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Assessoria pedagógica nas Escolas Médicas

Na Faculdade de Medicina de Campos o ensino, em geral, calcava-se em modelos tradicionais da ação do profissional médico convidado a exercer atividades docentes em uma escola médica.

Embora fosse esta a situação mais comum, algumas disciplinas já experimentavam inovações, mostrando maior preocupação com a utilização do seu conteúdo por parte dos alunos. Assim, alguns professores passaram a utilizar o ensino por objetivos e o ensino tutorado. Um desses professores do Departamento de Pediatria resolveu convidar uma pedagoga e, com ela, iniciar um trabalho interdisciplinar.

Paralelamente a este processo de renovação de algumas disciplinas, foi instalado o Programa Materno-Infantil de Campos (PROMAICAM), resultado de convênio OPS/FUNDAÇÃO BENEDITO PEREIRA NUNES/FUNDAÇÃO KELLOGG. É um programa de regionalização docente-assistencial com prioridade na área materno-infantil, que tem como objetivo educacional “criar experiências curriculares para a prática da medicina comunitária, através de um programa de regionalização docente-assistencial em nível de graduação, pós-graduação, equipe de saúde e educação sanitária”. Assim, ao lado da criação de uma estrutura assistencial para atendimento às populações atingidas pelo projeto, havia necessidade de infra-estrutura que permitisse a operacionalização dos componentes docentes e de educação sanitária.

O trabalho de assessoria iniciado no Departamento de Pediatria, através de cursos de Didática e Pedagogia, dos quais participavam professores de outros departamentos e ligados à direção da escola, acabou por motivar a direção, e o trabalho evoluiu para a elaboração de um projeto de instalação de um Laboratório de Ensino Médico (LEME) que, hoje, já é uma estrutura da Fundação Benedito Pereira Nunes, mantenedora da Faculdade de Medicina de Campos.

O LEME é formado de três unidades: geradora, armazenadora e expositora de tecnologia educacional.

Na unidade geradora, centro criador de tecnologia educacional, trabalham um técnico em didática e pedagogia, um consultor médico, um desenhista, um fotógrafo e um datilógrafo. Esta unidade funciona da seguinte forma: um professor traz um problema didático, por exemplo, a necessidade de executar uma atividade de tal maneira que todos os alunos participem ativamente. O técnico em didática e pedagogia examina o seu conteúdo e trocando idéias com o professor e/ou com o consultor para o mesmo, acaba chegando à técnica mais adequada e orienta o professor para sua aplicação. Passa-se, então, à preparação do material gráfico e do material audio-visual com a colaboração dos demais membros da unidade.

O problema trazido pode ser a escolha de uma técnica, ou o planejamento de todo um curso; a elaboração de material específico para determinadas unidades do programa (baterias de diapositivos, filmes, textos programados etc.), ou até mesmo a montagem completa de cursos, como o Curso de Aperfeiçoamento de Profissionalização em Saúde Comunitária e de Metodologia do Ensino Superior.

Esse tipo de trabalho desenvolveu-se nos níveis de graduação, pós-graduação, treinamento em serviço e comunitário. Este último, entretanto, é o que concentrou o trabalho do LEME, programando atividades que possam envolver a comunidade no PROMAICAM, tais como palestras e cursos para mães e gestantes, atividades de educação sanitária (baterias de diapositivos, fitas, filmes ou desenhos animados sobre assuntos de saúde e saneamento como, por exemplo, construir uma fossa; como imobilizar um fraturado; como proceder diante de mordidas, ou picadas de animais venenosos; o banho do recém-nascido etc.).

A unidade armazenadora funciona como biblioteca, arquivo central de empréstimos de material produzido. Nela são cata logados e arquivados os textos, os diapositivos, as fitas gravadas e os filmes produzidos na unidade geradora, além dos recebidos de outros centros de tecnologia (NUTES/CLATES, FEPAFEM etc.).

A solicitação é feita através de uma requisição e, conforme o caso, o material é emprestado diretamente, ou levado para a unidade expositora para ser utilizado.

O canal direto de relacionamento do LEME com o público é a sua unidade expositora formada de uma parte fixa - auditório com 20 lugares, equipado com tela fixa, projetores e tape deck - e uma parte móvel constituída pelos aparelhos e uma tela portátil.

A parte móvel da unidade expositora pode ser utilizada pelos professores, mas é utilizada, principalmente, pelo PROMAICAM que leva material para ser exposto nas comunidades.

O LEME tem produzido material do tipo convencional (textos sob a forma de apostila, de instrução programada, baterias de diapositivos e diapositivos/som), além de prestar assessoria na elaboração, execução e avaliação dos planejamentos dos professores que o solicitam.

Como órgão de assessoria da direção da escola o LEME tem se empenhado na formação dos docentes da Faculdade promovendo seminários e cursos sobre Metodologia do Ensino Superior, por iniciativa própria e através do Programa de Preparo Pedagógico da ABEM, trabalhando também, em um projeto de mobilização da comunidade acadêmica para uma mudança de mentalidade, através de seminários de revisão curricular onde foram discutidos aspectos da formação de recursos humanos para a saúde.

Através de trabalhos como estes, o LEME vem progressivamente perseguindo o objetivo de “melhorar a qualidade do ensino médico na Faculdade de Medicina de Campos em todos os níveis”, de modo a não retornar ao panorama descrito no início e de criar mentalidade de dinâmica pedagógica, cuja meta seja o aluno que entra e o profissional que sai da escola.

Atualmente, tal objetivo vem encontrando sua expressão no Projeto de Ação Integração de Saúde (PAIS) que, com apoio financeiro da Fundação W. K. Kellogg pretende “formar o profissional médico apto a realizar ações de promoção e recuperação de saúde em nível individual e comunitário, com conteúdo definido a partir da realidade onde vai atuar e com ela comprometido socialmente prescindindo de pós-graduação, de modo a responder prontamente às necessidades de um novo mercado de trabalho”.

Assim, a assessoria pedagógica prestada através do LEME deverá alcançar dimensão maior do que a atual, para atender às necessidades do referido projeto que tem, entre seus objetivos gerais, a reestruturação do currículo da Faculdade de Medicina de Campos.

Esta experiência de seis anos de implantação de uma assessoria pedagógica tem levado à reflexão sobre os fatores de sucesso ou insucesso, da iniciativa. Reflexão que, aliada à análise de tentativas semelhantes, bem sucedidas ou não, levou à conclusão de que o fator determinante do sucesso está relacionado à estratégia usada para a implementação da assessoria pedagógica e à sua forma de atuação. Foram identificados quatro caminhos para criar a assessoria pedagógica em uma escola médica:

  1. A iniciativa pode partir de um professor, inovador, que resolve começar com um assessor pedagógico uma experiência em sua disciplina. A partir dessa experiência, procura envolver os demais professores do departamento, através de cursos sobre assuntos de Didática e Pedagogia e, ao mesmo tempo, procura motivar a direção da escola a adotar um esquema de assessoria pedagógica. A direção, motivada, tomará a iniciativa de promover levantamento da situação educacional da escola, promoverá cursos para os docentes dos demais departamentos, criará uma estrutura de apoio técnico pedagógico que dê suporte a essas atividades e que ajude a envolver toda a escola no processo.

  2. A iniciativa parte da direção da escola que contrata um assessor pedagógico para executar simultaneamente dois tipos de ação. De um lado, mobilizando um professor inovador a realizar o esquema anterior e do outro lado, realizando as atividades já descritas.

  3. A iniciativa parte de uma entidade à qual a escola está ligada (associações educacionais, órgãos públicos, ou financiadores), e a direção da escola será estimulada a seguir as etapas da alternativa anterior.

  4. A iniciativa parte da necessidade de reativar uma estrutura de apoio técnico pedagógico que já funcionava sem pessoal especializado. Quando isso acontece, duas ações simultâneas serão desencadeadas; atuar com a direção da escola no esquema 2 ou motivar um professor inovador a atuar como no esquema 1.

Apesar da diversidade, estes caminhos apresentam alguns aspectos comuns aos quais parece estar vinculado o sucesso ou insucesso.

Um desses é o que pode se chamar de caráter político do trabalho pedagógico, pois interfere sempre com as forças que constituem a estrutura de poder dentro da escola. Assim, qualquer tentativa de ignorar este aspecto e se restringir a um trabalho exclusivamente técnico, levará a iniciativa ao insucesso, pois o trabalho exclusivamente técnico, além de não resolver nada por si mesmo, possui, até quando se ignora, esta dimensão política. Neste caso, a tecnologia pode estar sendo usada, politicamente, para manter uma situação tal como está. E, é claro, que este pode ser o objetivo da implantação de uma assessoria pedagógica, mas é preciso que seja uma opção consciente por parte das pessoas nela envolvidas, caso contrário, um trabalho, dirigido para determinado objetivo, alcançará objetivos opostos.

Outro aspecto essencial na implantação da assessoria pedagógica é a competência técnica que, às vezes, por se enfatizar demasiadamente o aspecto político, é relegado a segundo plano. É preciso que o assessor pedagógico esteja municiado de conhecimentos e habilidades técnicas que lhe permitam oferecer alternativas viáveis para a solução dos problemas pedagógicos apresentados. É óbvio que não se trata de usar um arsenal de tecnologias sofisticadas que dêem uma falsa impressão de conhecimento pedagógico, mas que seja uma utilização da verdadeira tecnologia. Encontrar e, muitas vezes, criar técnicas, para solucionar problemas reais diagnosticados, com os recursos de que se dispõe, e não uma demonstração gratuita de erudição pedagógica.

A dimensão filosófica do trabalho de assessoria pedagógica, completa o seu tripé de sustentação com a dimensão política e a dimensão técnica, que são, por ela, direcionadas.

Tal dimensão evidencia-se na filosofia de vida e de educação das pessoas envolvidas no trabalho. Por se tratar de um aspecto muito profundo, não será analisado neste trabalho, mencionando-se apenas que muitas vezes, o insucesso de uma assessoria pedagógica pode ser conseqüências das contradições entre as filosofias de vida e educação das pessoas envolvidas no processo. Essas contradições, quando não conscientes, podem permanecer encobertas pelas demais dimensões e passa-se a atribuir a divergências técnicas e políticas as dificuldades encontradas, quando, na verdade, as diferenças são mais profundas, são filosóficas.

Embora o presente trabalho não tenha a pretensão de ser normativo, existem alguns cuidados que a experiência recomenda na implantação e atuação de uma assessoria pedagógica:

  • a assessoria precisa ser realizada como um mecanismo de ajuda aos professores e á direção da escola e não como uma ameaça, ou um organismo que vá retirar, ou dividir, o seu poder. É óbvio que, quando os pedagogos partem para atividades tais como a elaboração de provas ou de planejamento para o professor, estão retirando dele o poder de tomar decisões a respeito do seu próprio trabalho, o que se caracteriza como uma verdadeira inversão de valores. E, é claro, existirão professores propensos a se acomodarem à situação e outros prontos a resistir a qualquer preço. Nenhuma das situações é útil ao trabalho pedagógico, portanto, a ação do assessor pedagógico precisa ser entendida como um trabalho de troca em que assessor e professor aprendem juntos a melhorar a qualidade do ensino;

  • o trabalho pedagógico caracteriza-se por ser um trabalho cujos resultados demoram a aparecer, raramente são antevistos pelas pessoas não envolvidas e, mesmo quando já aparecem, nem sempre são percebidos. Por esta razão, é conveniente que se inicie um trabalho com um professor de uma disciplina específica que sirva de demonstração das possibilidades de uma assessoria pedagógica;

  • há necessidade de motivar a direção da escola. Se, por um lado, a institucionalização da assessoria pedagógica pode dar a impressão de mais um órgão de controle, por outro lado, caso o trabalho não receba apoio e promoção por parte da direção da escola, o máximo, que se poderá conseguir, será a introdução de novas técnicas em algumas disciplinas, mas não a melhoria da qualidade do ensino na escola como um todo;

  • as dificuldades maiores de implantação de uma assessoria pedagógica localizam-se, não na resistência dos professores, como tanto se anuncia, mas na resistência dos pedagogos. Parece que estes, ao tentarem intervir numa área nova, sem terem recebido preparo específico para isso, correm o risco de se refugiarem na competência técnica, que certamente possuem, e acabam por culpar a realidade, que não procuraram conhecer, pelos fracassos obtidos. Para evitar isso, é preciso que o pedagogo esteja preparado para realizar um trabalho interdisciplinar, com profissionais de outras áreas em que, muitas vezes, deixará de lado técnicas, modelos e teorias, para aprender o ponto de vista desses profissionais, eliminando resistências e obstáculos, internos e externos para alcançar os seus objetivos.

Em conclusão, pode-se dizer que a assessoria pedagógica deve ser um trabalho com professores, e não para, ou por professores.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • 1
    - Relatório final do encontro de educadores. Boletim da Associação Brasileira de Educação Médica Rio de Janeiro, (74): out /dez, 1980.
  • 2
    - ROITMAN, Riva - Perspectiva da assessoria pedagógica nas escolas médicas. Rio de Janeiro, ABEM, 1982. 40 p. (Série de Documentos da Associação Brasileira de Educação Médica, 2).
  • 3
    - ZAJDSZNAJDER, Luciano - Notas sobre o ensino universitário e um modelo de intervenção para a melhoria dos docentes. Forum Educacional, Rio de Janeiro, 4 (4):19-53, out/dez. 1980.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 1982
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