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PÓS-GRADUAÇÃO NA ÁREA MÉDICA - ESTUDO DE CASO: RIBEIRÃO PRETO (1970-1987)

Resumo:

O presente artigo contém a apresentação de atividades na pós-graduação na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto desde a implantação dos programas. O objetivo desde logo definido era a formação de docentes e pesquisadores para as áreas Biomédicas e Médicas, capazes de suprimir as necessidades de expansão do ensino superior no país e permitir a nucleação de grupos de pesquisa diferenciados. Ainda que ressaltando o êxito e a consolidação dos programas, o autor examina as possibilidades de reorientação à luz da experiência já vivenciada e das condições atuais do ensino superior brasileiro.

Introdução

Pode-se dizer, com um certo esquematismo, que a pós-graduação stricto sensu, no Brasil, surgiu de uma determinação do Estado e corresponde a um modelo externo com vistas a um objetivo explícito de transformação social. Em sua concepção a forma atual, incorporou ela desde um corpo normativo e de organismos controladores e financiadores, até a definição de planos nacionais.

Assim, a pós-graduação na área médica não podia estar dissociada dessas origens comuns e nem das perspectivas do sistema em referência. As decisões a ela concernentes se delineiam através de uma coerência de poder em relação às tendências da sociedade.

Portanto, a apreciação crítica da pós-graduação na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) necessariamente passa pelo âmbito da vontade de muitos e pelas contradições internas do meio à qual ela pertence, além de sujeita aos mecanismos normativos e operativos retro mencionados.

1. Preliminares à formulação e implantação dos programas

Deve, desde logo, ser ressaltada a velocidade de implantação dos programas de pós-graduação stricto sensu nesta Faculdade. A formulação e implantação ocorrem logo após a aprovação da regulamentação desses programas. De fato à Portaria GR 885/69, de 25 de agosto de 1969, que regulamenta os cursos na Universidade de São Paulo (USP), seguiu-se a Portaria GR 1210/70, de 25 de junho de 1970, que rege os cursos na FMRP. Já nos anos de 1970 e 1971, foram instaladas treze das quinzes áreas desde então aqui mantidas.

Sem dúvida, essa possibilidade foi devida às condições existentes, sustentando a vontade interna. A organização departamental, o regime único de trabalho de dedicação exclusiva à docência e à pesquisa, bem como a identidade fundamental de propósitos e a intimidade entre os centros de ensino e de pesquisa nas áreas básicas e os centros clínicos situavam a FMRP em posição favorável para a implantação imediata dos programas de pós-graduação.

E bem de ver que essas condições já existentes permitiram a elaboração e defesa de Teses de Doutorado pelo sistema antigo, tanto nos departamentos básicos como nos de aplicação. Apesar de haver iniciado as suas atividades em 1952, já em 1955 haviam sido defendidas três Teses de Doutorado. Este número de eleva para 115, no ano de 1970, por ocasião da implantação de pós-graduação stricto sensu. Até o ano de 1974, quando expira o direito daqueles já inscritos no sistema antigo, foram 149 as Teses de Doutorado defendidas: 62 em departamentos básicos e 87 em departamentos clínicos.

Dessa forma, entende-se que a FMRP já dispunha dos ingredientes essenciais e a vivência para adotar o sistema multidisciplinar e interdepartamental preconizado para a pós-graduação stricto sensu.

2. O Pretendido: os objetivos da proposta

Os objetivos dos programas em referência e a importância para o país estão claramente apresentados no primeiro documento público, divulgado em 1971 pela FMRP. O "Boletim dos Cursos de Pós-Graduação (1971-1972)", às fls. 05, contém o que se transcreve:

( ) "Não seria demasiado insistir na grande importância dos Cursos de Pós-Graduação nos níveis de Mestrado e Doutorado, para a formação de docentes e pesquisadores em Ciências Biomédicas. Atualmente, no Brasil, existem 73 Faculdades de Medicina, cujo funcionamento foi devidamente aprovado. Esta Faculdade recebe solicitações para orientar os Cursos de Graduação em muitas delas, sendo que a grande maioria não possui os requisitos mínimos para formar docentes...( ) Admitindo que um Departamento de Ciências Biomédicas não possa ser formado com menos de 3 a 4 elementos, pode-se calcular que o déficit de docentes deve andar por alguns milhares...( ) Em termos de mercado de trabalho, as disponibilidades são imensas e impossíveis de avaliar, numericamente..."

O caráter multidisciplinar e interdepartamental trazia implícita a diferença fundamental entre o que se pode chamar de cursos de especialização e cursos de pós-graduação. Sem ignorar a divisão do trabalho científico como um imperativo da ciência moderna (a especialização), entendia­se que esta etapa da vida do professor universitário deve ser atingida ao fim de aprendizado durante o qual seja capaz de alargar as bases de sua compreensão do fenômeno biológico, químico, físico ou social, e é aqui justamente que entra o sistema de pós-graduação.

3. O Percebido: desenvolvimento da proposta e análise da experiência

Descrever a experiência requer a desagregação dos dados e a seleção de indicadores de desenvolvimento da proposta. Para consecução desses objetivos, levou-se em conta que as relações entre as condicionantes têm o aluno como elemento central do sistema de pós-graduação. No que se refere à extensão da análise, considerou-se também a impossibilidade virtual de examinar objetivamente todos os fatores que atuam no sentido de valorizar ou depreciar o elemento central.

3. 1 Configuração das áreas de conhecimento

Aqui serão apreciados aspectos relativos às Áreas de Concentração, às disciplinas oferecidas, ao elenco docente e a alguns fatores de valorização do sistema.

Áreas de Concentração

A Tabela I mostra a relação das Áreas, nível dos programas, ano de início, formalização do credenciamento no Conselho Federal de Educação (CFE) e a última avaliação pela CAPES. Na Tabela convém destacar: 1) todas as Áreas tem um forte vínculo com a estrutura departamental que lhes deu origem, o que em parte explica que treze delas tinham se organizado tão pronto o sistema tenra sido regu­lamentado. Portanto, na maioria absoluta das Áreas os programas já se aproximam de duas décadas de funcionamento; 2) com uma única exceção, as Áreas já passaram de modo repetido pelo crivo crítico e analítico do CFE; 3) onze das quinze áreas estão classificadas como de excelência (nível A) pela CAPES.

TABELA I
FACULADE DE MEDICNA DE RIBEIRÃO PRETO. PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO. ÁREAS DE CONCENTRAÇÃO.

Disciplinas

A estrutura multidisciplinar impõe que cada aluno obtenha um número mínimo de créditos dentro da sua Área de Concentração e em outras áreas consideradas como conexas ao seu programa de estudos. Esta malha de interdisciplinaridade revela-se complexa na sua execução, já que pressupõe que não existe padronização de programas aplicáveis a uma coletividade estudantil numerosa e com diferença temporal na progressão de estudos individuais.

A Figura 1 ilustra que: 1) o número de disciplinas oferecidas a cada ano, nas áreas básicas e de aplicação, tem apresentado flutuação, não obstante ser relativamente pequena a oscilação na última década. Todas as áreas reunidas (básicas e de aplicação), no último decênio, ofereceram cerca de 110 disciplinas anualmente; 2) em termos de unidade de crédito (1 uc = 12 hs), identifica-se uma diferença apreciável entre as áreas básicas e as de aplicação. Desde o início do funcionamento dos programas as áreas básicas ofereceram 6949 uc e as de aplicação 2890. Do que se deriva é que há uma diferença de carga de crédito por disciplina entre as oferecidas nas áreas básicas e nas de aplicação.

FIGURA 1
FACULDADE DE MEDICNA DE RIBEIRÃO PRETO. PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO. DISCIPLINAS OFERECIDAS.

Elenco Docente

O elenco docente deve ser examinado quanto ao número, titulação, regime de trabalho e procedência.

A Figura 2 mostra que o número de docentes engajados nos programas de pós-graduação aumentou continuamente durante a primeira década, mantendo-se relativamente estável nos últimos anos. De 149 docentes credenciados no ano de 1971, passa para 397 no ano de 1981 e 407 em 1987. Todos têm a titulação mínima de Doutor, sendo que, ressalvadas as exceções, trabalham em regime de dedicação exclusiva à docência e à pesquisa.

FIGURA 2
FACULDADE DE MEDICNA DE RIBEIRÃO PRETO. PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO. NÚMERO DE DOCENTES. ÁREAS (n=15)

Cabe notar a contribuição aos programas de docentes da FMRP e os de outras instituições (Figura 2), cumprindo distinguir as áreas de concentração básicas e as de aplicação. É bem de ver que estamos falando de docentes credenciados em áreas de concentração e não de docentes integrantes de departamentos, o que implica que um mesmo professor pode figurar na relação dos credenciados em mais de uma Área de Concentração.

No ano de 1987, por exemplo, os diversos programas contavam com 301 docentes da própria FMRP (74%) e 106 (26%) de outras instituições. Nesse ano a instituição tinha em seus departamentos 264 professores, dos quais 85% portadores no mínimo do título de Doutor. Em outras palavras, no ano de 1987, 224 professores da FMRP ocupavam 301 credenciamentos em programas de pós-graduação de diversas Áreas de Concentração nessa Faculdade.

No que tange a procedência de docentes, existe uma marcada diferença entre as áreas de concentração básicas e as de aplicação. Esta diferença, que sempre existiu ao longo do funcionamento dos programas, pode ser exemplificada com o ano de 1987. As áreas básicas (n = 6) tinham 166 docentes credenciados, dos quais 91 (55%) da própria FMRP e 75 (45%) de outras instituições; nas áreas de aplicação (n = 9), 210 (87%) e 31 (13%) eram da própria Faculdade e externos a ela, respectivamente.

Recursos de apoio: laboratórios, biblioteca, biotério, suporte administrativo, bolsas de estudo.

Se a instituição foi capaz de - em um determinado momento - definir os seus objetivos e expressar a sua vontade, não teve ela à sua disposição os meios específicos e completos para arranjar-se organicamente e implementar a sua decisão. Os recursos de apoio que usou e que dispõe resultam de uma difícil juntada de meios de diferentes fontes, em um complicado processo de compatibilização de compromissos e interesses.

Os Laboratórios, de um modo geral adequados, são o locus natural de trabalho de docentes e pesquisadores da instituição, servindo aos programas de pós-graduação na medida da participação de professores de disciplinas e de orientadores de alunos nos programas. Apesar de servirem à pós-graduação stricto sensu não contam com recursos específicos, ressalvados os parcos recursos para itens de custeio pela CAPES.

A biblioteca é uma das maiores e mais completas nas áreas biomédicas do País, com 1.718 m2 de área útil. Seu acervo inclui cerca de 75.000 periódicos e 36.937 volumes de livros. São 1.148 títulos de subscrição corrente de revistas científicas. Além da biblioteca do campus, praticamente todas as áreas de concentração contam com recursos bibliográficos básicos de acesso fácil e imediato por parte de alunos e docentes,

O fornecimento pré-programado de animais de experimentação faz do biotério um serviço de padrão excelente. Neste sentido, vale ressaltar que durante o ano de 1987 o Biotério atendeu, praticamente sem restrição, à totalidade dos pedidos (ratos Wistar, ratos Holtzman, cobaias, camundongos, gatos, cães, coelhos, hamsters, pombas, macacos, sapos, cobras, gambás). A título de ilustração, vale referir que dos 39.000 ratos utilizados no campus em 1987 (média mensal de 3.250 ratos), quase 70% o foram pelos departamentos básicos e de aplicação da FMRP.

A Secretaria de Pós-Graduação da FMRP iniciou os seus trabalhos, no ano de 1971, com três funcionárias. Apesar do aumento crescente no volume e na complexidade do funcionamento dos programas, o número de funcionárias elevou-se para sete no ano de 1978 permanecendo, com flutuação anual de mais ou menos hum, neste nível desde então. Além da carência de recursos humanos, a administração convencional não-informatizada limita (a despeito da dedicação e da competência do pessoal) a agilização dessas atividades. Também merece ser destacado que das 15 Áreas de Concentração, apenas 4 possuem secretaria específica; nas demais, os assuntos administrativos da pós-graduação stricto sensu são tratados como apêndices da esfera administrativa dos departamentos.

Elemento fundamental para o desenvolvimento e manutenção dos programas é o oferecimento de bolsas de estudo.

Aqui não nos ocuparemos das incertezas quanto ao número de bolsas destinadas a cada ano, irregularidades episódicas de atraso de pagamento, valor nominal de cada bolsa e tampouco do nível de exigências (e.g. tempo máximo de concessão, regime de trabalho dos alunos, política adotada por cada agência financiadora) estabelecidas por cada órgão do setor público envolvido com esses programas e seus impactos.

Das três principais agências de apoio aos programas de pós-graduação destaca-se a CAPES, que concedeu 1.030 (64%) das 1.600 bolsas já recebidas (Tabela II). É aparente que as agências privilegiam o nível de Mestrado, talvez como decorrência do nível de exigência e da demanda correspondente. Se é dominante o apoio da CAPES às áreas de aplicação em nível de Mestrado, o mesmo não transparece da atuação do CNPq e da FAPESP cujo apoio é maior no nível de Doutorado.

TABELA II
FACULDADE DE MEDICINA DE RIBEIRÃO PRETO. PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO. FONTES FINANCIADORAS - BOLSAS

3.2 Alunos: demanda, procedência e perdas

Desde o início de funcionamento dos programas até o ano de 1987 inscreveram-se (intenção) 3.055 pessoas, das quais 1968 efetuaram matrícula (aceitação). Para o ano acadêmico de 1988 foi concedida matrícula a 90 dos 150 inscritos. Do conjunto resulta um valor médio de relação inscrição: matrícula da ordem de 1.55:1.00.

A Figura 3 e a Tabela III contém desdobramentos da demanda (inscrição e matrícula) ao longo do período sob análise.

FIGURA 3
FACULDADE DE MEDICNA DE RIBEIRÃO PRETO. PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO. INSCRIÇÃO E MATRÍCULA DE NOVOS ALUNOS. ÁREAS BÁSICAS E DE APLICAÇÃO.

A Figura 3 (que inclui a entrada para o ano acadêmico de 1988), permite alguns destaques: 1) à grande demanda no primeiro ano de funcionamento ocorreu intensa redução no ano imediatamente subsequente; 2) seguiu-se um período de recuperação de interesse e de relativa estabilidade que se manteve por cerca de uma década; 3) ao "pico" registrado em 1984 seguiram-se anos consecutivos de menor demanda; 4) o número de inscritos e matriculados para o ano acadêmico de 1988 é o menor verificado desde 1974.

Se esses dados forem desagregados por Áreas de Concentração (Tabela III), verifica-se diferença bastante acentuada entre elas. Nas áreas básicas, para o ano de 1988, registra-se o menor número global de inscrições desde o ano de 1974; nas de aplicação, apesar do declínio de intenção durante o último quinquênio o número supera os observados durante a década inicial de implantação e consolidação dos programas.

TABELA III
FACULDADE DE MEDICINA DE RIBEIRÃO PRETO. PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO. INSCRIÇÕES POR ÁREAS

O exame da procedência imediata dos alunos matriculados agrupados em dois quinquênios (1972-1976 e 1982-1986) permitiu a construção das Tabelas IV e V. A grande desigualdade de procedência imediata dos alunos, entre as regiões geoadministrativas do Brasil, transparece muito evidente na Tabela IV. De um total de 1.040 alunos matriculados, 791 (76,0%) e 131 (12,5%) - procedem das regiões Sudeste e Nordeste, respectivamente. A contribuição das demais regiões ê pouco expressiva.

TABELA IV
FACULDADE DE MEDICINA OE RIBEIRÃO PRETO. PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO. PROCEDÊNCIA DE ALUNOS

TABELA V
FACULDADE DE MEDICINA DE RIBEIRÃO PRETO. PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO. PROCEDÊNCIA DE ALUNOS

A desagregação dos dados, dentro da região Sudeste, nos dois quinquênios, revela alterações dignas de comentário (Tabela V). No período 1972-1976, cerca de metade dos alunos matriculados tinham como origem a própria cidade de Ribeirão Preto; a outra parcela significativa procedia de outras cidades do interior do Estado de São Paulo. Após uma década, no período 1982-1986, esta situação praticamente se inverte no que respeita as cidades de Ribeirão Preto e as demais cidades do interior do estado. Também significativo foi o aumento do número de alunos oriundos de Minas Gerais.

É bem de ver que a entrada no sistema (Figura 3) tem a contrapartida de perdas (temporárias ou permanentes) representadas por trancamento de matrícula e evasão (Figuras 4 e 5).

FIGURA 4
FACULDADE DE MEDICNA DE RIBEIRÃO PRETO. PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO. TRANCAMENTO DE MATRÍCULAS. ÁREAS BÁSICAS E DE APLICAÇÃO.

FIGURA 5
FACULDADE DE MEDICNA DE RIBEIRÃO PRETO. PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO. EVASÃO E TRANCAMENTO DE MATRÍCULAS.

Em princípio a situação do trancamento, pela possibilidade de rematrícula, deve ser vista como perda temporária. Como ilustrado na Figura 4, ao longo do período ocorreram 233 trancamentos de matrícula, sendo 59% nas áreas de aplicação e 41 % nas áreas básicas. Notar que o "pico" mais recente de trancamento de matrícula nas áreas de aplicação corresponde ao ano de 1987.

Deve ser enfatizado que do total (n=233) com direito de reingresso nos programas, obedecidos os prazos regimentais, apenas 55 (23,6%) reativaram a matrícula. Isso não equivale a dizer que outros não tomaram a mesma decisão, porém tenha-se em conta que somente 55 alunos (segundo semestre de 1986 e primeiro semestre de 1987) ainda têm condições técnicas de rematrícula. Em outras palavras, se todos esses alunos ainda com possibilidade de reingresso optassem pelo retorno (o que parece improvável) a perda definitiva dos programas apenas associada com a situação do trancamento será da ordem de 53%.

A Figura 5 mostra que, apesar das oscilações verificadas ao longo do período, o ano de 1987 representa o "pico" de evasão e trancamento nos programas de pós-graduação stricto sensu.

3.3 Produtividade e destino acadêmico dos titulados

Conforme foi dito acima, o objetivo maior dos programas de pós-graduação stricto sensu da FMRP era a formação de docentes e pesquisadores em Ciências Biomédicas e Médicas. Assim, devem ser examinadas na produtividade a titulação e o destino acadêmico dos titulados nesses programas.

Desde o início dos programas foram defendidas 687 dissertações de Mestrado e 425 teses de Doutorado. Como seria de se esperar houve uma defasagem entre a instalação dos programas e a produção regular de dissertações e teses, no caso em pauta de cerca de cinco anos (Figura 6). As oscilações anuais no número de dissertações e teses defendidas são explicáveis pelas características próprias de funcionamento dos programas, que rejeita o caráter de "turma" e reforça o de "individualidade" (orientador-aluno).

FIGURA 6
FACULDADE DE MEDICNA DE RIBEIRÃO PRETO. PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO. TITULAÇÃO.

O tempo médio de titulação deve ser considerado na produtividade dos programas, pelo que decidimos calcular o tempo (meses) decorrido entre a matrícula e a defesa de alunos (n=39) que completaram o Mestrado e o Doutorado nos anos de 1967 e 1986, respectivamente. Em 1976, o tempo médio (n=10) foi de 35,7 ± 8,6 no Mestrado e (n=7) 26,4 ± 13, 7 no Doutorado; em 1986, ele foi respectiva­mente de 46,3 ± 19,4 e 54,1 ± 17,2 no Mestrado (n=11) e no Doutorado (n=11).

O destino acadêmico de 396 titulados, Mestrado e Doutorado, aparece na Tabela VI. Esses dados devem ser confrontados com aqueles relativos à procedência imediata dos alunos (Tabela IV), ressalvadas as. diferenças numéricas. A Tabela VI mostra a farta absorção pelas instituições da região Sudeste (62,3%) contrastando com a inexpressiva participação das regiões Norte (4,2%) e Contro-Oeste (2,7%).

TABELA VI
FACULDADE DE MEDICINA DE RIBEIRÃO PRETO. PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO. DESTINO ACADÊMICO DE ALUNOS

Além da absorção no ensino superior pelas diversas regiões geoadministrativas, a Tabela VI mostra que a admissão dos titulados praticamente só ocorre em instituições públicas (estaduais e federais), sendo desprezível a contratação por instituições superiores de direito privado (3,5%).

Dos 396 titulados cujo destino acadêmico foi possível identificar, 182 (45,9%) foram contratados pelas universidades estaduais paulistas USP, UNESP e UNICAMP. O destaque fica para o campus de Ribeirão Preto da USP que absorveu 105 (27,2%) dos titulados.

No período de 1970 a 1987, a FMRP admitiu 77 egressos dos programas de pós-graduação stricto sensu (Figura 7). Deve ser notado: 1) durante os primeiros nove anos (1970-1978) foram admitidos 54 a 23 nos nove anos subsequentes (1979-1987); 2) na primeira metade retro (1970-1978), 47 foram contratados como Auxiliares de Ensino e 7 na categoria de Assistente-Doutor, enquanto na segunda metade (1979-1987) os Auxiliares de Ensino e Assistentes-Doutores foram 10 e 13, respectivamente.

TABELA VII
FACULDADE DE MEDICINA DE RIBEIRÃO PRETO. PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO. DESTINO ACADÊMICO DE ALUNOS. UNIVERSIDADES ESTADUAIS.

FIGURA 7
FACULDADE DE MEDICNA DE RIBEIRÃO PRETO. PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO. PROGRESSÃO ACADÊMICAS ADIMITIDOS NA F.M.R.P. n=(77)

4.O Previsto

É possível antever o futuro da pós-graduação médica stricto sensu com base no percebido em uma unidade de ensino? A resposta não será mais do que especulativa. Ter-se-ia que admitir que a unidade em referência é representativa do conjunto, bem como reconhecer - que nela a pós-graduação foi alicerçada em objetivos e recursos internos bem definidos e imediatamente disponíveis antes da implantação dos programas. De outro lado, convém destacar que nela a pós-graduação não está dissociada das origens comuns e nem das perspectivas dos programas nacionais que se criavam sob a inspiração do Estado. Vale dizer que as decisões a ela concernentes têm que se delinear por intermédio de uma coerência de poder em relação às tendências evolutivas da sociedade e da própria consciência nacional (condicionantes conjunturais).

As críticas metodológicas recaem na seleção dos indicadores e no universo examinado. Os indicadores (e.g., de natureza e qualidade, quantitativos) foram usados como reveladores de comportamento retrospectivo, a partir dos quais foram tomados como base para a projeção de tendências. Mas, o mais importante - é aquele que possa revelar o êxito do cumprimento da missão. De outro lado, as críticas incorporam o reconhecimento de que não se examina a totalidade de universo, mas se extraem tendências a partir de amostragem.

Feitas essas ressalvas, forçoso é reconhecer que os programas de pós-graduação stricto sensu na FMRP alcançaram sucesso acadêmico e estão consolidados. Mas, também, é de consideração obrigatória a admissão de riscos inerentes a qualquer processo conducente à cronificação; os maiores deles, é bem de ver, são o distanciamento das metas iniciais e o funcionamento regular pelas forças inerciais estabelecidas ao longo do processo.

Não se pode deixar de comentar a velocidade de expansão e a centralização departamental, com reflexos operacionais e distorções pedagógicas.

O caráter centralizador departamental limitou ou inibiu a autonomia da pós-graduação stricto sensu, tornando-a dependente dos compromissos gerais e meios e vontades do departamento. Por ser uma atividade a mais a ser cumprida, a centralização não estimulou iniciativas inovadoras e não permitiu a organização técnica-administrativa que às situações reclamavam.

Treze dos quinze programas tiveram início de funcionamento nos dois primeiros anos da década de 70 e, desde então, apenas dois outros foram implantados (o último deles há dez anos). Se a velocidade de expansão tornou-se possível graças ao forte vínculo departamental, não há como deixar de reconhecer que essa subordinação tornou-se um óbice à criação de novas áreas de objetivo interdepartamental e multidisciplinar. Os programas, ao reterem dominante base profissional, dificultam as mudanças para novas situações que se fazem necessárias.

Ainda no âmbito da subordinação departamental - no contexto das exigências programáticas - emerge o inconveniente da chamada caça aos créditos. Essa situação existe, já que o oferecimento de disciplina pelas Áreas tem sido limitado. Conceitualmente o aluno deve desconcentrar os créditos, completando o seu programa individual com créditos das disciplinas dos domínios conexos. Mas, a limitação de ofertas, torna a caça ao crédito angustiante e o recurso é usar o arco e a flexa no que aparecer pela frente e atirar no que estiver mexendo, como preceituado nas boas regras da caça.

Provavelmente o fato mais preocupante é a menor demanda durante o último quinquênio, em algumas Áreas em particular. Se admitirmos que o rigor de seleção aos programas permanece o mesmo, então a baixa verificada no número de matrículas deve corresponder a uma queda real de interesse pelos programas. A tal respeito, certamente os condicionantes conjunturais desempenham papel relevante na geração ou não de estímulos e interesses. A recíproca são as perdas temporárias (trancamento de matrículas) e definitivas (evasão) verificada nos últimos anos.

Os indicadores quantitativos de que nos servimos revelam algumas ações, mas não permitem interpretar com segurança em toda a sua extensão os objetivos do sistema de pós-graduação stricto sensu.

Esses objetivos se orientam fundamentalmente para a solução dos problemas considerados centrais. Um deles é a adequação do sistema às necessidades reais presentes e futuras do país, no caso em tela, através da produção científica e formação acadêmica. O outro objetivo é a diferença fundamental entre o que se pode chamar de cursos de especialização e cursos de pós-graduação. Portanto, para que sejam compatíveis com as prioridades nacionais, deve aumentar o número de opções para que possam passar a figurar como alternativas para os alunos.

Informações disponíveis, para estabelecer a produtividade, incluem o número de titulados pelos programas, em determinado espaço temporal, o tempo médio de titulação e o destino acadêmico dos titulados.

É inquestionável a excelente produtividade, em termos de número de dissertações e teses defendidas. Mas, não estamos em condições de avaliar o destino desses trabalhos. Teriam sido publicados? Se o foram, tiveram aceitação em revistas de rigoroso padrão editorial? Já a análise do tempo médio de titulação revela aumento do tempo para a conclusão do Mestrado e Doutorado, quando comparados dois quinquênios separados por uma década.

Inquietação maior resulta da constatação da absorção dos titulados pelas escolas de ensino superior. Quando se toma em conta a participação respectiva do setor público e do setor privado nos encargos de ministração do ensino superior, a constatação de que apenas 3,5% dos titulados foram absorvidos pelas escolas da rede privada é a um só tempo decepcionante e alarmante. Em uma conjuntura adversa em que o Estado limita a aplicação de recursos, inclusive em setores essenciais, desenha-se sombrio o futuro acadêmico dos titulados egressos da pós-graduação stricto sensu. Em tais condições, é forçoso reconhecer, egressos das áreas básicas e de aplicação serão compelidos a adentrar mercado de trabalho que não era aquele previsto nos objetivos dos programas.

Tais críticas ganham força quando se reconhece que a limitação do aproveitamento dos titulados representa mais do que uma adversidade conjuntural. Elas incluem: 1) a dissociação entre a educação (a ciência) e as necessidades nacionais; 2) a pouca consciência das lideranças políticas quanto a conveniência de utilizar os estudos avançados como instrumentos dentro dos estágios de desenvolvimento; 3) a incapacidade e/ou desinteresse do ensino superior sensu latu para adequação às características da pós-graduação; 4) a falha do planejamento educacional que não levou em consideração marcantes objetivos regionais, mas, apenas tímidos desdobramentos de diretrizes nacionais.

Ao cabo de quase duas décadas, diante do percebido, recomenda-se o reexame do sistema de pós-graduação. Entre outras razões: 1) a institucionalização do sistema nas universidades, como instrumento formador e de progressão do elenco docente na carreira; 2) a implantação de novos programas; 3) a extinção de outros reconhecimentos não prioritários e incapazes de alcançar os padrões e objetivos do sistema; 4) a endogenia cultural; 5) o nível (Mestrado e Doutorado) de titulação oferecido pelos diversos programas.

Se a conjuntura adversa recomenda - no que tange aos objetivos e curso social - repensar a pós-graduação stricto sensu, há que se considerar possível modificação futura com retomada de interesse. Se, nesta hipótese, houvessem sido desativados os programas de forma ampla, correr-se-ia o risco de no futuro não haver disponibilidade de pessoal docente e pesquisadores qualificados. Em outras palavras, teríamos recuado algumas décadas nos objetivos nacionais nos campos da educação e da saúde. Entre uma e outra possibilidade, cabe a decisão de adequar a demanda e priorizar a admissão de pessoal já com vínculo docente e com potencial para a nucleação de grupos de pesquisa.

Ê possível antever que alguns programas devem avançar para um estágio adiante, com o oferecimento prioritário de Doutorado e de pós-doutorado. E é dentro desta concepção, com o cuidado de afastar qualquer ideia de curso no pós-doutoramento, que os estágios de pesquisa de doutores de alto nível podem ser estimuladores de novas direções para a geração de conhecimentos de que a universidade carece em seu papel de transformação da sociedade, atendendo às suas necessidades através da geração de competências mais avançadas.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Ago 2020
  • Data do Fascículo
    May-Aug 1988
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