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INTERNATO EM CLÍNICA MÉDICA - O PRONTO ATENDIMENTO COMO ATIVIDADE

Resumo:

Os autores analisam os relatórios dos plantões realizados pelos alunos internos de Clínica Médica no Serviço de Pronto Atendimento (SPA) do Hospital Universitário da Santa Maria (HUSM), no período de janeiro de 1984 a dezembro de 1985. Os capítulos da Classificação Internacional de Doenças com maior incidência, nos 13.328 diagnósticos, foram "Doenças do aparelho respiratório" (2.055 casos, 15,4%), "Sintomas, sinais e afecções mal definidas" (1.951 casos, 14,64%), "Lesões e envenenamentos" (1.701 casos, 12,76%), Doenças do aparelho circulatório" (1.247 casos, 9,36%).

Infecções respiratórias agudas (1.120 casos, 8,40%), hipertensão (508 casos, 4,35%) e distúrbios mentais não psicóticos (522 casos, 3,92%j foram as doenças predominantes.

Cada interno realizou, em média, 13,87 horas de plantão semanalmente.

A maioria dos atendimentos não caracterizaram situações de urgência; muitos diagnósticos foram indefinidos· salientam que os doutorandos necessitam adequado preparo em Medicina de Urgência e que o SPA do HUSM necessita se adequar a sua realidade.

Unitermos:
Ensino Médico; Internato; Internato em Clínica Médica; Pronto Socorro; Urgência em Clínica Médica

Summary:

The authors analised the written reports of the inter­nship students on duty on the first-aid clinic of the HUSM, from January 1984 to December 1985. The chapters of International Diseases Classification with the highest incidence were "Respiratory Tract Diseases" (2055 cases, 15,42%), "Sintomas, Signes and Ill-deffined Affections" (1951 cases, 14,64%), "Lesions and Poisonings" (1701 cases, 12,76%), "Circulatory Tract Diseases" (1247 cases, 9,36%).

Acute respiratory infections (1120 cases, 8,40%), hypertension (508 cases, 4,35%) and non psicotic mental disturbances (522 cases, 3,92%) were the most frequent diseases.

Each intern spent about 13,87h on duty per week.

The greatest part of the consultations were not urgent, so many diagnosis were poorly defined. The authors analised these factors implying that the interns need a better orientation on emergency service medicine, as wel1 as that this service needs to adequate to the local reality.

Introdução

As normas que regem o Internato Médico no Brasil202. BRASIL. Ministério de Educação e Cultura. Conselho Federal de Educação. Resolução n. 9 de 24 de maio de 1983. D.O.U. de 30/05/85.), (303. BRASIL. Ministério de Educação e Cultura. Secretaria de Educação Superior. Manual do Internato 1984. p.13 (Série de cadernos de Ciências da Saúde, n.7). visam a formação do médico geral e evitam a especializaçao precoce, ainda no curso de graduação. Com esse objetivo, os alunos internos devem passar pelas áreas de Clínica Médica, Cirurgia, Pediatria e Tocoginecologia.

Na Universidade Federal de Santa de Maria (UFSM), o internato Curricular no Departamento de Clínica Médica (DCM) apresenta em seu programa uma série de atividades, entre as quais estão os plantões no SPA do HUSM visando permitir aos alunos adquirir experiência em Médicina de Urgência, especialmente na área de Clínica Médica

No presente trabalho, apresenta-se um apanhado geral sobre esta atividade no Internato em Clínica Médica (ICM) no período de janeiro de 1984 a dezembro de 1985.

Material e Métodos

De janeiro de 1984 a dezembro de 1985, 5 grupos de alunos realizaram plantões do SPA do HUSM, havendo um período de meados de maio a meados de agosto de 1984 em que os plantões não ocorreram por haver greve na UFSM. O primeiro grupo constou de 16 alunos da turma de formandos de junho de 1984 (grupo 84J) e com período de estágio previsto para 60 dias no DCM. O segundo grupo constou de 39 formandos de dezembro de 1984 (grupo 84D) e com estágio do DCM previsto para cerca de 90 dias. O terceiro grupo, de 12 formandos de junho de 1985 (grupo 85J) e com período de estágio previsto para cerca de 90 dias. O quarto grupo, de 33 alunos formandos de dezembro de 1985 (grupo 85D) e com estágio no DCM previsto para 60 dias. O quinto grupo constou de 28 alunos formandos de junho de 1986 (grupo 86J), com estágio no DCM previsto para 60 dias. Os grupos 84J, 84D, 85J, 85D e 86J foram divididos em 4, 5, 4, 3, e 2 subgrupos (84J-1 a 84J-4; 84D-1 a 84D-5; 85J-1 a 85J-4; 85D-1 a 850-3; 86J-1 e 86J-2), respectivamente, conforme o período de estágio.

As diversas atividades destes grupos de alunos, incluindo os plantões, foram distribuídos de modo a atingir a carga horária em torno de 45 (quarenta e cinco) horas semanais de atividades por aluno.

Em cada plantão o aluno preenchia uma ficha-relatório padrão em que anotava a data do plantão, o número de horas de plantão, o diagnóstico dos pacientes atendidos, devendo receber a assinatura do médico plantonista, servindo, assim, como relatório da atividade e também como comprovante de presença do aluno. Os pacientes eram atendidos pelos doutorandos sendo supervisionados pelo médico plantonista.

A análise de todos os relatórios dos plantões realizados pelos doutorandos de janeiro de 1984 a dezembro de 1985, permitiu saber a carga horária desempenhada pelos alunos nesta atividade e os diagnósticos mais frequentes entre os pacientes atendidos pelos doutorandos.

Usou-se a Classificação Internacional de Doenças (CID), para a divisão dos diagnosticas por grupos404. CLASSIFICAÇÃO INTERNACIONAL DE DOENÇAS. Porto Alegre, Sagra S.A. Editora e Distribuidora, 1981.

Os achados se referem exclusivamente aos casos atendidos pelos doutorandos de Clínica Médica.

Resultados

A Tabela I mostra que os alunos do grupo 84J desempenharam uma média de 26,26h de plantão por semana de estágio do DCM, os do grupo 84D, 16,54h; os do grupo 85J, 10,84h; os do grupo 85D, 10,92h e os do grupo 86J, 10,23h.

TABELA I
Grupos de alunos, carga horária e períodos de estágio.

Levando-se em conta o número de alunos, os dias de estágio e o número total de horas de plantões chegou-se à média ponderada de 13,87 horas semanais de plantão por aluno.

A Tabela I mostra ainda que nem todas as turmas tiveram o período de estágio com a duração inicialmente prevista.

Os pacientes atendidos levaram a um total de 13.328 diagnósticos elaborados pelos doutorandos. A Tabela II mostra a relação dos diagnósticos mais frequentes, segundo a CID.

TABELA II
Distribuição dos diagnósticos pelos grandes capítulos da Classificação Internacional de Doenças. 13328 atendimentos (janeiro/84-dezembro/85)

Pelo vasto número de patologias, são apresentadas apenas aquelas com incidência maior do que 30 (trinta) vezes.

Comentários

Não há normas estabelecidas sobre quais as atividades que devem compor um programa de Internato em Clínica Médica, nem qual a carga horária de cada uma delas.

Achamos que 12 a 24 h semanais de plantão estão mais de acordo com a realidade do mercado de trabalho que os médicos recém-formados encontram, devendo servir como carga horária básica no Internato e, nos anos seguintes, sofrer análise adequada de sua validade.

O período de estágio encurtado de vários subgrupos ocorreu, principalmente, devido à greve ocorrida nas universidades do Brasil, em 1984, o que levou a modificações no calendário escolar previamente estipulado.

Os dados mostrados na Tabela II dão ideia dos diagnósticos mais frequentes. Dos 13,328 diagnósticos, 1932 (14,50%) estão no capítulo "Sintomas, Sinais e Afecções Mal Definidas" da CID. Isto se explica pela real dificuldade que existe em se fazer um diagnóstico num primeiro atendimento, acrescida da pouca experiência dos doutorandos em Medicina de Urgência. Tal fato demonstra a necessidade de um planejamento adequado para o atendimento destes pacientes. Uma atenção especial à triagem no serviço de emergência nos moldes preconizados por Gross e Fox606. GROSS, P. L. & FOX, S. S. A triagem do Serviço de Emergência. In: Pronto Socorro: Fisiopatologia, Diagnóstico e Medicina de Urgência. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan S.A ., 1982 (edição em língua portuguesa)., poderia ser de utilidade no HUSM.

Os achados mostram ainda que o SPA do HUSM funciona mais como um grande ambulatório geral do que um serviço de pronto atendimento, pois a maioria dos diagnósticos não caracterizam emergências. Isto se deve provavelmente ao fato de haver maior procura do que oferta de con­sultas nos ambulatórios do HUSM onde o número de consultas é limitado; em contrapartida, não há limites para atendimento no SPA.

Segundo Wilkings Jr., "...o projeto e funcionamento de qualquer pronto-socorro constituem o produto de vários fatores, sendo os principais a demanda pública e o compromisso da administração hospitalar de satisfazer as necessidades da comunidade"808. WILKINGS Jr., Earle W. Planejamento e Operação do Pronto Socorro. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan S.A ., 1972. Cap.33, p.631-40 (edição em língua portuguesa).. Quanto a estes aspectos, nos­sos achados podem auxiliar a administração do HUSM, fornecendo subsídios para tornar o SPA mais capacitado do ponto de vista físico, funcional e humano a atender sua real demanda.

Felipe Jr. enumera muito bem as qualidades que deve ter um médico socorrista, comentando em nosso meio a falta de especialidade Socorrista505. FELLIPE Jr., J. de. O médico e o paciente no Serviço de Emergência. In: Pronto Socorro: Fisiopatologia, Diagnóstico e Tratamento. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan S.A., 1983. Cap. l, p.1-2., profissional responsável pelo tratamento de pacientes que procuram o pronto-socorro, médico este que deveria ter grande experiência.

O comum, porém é terem os serviços de pronto-socorro o atendimento feito por médicos recém-formados, geralmente sem experiência maior em Medicina de Urgência e muitas vezes ligados a uma especialidade, sem a formação de médico geral. Isto é fruto de uma estrutura de ensino que vem sendo alvo de publicações que diagnosticam as falhas na formação de médicos no Brasil101. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MÉDICA. Preparação do médico geral. Rio de Janeiro, ABEM, 1983 (Série Documentos da Associação Brasileira de Educação Médica, n.5).), (707. SOUZA, Carlos A. M. de. Ensino de Clínica Médica. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO MÉDICA, 4. Belém, 9-12 nov. 1977. Anais... Belém, ASEM, 1977. p.21-7..

No HUSM, acresce-se a isto o fato de não haver docentes do Curso de Medicina no SPA, ficando a orientação docente dos alunos a cargo dos médicos plantonistas, que são médicos contratados pelo HUSM.

O relacionamento entre médico plantonista e aluno fica baseado na troca de utilidades: o aluno ajuda o médico diminuindo-lhe os afazeres e em troca recebe orientação. É lógico que diante deste quadro o aprendizado não é o ideal, mas é o que se dispõe no momento, havendo muito por fazer para melhorá-lo.

Os achados são utilidade ainda para se planejar uma melhor preparação dos alunos para atender no SPA, seja através de seminários, aulas, elaboração de rotinas etc.

O próprio currículo de Clínica Médica deve ser analisado à luz destes achados, adaptando-se mais à realidade de nosso meio.

Referências Bibliográficas

  • 01
    ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MÉDICA. Preparação do médico geral. Rio de Janeiro, ABEM, 1983 (Série Documentos da Associação Brasileira de Educação Médica, n.5).
  • 02
    BRASIL. Ministério de Educação e Cultura. Conselho Federal de Educação. Resolução n. 9 de 24 de maio de 1983. D.O.U. de 30/05/85.
  • 03
    BRASIL. Ministério de Educação e Cultura. Secretaria de Educação Superior. Manual do Internato 1984. p.13 (Série de cadernos de Ciências da Saúde, n.7).
  • 04
    CLASSIFICAÇÃO INTERNACIONAL DE DOENÇAS. Porto Alegre, Sagra S.A. Editora e Distribuidora, 1981
  • 05
    FELLIPE Jr., J. de. O médico e o paciente no Serviço de Emergência. In: Pronto Socorro: Fisiopatologia, Diagnóstico e Tratamento. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan S.A., 1983. Cap. l, p.1-2.
  • 06
    GROSS, P. L. & FOX, S. S. A triagem do Serviço de Emergência. In: Pronto Socorro: Fisiopatologia, Diagnóstico e Medicina de Urgência. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan S.A ., 1982 (edição em língua portuguesa).
  • 07
    SOUZA, Carlos A. M. de. Ensino de Clínica Médica. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO MÉDICA, 4. Belém, 9-12 nov. 1977. Anais... Belém, ASEM, 1977. p.21-7.
  • 08
    WILKINGS Jr., Earle W. Planejamento e Operação do Pronto Socorro. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan S.A ., 1972. Cap.33, p.631-40 (edição em língua portuguesa).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Ago 2020
  • Data do Fascículo
    May-Aug 1988
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