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APROVAÇÃO ACADÊMICA: DESEMPENHO DE DUAS GERAÇÕES DISTANCIADAS DE VINTE ANOS

Resumo:

Analisa-se o desempenho acadêmico de duas gerações de alunos da mesma Faculdade, distanciadas de 20 anos. Foram levantadas as notas obtidas pelos estudantes em todas as disciplinas do curso médico nos triênios 1958, 1959, 1960 e 1978, 1979, 1980, e calculados os porcentuais relativos à aprovação e reprovação. Ao mesmo tempo, distribuiu-se questionário a professores da Faculdade, no qual foram recolhidas opiniões quanto à evolução do ensino na instituição, ao nível de interesse e de conhecimentos do estudante e aos procedimentos de avaliação.

Dos dados analisados, verificou-se que a aprovação por média passou de 31,4% (triênio 1958-1960) para 79 3% (triênio 1978-1980). Quanto ao questionário, 68,5% dos professores acreditam que o processo de avaliação tem sido menos rigoroso ao longo dos anos.

Summary:

The academic performance of two medical student generations, twenty years apart from each other, was analysed. Evaluations of students in all subjects of the undergraduate course were obtained for the years of 1958, 1959, 1960 and 1978, 1979, 1980, as well as the percentage of passes and failures. Meanwhile, a questionnaire was distributed among teachers asking their opinion about the teaching quality development in this medical scholl, in terms of interest and knowledge of the students and in terms of evaluation procedures.

The analysis of the results showed that the pass percentage increased from 31.4% (1958-60) to 79.3% (1978-80) where as questionnaire answers showed that evaluation procedures became less rigorous.

We concfuded that tne evaluation procedures should be reconsidered to become more just and serious.

Introdução

A avaliação do processo ensino-aprendizado continua sendo o maior desafio enfrentado por professores. Sendo assim, as investigações, bem como as preocupações relativas ao tema, devem ser bem-vindas, pois podem servir de contribuição a novas reflexões sobre tão complexa matéria.

Movidos pelo interesse e curiosidade que a avaliação suscita, resolvemos comparar os resultados das avaliações levadas a cabo na Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, em dois períodos distintos de sua existência. Tomamos como base o cotejamento do desempenho de alunos separados por período de 20 anos, ao longo dos quais houve reconhecidas transformações na estrutura acadêmica das faculdades e universidades brasileiras.

Em que pese à existência dessas transformações, o processo de avaliação na FCM sofreu poucas alterações, mantendo, no seu conjunto, similitudes. Assim, preservou-se o que se denomina (aprovação por média, configurada como a situação na qual o aluno obtém média 7, ou superior, nas provas efetuadas ao longo do desenvolvimento da disciplina. Caso a média alcançada nessas provas situe-se entre 5 e 6,9, o estudante obriga-se a fazer uma prova denominada final, necessitando, nessa etapa, obter nota mínima 5 para aprovação. O aluno é reprovado nas seguintes situações: a) caso não obtenha nota 5 na prova final, ficando obrigado à segunda época; b) se a média das provas realizadas no decorrer da disciplina permanecer entre 3,0 e 4,9 obrigando-se, também, à segunda época. Se essa média for inferior a 3, ou se não for aprovado na segunda época (grau 5, ou superior, nas provas efetuadas), o aluno é reprovado com direito à dependência, isto é, cursar a disciplina no ano subseqüente, sem prejuízo da continuidade do curso médico11. RIO DE JANEIRO (estado). Universidade. Conselho Superior de Ensino e Pesquisa. Deliberação 44/79. Rio de Janeiro, 1979. 12p. mimeo..

Se por um lado pode ser inquietador o fato de a Universidade pouco, ou quase nada, ter movido para rever essa situação, a presente investigação ganha corpo, pois compara modelos semelhantes. Apesar dessa vantagem do método, convém frisar que, embora o conjunto de normas que levam o aluno à aprovação, ou reprovação, se tenha mantido estático, os recursos utilizados para a avaliação sofreram alterações, por um lado motivadas por introdução de novas técnicas de avaliação do aprendizado e, por outro, pela renovação do corpo docente.

Material e Métodos

Tomamos como referência os históricos escolares arquivados na Secretaria da Faculdade e referentes aos triênios 1958, 1959, 1960, 1978, 1979, 1980.

Listamos, para cada triênio, os alunos aprovados por média (Grupo A), os aprovados por prova final (Grupo B), e os reprovados (Grupo C), compreendendo aqueles que foram obrigados a prestar exames em segunda época e os remetidos diretamente à dependência.

O trabalho de classificação dos alunos pelos Grupos A, B e C foi estendido a todas as disciplinas que compunham o curso médico nos dois triênios estudados. Tendo em vista as alterações curriculares havidas entre os triênios analisados, retiramos do estudo aquelas disciplinas que não poderiam ser comparadas, seja por extinção, seja por acréscimo ao currículo. Em relação à Anatomia, o que no triênio 1958-1960 era denominado Anatomia Descritiva e Anatomia Topográfica, passou a ser rotulado, respectivamente, de Anatomia I e II, no triênio 1978-1980. No total, foram comparadas 30 disciplinas, comuns aos dois triênios.

Paralelamente ao levantamento efetuado selecionamos dois grupos de professores em atividade na FCM e assim constituídos: a) um grupo composto por 13 professores com mais de 20 anos de exercício de magistério na FCM; b) um grupo composto por 22 professores com mais de 10 anos de formados, todos diplomados pela FCM.

Procuramos recolher dos professores suas impressões sobre o desenvolvimento do ensino na Faculdade, o nível de interesse e de conhecimentos médicos dos alunos, e sobre os procedimentos de avaliação. Contamos apenas com a experiência dos professores, todos em contínuo e intenso convívio com o processo ensino-aprendizado.

Comparamos os achados recolhidos dos históricos escolares com impressões de professores experimentados, boa parte deles, inclusive, expressando opiniões, resultantes de experiências vividas, primeiro, como alunos e, depois, como professores da mesma instituição.

Resultados e Comentários

A análise das Tabelas 1 e 2 põe em evidência sensível elevação do porcentual de aprovação por média (Grupo A) em quase todas as disciplinas, quando comparados os triênios. A Tabela 1 mostra os percentuais relativos aos Grupos A, B e C nos respectivos triênios, calculados de acordo com a média global de todas as disciplinas.

A Tabela 3 refere-se aos professores com mais de 20 anos de magistério, e a Tabela 4 aos professores ex-alunos da FCM, entre 10-20 anos de formados. Na tabela 5, expomos os dados referentes à soma dos dois grupos.

A visão do exposto merece algumas indagações fundamentais, quais sejam:

  1. O interesse do estudante aprofundou-se ao longo das décadas, mantidas, ou aprimoradas, as condições de ensino e aprendizado, conduzindo a melhoria de seu desempenho;

  2. O desempenho do professor aprimorou-se e, associado à expansão do campo de aprendizado, justifica o melhor rendimento do aluno;

  3. Houve relaxamento na aferição do desempenho acadêmico.

Tabela 1
Porcentuais relativos à aprovação e reprovação nos triênios estudados

Tabela 2
Listagem geral das disciplinas do curso médico e índice de desempenho dos alunos

Antes de tecer comentários sobre as três indagações postas, esclarecemos que, quando nos referimos a aprimoramento das condições de ensino e aprendizado e/ou do desempenho docente queremos dizer que englobamos nessas referências seguintes ocorrências:

  1. substituição de antigos professores, e respectivos métodos de ensino e procedimentos de avaliação, não raro rotulados como ultrapassados, envoltos num prazer sádico de reprovação e outras tantas referências similares, por nova geração de professores, esta adepta de concepções mais lúcidas sobre o processo de educação médica.22. COELHO NETO, A. Avaliação do rendimento estudantil nas escolas médicas. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO MÉDICA, 19. Recife, 15-18, nov. 1981. Anais. Recife, ABEM, 1981. p. 21-9.;

  2. ampliação do campo de aprendizado, seja pelo aumento de recursos humanos e materiais nos laboratórios, seja pela conquista de hospital de ensino próprio da FCM. Convém salientar que, em 1962, a FCM incorpou o Hospital Pedro Ernesto, até então vinculado à Secretaria de Saúde do Estado da Guanabara, passando o mesmo a servir como campo de treinamento para seus alunos em toda a amplitude do ciclo profissional do curso médico. Antes desse período, o aprendizado clínico era efetuado em múltiplos serviços de vários hospitais da cidade do Rio de Janeiro.

O estudo do material demonstra aumento superior a 100% dos índices de aprovação por média quando comparados os dois triênios. Acompanhando essa tendência, o porcentual de reprovação que, nos anos 58 a 60, era de 8,9%, sofreu rebaixamento igualmente superior a 100%, situando-se na faixa de 3,5%.

Se considerarmos a aprovação por média como um prêmio ao esforço e à dedicação do aluno aos seus deveres acadêmicos, não seria absurdo imaginar que, há 20 anos, aquele tipo de aprovação representava, efetivamente, uma recompensa, tinha sabor de conquista, uma vez que era distribuído a não mais de 32% dos alunos. Em contrapartida, quando quase 80% de indivíduos são alvo de prêmios, duas hipóteses devem ser consideradas: ou os candidatos aos prêmios são, na sua maioria, excepcionalmente bem preparados - o que é entusiasmador; ou o prêmio se vulgarizou, retirando-se-lhe o gosto da conquista - o que é deplorável e deseducativo.

Os exemplos da vida estão diante de nossos olhos em todas as atividades do ser humano. Será que 80% dos inscritos nos vestibulares são premiados com o ingresso nas universidades? Definitiva mente não. O que se vê nas olimpíadas é a concessão de medalhas a 80% dos atletas inscritos? Obviamente que não. De todos os candidatos postulantes a cargos políticos, 80% deles são eleitos? Positivamente não.

Paralelamente a essas reflexões, sobressai o resultado das respostas ao questionário dirigido aos professores, em cuja análise global (Tabela 5) o dado mais marcante foi a própria impressão dos docentes (68,5%) de que os procedimentos de avaliação têm-se tornado menos rigorosos. Em equilíbrio com esta constatação, está o fato de que parcela considerável dos professores (42,8%) julga que o ensino-aprendizagem na FCM piorou, e apenas 20% dos alunos aumentaram seu interesse pela formação acadêmica. Sendo assim, emerge flagrante o relaxamento da aferição.

Por este aspecto, parece haver nos dias atuais um progresso contínuo da debilidade. Os novos pedagogos suprimiram o sistema das classificações por ordem de mérito, os prêmios; tudo o que se pareça com seleção é condenado por todos como um sinal de elitismo antidemocrático. É injusto que alguém se possa julgar mais capaz do que outros em qualquer domínio que seja. Nesse clima, muito brevemente, assistiremos a reclamações obstinadas pela supressão dos exames e dos concursos. No máximo, serão aceitas provas coletivas, em que um grande número de estudantes submeteria ao professor um trabalho realizado em comum. É preciso ver nisso o sinal de uma espécie de angústia, de uma recusa à dificuldade que não se sente capaz de afrontar.

Nessa atmosfera, convém mais ao professor firmar um convênio com o aluno, baseado em “não me aborrece que eu não te molestarei”. Afinal, é mais confortável afastar-se do rigor de uma avaliação e descansar na paz da tolerância, mesmo que seja irresponsável.

Fato não menos interessante foi a observação do comportamento de algumas disciplinas, mormente aquelas que dizem respeito a áreas especializadas do conhecimento médico. Destacamos a Oftalmologia, a Pneumologia, a Cardiologia, a Otorrinolaringologia, a Neurologia, a Neurocirurgia e a Medicina Legal.

As disciplinas em apreço apresentavam, já em 1958-1960, percentuais de aprovação por média acima de 60% e todas, à exceção de Neurologia, aumentaram seus porcentuais, atingindo em 1978-1980 índices acima de 85%. Devido ao teor especializado dessas disciplinas é possível que os professores das mesmas, num entendimento do grau de especialização de suas matérias, abdiquem, consciente mente, de avaliações rigorosas. Outra possibilidade refere-se à exígua duração desses cursos, levando à restrita extensão programática, o que permite ao aluno grau de aprendizado mais elevado quando comparado a disciplinas cujos programas são visivelmente mais extensos. Se tais hipóteses beirarem a verdade, podem representar argumentos ponderáveis para futuras reformulações curriculares.

A ser verdadeira a possibilidade de que os processos de avaliação, embora aprimoradas suas técnicas, tenham sofrido, num sentido amplo, solapamento no seu núcleo primordial, qual seja o espírito ético que os deve reger, convém um grande esforço para torná-los ainda mais sérios e justos. Assim procedendo, reconquistaremos o respeito e a confiança da juventude e a universidade poderá orgulhar-se de vir a merecer o crédito da sociedade.

Tabela 3
Porcentual de respostas ao questionário de professores com mais de 20 anos de magistério na FCM

Tabela 4
Porcentual de respostas ao questionário de professores ex-alunos da FCM e com 10 ou mais anos de formados

Tabela 5
Porcentual de respostas ao questionário englobados os

Referências bibliográficas

  • 1
    RIO DE JANEIRO (estado). Universidade. Conselho Superior de Ensino e Pesquisa. Deliberação 44/79. Rio de Janeiro, 1979. 12p. mimeo.
  • 2
    COELHO NETO, A. Avaliação do rendimento estudantil nas escolas médicas. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO MÉDICA, 19. Recife, 15-18, nov. 1981. Anais Recife, ABEM, 1981. p. 21-9.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 1985
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