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ENSINO DA TOXICOLOGIA NO CURSO MÉDICO: UMA PROPOSTA DE ATUALIZAÇÃO

Resumo:

Com base na experiência de serviço, pesquisa e ensino na área de toxicologia, acumulada nos últimos anos, o autor enfatiza a necessidade do médico ter conhecimentos específicos de toxicologia - noções básicas, noções da sua aplicação, conhecimento dos agentes e prática clínica - para que possa depois de formado, prevenir, diagnosticar e tratar enfermidades relacionadas com agentes tóxicos que se fazem presentes em sociedades desenvolvidas ou em vias de desenvolvimento industrial.

INTRODUÇÃO

Na prática clínica em nosso país, os quadros infecto-parasitários, freqüentemente se caracterizam por anemia e perturbações gastrointestinais (náuseas, vômitos, diarréia e cólicas). Quadro idêntico pode ter sua origem não em um parasita, mas em uma fábrica de baterias, pois o chumbo (Pb) que é utilizado para a confecção das placas internas dos acumuladores, quando absorvido pelo organismo, dá origem ao “saturnismo” - designação do quadro clínico de intoxicação por chumbo (Pb).

Assim como o chumbo (Pb), outros metais como o Arsênico (As). o Cádmio (Cd), o Cromo (Cr), o Manganês (Mn) e o Mercúrio (Hg), podem originar quadros clínicos severos e que na prática necessita de conhecimentos específicos para que seja realizado o diagnóstico diferencial com outros agentes. Além dos metais, outras substâncias, principalmente: agrotóxicos como os organoclorados, organofosforados e paraquat; solventes orgânicos como o benzeno e seus derivados nitrosos e aminados; partículas em suspensão como as de asbesto, sílica, alcatrão e outras de pequeno diâmetro; podem ser responsáveis por quadros clínicos agudos ou crônicos. típicos ou idênticos a outras enfermidades de diferentes agentes causais.22. CENTRO PANAMERICANO DE ECOLOGIA HUMANAY SALUD. Cursos de toxicologia a nível de grado y de pós-grado en América Latina. México, 1985.),(99. GALVÃO, L.A.C. Programa do Curso de Toxicologia para o Curso de Laboratório de Saúde Pública. Rio de Janeiro, 1984.

Nos Estados Unidos da América estima-se que 20% dos trabalhadores expostos ao asbesto adquirirão câncer de pulmão, outros 7% adquirirão asbestoses e igual porcentagem mesoteliona de pleura.1010. ORGANIZAÇÃO PANAMERICANA DE SAÚDE. Condiciones de salud en las Américas: 1977-80. Washington, OPAS/OMS, 1981.

Em uma empresa siderúrgica, em São Paulo, um estudo epidemiológico demonstrou que 4,7% do efetivo dos trabalhadores da empresa apresentaram quadro compatível com leucopenia, provavelmente associada a exposição ao benzeno11. BAHIA. Secretaria de Saúde. Centro de Informações Antiveneno. Estudos do CIAVE. Salvador, 1980..

Estudos sobre populações trabalhadoras de área rural têm constatado níveis de intoxicação por compostos organosfosforados em até 5% do total de trabalhado res examinados.

Nos Estados Unidos da América estima-se em 15.000 o número de agentes químicos e físicos de uso corrente na indústria, sendo que apenas 500 deles têm normas legais de exposição. No Brasil, não se sabe ao certo o número de agentes, mas, a legislação estabelece limites apenas para 200 agentes físicos e químicos1111. POSSAS, C.A. Saúde e trabalho: a crise da previdência social. Rio de Janeiro, Graal, 1981.. É de supor que aqueles que não têm limites legais de exposição estabelecidos, sejam menos controlados e, portanto, possam ocasionar com maior probabilidade quadros mórbidos.

Outros agentes tóxicos também têm sido causa comum de enfermidades como os animais peçonhentos - serpentes, aranhas e escorpiões - os medicamentos, as plantas tóxicas, os produtos químicos de uso domiciliar - material de limpeza e material de higiene pessoal e os aditivos alimentares2. É comum o atendimento de uma emergência clínica que tem como causa um desses agentes. Também é comum que o médico tenha dúvidas sobre qual o procedimento terapêutico mais adequado ao caso.

De todos os agentes que foram lembrados aqui, os mais próximos ao médico são os medicamentos; ainda que pese, que na prática clínica cotidiana, milhares de casos de diagnósticos e óbitos, com causa mal definida, provavelmente tenham sua origem em uma intoxicação. Dos poucos dados estatísticos que dispomos, estima­se que na Inglaterra, 40% das emergências (reais) pediátricas têm origem em quadros de intoxicação. E de se supor que no Brasil, assim como é voz corrente entre especialistas mundiais, toda pessoa contrai pelo menos uma vez na vida uma intoxicação, ainda que seja leve e aguda.

Assim, as intoxicações ocupam papel de destaque no quadro de morbi/mortalidade da população99. GALVÃO, L.A.C. Programa do Curso de Toxicologia para o Curso de Laboratório de Saúde Pública. Rio de Janeiro, 1984.. Isso é mais evidente nos países onde o grau de desenvolvimento econômico é maior, mais nítido e importante, além de estar sobreposto a outras doenças endêmicas, em países em vias de desenvolvimento econômico.

BASES PARA UMA PROPOSTA DE DISCIPLINA REGULAR

No Brasil, nas Faculdades de Farmácia, Bio­química e Veterinária existem disciplinas dedicadas ao estudo da Toxicologia. Nas Faculdades de Medicina não existe disciplina dedicada ao estudo da Toxicologia, como parte do currículo do curso médico. Noções básicas dessa área são ministradas nas disciplinas de Farmacologia e Clínica Médica1212. RIBEIRO, H.P. et alii. De que adoecem e morrem os trabalhadores. São Paulo, DIESAT, 1984..

Baseado nesse fato e na necessidade de pessoal com conhecimento na área de toxicologia para integrar os quadros do “Centro Antiveneno da Bahia”, que coordenamos no período de 81 a 83, oferecemos cursos de formação básica em toxicologia para estudantes dos últimos anos do curso médico, aproveitando os dez mais destacados como estagiários do serviço por um período de doze meses. A partir de 1984, baseado na necessidade de desenvolver recursos humanos da área de Saúde Pública que viessem a se interessar e estudar o perfil epidemiológico das intoxicações, bem como passassem a dispor de informações mínimas para praticar a vigilância sanitária, ministramos cursos da Área de Toxicologia para estudantes de pós-graduação da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/FIOCRUZ), com sede no Rio de Janeiro. Com a criação do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana em 1985, o qual viemos a integrar, redimensionamos o curso de forma a atender as necessidades de conhecimentos toxicológicos para a prática nas áreas de Saúde do Trabalhador e Saúde Ambiental.22. CENTRO PANAMERICANO DE ECOLOGIA HUMANAY SALUD. Cursos de toxicologia a nível de grado y de pós-grado en América Latina. México, 1985.),(44. ESCOLA NACIONAL DE SAÚDE PÚBLICA. Seminário de avaliação e perspectivas do ensino na ENSP: documento de discussão. Rio de Janeiro, 1985.),(55. GALVÃO, L.A.C. O CIAVE e dados sobre o seu atendimento. R. baiana Saúde públ. - ( ):, 1980.),(66. GALVÃO. L.A.C. Programa do Curso de Aperfeiçoamento em Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana. Rio de Janeiro. 1986.),(77. GALVÃO, L.A.C. Programa do Curso de Ecotoxicologia para o Curso Básico de Saúde Pública. Rio de Janeiro, 1986.),(1212. RIBEIRO, H.P. et alii. De que adoecem e morrem os trabalhadores. São Paulo, DIESAT, 1984.

Baseado na experiência de mais de sete anos, com mais de 10 cursos realizados, envolvendo cerca de 300 estudantes ou profissionais da área de saúde, bem como a participação direta na organização de outras atividades como Seminários, Congressos e Grupos de Trabalho. No fato de que hoje é reconhecido o problema das intoxicações como problema de Saúde Pública no Brasil já que tem importância na morbi/mortalidade da população e os meios eficazes para sua prevenção e tratamento não são corretamente utilizados e mais, que esta incorreção encontra em sua base a falha no ensino médico de não contemplar uma disciplina de Toxicologia, portanto não provendo o médico de recursos para prevenir, diagnosticar e tratar casos de intoxicação. Propomos a inclusão da disciplina de toxicologia no ensino médico.

Tal disciplina, em acordo com as demais existentes em outros países, deve contemplar os seguintes aspectos88. GALVÃO, L.A.C. Programado Curso de Ecotoxicologia e Vigilância Sanitária para Residentes. Rio de Janeiro, 1986.:

  1. Noções básicas de Toxicologia:
    • Histórico

    • Conceitos básicos em Toxicologia

    • Fontes de agentes tóxicos

    • Interação de agentes tóxicos e ambiente

    • Interação dos agentes tóxicos e o organismo

    • Métodos de avaliação da toxicidade

    • Epidemiologia das intoxicações

    • Vigilância Epidemiológica das intoxicações

  2. Noções de Toxicologia Aplicada
    • Toxicologia Clínica

    • Toxicologia Analítica

    • Toxicologia Ocupacional

    • Toxicologia Legal

    • Toxicologia de Regulamentação

    • Toxicologia Experimental

    • Toxicologia Social

    • Ecotoxicologia

    • Vigilância Sanitária

  3. Estudo dos principais Agentes: prevenção, diagnóstico clínico e laboratorial, e terapêutica:
    • Aditivos alimentares

    • Agrotóxicos

    • Animais peçonhentos

    • Drogas de Abuso

    • Medicamentos

    • Plantas tóxicas

    • Produtos Químicos de uso domiciliar

    • Produtos Químicos de uso industrial

  4. Estágio em Centro de Informações Toxicológicas

  5. Estágio em Pronto-Socorro e/ou Serviço de Saúde Ocupacional

O tempo mínimo da disciplina terá de ser de 60 horas/aula para teoria e 20 horas de prática em ambulatório, pronto-socorro ou Centro de Informações Toxicológicas.

O seu conteúdo pode ser dividido em dois blocos. Os itens I e II poderão ser ministrados no período básico da Faculdade (1o, 2o e 3o anos) e os itens III, IV e V no período aplicado (4°, 5° e 6° anos).

O Corpo Docente poderá ser integrado por professores da área de toxicologia das áreas de farmácia, bioquímica ou veterinária, ainda que a existência de um professor de clínica médica com experiência seja indispensável.

Existe bibliografia básica nacional, ainda que em volume reduzido, disponível. E de supor que com a criação da disciplina novos materiais se tornem acessíveis ao estudante do curso médico.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • 1
    BAHIA. Secretaria de Saúde. Centro de Informações Antiveneno. Estudos do CIAVE Salvador, 1980.
  • 2
    CENTRO PANAMERICANO DE ECOLOGIA HUMANAY SALUD. Cursos de toxicologia a nível de grado y de pós-grado en América Latina México, 1985.
  • 3
    COSIPA. Relatório do Grupo de Trabalho para o Estudo da Leucopenia Cubatão, 1985.
  • 4
    ESCOLA NACIONAL DE SAÚDE PÚBLICA. Seminário de avaliação e perspectivas do ensino na ENSP: documento de discussão. Rio de Janeiro, 1985.
  • 5
    GALVÃO, L.A.C. O CIAVE e dados sobre o seu atendimento. R. baiana Saúde públ. - ( ):, 1980.
  • 6
    GALVÃO. L.A.C. Programa do Curso de Aperfeiçoamento em Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana. Rio de Janeiro. 1986.
  • 7
    GALVÃO, L.A.C. Programa do Curso de Ecotoxicologia para o Curso Básico de Saúde Pública Rio de Janeiro, 1986.
  • 8
    GALVÃO, L.A.C. Programado Curso de Ecotoxicologia e Vigilância Sanitária para Residentes Rio de Janeiro, 1986.
  • 9
    GALVÃO, L.A.C. Programa do Curso de Toxicologia para o Curso de Laboratório de Saúde Pública Rio de Janeiro, 1984.
  • 10
    ORGANIZAÇÃO PANAMERICANA DE SAÚDE. Condiciones de salud en las Américas: 1977-80. Washington, OPAS/OMS, 1981.
  • 11
    POSSAS, C.A. Saúde e trabalho: a crise da previdência social. Rio de Janeiro, Graal, 1981.
  • 12
    RIBEIRO, H.P. et alii. De que adoecem e morrem os trabalhadores São Paulo, DIESAT, 1984.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    May-Aug 1987
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