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ESTÁGIO DE SAÚDE ESCOLAR: UM PROGRAMA DE ENSINO PARA RESIDENTES DE PEDIATRIA DA FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE OE SÃO PAULO.

Sumário:

Um programa de ensino de Saúde Escolar, vem sendo desenvolvido junto à residentes de 1º ano de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo com uma população de escolares, num trabalho de desenvolvimento comunitário. Os autores apresentam um breve histórico do programa, o programa de ensino propriamente dito, suas principais dificuldades e finalizam tecendo considerações em relação aos aspectos positivos do mesmo tanto em relação aos residentes quanto à população de escolares.

Histórico

O Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina (FMUSP) e a Seção de Assistência Comunitária do Hospital das Clínicas de São Paulo (SAC-HC) em 1980 começou um trabalho em uma escola de 1° grau da rede estadual de ensino, inicialmente desejando um reconhecimento da escola como um todo, de sua diretoria, suas professoras, seus funcionários e seus alunos.

Foi realizado um diagnóstico do estado nutricional dos alunos, da aceitação da merenda escolar, das expectativas do país diante das mesmas e desenvolvido um programa educacional junto às crianças relativo a problemas de saúde, criando-se grupos de agentes.

Na ocasião houve um consenso entre os elementos da equipe no sentido de considerar importantes não somente os aspectos assistenciais e educacionais desenvolvidos junto aos alunos, familiares e professores da escola, como também da validade de se introduzir oficialmente no currículo do futuro Pediatra informações relevantes a respeito da saúde do escolar.

Tais aspirações já colocadas na prática durante um certo período pelo nosso Departamento11 - SUCUPIRA, A. C. S. L et alli. Programa de ensino de saúde da criança em idade escolar na Residência de Pediatria do Instituto da Criança. Pediat. 2:3-12. 1980. advinham também da ideia de destacar na formação do futuro Pediatra um programa que permitiu aos mesmos reconhecer os principais aspectos relativos à saúde do escolar para atuar de um modo mais efetivo junto a estes, enquanto profissionais de saúde.

Para tanto em 1985 o Departamento de Pediatria da F.M.U.S.P. com seus professores e a SAC com sua equipe multiprofissional composta por enfermeiras, assistentes sociais, educadores de saúde pública, nutricionistas, socióloga, deu início a um programa de ensino nesta escola agora com características docentes e assistenciais desenvolvido para alunos do curso de residência de 1° ano de Pediatria com tais finalidades.

Programa de Ensino para residentes de Pediatria

O estágio de início denominou-se "Projeto-Escola" passando a chamar-se depois de "Estágio de Saúde Escolar" com um programa especificamente delineado para residentes em relação aos alunos desta escola de 1° grau da rede oficial de ensino, norteando-se pelas necessidades sentidas da população.

O objetivo geral deste estágio era o de capacitar o médico residente a avaliar à influência de fatores ambientais na problemática de saúde do escolar considerando a interação escola família-comunidade.

Ao final do estágio o residente deverá estar apto a:

  1. realizar o atendimento global de uma criança em idade escolar através do controle periódico de saúde;

  2. identificar os principais fatores sócio-ambientais que influenciam o processo ensino aprendizagem dos alunos procurando minimizá-los sempre que possível;

  3. assessorar os professores no desenvolvimento da programação de saúde que integra o currículo do escolar;

  4. promover integração entre os serviços de saúde, educação e outros da comunidade para melhor atender as crianças desta faixa etária;

  5. contribuir para a integração escola-comunidade.

A população alvo desta fase do programa de atenção ao escolar eram agora os residentes de 1° ano de Pediatria em processo de ensino - aprendizagem atuando junto ao escolar e em sua instituição - escola, atividade esta nunca exercida antes pela maioria deles.

Para o Estágio de Saúde Escolar dispúnhamos de quatro horas quinzenais com os médicos residentes para atividades denominadas práticas e quatro horas quinzenais para as teóricas, durante seis meses. Contávamos com 16 residentes por semestre.

Foi então estabelecido um programa mínimo a ser cumprido junto a eles levando em consideração a pouca experiência anterior deles em trabalhos na comunidade e o horário disponível.

As atividades teóricas constam atualmente, após algumas reformulações de seis seminários organizados pelos docentes (médicos e equipe multiprofissional da SAC). O temários é o seguinte:

  • Programa desenvolvido pela equipe na escola: - Histórico e perspectivas

  • Aspectos gerais da Saúde do Escolar

  • Papel educativo do médico junto ao escolar e sua comunidade

  • Aspectos psicológicos do escolar

  • A questão do rendimento escolar

  • Aspectos sociais do escolar

Para o desenvolvimento destas atividades são distribuídas com antecedência, bibliografias pertinentes aos temas e as discussões são feitas em grupos com 16 residentes.

As atividades práticas são subdivididas em duas partes:

Parte 1 - Na escola

a) "Mutirão de Saúde" - todo o início do ano é realizado pela equipe da SAC um "mutirão de saúde" com as crianças que frequentam o ciclo básico onde os residentes junto e com o docente supervisor, realizam exame físico sumário, porém abrangente, incluindo observação quanto a parte visual, auditiva, de atenção e comportamento de todas as crianças. Selecionam assim aquelas que devem ser prioritariamente encaminhadas para matrícula e consulta no Centro de Saúde. Escola Prof. Samuel B. Pessoa que mantêm convênio com a FMUSP, ou então, para outras unidades mais especializadas de atendimento de segunda e terceira linha como Hospital Universitário, Hospital das Clínicas e suas diversas instituições de clínicas como Instituto da Criança, Instituto do Coração etc.

As crianças selecionadas para atendimento em nível de primeira linha no Centro de Saúde Prof. Samuel B. Pessoa são agendadas para os respectivos residentes que as examinaram, ficando para cada dupla de residentes duas classes sob sua responsabilidade.

Existem impressos padronizados para os encaminhamentos que são distribuídos pelos professores às mães para comparecerem ao referido Centro de Saúde, onde constam o motivo do encaminhamento, quem encaminhou, o horário e o dia em que deverão comparecer levando seus filhos para consulta.

As crianças não selecionadas no "mutirão" para atendimento também são incentivadas a matricular-se no Centro de Saúde, agora na assim chamada por nós "rotina de atendimento", que também faz parte de uma outra programação de ensino onde participam os mesmos residentes, em outros horários.

Há na escola um período programado imediatamente após esta seleção para os residentes levarem às professoras informações relativas à saúde das crianças quer seja problemas grupal detectado, quer seja individual e que são pertinentes às classes que eles são responsáveis.

b) reuniões com as professoras e diretora: - os residentes realizam reuniões com as professoras e diretora onde são apresentados e discutidos temas de importância para a saúde das crianças. Estes são inicialmente sugeridos pelas professoras, passam por um processo de seleção e análise de conteúdos, realizados pelos supervisores e equipe da SAC, e posteriormente são preparados pelos residentes para a apresentação. Os temas são do tipo: Higiene Corporal, Higiene Alimentar, Orientação diante das doenças infecto-contagiosas, prevenção de acidentes, Educação sexual, na faixa etária da criança na escola de 1° grau.

c) aulas para as crianças: - seguindo a mesma se­quência do preparo das reuniões, são sugeridos temas pelas professoras e crianças, que são selecionados posteriormente por nossa equipe e apresentados pelos residentes às crianças. Os temas são do tipo: Higiene Alimentar, Papel das imunizações, Prevenção de acidentes etc.

Parte II - No Centro de Saúde "Prof Samuel B. Pessoa"

Neste local, situado próximo a área da escola e onde desenvolvem-se outros programas de ensino e assistência da FMUSP, são matriculadas as crianças encaminhadas do "mutirão de saúde" e atendidas em consultórios com supervisão docente. Aqui também são atendidas as crianças selecionadas diretamente pelas professoras.

Existe uma ficha de observação clínica, especificamente desenvolvida para as crianças na faixa etária escolar acompanhada de roteiro de anamnese e exame clínico.

Os residentes são treinados a aplicá-los. Além dos dados de anamnese e exame clínico são ensinados a avaliar o Desenvolvimento Neuro-psicomotor dos escolares (DNPM) e a realizar o Exame Neurológico evolutivo (ENE)22 - LEFÊVRE, A. B. Exame neurológico evolutivo. São Paulo, Sarvier, 1972. simplificado das crianças. Avaliam também acuidade visual através do Teste de Snellem e tem possibilidade de solicitar colaboração assistencial do Hospital Universitário, do Hospital das clínicas de São Paulo quando necessitarem. No mesmo Centro de Saúde há um serviço especializado de Fonoaudiologia, dirigido por docentes da U.S.P. para o qual as crianças também podem ser encaminhadas para atendimento.

Nos períodos que comparecem ao Centro de Saúde após realização da anamnese e exame clínico, teste de Snellem, avaliação de DNPM e ENE dos escolares, os casos clínicos são cuidadosamente discutidos pelos médicos assistentes e são feitos os devidos encaminhamentos, pedidos de exames, dadas orientações gerais e agendamento dos retornos. Nestas ocasiões os residentes tem a oportunidade de entrar em contato com os principais problemas de saúde desta faixa etária33 - SALUM, A. N. et alli. Morbidade de escolares no Estado de São Paulo, 1983. Rev. Paulista de Ped. 5(19): dez., 1987. incluindo os problemas relativos ao mau rendimento escolar, sendo orientados quanto às possíveis soluções, e. esclarecimentos quanto ao seu papel enquanto Pediatra diante deles44 - SUCUPIRA, A. C. S. L. et alli. O papel do pediatra nas dificuldades escolares. Pediat . 8:23-32. 1986. .

Sempre que necessário os residentes podem solicitar visitas domiciliares e até mesmo realizá-las. O roteiro destas visitas é discutido detalhadamente com os elementos da equipe multiprofissional e o médico supervisor do grupo antes da data marcada para a realização.

Em todas estas ocasiões mencionadas os pais são esclarecidos sobre os problemas de saúde de seus filhos e a equipe sempre que necessário procura interagir com as professoras da escola quando considerar isto Importante para a saúde da criança atendida.

  • Avaliação dos Alunos em Estágio de Residência

A avaliação dos alunos faz-se através de conceito emitido pelos professores e também por um trabalho escrito.

  • Avaliação do Programa

A avaliação do programa ê feita pela equipe da SAC e docentes médicos supervisores de grupos em reuniões semanais. Nestas ocasiões são levadas em consideração também as opiniões obtidas dos grupos de residentes que promovem suas avaliações do programa em encontros trimestrais oficialmente programados.

  • Dificuldades encontradas durante o desenvolvimento do programa de ensino.

Durante o período em que vem se desenvolvendo o programa as principais dificuldades foram:

  1. falta algumas vezes de integração entre as diversas unidades de saúde que dispomos para atendimento do escolar, na maioria das ocasiões por estarem com excesso de serviço;

  2. interrupção de nossas atividades por greves de caráter social quer por parte dos elementos das unidades que promovem assistência médica, como também por parte das professoras da escola;

  3. pouca disponibilidade em tempo e número de outros profissionais da equipe de saúde, tais como psicólogas, etc. para promover assistência em saúde a todas as crianças que necessitarem.

Conclusões

Após três anos de trabalho docente-assistencial junto aos residentes diante deste grupo de escolares devemos ressaltar alguns aspectos como conclusões preliminares: 1º) A SAC teve um papel relevante no estabelecimento deste programa de ensino pois propiciou de início condições na escola favoráveis para a implantação do mesmo.

2º) Foi muito importante termos levado em consideração no planejamento deste Estágio de Saúde Escolar.

  1. a ausência de experiências anteriores por parte da maioria dos residentes em trabalhos de desenvolvimento comunitário.

  2. a equipe ter em mente que suas atividades junto aos escolares através dos residentes, encontrava-se limitada pela carga horária dos mesmos e pelo número de residentes disponíveis por semestre.

3°) Terem sido levadas em consideração na determinação do conteúdo do programa duas condições fundamentais para a formação dos residentes de Pediatria:

  1. condições que lhes permitissem aprender melhor a assistência do escolar no consultório procedendo atendimento individual do escolar.

  2. condições que lhes permitissem vivenciar o meio ambiente escolar e que fornecem subsídios para atuarem de um modo mais global e efetivo, em seus serviços junto à saúde do escolar.

4º) A ação multiprofissional integrada, a participação ativa da comunidade e a cooperação interinstitucional foram importantes mantenedoras do programa, situações estas a nosso ver essenciais a todas as programações onde se pretenda elevar os níveis de saúde de uma comunidade, já valorizadas em outros trabalhos55 - RIO GRANDE DO SUL. Secretaria da Educação e Cultura. Departamento de Assitência ao Educanto. Um modelo de saúde comunitária escolar. Porto Alegre. Rio Grande do Sul, 1984..

5°) A avaliação do programa realizada trimestralmente com os residentes forneceu subsídios valiosos para a reformulação do programa, permitindo o mesmo estar mais em acordo com as aspirações do grupo de futuros pediatras em treinamento.

6°) A avaliação do programa realizada sistematicamente por parte dos docentes supervisores e elementos da equipe multiprofissional da SAC permitiu adequar o programa de ensino não somente às necessidades de formação dos futuros Pediatras, como também às neces­sidades sentidas pela população de crianças e professores.

7º) O modo com que tem se desenvolvido o programa tem permitido acumular dados de saúde relativos à morbidade, imunizações, rendimento escolar, e outros desta população que facilitarão o estabelecimento de novas programações de saúde junto a este grupo de escolares.

8°) O próprio programa de ensino tem se mostrado como um facilitador para outras ações que poderão ser desenvolvidas pela SAC nesta comunidade.

Referências Bibliográficas

  • 1
    - SUCUPIRA, A. C. S. L et alli. Programa de ensino de saúde da criança em idade escolar na Residência de Pediatria do Instituto da Criança. Pediat. 2:3-12. 1980.
  • 2
    - LEFÊVRE, A. B. Exame neurológico evolutivo. São Paulo, Sarvier, 1972.
  • 3
    - SALUM, A. N. et alli. Morbidade de escolares no Estado de São Paulo, 1983. Rev. Paulista de Ped. 5(19): dez., 1987.
  • 4
    - SUCUPIRA, A. C. S. L. et alli. O papel do pediatra nas dificuldades escolares. Pediat . 8:23-32. 1986.
  • 5
    - RIO GRANDE DO SUL. Secretaria da Educação e Cultura. Departamento de Assitência ao Educanto. Um modelo de saúde comunitária escolar. Porto Alegre. Rio Grande do Sul, 1984.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Ago 2020
  • Data do Fascículo
    May-Aug 1988
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