.

Ao privilegia r a incorporação da mão-de­obra médica assalariada, a medicina de grupo pretende oferecer uma alternativa ao contingente de médicos recém-egressos da escola médica, ao mesmo tempo que define neste aspecto sua estratégia de crescimento: pessoal médico demandando emprego a ser contratado e alocado em ambulatórios e consultórios de fácil acesso à clientela coberta.

Esta alternativa é enfatizada pela ABRAMGE: “O Brasil forma hoje mais de 8 mil médicos por ano; estima-se que não mais de 25% desses profissionais poderiam ser absorvidos pela Previdência Social, talvez 5% permaneçam na carreira universitária. Quantos teriam condições para iniciar uma carreira como médico liberal de clínica particular, em seus próprios consultórios? Não mais de 5% dos formados”. E conclui, interrogando: “O que seria dos demais, caso não encontrassem apoio nos grupos médicos?”1 1 Entrevista com Dr. Juljan Czapski, ex-Presidente da ABRAMGE, 1979.

CONCLUSÕES

Os grupos médicos não se constituem, ainda, numa modalidade predominante de prestação de cuidados à saúde para a população previdenciária no Município do Rio de Janeiro. A expansão dos convênios-empresa não se realizou com a mesma intensidade verificada em São Paulo, por exemplo, onde cerca de 35% da população previdenciária já é coberta por tal sistema. As razões deste fato escapam ao objeto deste trabalho. Contudo é importante assinalar a tendência ao crescimento das prestações de consultas ambulatoriais gerais e especializadas pelos grupos médicos, que é maior do que o setor próprio, ou contratado, pelo INAMPS; tais prestações são dirigidas a diferentes segmentos da mão­de-obra empregada nos ramos de atividades industriais, comércio, bancos, financeiras e outros serviços.

Os grupos médicos ocupam um lugar na rede de instituições que compõem o complexo médico-empresarial que se caracteriza por ser um atendimento primário, dirigido à reposição de força de trabalho e ao controle do absenteísmo, bem como exerce a função de administrar a circulação dos pacientes cobertos pelos convênios­empresa na malha dos outros serviços contratados e credenciados.

Os grupos médicos, em geral, incorporam tecnologia de baixa complexidade, não adotando políticas de investimento para aquisição, ou construção, de hospitais, ou aquisição de equipamentos mais complexos. Valem-se da rede hospitalar privada existente, utilizando-a através de credenciamentos, bem como de recursos complementares de diagnóstico prestados por outras firmas que se especializam em certos tipos de procedimentos.

A mão-de-obra de profissionais de saúde incorporada é predominantemente assalariada e constituída por médicos, atendentes e funcionários administrativos, adequados aos cuidados sintomáticos e de reposição imediata do trabalhador e aos procedimentos de controle e gestão tanto do trabalho médico, como da clientela atendida.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  • 1
    Entrevista com Dr. Juljan Czapski, ex-Presidente da ABRAMGE, 1979.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 1982
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